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0 GUILHERME PERUCHI DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL Professor Associado José Augusto Fontoura Costa UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO SÃO PAULO, 2013 1 [INFORMAÇÕES INTRODUTÓRIAS] APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA I. OBJETO DA DISCIPLINA Entendem-se duas coisas completamente diferentes quanto ao objeto da disciplina Direito do Comércio Internacional: a. Direito Internacional Econômico (International Trade Law). É dizer, a parte do Direito Internacional Público que trata da troca de bens entre Estados: regras sobre a entrada e saída de bens de espaços aduaneiros. Essa regulação tem abrangência no direito internacional público, o que envolve os acordos entre Estados a respeito das mercadorias e comerciantes de outros Estados. Exemplos: GATT (OMC), acordos de integração regional, tratados de livre comércio, etc. Assim, pode-se entender tal disciplina como regulamentação do direito internacional público das relações de troca entre Estados. Incidem sobre os Estados, ainda que os agentes econômicos sejam privados. b. Direito internacional dos negócios (International Business/Commercial Law): Esse ramo jurídico teria a função de aumentar a segurança jurídica dos negócios entre agentes econômicos situados em ordenamentos jurídicos nacionais diferentes. Ou seja, incidiria sobre as relações entre tais agentes econômicos, o direito dos contratos, os meios de solução das controvérsias derivadas, etc. 2 II. MÉTODO DE AVALIAÇÃO Ademais de duas avaliações ao longo do semestre, o professor propõe a realização de dois trabalhos que podem elevar a nota de cada prova em dois pontos. A prova parcial está agendada para 10 de abril de 2013. O primeiro desses trabalhos, que deverá ser entregue até a data da prova parcial, deverá tratar de uma decisão de um caso da Organização Mundial do Comércio (OMC), preferencialmente do qual o Brasil não faça parte. O conteúdo terá que abordar a questão material enfrentada pela OMC, não interessando os aspectos procedimentais, a não ser que se mostrem essenciais. Ademais, não é indicado que o grupo se concentre em opiniões doutrinárias. [TEMA 1] ASPECTOS ECONÔMICOS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL O porquê do comércio internacional? Alguns produtos são caracteristicamente produzidos em algumas regiões (por motivos socioculturais, naturais, etc.). Fora isso, muitos bens podem ser produzidos em diferentes lugares, mas tais escolhas são realizadas em razão da produtividade. No sistema econômico mercantilista, a noção de riqueza estava associada à acumulação de metais. Daí ser essencial uma balança comercial favorável. Tanto o modelo de Adam Smith quanto o de David Ricardo (Vantagens comparativas) demonstram que o comércio internacional gera vantagens que se distribuem desigualmente entre os Estados. É dizer, aumenta-se a riqueza com o comércio internacional, ainda que desproporcionalmente. Esse ganho de riqueza gera a especialização – a divisão internacional do trabalho. 3 Todavia, como contraponto crítico de H. SINGER E R. PREBISH, o comércio geraria também subdesenvolvimento estrutural. É dizer, os ganhos do comércio internacional são mais distribuídos para os Estados mais desenvolvidos, aumentando a lacuna do desenvolvimento e a deterioração dos termos de intercâmbio que sempre favorecem os Estados mais industrializados. Segundo tais autores cepalistas, o sistema internacional se organiza em um modelo centro-periferia que sempre favorece o centro. Destarte, o subdesenvolvimento não é uma condição incremental, mas estrutural, de modo que não existiria uma evolução natural do subdesenvolvimento para o desenvolvimento. Tal teoria, portanto, apresenta um modelo cético em relação aos benefícios do comércio internacional, vez que, de acordo com seu pensamento, a longo prazo, aumentar-se-ia cada vez mais o subdesenvolvimento. Em outra perspectiva, HECKSCHER e OHLIN explicam outro efeito do comércio internacional. Além do aumento da riqueza e da especialização, o comércio gera o igualamento do valor dos fatores de produção. Por fim, deve-se ressaltar que a instituição de tributos sobre o comércio internacional gera dupla ineficiência: a perda da satisfação dos consumidores e o desperdício do favor de produção. Todavia, tal política tem um efeito distributivo e o fulcro de proteger o mercado. [TEMA 2] HISTÓRICO DO SISTEMA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL A. Do século XIX à Genebra 1947 Durante o século XIX, o sistema econômico mundial era controlado pelo Império Inglês. 