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9 Capítulo 1 O Serviço Social com grupos Darlene de Moraes Silveira Seção 1 A história do Serviço Social com grupos O Serviço Social chega ao Brasil na década de 1930, com a primeira escola criada em São Paulo, em 1936, seguida da escola do Rio de Janeiro, em 1937. O surgimento e o desenvolvimento do Serviço Social no Brasil tem sua gênese relacionada à negação dos antagonismos oriundos do capitalismo, presentes no acelerado processo de industrialização mundial. As práticas sociais revestiam-se de ações humanizantes e tinham o sentido da minimização desses antagonismos. Práticas contraditórias do Serviço Social, assim, considerado “tradicional”, negando os conflitos existentes e atuando sem as percepções sócio-históricas de tais condições, realizando processos de adaptação, orientação e administrando conflitos mediante “certas técnicas de ajuda”. Para a compreensão do que se qualifica como “Serviço Social tradicional”, recorre-se a José Paulo Netto (2005, p. 6), pois o autor apresenta-o sumariamente como: prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada, orientada por uma ética liberal burguesa, que, de um ponto de vista claramente funcionalista, visava enfrentar as incidências psicossociais da ‘questão social’ sobre indivíduos e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social como um dado factual ineliminável. book_trabalho_social_com_grupos.indb 9 28/03/16 14:21 10 Capítulo 1 Com abordagens marcadas pelo atendimento individualizado, as orientações voltavam-se para as adaptações dos sujeitos às condições impostas pela sociedade capitalista. Diante do avanço da questão social, frutos das relações sociais contraditórias, de exploração e de dominação, ampliam-se também as demandas para o Serviço Social. Como forma de responder paliativamente a essas demandas, o Serviço Social brasileiro adota o trabalho com grupos já em vigência, nos países da Europa e da América do Norte, como resposta imediata aos dramas e consequências da II Guerra mundial e, assim, influenciando o Serviço Social da América Latina. Ao apontar o início da abordagem com grupos no Serviço Social brasileiro, Faleiros (1985, p. 23), descreve as características destes grupos: A partir de 1945, o Serviço Social enfatizou o trabalho com grupos, geralmente grupos recreativos e de lazer. Na sociedade norte-americana, a finalidade destes grupos era de “democratizar” os seus membros, proposição ao nazismo, e resolver problemas pessoais de seus membro. Segundo Konopka, os grupos de Serviço Social tinham a finalidade de possibilitar a internalização dos valores da sociedade norte-americana, por meio da interação. Mais tarde os grupos, em Serviço Social, foram utilizados com fins terapêuticos, no sentido de melhor adaptação do homem ao seu meio. Na década de 1960, o Serviço Social no Brasil apresentava três métodos, quais sejam: atendimento de caso, grupo e desenvolvimento de comunidade. O atendimento de caso tratava de atender o indivíduo em busca de uma solução imediata para as situações e dificuldades do cotidiano, como desemprego, fome, moradia, entre outros. Sobre o Serviço Social com grupos, Faleiros (1985, p. 24) escreve que: Os grupos em Serviço Social são considerados como um conjunto de pessoas em integração, por intermédio dos quais se busca ‘harmonizar os interesses’, chegar ao consenso, à compreensão, a objetivos comuns, dentro do sistema. Estes objetivos são avaliados segundo princípios eternos e valores imutáveis, como a dignidade do homem e o bem-estar ideal. O desenvolvimento de comunidade emerge no Serviço Social como uma resposta modernizadora com o propósito de trabalho com a população, tendo a planificação como a solução para o subdesenvolvimento. Inicialmente, as ações ocultavam as contradições inerentes ao avanço do sistema capitalista e de urbanização. book_trabalho_social_com_grupos.indb 10 28/03/16 14:21 11 Trabalho Social com Grupos Esses métodos reduziam as potencialidades da ação profissional, mascaravam os fundamentos da sociedade com base capitalista e as contradições a ela inerentes. Transformavam o Serviço Social em ações fragmentárias e de especializações (assistente social de ‘caso’, ou de ‘grupo’ ou de ‘comunidade’), desconectando instrumentais e técnicas da visão de totalidade e de leitura de contexto social. No caso do trabalho com grupos, como escreve Moreira (2013, p. 52): A influência positivista esteve nas reflexões dos profissionais de Serviço Social sobre o tema em pauta durante a década de 1970 e mesmo em meados da década seguinte. O trabalho dos agentes de Serviço Social tinha como fim sempre o indivíduo, independentemente das ações profissionais realizadas. O