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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC CURSO DE PSICOLOGIA LUCAS MIGUEL FRANCO APRECIAÇÃO DO CONTEÚDO MINISTRADO EM TERAPIAS E TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS II CRICIÚMA 2022 Introdução Este trabalho visa elucidar uma compreensão pessoal sobre o conteúdo de Terapias e Técnicas Psicológicas II, ministrado pelo Prof. Esp. Maicol de Oliveira Brognoli, do curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. Por se tratar de uma perspectiva pessoal, o acadêmico abordará os temas que mais lhe chamaram a atenção dentro da Psicologia Analítica, bem como utilizará obras da qual tem familiaridade para ilustrar sua compreensão particular sobre o assunto. Psicologia Analítica de Carl Jung Carl Gustav Jung formulou a Psicologia Analítica como uma teoria que procura explicar o funcionamento e a estrutura da psique humana. Embora sua teoria tenha se fundamentado nos conceitos da Psicanálise, como o Consciente (os aspectos acessíveis da mente) e o Inconsciente (os conteúdos inacessíveis, porém presentes e influentes, da mente), Jung procurou expandir estes conceitos para amplificar a compreensão de fenômenos que a Psicanálise não dava conta de explicar, para isso, desenvolveu conceitos que se tornaram característicos de sua abordagem, tais como: Consciente Coletivo: formado por conteúdos da mente que só podem ser acessados quando o indivíduo o experimenta em grupo. Inconsciente Coletivo: o conjunto de conteúdos reprimidos e inacessíveis por um grupo, mas que podem, em algum momento, virem à tona para o consciente coletivo. Desta forma, para distinguir os conceitos coletivos, Jung chamou de Consciente Pessoal e Inconsciente Pessoal aqueles postulados pela Psicanálise. Além disso, sobre o conteúdo presente nestas estruturas, Jung chamou de Arquétipos os modelos conceituais que existem no inconsciente coletivo, ou seja, os conteúdos inacessíveis, porém presentes de forma comum em todas as pessoas. Os Arquétipos são a base para os Complexos: conteúdo do inconsciente pessoal, formado pelo padrão de emoções, memórias e desejos relacionados há um tema comum (o arquétipo), mas experienciado de forma diferenciada pela subjetividade de cada pessoa. Outro conceito marcante na Psicologia Analítica é a Sombra, que, para Jung, "é a parte negativa da personalidade, isto é, a soma das propriedades ocultas e desfavoráveis, das funções mal desenvolvidas e dos conteúdos do inconsciente pessoal" (JUNG, 2007b, p. 58). Ou seja, é na sombra que se encontram as tendências moralmente repreensíveis. Porém, ela não pode simplesmente ser deixada de lado, pois uma vez que a soterremos em meio ao mar de conteúdos psíquicos, sua influência sobre nós cresce consideravelmente. Também é na Sombra que nossos instintos, nossos impulsos criativos, e outras inúmeras possibilidades de encontros consigo mesmo aguardam para serem resgatadas. Por último, mas não menos importante, deve-se ressaltar como Jung propõe o conceito de Sonho e suas interpretações. Enquanto Freud postulava que os sonhos eram conteúdos reprimidos pelo inconsciente, e nada mais eram do que uma consequência expressiva desses conteúdos. Jung, por outro lado, procurou ir mais além em sua reflexão, para ele, nem todo conteúdo dos sonhos era de natureza “reprimida”, mas também expressava tendências do inconsciente pessoal. Apesar de não negar a importância das causas que levavam um sonho a ser como era, Jung também procurou abordar a finalidade da sua natureza, perguntando-se “para quê” aquele sonho se apresentava de tal maneira? O que o inconsciente estava tentando comunicar? Que possibilidades ele estava tentando mostrar? Dessa maneira, verificamos uma sutil