4 Em oposição ao predomínio britânico, a I Guerra Mundial gerou a desorganização do sistema mundial. Uma situação de guerra comercial, guerra cambial e crise econômica (estagnação e inflação) denotaram uma situação que gerou instabilidade política interna nos Estados, com o surgimento de regimes totalitaristas, em especial o comunismo. No período pós-II Guerra Mundial, estabeleceu-se a paz como objetivo de uma ordem internacional, o qual seria alcançado a partir do binômio estabilidade econômica/estabilidade política interna. Nesse sentido, buscou-se criar um sistema internacional elaborado e estruturado mediante o consenso e a cooperação entre vários Estados. Esse espírito orientou as Conferências de Bretton Woods (1944), das quais resultaram: A criação do Fundo Monetário Internacional (FMI): objetivo de garantir a estabilidade monetária e cambial; A criação do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), que integra a estrutura do Banco Mundial e tem a função de financiar a reconstrução e o desenvolvimento; Discussões junto à Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a criação de uma organização internacional de comércio. Tais discussões centraram-se, portanto, em pensar o livre comércio como pilar essencial para a concretização da estabilidade econômica e política e a geração de paz, consagrando-lhe clara função instrumental. O primeiro acordo resultante de tais rodadas de negociações foi o de Genebra (1947), que tratava essencialmente de reduções tarifárias e contou com 23 Estados contratantes. Ou seja, o livre mercado é bom se funcional, o que importa limites, vez que tem de atuar como instrumento para a estabilização econômico-política e a paz. 5 Com o acirramento das tensões entre Estados Unidos e a União Soviética, o sistema internacional de comércio passou a ser utilizado como forma de cooperação e integração dos países ocidentais. Além disso, o fracasso do acordo da Organização Internacional do Comércio1, cuja negociação iniciou-se em Genebra em 1947, fez com que somente permanecesse vigente o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, 1947), que se previa somente como apenso ao estatuto da OIC. B. De Genebra 1947 à criação da OMC (1994) Na rodada de negociação de Dillon (1960-1962), altera-se a metodologia de redução tarifária para redução linear, passando os acordos a atingir todos os produtos de um determinado setor, não havendo mais a negociação sobre cada produto. Iniciou-se a discussão se os países em desenvolvimento deveriam integrar- se ao GATT ou formar outro acordo, utilizando-se da estrutura secretarial da UNCTAD. Todavia, a rodada Kennedy (1962-1967), da qual participaram 66 Estados, demonstrou o claro interesse em trazer os novos países para o sistema comercial ocidental, integrando- os sob domínio estadunidense. O aumento do número de participantes, como consequência, exigiu a adoção de regras mais formais sobre o procedimento das negociações, restando formalizados alguns aspectos que eram regulados mais abertamente no texto original de Genebra (1947). Nesse sentido, os Códigos de Tóquio, resultantes da rodada de mesmo nome (1973-1979),estabeleceram acordos mais firmes sobre alguns aspectos: (i) acesso a mercados; (ii) valoração aduaneira; (iii) anti-dumping; (iv) subsídios; (v) salvaguardas. Ademais de tratarem dessas barreiras não tarifárias2, consagraram a chamada cláusula de 1 Em 1951, o governo republicado do presidente D. D. Eisenhower retirou do Congresso Norte-Americano o tratado, impedindo sua apreciação para futura ratificação pelos Estados Unidos. Desta forma, haja vista a importância econômica deste país, o tratado foi fadado ao fracasso. 