viés da ajuda circundava notadamente a lógica do trabalho dos então chamados ‘assistentes sociais de grupo’. Mas não uma ‘ajuda’ nos moldes iniciais da nossa profissão, marcada por ações persuasivas e coercitivas. Tais ações deram lugar a umaajuda menos autoritária, mas ainda norteadas por vieses conservadores. Nas décadas seguintes, o Serviço Social brasileiro mergulha em revisões de ordem teórica e metodológica, ética e política. As reflexões e necessárias revisões envolviam a fragmentação da ação profissional, que se vinculava à leitura recortada da realidade social e repercutiam em ações segmentadas. Processos interventivos que Iamamoto (1998, p. 55) destaca como “as abordagens unilaterais, antes acentuadas, acabaram por provocar um relativo afastamento entre o Serviço Social e a própria realidade social, o que explica a reiterada proclamação da urgência de um estreitamento de vínculos entre ambos”. As rupturas, no caso do Serviço Social, envolvem os estigmas e práticas repressivas/assistencialistas e as construções - por meio de concepções e práticas libertadoras (com suas especificidades). Os pontos norteadores dos novos sujeitos sociais correspondem a projeções políticas imbuídas de expectativas de democratização da relação entre Estado e sociedade rumo à construção de uma ‘nova ordem societária’. As revisões no Serviço Social não significaram o abandono dos diferentes instrumentais de trabalho, entre eles o atendimento individual, o trabalho com grupos e de organização comunitária/social. Paulatinamente, a ação profissional passou a considerar amplo acervo técnico-operativo, porém, com a exigência de sintonia deste com a realidade social em suas demandas e necessidades sociais. book_trabalho_social_com_grupos.indb 11 28/03/16 14:21 12 Capítulo 1 A relação do assistente social com o trabalho com grupos vem perpassando a história do Serviço Social no Brasil, como escreve Moreira (2013, p. 11), pois: O trabalho com grupos é uma prática inerente à cultura profissional do assistente social e está presente no trabalho de campo desde seus primórdios. Mesmo após todas as mudanças pelas quais o Serviço Social brasileiro experimentou - em especial com o Movimento de Reconceituação - este instrumento permanece ocupando um importante lugar no arsenal técnico- operativo de seus profissionais. Muitas são as formas de se explorar a dimensão político-pedagógica do assistente social durante um trabalho grupal. O trabalho com grupos em Serviço Social também foi ressignificado. Deixou de ser um “método” que colocava uma espécie de especialização, tornando o/a “assistente social de grupo”, passando a ser mais um importante instrumento no processo de intervenção profissional. As transformações ocorridas no Serviço Social a partir das décadas de 1970 e 1980, com a inspiração da teoria social marxista e a forte influência dos ensinamentos de Paulo Freire e a educação popular, trouxeram novas perspectivas para o trabalho com grupos em Serviço Social. Já na década de 1990, o Serviço Social com grupos é parte integrante da Lei nº 8.662/1993, que dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências, com o seguinte texto: Artigo 4º.Constituem competênciasdo Assistente Social: (...) III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; (...) No mundo contemporâneo, o Serviço Social é chamado a contribuir no enfrentamento à questão social, preparando-se para tanto. Os novos rumos ético- políticos, teórico-metodológicos e técnico-operativos (dentre estes o trabalho com grupos) sintetizam o alinhamento da profissão com a realidade social. A permanente sintonia e qualificação profissional são exigências da realidade social. book_trabalho_social_com_grupos.indb 12 28/03/16 14:21 13 Trabalho Social com Grupos Sobre este aspecto, Iamamoto (1998, p. 49) escreve que: Exige-se um profissional qualificado, que reforce e amplie a sua competência crítica; não só executivo, mas que pensa, analisa, pesquisa e decifra a realidade. Alimentado por uma atitude investigativa, o exercício profissional cotidiano tem ampliadas as possibilidades de vislumbrar novas alternativas de trabalha neste momento de profundas alterações na vida em sociedade. O novo perfil que se busca construir é de um profissional afinado com a análise dos processos sociais, tanto em suas dimensões macroscópicas quanto em suas manifestações cotidianas; um profissional criativo e inventivo, capaz de entender o tempo presente, os homens presentes, a vida presente e nela atuar, contribuindo, também, par moldar os rumos de sua história. Enfim, o/a assistente social tem o desafio cotidiano de acionar diferentes instrumentais de trabalhado, entre eles o trabalho com grupos, alinhando-se