relação entre os sonhos e a relação do sonhador para com o futuro. Durante as aulas, o autor deste trabalho viu-se constantemente associando os conceitos de Jung com uma famosa obra que estava lendo, tais associações se mostraram bastante pertinentes na apreensão do conteúdo, tal qual os mitos tem como principal função a de revelar o inconsciente. É a relação desta obra com os conceitos de Jung abordados anteriormente que este trabalho procurará evidenciar a partir de agora. Sandman: Arquétipo do Sonho Sandman é uma história em quadrinhos criada por Neil Gaiman, cujo protagonista é ninguém menos do que a personificação dos sonhos, Morfeus (também conhecido como Sonho, Oneiros, Sandman, Kai’Ckul, Gato dos Sonhos, etc), governante do Sonhar e origem de todos os sonhos e pesadelos. Morfeus é um Perpétuo, uma entidade imortal cuja existência perpassa onde quer que exista um ser capaz de sonhar, independente do tempo ou do espaço. Aqui é possível refletirmos sobre a ideia de que até o conceito de sonho possui um Arquétipo (um modelo no inconsciente coletivo). Mas a história de Sandman vai além, pois dependendo de com quem Morfeus interage, sua aparência também muda. Podendo mudar de raça, gênero, espécie, entre outros. Podemos associar a alternância de sua forma tanto a origem grega de seu nome (Morphéus, lit "moldador; a forma”) quanto a sua natureza, a de moldar sonhos. Mas também podemos verificar as diferentes formas que um Complexo pode tomar a partir de um Arquétipo, ocorrendo de maneiras diferentes dependendo de quem as experiencia, mas sempre mantendo seu núcleo arquetípico. A história de Sandman começa a ser narrada a partir do momento em que uma seita de pessoas em busca da imortalidade realiza um ritual para aprisionar a Morte (outro Perpétuo), mas por acidente acabam aprisionando seu irmão, Sonho. O parentesco entre ambos remete ao mito grego de Morfeu e Tânatos, deuses do sonho e da morte, respectivamente. Mas a Morte não é sua única Figura 1 – Morfeus Figura 2 – Kai’Ckul Figura 3 – Gato dos Sonhos irmã, os Perpétuos são formados por sete entidades, todos representando a personificação de um conceito inerente à vida: Sonho (ou Devaneio), Morte (ou Desencarnação), Destino, Desejo, Desespero, Destruição e Delírio (que no passado já foi Deleite, e no futuro será outra coisa). Os membros da família de Morfeus dispensam apresentações, pois suas presenças e seus conceitos (ou Arquétipos) são familiares a todos os seres vivos. Após ser aprisionado, Morfeus tem seus pertences roubados pelos mortais, objetos simbólicos que lhe conferiam poder sobre seu reino, o Sonhar. Quando finalmente retoma sua liberdade, Sonho percebe que sua prisão não ocorreu sem consequências. Uma delas foi o desaparecimento de alguns dos súditos mais estimados em seu reino, que agora caminhavam pelo mundo mortal. Entre eles estava Coríntio, o pesadelo criado por Morfeus, cujo papel é o de mostrar aos seres humanos seus conteúdos mais sombrios. Segundo as Figura 4 – Os Perpétuos palavras do próprio Sonho, o Coríntio seria “um espelho negro feito para refletir tudo que a humanidade recusa a confrontar em si”. Fica nítido que, na obra, o Coríntio representa a Sombra de Morfeus, alguém encarregado de fazer o que o próprio Sonho não quer, mas que, apesar de tudo, é sua tarefa. Dessa forma, Morfeus tenta projetar sua Sombra para fora de si, ignorando-a, moldando-a em um pesadelo que ele recusava a enxergar como parte de si mesmo. Assim, não integrado a Morfeus, quando o Coríntio percebe a ausência de seu senhor, vê a oportunidade de ir para o mundo mortal e espalhar a única coisa que lhe havia sido ensinada: os pesadelos da maldade humana. Quando Jung procurou analisar os sonhos através de uma perspectiva