2 Os Estados podem evitar a importação de produtos estrangeiros através de duas estratégias principais: (a) barreiras tarifárias; (b) barreiras quantitativas. O GATT proibiu a implantação de barreiras quantitativas, que limitam a quantidade de produtos a serem importados, continuando algumas a existir em caráter 6 habilitação – favorecendo os países em desenvolvimento – e um Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC). A rodada do Uruguai (1986-1994) é outro marco. Com o fim da Guerra Fria, findaram-se igualmente as alavancas políticas próprias desse período, por meio das quais os países em desenvolvimento negociavam em um mundo bipolar em conflito. Ou seja, o mundo em desenvolvimento perde poder de barganha no cumprimento de sua agenda própria. Por outro lado, o consenso ideológico neoliberal reforçou a Aliança Atlântica (Estados Unidos e Comunidade Europeia) na formação do próximo acordo comercial: O acordo de Marrakech (1994), por meio do qual se criou a OMC. C. O Acordo de Marrakech (1994) e a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) No contexto em que os países em desenvolvimento perdem sua alavanca política de negociação e o mundo é abrangido por um consenso ideológico neoliberal, negocia-se e aprova-se o acordo para constituição da OMC. Favoreceu-se a agenda dos Estados Unidos, da Comunidade Europeia, do Canadá e do Japão, em detrimento daquela defendida pelos países do chamado Terceiro Mundo. Ao Acordo de Marrakech (1994) foram incorporados quatro anexos, claramente inspirados em agenda ditada pela aliança atlântica: i. ANEXO 1 a. GATT 1994 e acordos sobre subsídios, anti-dumping, salvaguardas, valoração aduaneira e agricultura; b. Acordo Geral sobre Serviços (GATS); c. Acordo sobre propriedade intelectual (TRIPS). excepcional (barreiras quantitativas entre Brasil e Argentina no que concerne à importação de automóveis e linha branca). Todavia, os Estados podem se utilizar de uma série de barreiras não tarifárias para manipular o Comércio Internacional. É exatamente nesse sentido que atuam os Códigos de Tóquio, de maneira a controlar tais medidas que se agravaram com as reduções tarifárias promovidas pelo GATT. 7 ii. ANEXO 2: Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC). iii. ANEXO 3: Mecanismo de Exame das Políticas Comerciais. iv. ANEXO 4: acordos plurilaterais3: laticínios e carne bovina (vigente até 1997, dada sua transitoriedade), aeronaves civis, compras governamentais. Insta ressaltar que a Organização Mundial do Comércio não é uma continuidade do GATT 1947, inclusive porque há um novo GATT, criado em 1994. Há uma descontinuidade formal, servindo de instrumento a levar adiante as preferências políticas dos Estados da aliança atlântica. [TEMA 3] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC) I. ESTRUTURA ORGÂNICA Na estrutura orgânica da Organização Mundial do Comércio não há órgãos que não sejam plenários. É dizer, em regra, todos os 159 Estados-membros são representados, inexistindo materialmente conselhos, parlamento, etc. A Conferência Ministerial é um órgão periódico. Por essa razão, muitas de suas competências são delegadas ao Conselho Geral, que tem característica permanente. Ainda que formalmente diferentes, o Conselho de Revisão de Políticas Comerciais e o Órgão de Solução de Controvérsias são em que o Conselho Geral atua com presidências distintas. 3 Ao contrário dos demais anexos do acordo, que tratam de acordos multilaterais, dos quais fazem partes todos os Estados-membros da OMC, o anexo 4 é composto de acordos plurilaterais. Essa é a nomenclatura própria do sistema da OMC. 8 O Órgão de Solução de Controvérsias apresenta, por sua vez, dois órgãos auxiliares: os grupos especiais (panels) e o órgão de apelação, únicas exceções à regra dos órgãos plenários ressaltada supra. Por fim, o OMC também é composta pelos Comitês e pelos Conselhos Setoriais, todos submetidos ao Conselho Geral. Estes tratam sobre comércio de mercadorias, comércio de serviços, propriedade intelectual, etc. II. PROCESSO DE TOMADA DE DECISÕES Na sistemática do GATT 1947, a reunião das chamadas partes contratantes conduziam as rodadas de negociação e adotavam decisões por consenso. O consenso se dá quando não há resistência de nenhum dos Estados à proposta, quando esta passa incólume. No sistema da Organização Mundial do Comércio, quando inexiste consenso em determinado órgão, a proposta é conduzida ao órgão hierarquicamente superior para nova discussão e votação. Assim, temas delicados são sempre levados ao Conselho Geral. Na prática, decide-se somente por consenso, haja vista o alto custo de decidir-se por maioria, ainda que isso fosse tecnicamente possível. No sistema anterior, formulado em Genebra (1947), o diretor-geral tinha a clara função de facilitar o consenso. Entretanto, na nova sistemática da OMC, ele perdeu muita importância, vez que se concentrou o poder decisório no Conselho Geral, dada as maiores dificuldades para a tomada de decisões4, restando, por outro lado, reforçados os princípios da transparência e democracia. No processo de adoção decisória no Órgão de Solução de Conflito, o sistema anterior do GATT 1947 previa a nomeação de grupos especiais para a elaboração de um relatório sobre determinada controvérsia, o qual deveria ser aprovado pelas partes contratantes através do consenso. 