às demandas da realidade social devidamente integrado com os sujeitos (indivíduos e grupos), com os quais interage profissionalmente. São desafios do Serviço Social brasileiro que devem alinhar-se com os princípios fundamentais do Código de Ética, pois é a partir deles que ocorre a constituição das orientações para a ação profissional, no sentido que reflete Marilda Iamamoto (2001, p. 78): Os princípios constantes no Código de Ética são focos que vão iluminando os caminhos a serem trilhados, a partir de alguns compromissos fundamentais acordados e assumidos coletivamente pela categoria. Então ele não pode ser um documento que se ‘guarda na gaveta’: é necessário dar-lhe vida por meio dos sujeitos que, internalizando seu conteúdo, expressam-no por ações que vão tecendo o novo projeto profissional no espaço ocupacional cotidiano. Essa sintonia profissional exige a permanente formação e/ou qualificação, fundamentando o caráter crítico reflexivo e a proposição das ações que envolvem a intervenção do/a assistente social, como determina o Código de ética profissional do/a assistente social (1993), entre seus princípios fundamentais: compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional. book_trabalho_social_com_grupos.indb 13 28/03/16 14:21 14 Capítulo 1 Seção 2 Os grupos e as ações socioeducativas É na sociedade moderna que o/a homem/mulher aparece como ser histórico. Sociedade em que mais se desenvolve o ser social e, contraditoriamente, onde há maior alienação. O homem/mulher compreendidos como ser social são sujeitos da história, capazes de autodeterminar-se, de criar suas próprias leis, de ser universal, consciente, pertencente ao gênero humano. Como bem sinalizou Torres (1985, p. 11): “os grupos existem para satisfazer as diversas necessidades que os seres humanos possuem e que não poderiam resolver sozinhos”. A sociedade é o conjunto das relações entre homens e mulheres. Seres históricos, construtores da história. Os apontamentos de Marx remetem ao pensamento do/a homem/mulher como sujeito da história e consciente, pertencente ao gênero humano. Em ‘A ideologia alemã’, apresenta-se a percepção de que: a produção das ideias, representações, da consciência está a princípio diretamente entrelaçada com a atividade material e o intercâmbio material dos homens, linguagem da vida real [...] os homens são os produtores das suas representações, idéias, etc. [...[ a consciência nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo real de vida.( Marx 1981, p. 29). O pensamento com bases históricas e materialistas reporta à reprodução do ser social, que se faz por meio do próprio homem/mulher. Assim, tudo o que diz respeito ao homem deve ser analisado aqui historicamente, a partir da percepção do real. Tudo o que se quiser investigar está pautado na história, sem recorrer ao transcendente. O/a homem/mulher estão carregados da dinâmica da sociedade, do seu tempo e apreendendo seus fenômenos. Ser histórico não é apenas saber que os fenômenos e suas determinações existem, mas constitui também ir à gênese desses fenômenos – determinações fundantes. Para além do acompanhamento da constituição histórica dos fenômenos, é preciso identificar sua processualidade. book_trabalho_social_com_grupos.indb 14 28/03/16 14:21 15 Trabalho Social com Grupos Para Marx, o ser social se desenvolve de forma progressiva, distanciando- se, no entanto, da concepção linear e evolutiva, é parte da riqueza humana, que é critério para se pensar a ética e o pleno desenvolvimento de todas as potencialidades e capacidades do ser humano, como a sociabilidade, e a liberdade. O ser humano é genérico e universal. Também envolve a consciência, os desejos (subjetividade) e o conhecimento. Assim, a liberdade é valor e capacidade. A liberdade se torna valor mediante a capacidade dos homens de se conscientizarem da sua capacidade. Capacidade de realizar escolhas entre alternativas viávei,s com o propósito de responder suas necessidades. A liberdade está intrinsecamente vinculada à capacidade de escolha, não há escolha sem as alternativas, e somente se tem alternativas se o homem/mulher constituí-las. A liberdade é condição ontológica da existência do/a homem/mulher - ser social. E é sobre essa liberdade que o Código de Ética profissional do/a Assistente Social concebe ao prever entre seus princípios fundamentais ao contemplar “reconhecimento autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais”. Ao se referir sobre a libertação, Marx & Engels (1981, p. 32) expõem “[...] que não é possível conseguir uma libertação real a não ser no mundo real e com meios reais [...] a libertação é um acto histórico, não um acto do pensamento, e é efetuada por realções históricas [...]”