de “finalidade”, ou seja, “para que serve a atividade cerebral quando dormimos?”, ele concluiu que uma das funções do sonho era o de equilibrar os conteúdos do consciente e do inconsciente, o de ajudar o sonhador a conhecer a si mesmo e, em uma perspectivamais objetiva, o de ajudar na sobrevivência, simulando possibilidades do futuro para preparar o indivíduo para os eventos que estavam por vir. É interessante pensarmos que a palavra “sonho” pode significar, em diversos idiomas, além do “conteúdo da mente durante o sono”, uma “ideia ou ideal dominante que alguém ou um grupo busca com interesse ou paixão”, ou em um sentido figurado, um “desejo vivo, intenso e constante; anseio”. O autor de Sandman tinha ciência disso quando escreveu a passagem em que Morfeus desce até o inferno para recuperar um de seus pertences roubado pelos mortais e que agora estava em posse de um demônio. Para decidir o impasse, Lúcifer propõe um desafio em que Morfeus e o demônio deverão competir propondo conceitos que se sobrepõe ao proposto pelo Figura 5 – O Coríntio adversário. Vence aquele que deixar o oponente sem um conceito que possa triunfar sobre o do outro. Assim, o demônio inicia: Eu sou um lobo medonho, espreitando sua presa, sou um carnívoro implacável. No que Morfeus rebate: Eu sou um caçador montado a cavalo, lanceador de lobos. Que é seguido pelo demônio: Eu sou uma mutuca picando o cavalo e derrubando o caçador. O embate de diálogo se segue até o resultado derradeiro, quando Morfeus chega ao limite, dizendo: Eu sou o universo... englobando todas as coisas, acalentando a vida. Que é rebatido pelo demônio com: Eu sou a antivida, a besta fera do juízo final, eu sou as trevas no fim da existência. O fim dos universos, deuses e mundos... de tudo. Em seguida, Morfeus profere as palavras que vencem o duelo e deixam o outro sem saber o que dizer: Eu sou a esperança. Assim, Sonho recupera seu pertence, mas encontra obstáculo para sair do inferno, pois Lúcifer percebe que o Perpétuo está enfraquecido pelos anos aprisionado: Diga-nos por que deveríamos deixá-lo partir? – pergunta Lúcifer – [...] Que poder tem os sonhos no inferno? E Morfeus responde, acentuando as palavras que lhe garantiram a vitória no duelo: Que poder o INFERNO teria se aqueles aqui confinados NÃO fossem capazes de SONHAR com o PARAÍSO? Quando Jung procura definir a finalidade dos sonhos, pretende “designar simplesmente a tensão psicológica imanente dirigida a um objetivo futuro”. Percebe-se então uma relação entre os conceitos de sonho e esperança, afinal, o que seria a esperança senão as fantasias criadas diante das possibilidades originadas pelo que conhecemos (nosso conteúdo psíquico), e o que seriam nossos sonhos noturnos, senão essas mesmas fantasias, criadas através da linguagem do inconsciente? Conclusão O presente trabalho procurou apresentar uma percepção pessoal sobre os conteúdos abordados na disciplina de Teorias e Técnicas Psicológicas II, buscando demonstrar os conceitos da Psicologia Analítica, como Consciente/Inconsciente Coletivo e Pessoal, Arquétipos e Complexos, Sombra e Interpretação dos Sonhos utilizando, de maneira resumida, a narrativa da obra Sandman para evidenciar sua compreensão. Cabe ressaltar que esta tentativa soa um pouco metalinguística, quando algumas técnicas Junguianas procuram justamente interpretar conteúdos psíquicos através de mitos e obras de narrativa. Referências GAIMAN, Neil. Sandman. Edição Definitiva (vol. 1, 2, 3, 4). São Paulo: Panini Books, 2010. JUNG, C.G. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis, Vozes. (2007b). Morfeu. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Morfeu > Acesso em: 01 mai 2022.
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