4 A integração de China (2001) e Rússia (2012) à Organização Mundial do Comércio gerou maior dificuldade na obtenção do consenso. Assim, houve um expressivo crescimento de acordos bilaterais e plurilaterais no marco da OMC. 9 Todavia, em virtude da dificuldade em atingir-se o consenso, o modelo da OMC adotou a fórmula do denominado consenso invertido, segundo o qual é necessário o consenso para rejeitar o relatório confeccionado pelo grupo especial ou pelo órgão de apelação, caso haja recurso (80% dos casos o há). É dizer, nem o grupo especial tampouco o órgão de apelação decidem. Quem o faz é o Órgão de Solução de Conflitos, composto pelos 159 Estados-membros. Assim, ainda que tal estrutura tenha se judicializado, a última decisão sempre tem natureza política. III. PRINCÍPIOS a. Não-discriminação De um membro em relação às mercadorias dos demais (serviços, direitos de propriedade industrial, etc.). Isso não está em conflito com o princípio de tratamento preferencial de países de menor desenvolvimento relativo. É dizer, haveria tal exceção do tratamento não discriminatório. b. Negociação Diz respeito ao fato de que todas as regras são resultado de uma longa, aprofundada e democrática discussão dos Estados no exercício de sua soberania. c. Transparência Todas as reuniões são públicas. De igual forma, todas as normas são editadas para conhecimento geral. Tal transparência garante a legitimidade dos processos. As reuniões privadas - famosas reuniões da Sala Verde - deixaram de ocorrer no marco da organização e se limitamao marco diplomático. 10 d. Progressividade O sistema deve se tornar cada vez mais abrangente e efetivo: a consolidação do maior número de tarifas - estabelecimento de tetos tarifários para os países de acordo com as negociações havidas na OMC/GATT - reduzindo-se o direito de tributar dos Estados (Cláusula de "Cremalheira", Ratchet). e. Tratamento preferencial de países em desenvolvimento IV. PADRÕES DE NÃO-DISCRIMINAÇÃO A. CLÁUSULA DE TRATAMENTO DE NAÇÃO MAIS FAVORECIDA Tal cláusula está relacionada à discriminação de um produto estrangeiro em relação a outro produto estrangeiro. Esse tipo de cláusula foi muito difundido ao longo do século XIX, mas apareciam antes já nos Tratados de Navegação, Comércio e Amizade, que tinham natureza tipicamente bilateral e estabeleciam benefícios, franquias, facilidades na entrada e saída de bens, etc. Esses acordos estabeleciam o compromisso de os Estados não oferecerem maiores vantagem a países terceiros. Todavia, por tais cláusulas estarem inseridas em tratados bilaterais, eram cláusulas condicionais e não possuíam aplicação imediata, de modo que o equilíbrio era alcançado mediante a concessão mútua de vantagens através de nova negociação. No sistema do GATT, a cláusula de nação mais favorecida é (i) multilateral, abrangendo todos os países contratantes, e (ii) automática. A ideia de equilíbrio e das concessões nas relações bilaterais - para a manutenção do sinalagma - é substituída por vantagens garantidas para todos (artigo 1º, GATT). 11 Assim sendo, concedendo-se vantagem maior a qualquer Estado, membro ou não da OMC, tal vantagem se estenderá automática e incondicionalmente a todas as partes-contratantes. Quando se concretiza o conceito de "nação mais favorecida"? Quando presentes os elementos descritos abaixo: Vantagem discriminatória: a discriminação de direito se configura quando uma regra identifica um país ou um grupo de países para a concessão de vantagens. Por outro lado, identifica-se uma discriminação de fato na situação em que se cria uma regra discriminatória a favor de um Estado, mas implicitamente, diferenciando tarifas para um produto produzido somente naquela localidade, por exemplo (caso da Espanha com o café colombiano). Vantagem concedida a produtos