. A sociabilidade corresponde à compreensão de que o/a homem/mulher é um ser que existe em relação a outros homens/mulheres. É um ser que ao mesmo tempo é produto e produtor de suas condições históricas na relação social com outros homens/mulheres. A consciência, ainda na visão de Marx (1981, p. 30): “Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência”. O autor ressalta ainda que “a consciência é, pois, logo desde o começo, um produto social, e continuará a sê-lo enquanto existirem homens” (1981, p. 39). Ao compreendermos o grupo como espaço de vivências, de aprendizagens coletivas, o homem/mulher nele inseridos tem a oportunidade de socializar experiências e ensinar/aprender reciprocamente. O grupo, na abordagem deste texto, torna-se a expressão da percepção do ser social na sua totalidade, envolvendo a razão, as aprendizagens, a emoção e suas vivências cotidianas. Isso perpassado por procedimentos, fundamentos teórico- metodológicos que orientam ações técnico-operativas carregadas da dimensão lúdica do encontro com os indivíduos que passam a compor o grupo, interagindo com a perspectiva educativa. book_trabalho_social_com_grupos.indb 15 28/03/16 14:21 16 Capítulo 1 Retomando a dimensão educativa do trabalho com grupo, importa saber que ela pode ocorrer no sentido ampliado como: as reuniões,encontros, assembleias, encontro com uma família, entre outros. O encontro entre os indivíduos de forma sistemática, mediante objetivos compartilhados, gerando interações sociais, é um fértil campo para desencadear experiências educativas. Transformar os encontros do cotidiano em espaços de experiências educativas é o desafio colocado ao Serviço Social na relação com grupos. Passam a ter esse caráter quando os indivíduos assumem sua condição de sujeitos, apropriando-se da realidade e paulatinamente interferindo nela. Seguindo nesse viés, encontramos apoio em Paulo Freire (1985, p. 30), ao destacar que: Quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu trabalho pode criar um mundo próprio. Considerando o aporte teórico-metodológico do Serviço Social, o trabalho com grupos envolve a atividade continuada de trocas entre seus componentes e a difusão de conhecimento, de forma a contribuir para um processo educativo a partir das experiências e do conhecimento dos sujeitos. O processo educativo na organização de grupos é perpassado pelo caráter democrático e participativo, proporcionando novas percepções da realidade e das formas como nos relacionamos com ela. Paulo Freire (1985, p. 86) ressalta que assim “nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela”. O que realmente importa ao pensarmos sobre o Serviço Social com grupos é valorizar o encontro do grupo como espaço educativo, onde os indivíduos passam a ter a oportunidade de novas experiências e novas relações em sociedade. É um espaço que envolve a ressignificação dos valores e percepções do mundo. O grupo é também espaço de prazer, pois todo o processo educativo, de aprendizagens para a vida social, também se configura, ou, assim deve ser, de forma prazerosa, contemplando, desse modo, todas as dimensões do humano. Reafirmamos, com Rubem Alves, que “só aprendemos aquelas coisas que nos dão prazer e é a partir da sua vivência que surgem a disciplina e a vontade de aprender”. book_trabalho_social_com_grupos.indb 16 28/03/16 14:21 17 Trabalho Social com Grupos Assim, chamamos a atenção para o desenvolvimento de atividades perpassadas pela dimensão lúdica, gerando as condições adequadas para o harmonioso funcionamento do grupo. Ao oportunizar a integração grupal, o relaxamento, a confiança mútua entre os componente do grupo cria-se um ambiente acolhedor, que possibilitará a socialização das vivências, os novos aprendizados, as trocas e as mudanças necessárias para a concretização dos acessos (às políticas de direitos) e da humanização do/a homem/mulher. Ao assistente social que trabalha com grupos, segue-se a perspectiva de Freire (1996, p. 81) ao escrever que: Como educador preciso ir ‘lendo’ cada vez melhor a leitura do mundo que os grupos populares com quem trabalho fazem de seu contexto imediato e do maior de que o seu é parte. O que quero dizer é o seguinte: não posso de maneira alguma, nas minhas relações político-pedagógicas com os grupos populares, desconsiderar seu saber de experiência feito. Sua explicação do mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo tem vem explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo ‘leitura do mundo’ que precede sempre a ‘leitura da palavra’. Essa perspectiva auxilia a reduzir resistências e na superação das inseguranças nas relações entre os componentes do grupo. Cabe ao Serviço Social o fomento à condição autônoma do/a homem/mulher, na mesma direção do pensamento de Freire (1996, p. 59) “o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros”. Ao dispor de técnicas e dinâmicas de grupo, é possível potencializar a qualidade das relações entre os indivíduos, o encontro do indivíduos consigo mesmo e a profusão de novos conhecimentos. Nesse sentido, a abordagem de Freire (1996, p. 69) converge com essa perspectiva, ao abordar que: Mulheres e homens, somos únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito. book_trabalho_social_com_grupos.indb 17 28/03/16 14:21 18 Capítulo 1 O desenvolvimento de grupos, como instrumentos em Serviço Social, é mediado por técnicas que deve oportunizar processos de conscientização e de autonomia aos sujeitos que dele fazem parte. A atenção do/a assistente social é para o alinhamento ao projeto ético político profissional em sintonia com as demandas e interesses do grupo. Nesse sentido, o trabalho com grupos não se restringirá ao grupo isolando-o do contexto territorial e social. Tal qual prevê os fundamentos do Serviço Social, a dimensão da totalidade e a dialeticidade das relações sociais devem perpassar o trabalho social. O trabalho social dirige-se, portanto, à possibilidade de os sujeitos se descobrirem como tal, assim como o reconhecimento de sua identidade social e valores, construindo vivências novas e refletindo sobre as experiências. Essa não é tarefa de fácil execução, pois a sociedade com seu traços capitalistas tem suas marcas na competição, no individualismo e no descompromisso de uns pelos outros. Contrariando essa perspectiva, o trabalho social com grupos oportuniza o ‘encontro’ e a dimensão do ser eminentemente ‘social’. Seção 3 A dimensão ético-política e técnico-operativa do trabalho com grupos Ao pensarmos o Serviço Social com grupos, partimos da compreensão de grupo como um conjunto de pessoas que interagem conjuntamente e compartilham os mesmos objetivos. A ação conjunta reflete o aspecto relacional entre as pessoas que compõem o grupo. Para avançarmos nas definições de grupo, recorremos a Wefort citandoPichon- Riviere eLewin. A abordagem trazida por Wefort (1994, p. 16) lembra a concepção de Pichon- Riviere, ao tratar de grupo: Quando um conjunto de pessoas movidas por necessidades semelhantes se reúnem em torno de uma tarefa específica. No cumprimento de desenvolvimento das tarefas, deixam de ser um amontoado de indivíduos, para cada um assumir-se enquanto participante de um grupo com um objetivo mútuo. book_trabalho_social_com_grupos.indb 18 28/03/16 14:21 19 Trabalho Social com Grupos Para Lewin (1989, p. 48) a formação de um grupo emerge: A partir do momento que temos três ou mais pessoas se comunicando e trocando informações podemos dizer que elas estão se movimentando, aprendendo, e se há uma interação há a dinâmica. Portanto, para o autor, a dinâmica de um grupo é o seu movimento. São abordagens que convergem na percepção de que o grupo passa a existir a partir do encontro de pessoas e quando essas apresentam interesses e/ou objetivos comuns num movimento que acompanha a vida em sociedade. O Serviço Social associa-se a essa percepção, sintonizando o agrupamento de pessoas, suas características e interesses individuais, alinhadas ao propósito coletivo (construção de objetivos de grupo) com a realidade social. É a compreensão de que um grupo é uma totalidade dinâmica (não é abstrato), autônoma e compõe um determinado contexto social. Deve ser compreendido em razão desse contexto e das ideologias que o cercam (do nível conceitual, cultural, simbólico e de expectativas expressas pelo grupo). É importante destacar o que escreve Moreira (2013, p. 47): Compactuamos com a concepção gramsciana de que cultura e política são elementos indissociáveis. A cultura de determinados grupos sociais é, portanto, a base fundante do direcionamento político que estes empenham em suas ideias e ações. Os arcabouçosculturais dos segmentos apresentam-se no terreno da prática como resultantes das variadas formas de inserção às quais esses grupos foram submetidos e se postaram no curso dos processos sócio-históricos. O trabalho com grupos exige o ordenamento dos aspectos ético-político, teórico- metodológico e técnico-operativos da profissão. Exige ações planejadas, acompanhadas e com avaliação sistemática, em busca do desenvolvimento de habilidades, de flexibilidade pedagógica e de dinamismo para o reconhecimento do desenvolvimento do processo grupal. book_trabalho_social_com_grupos.indb 19 28/03/16 14:21 20 Capítulo 1 Ao tratar do Serviço Social com grupos, MIOTO (2009, p. 507-508)) escreve que: A formação de grupos é altamente recomendável porque permite, por meio da reunião de diferentes