similares: a similaridade dos critérios está fundamentada em alguns critérios alternativos, a saber: (a) sua classificação aduaneira; (b) suas características comuns; (c) a relação de substitubilidade entre eles5. Vantagem imediata e incondicional. B. CLÁUSULA DE TRATAMENTO NACIONAL Nestes casos, há a discriminação de produto estrangeiro em relação a produto nacional. Aos bens que já ingressaram no território aduaneiro de um Estado, aplicam-se-lhes os impostos internos (exemplo: IPI, Cofins, etc.). De acordo com tal cláusula, a única discriminação que pode existir está relacionada aos tributos de importação e nunca no que toca à incidência tributária interna (artigo 3º, GATT). 5 A relação de substitubilidade se identifica pelo impacto real do mercado de um produto sobre o outro. É dizer, o fato de a oferta maior de um dado produto influenciar a menor procura de outro. 12 Para analisar tal cláusula, insta realizar o duplo teste, verificando: (a) se houve vantagem discriminatória (de fato ou de direito); (b) se tratam-se de produtos similares. Tal medida que tem o escopo de favorecer a produção nacional não tem validade ante o GATT. V. EXCEÇÕES a. Exceções em matéria de segurança (artigo XXI, GATT): matéria estratégico- militar não está sob cobertura da OMC, estando instituída exceção absoluta nesse sentido. b. Exceções gerais (artigo XX, GATT): são diversas exceções que estão fora do alcance da desgravação comercial. Exemplo: exceções da alínea b: medidas necessárias à proteção da vida e saúde das pessoas e animais e à proteção de vegetais. Esta não é uma exceção ambiental. Para identificar se a medida do Estado pode ser excepcionada, tem-se de realizar o duplo teste: Observa-se a disposição da alínea: No caso, tem-se de analisar se o desenho e a implementação da medida estatal são compatíveis com a previsão normativa. Por outro lado, impende ressaltar que: coexistem meios alternativos razoáveis - mais ou menos restritivos - a disposição do Estado. Todavia, o grau de proteção é um critério nacional. Destarte, uma medida que restringe totalmente a importação de carnes do Brasil em razão da febre aftosa deve ser aceita como válida, ainda que bastante restritiva. Observa-se a regra do caput: a discriminação não pode ser arbitrária ou injustificada. Ademais, não deve apresentar uma restrição disfarçada ao comércio. 13 c. Exceções relativas às zonas de livre troca e uniões aduaneiras (artigo XXIV, GATT): as zonas de livre troca ou livre comércio são aquelas em que, entre dois ou mais territórios aduaneiros, as tarifas de importação e exportação são "zero", instituindo-se uma liberdade de circulação de bens e mercadorias. Por outro lado, as uniões aduaneiras são zonas de livre troca com tarifas externas unificadas, comuns. Tais formas de integração econômica se harmonizam com o sistema multilateral do GATT, no qual impera a cláusula de nação mais favorecida. Na origem do GATT, pensava-se em harmonizá-lo com o sistema de preferências coloniais, principalmente pelo papel desempenhado pela Inglaterra e pela França nesse sistema de exploração econômica. Deve-se ressaltar que tal dispositivo cria exceção à cláusula de nação mais favorecida. Sem embargo, não implica exceção à cláusula de tratamento nacional, de maneira que o produto estrangeiro que ingressa no espaço aduaneiro - vindo tanto da zona como da extrazona - deve ter igual tratamento que o nacional. E o fenômeno da triangulação, por meio do qual um Estado terceiro se utiliza de menores tributos de importação de um país A para adentrar na zona de livre comércio e depois exportá-lo ao país B, também integrante do bloco? A solução está nos regimes de origem: o bem importado continua a ter origem fora da zona, não transitando livremente no bloco, exceto se sofre uma transformação relevante, alterando-se sua classificação aduaneira. A criação de uma união aduaneira também resolve tal questão, inexistindo, mesmo assim, um único mercado, eis que a tributação interna é diferente. d. Exceção relativa a balança de pagamento (artigo XII): quando se verifica que o Estado sofre um desequilíbrio da balança de pagamento, que culmina por incentivar a evasão de divisas (saída das reservas em moeda estrangeira), o país pode estabelecer medidas quantitativas e aumentos das tarifas em números superiores ao GATT, de modo a buscar seu reequilíbrio macroeconômico. 14 São medidas que excepcionam as tarifas consolidadas e a proibição de medidas não tarifárias, em razão de um contexto de emergência macroeconômica ampla, mas não excepcionam a cláusula de nação mais favorecida ou do tratamento nacional. Nesses casos, o Comitê de Balanço de Pagamento deve fazer uma consulta ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que detém todos os dados das balanças de pagamentos, dada sua função de controle do equilíbrio monetário e cambial. O parecer do FMI não é vinculante, nem quanto ao efetivo problema nem tampouco no que toca às medidas sugeridas, mas é dotado de clara força política. A adoção de tal medida unilateral em caráter emergencial é rara e sua eficácia, transitória. Sua continuidade depende de aprovação da OMC. e. Exceção fundamentada em medida de segurança econômica (artigo XIX): em certos casos, autoriza-se a imposição de salvaguardas. Verifica-se que, em dado setor econômico, em virtude do forte incremento da importação, há um risco àsua existência e continuidade. Nessas situações, seria possível adotar medidas setoriais emergenciais - que não excepcionam a cláusula de nação mais favorecida ou do tratamento nacional - mas permitem aumentar a tarifa acima daquela consolidada na OMI ou estabelecer medidas quantitativas. Tanto a medida fundamentada na balança de pagamento quanto esta, motivada por riscos a setores econômicos, são gerais e não se dirigem a um país em específico. f. Exceções em matéria de desenvolvimento: em cada aspecto do GATT/OMC, há um tratamento diferenciado para países em desenvolvimento. É importante observar: A mudança profunda na percepção do desenvolvimento. Na década de 1960, instituíram-se exceções temporárias a favor da 15 industrialização nascente, eis que se pensava o desenvolvimento como o grau de industrialização de uma país. Todavia, identificou-se que um grupo de países sensíveis ou frágeis precisava de auxílio permanente, passando-se a pensar o desenvolvimento como desenvolvimento social, maior proteção social à população. Que as questões de desenvolvimento atingem todos os aspectos da OMC. Quem define se um Estado é ou não desenvolvido é ele próprio (autodeclararão). VI. DEFESA COMERCIAL A defesa comercial é distinta da exceção. É um mecanismo que visa a evitar que os países atuem contra o livre comércio. Assim, faz-se uma defesa comercial contra um ataque. São, portanto, instrumentos conferidos ao Estado para correção do mercado ante medidas de dumping e subsídios irregulares de outros Estados. Na defesa comercial há um Estado que atua contra as regras co comercio internacional e, portanto, o outro Estado - que faz a defesa comercial - propõe medidas corretivas: (i) subsídios e (ii) anti-dumping. O país atacado institucionaliza as medidas conforme sua avaliação e procedimento, mas de acordo com os padrões da OMC. No Brasil, o DECOM6 (vinculado ao SEDEX7, órgão do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior) avalia a situação de acordo com os padrões da OMC. Há manifestação do outro Estado e de possíveis interessados, efetivando-se o contraditório para a adoção de uma medida orientada. É possível a efetivação de medidas provisionais, caso a situação for particularmente grave, sem a manifestação de todos. Após essa investigação nacional, tais medidas podem se tornar definitivas ou pode haver acordo de preços com o Estado "infrator". 6 O DECOM também avalia a imposição de salvaguardas, mantendo-se estas como mecanismos de exceção e não de defesa comercial. 7 Secretaria de Comércio Exterior. 16 Impende ressaltar, nesse sentido, que não é a OMC que impõe medidas anti-dumping. No entanto, ela pode ser incitada a manifestar seu parecer sobre a proporcionalidade e razoabilidade de tal medida. a. DUMPING: em situações de superprodução, é normal a venda do produto a qualquer preço, inclusive abaixo de seu valor de custo. O dumping não é necessariamente uma prática predatória visando à destruição da concorrência. Basta a prática, neste caso, não sendo essencial a vontade de prejudicar os concorrentes no mercado. Elementos do tipo dumping: Preço baixo. Na terminologia da OMC, é um preço inferior ao praticado no mercado interno, já deduzidos todos os impostos; Prejuízo setorial no país exportador; Existência de nexo causal entre tais fatos, sendo irrelevante a prática predatória. Deve-se pensar que nem sempre há mercado interno de um bem que se exporta8, restando impossibilitada a aplicação dessa regra, ou que no mercado interno pode o preço do bem seja fixado pelo Estado (preço público), não se sujeitando às condições do mercado. Nestes casos, há outros critérios: Preço do bem em outros mercados internos (sobretudo em países que apresentem processos produtivos similares); Análise da estrutura de custos (de modo que se saiba a produção é muito eficiente, por exemplo, ou há dumping de fato). As medidas anti-dumping objetivam corrigir os preços. 