sujeitos, a realização do processo educativo de forma coletiva. Tanto nas reuniões como nos encontros individuais (entrevistas), que são s instrumentos utilizados para a abordagem dos sujeitos, o desenvolvimento do processo educativo se faz com a utilização de inúmeros recursos. Esses incorporam técnicas de dinâmica de grupo, recursos audiovisuais, técnicas de reconhecimento do território, entre outras (...) todo o seu percurso necessita de planejamento e avaliação sistemática. Independentemente dos recursos educativos para a interação com o grupo, o planejamento das ações, definindo o caminho educativo com os sujeitos do grupo, é fundamental para o processo interventivo do/a assistente social. E o planejamento é parte singular da ação profissional, tal qual escreve BAPTISTA (2000; p. 13) sobre a abordagem do planejamento social:”na perspectiva lógico- racional, refere-se ao processo permanente e metódico de abordagem racional e científica de questões que se colocam no mundo social [...] supõe ação contínua sobre um conjunto dinâmico de situações em um determinado momento histórico”. Para a autora, “ a dimensão política do planejamento decorre do fato de que ele é um processo contínuo de tomada de decisões, inscritas nas relações de poder, o que caracteriza ou envolve a função política” (Baptista, 2000; p. 17). Ao apresentar uma definição de planejamento social, Baptista (2000, p. 14), focaliza-o como uma “ferramenta para pensar e agir dentro de uma sistemática analítica própria, estudando as situações, prevendo seus limites e suas possibilidades, propondo-se objetivos, definindo-se estratégias”. A abordagem sobre o planejamento social remete-nos inicialmente à perspectiva de mudança social, pois mais do que a organização técnica das ações está contida a melhoria ou consecução das ações desejadas e compartilhadas com os sujeitos, componentes de grupos, envolvidos com a ação profissional. O Serviço Social desenvolve o processo de trabalho na perspectiva de mudança social, porém, a mudança só se efetiva quando emerge do próprio grupo. O trabalho com grupos exige a compreensão diagnóstica do sujeito indivíduo e do grupo, para além das questões imediatas ou emergentes. Trata-se de conhecer a realidade de cada indivíduo e da trajetória de formação do grupo. Tem o propósito de subsidiar o/a assistente social em busca de proposições as quais serão a base do diálogo com o grupo. book_trabalho_social_com_grupos.indb 20 28/03/16 14:21 21 Trabalho Social com Grupos O conhecimento do grupo e da realidade que o envolve é um processo cumulativo, dinâmico e de participação coletiva permeada por aproximações sucessivas. O diagnóstico deve articular as informações diretamente vinculadas aos componentes do grupo, ao contexto territorial e determinações macroeconômicas e sociopolíticas. O Serviço Social com grupos envolve a definição de finalidades, de atribuições e de papéis a partir da realidade de cada grupo. O trabalho com grupos não se inscreve em modelos pré-concebidos. Ressaltamos o que escreve Mioto (2009, p.): É importante assinalar que as ações socioeducativas se constituem como processos que se constroem e se reconstroem continuamente, não existindo modelos pré-definidos. Porém, para desenvolvê-las, é necessário estabelecer um alto grau de coerência entre a direção teórico-metodológica e ético-política e a definição dos objetivos e dos procedimentos operativos. Esse passa a ser um desafio constante para o/a assistente social, a compreensão de permanente reflexão sobre a realidade de cada grupo, assim como de cada movimento do grupo nos diferentes tempos de formação dele. A atribuição fundamental do profissional de Serviço Social é o de ser um facilitador para o grupo. Essa atribuição é compartilhada com os integrantes do grupo. Partindo dessa percepção, recorre-se a Martinelli (1998, p. 149) ao abordar que o/a assistente social deve: Saber estabelecer uma nova relação com a profissão tendo presente que quem produz a prática são os sujeitos sociais dela participantes - agentes institucionais e usuários - e quem a legitima são exatamente esses usuários e não os mandantes e/ou contratantes da prática. O/a assistente social atua nas lutas sociais em defesa da consolidação e ampliação dos direitos sociais e da cidadania, e a agenda de trabalho com grupos deve ser perpassada por essa percepção, prescrita pelo Código de ética profissional do/a assistente social (1993), cujo conteúdo nesse viés é aqui destacado em parte: “defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras”. book_trabalho_social_com_grupos.indb 21 28/03/16 14:21 22 Capítulo 1 Entende-se a cidadania como algo que deve ser conquistado e não apresentado aos sujeitos. A cidadania