8 Exemplo: carne de cavalo no Brasil. É exportada, mas seu consumo nacional é proibido. 17 Devem ser estritamente proporcionais: devem se limitar à correção do valor dos preços. Senão, caracteriza-se proteção ao mercado nacional. Exemplo: ferro elétrico chinês (Se o preço interno é de 10 USD e o preço de exportação é de 9 USD, pode-se aplicar uma sobretaxa unitária de 1 USD ou tarifa de importação de aproximadamente 10%, mas não mais). Não devem ter caráter indenizatório: Não podem gerar compensação de um preço já praticado em períodos anteriores à adoção da medida. O Brasil apresenta, atualmente, 88 medidas de defesa comercial. 87 delas são de anti-dumping, sendo a maioria relacionada ao mercado de insumos (produtos químicos, tecidos, tintas, etc.). A adoção de tais medidas compromete a própria competitividade dos bens nacionais, eis que, o maior preço dos insumos, gera o maior custo dos produtos brasileiros exportados. Os países que mais sofrem com tais medidas: a China (600/2600 medidas anti-dumping), o Japão, a Coreia do Sul e Taiwan. Os países que mais as aplicam? Índia, Estados Unidos e a União Europeia. b. SUBSÍDIOS: A ideia geral é que o Estado pode utilizar-se de subsídios no desenvolvimento de suas políticas econômicas, o que não se considera um mal em si à sistemática da OMC. Pelo contrário, os subsídios são parte da vida econômica de qualquer país. Em regra, portanto, é visto como algo razoável. Entretanto, identificam-se subsídios proibidos, sempre vedados, e subsídios "acionáveis", podendo ser proibidos a depender de seus efeitos. O núcleo da instituto do subsídio: (i) incentivo ou auxílio; 18 (ii) econômico-financeiro: auxílio que pode ser descrito em termos pecuniários (oferecimento de uma linha de crédito preferencial, redução da carga tributária, tarifa especial de energia elétrica; concessão de propriedade pública). Não é auxílio, nesse sentido, melhorias de infraestrutura. Por ter natureza regulatória (redução de tributos, e.g.) ou ser concedido diretamente (redução dos juros, e. g.). (iii) conferido pelo Estado: pode ser governamental - concedido pela administração direta - ou ser conferido por sociedades de economia mista, empresas públicas, etc., no exercício de suas atividades (Petrobras, Banco do Brasil,...). (iv) Específico: a especificidade se identifica pelo direcionamento a um setor da economia. Na sistemática da OMC, um incentivo econômico geral não se considera subsídio, sendo essencial seu caráter setorial. Conhecendo tais conceitos, tem-se os subsídios proibidos a partir de dois requisitos de quota mínima: a) Exportação: vinculação da oferta do benefício financeiro a um requisito de quantidade ou parcela da produção que é exportada => Não é um subsídio relacionado ao desenvolvimento do setor, mas voltado a incentivar a redução dos preços dos produtos nacionais no mercado internacional. b) Conteúdo nacional: auxílio vinculado ao favorecimento de produtos que se utilizem de insumos nacionais em sua produção => Apresenta, indiretamente, uma barreira à importação de insumos estrangeiros. Por outro lado, os subsídios "acionáveis" são aqueles que causam prejuízo a um determinado setor da economia nacional. É dizer, não é desde logo 19 proibido, depende da comprovação do nexo causal entre ele e os efeitos prejudiciais ao setor econômico. Do exposto, vê-se que é mais difícil identificar os elementos que caracterizam o dumping, de modo a aplicar medidas anti-dumping, do que subsídios proibidos ou acionáveis, que autorizem a adoção de medidas compensatórias por parte do Estado lesado. [TEMA 4] FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL E BANCO MUNDIALI. HISTÓRICO INSTITUCIONAL: AS CONFERÊNCIAS DE BRETTON WOODS (1944) Nas Instituições de Bretton Woods (1944), os Estados