não se encontra garantida pelos direitos básicos, mas sim pela apropriação de si mesmo enquanto sujeitos de direitos, que tem nas mãos a responsabilidade de fazer história. Há uma dimensão educativa na ação profissional do/a assistente social, como escreve Martinelli (1998, p. 147) ao conceber a prática educativa: Toda a prática social concebida na perspectiva que estamos anunciando é verdadeiramente uma prática educativa: é a expressão concreta da possibilidade de trabalharmos com os sujeitos sociais na construção de seu real, de seu viver histórico. É uma prática que se despoja da visão assimétrica dos sujeitos com os quais trabalha e que se posiciona diante deles como cidadãos, como construtores de suas próprias vidas. É, portanto, prática do encontro, da possibilidade do diálogo, da construção partilhada. Nessa direção, encaminha-se o trabalho do/a assistente social com grupos, buscando promover ações fundamentadas no aporte teórico- metodológico e ético-político do Serviço Social, fortalecendo a cidadania e a possibilidade de emancipação dos sujeitos. Nas palavras de Freire (1985, p. 30), “quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu trabalho pode criar um mundo próprio”. Ao prever o trabalho social com grupos, faz-se necessário retomar o pensamento de Iamamoto (1998, p. 24) sobre o objetivo do Serviço Social nos seguintes termos: Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública, etc. Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem, se opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade, [...]... a questão social, cujas múltiplas expressões são o objeto de trabalhocotidiano do assistente social. book_trabalho_social_com_grupos.indb 22 28/03/16 14:21 23 Trabalho Social com Grupos Um dos desafios na prática profissional é de separar, na prática, a elaboração de planos de intervenção da relação com o sujeito indivíduo e o grupo, assim como com o contexto comunitário ou organizacional. Na prática, significa que os indivíduos devem participar de todo o processo de planejamento das ações nas mais variadas dimensões da vida social e de políticas sociais, tais como: a educação, a saúde, assistência social, a política ambiental, trabalhando com grupos de idosos, de crianças, de gestantes, pessoas se preparando para a aposentadoria, grupos de famílias, de mulheres, entre outros. A construção da identidade de cada grupo vai delimitar o acervo temático e a agenda de trabalho. Cabe ao assistente social desenvolver debates e atividades sobre temas inerentes ao cotidiano do grupo de forma acolhedora e afetiva, sem perder a perspectiva fundante do Serviço Social e a intencionalidade política no processo de planejamento das ações. Trata-se de contemplar de forma coletiva as questões que envolvem o cotidiana dos indivíduos, porém, sem subtrair a atenção individualizada. Sobre este tema envolvendo o trabalho do/a assistente social com grupo, Moreira (2013, p. 110) concebe que “o trabalho com grupos aparece assim com o intento de deslocar para o âmbito da coletivização questões que são comumente individualizadas”. O/a assistente social e os componentes do grupo estão numa relação dialógica, onde todos têm a possibilidade de expor-se à mudança em meio ao caminho percorrido de interação entre o profissional e os sujeitos do trabalho social (componentes do grupo). Ratificando essa perspectiva, retoma-se o pensamento de Moreira (2013, p. 117) ao escrever que: Ao profissional comprometido com os processos pedagógicos de caráter emancipatório cabe a tarefa permanente de dialogar, que por sua vez implica na disposição de falar e ouvir, de dar voz e vez, em uma reflexão individual e grupal, possibilitando a elaoração e o fortalecimento de culturas centradas em valores solidários e coletivos. É justamente a incidência no campo do conhecimento, dos valores, dos comportamentos, ou seja, no campo da cultura, que se alargam as possibilidades para o assistente social colocar-se na função de um intelectual capaz de possibilitar ao usuário a percepção de contradições que se apresentam na realidade devidamente fetichizada por influência da ação da ideologia. book_trabalho_social_com_grupos.indb 23 28/03/16 14:21 24 Capítulo 1 As informações devem circular, ocorrer as trocas, possibilitando a descoberta de significados comuns. Essa é a atitude que considera o grupo com efetiva capacidade de, com a devida orientação, construir as alternativas para a superação das dificuldades e/ou caminhar rumo a novas oportunidades e conquistas. Tal desafio colocado aos assistentes sociais exige buscas teóricas, aprofundadas e incorporadas às observações e práticas, conforme Freire (1985, p. 11): “pensar a prática é, por isso, o melhor caminho para pensar certo”. As ações envolvem estudo e qualificação permanente dos profissionais, refletindo sobre os limites, possibilidades e desafios do contexto socioeconômico-cultural que envolve cada componente do grupo e o movimento do mesmo. O profissional de Serviço Social deve estar atento para o desenvolvimento de habilidades, como a comunicação, a criatividade envolvendo técnicas e dinâmicas de grupo. Para Iamamoto (1998, p. 20), cabe ao assistentes sociais a função propositiva, assim expressa pela autora: Um dos maiores desafios que o assistente social vive no presente é desenvolver a capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergente no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo. As mediações que surgem no acompanhamento aos grupos são direcionadas para a transformaçãoda relação do/a homem/mulher com a natureza. A consciência se amplia, a criatividade aflora, voltando para o/a homem/mulher a compreensão de que ele/ela pode transformar a natureza, que possui capacidade para tal. Os contatos e orientações com o grupo devem ocorrer com base na compreensão de liberdade e pela postura democrática, sem com isso escorregar em práticas espontaneístas. Nesse sentido, o/a assistente social envolve-se no processo educativo tal qual preconiza Freire (1985, p. 35) ao se referir que o educador quando “democrático, no processo, na prática educativa, vai substituir a indução pela colaboração crítica e consciente do educando”. book_trabalho_social_com_grupos.indb 24 28/03/16 14:21 25 Trabalho Social com Grupos Sobre esse aspecto, Martinelli (1998, p. 149) destaca que: É indispensável que o profissional tenha claro que em toda a prática há um espaço de criatividade a ser explorado, há vias de transformação a serem acionadas. Nenhuma prática é um bloco monolítico, impenetrável, sempre há caminhos críticos, vias de superação a serem trilhadas, porém a verdade é que só são encontrados por quem os procura pacientemente, por quem os constrói corajosamente. O processo de trabalho do Serviço Social envolve a identificação e o acionamento das habilidades pessoais e do grupo. Retoma-se a dimensão crítica, criativa e de iniciativa do/a assistente social, com base nos fundamentos da profissão. O trabalho com grupos é direcionado de forma a estimular/oportunizar espaços para fluir as habilidades e a criatividade dos componentes do grupo, com o propósito de contribuir para a evolução do grupo, tanto no sentido de desenvolvimento dos indivíduos como do grupo, como parte de um determinado território. O processo de trabalho deve contemplar não só as relações intragrupo, mas também intergrupos, articulando as demandas dos grupos com as demais necessidades territoriais e de contexto social, na direção do acesso a serviços e políticas de atenção direta ao grupo. Os avanços advindos da ampliação do acessos dos componentes do grupo aos serviços, programas e projetos sociais materializam novos patamares de dignidade na convivência social, como prescreve o Código de ética profissional do/a assistente social (1993) em um de seus princípios: “posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática”. Princípios ético-políticos que balizam a os/as assistentes sociais, pois coadunam com o ético-político profissional, que está imerso no movimento dialético, envolvendo o contexto societário em suas dimensões econômica, política e culturais, sinalizando alternativas às necessidades sociais. A participação dos usuários no grupo, influindo e compondo o poder decisório sobre os rumos de desenvolvimento do grupo, reflete intencionalidade política e se expressa na defesa da democracia, assim como na gestão democrática do grupo. Tal posicionamento remete ao posicionamento em favor da equidade e da justiça social, pois não se pode conceber uma sociedade democrática sem que se estenda o acesso aos bens e serviços e à noção de interesse público. book_trabalho_social_com_grupos.indb 25 28/03/16 14:21 26 Capítulo 1 Para Vieira (2004, p. 134), a “sociedade democrática é aquela na qual ocorre real participação de todos os indivíduos nos mecanismos de controle de decisões, havendo, portanto, real participação deles nos rendimentos de produção”. A democracia aproxima-se inevitavelmente do entendimento de justiça social, e equidade de acesso, participação, usufruto e produção dos bens e serviços gerados na sociedade. Nesse sentido, Chauí (1997, p. 194) considera que “a questão democrática implica, pois, criar condições para que o cidadão seja soberano e interfira realmente nas decisões sociais e econômicas atravésdos órgãos de decisão política”. book_trabalho_social_com_grupos.indb 26 28/03/16 14:21
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