reunidos expressaram sua preocupação no que tocava à relação entre crises econômicas e guerras, mediadas por instabilidades políticas. Mais especificamente, trataram da questão da guerra cambial, fenômeno em que um Estado depreciava a relação de cambio para que, reduzindo o valor de seus produtos no comércio internacional, pudesse ocupar mais nichos de mercado. Ao mesmo tempo, no período entreguerras, rompe-se com o sistema comercial britânico como regulador da economia mundial e com a libra esterlina lastreada em ouro. Ou seja, não havia mais um sistema nacional a fundamentar o sistema econômico internacional. Dado tal quadro, decide-se pela criação de um sistema econômico internacional. Nesse sistema, o Fundo Monetário Internacional (FMI) teria como função a manutenção da estabilidade cambial, admitindo-se esta como base necessária pra o comércio e a prosperidade dos Estados. 20 Nas Conferências de Bretton Woods (1944), no que toca à criação desse sistema, houve o embate teórico de dois grandes economistas: Lord John M. Keynes (ING): o sistema internacional deveria criar a possibilidade de intervenção macroeconômica, que fosse capaz de promover políticas anti-cíclicas para reverter situações depressivas. Harry D. White (EUA): o sistema internacional ter como foco a estabilidade cambial, inclusive com adoção do padrão-ouro e relação cambial fixa entre as principais moedas. De tal embate, saiu vitoriosa a posição de Harry White. Nesse sistema, estabeleceram-se duas instituições: o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. II. FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI) A. HISTÓRICO O FMI pode ter sua atuação divida em suas fases: 1944-1976: (i) Institui-se a relação fixa de câmbio conjugada com o lastreamento em ouro das moedas. Esta sistemática limita a flutuação cambial mas gera problemas nas balanças de pagamento; (ii) Disponibilidade de crédito para corrigir as balanças de pagamento. Assim, não é mais necessário utilizar-se de mecanismos cambiais para corrigir desequilíbrios de balanças de pagamentos. Em 1969, a França tira o franco da cesta de paridade fixa. Em 1971, os Estados Unidos faz o mesmo, o que desestrutura e inviabiliza a continuidade desta sistemática. 21 1976 - Atualidade (Reforma): (i) Supervisão macroeconômica9, inclusive com sugestão em matéria cambial. Aumenta-se a transparência e a previsibilidade de crises; (ii) assistência técnica aos Estados; (iii) Disponibilidade de crédito para correção de desequilíbrios na balança de pagamento. B. FUNCIONAMENTO O Fundo Monetário Internacional é uma organização internacional composta por 188 Estados-membros, sendo presidida atualmente pela francesa Christine Lagarde. Sua sede está em Washington D.C. É composto por um Conselho de Governadores - integrado por todos os 188 membros e que se reúne anualmente - e por um Conselho de Diretores - formado por 24 diretores. Tanto no Conselho de Governadores quanto no de Diretores, o voto é proporcional às quotas de que o Estado é titular no Fundo. De acordo com seu estatuto, 5,5% das quotas são divididas entre todos os Estados-membros e os outros 94,5% são distribuídas de acordo com o quantum aportado pelos Estados ao Fundo10. No Conselho de Diretores, seis dos diretores são indicados pelos principais países em participação (EUA, JPN, ALE, UK, FRA; ITA). Os demais 18 diretores representam de 2 a 22 Estados cada e votam de acordo com as quotas que esses países representam. C. CRÍTICA O FMI condiciona empréstimos a possibilidade de solvência dos Estados. Assim, ao exigir solvência, acaba por influenciar a política macroeconômica destes. É 9 Instituiu-se um sistema de informação muito eficiente, com a adoção de normas e padrões para que os Estados analisem seus dados econômicos. Aumenta-se, assim, a transparência e a previsibilidade de crises. 10 Segundo o professor, os Estados Unidos detém aproximadamente 17% das quotas do FMI. O Brasil, por sua vez, é titular de 1,7%. Os últimos 160 países detém aproximadamente 32%. 22 dizer, para receber recursos, o país se submete a seguir determinadas regras e instrumentos econômicos ortodoxos e recessivos, de contenção econômica. Desta maneira, diz a crítica, aumenta-se o poder dos países desenvolvidos sobre aqueles mais pobres e dependentes. Sem embargo, atualmente, os principais devedores do Fundo são europeus e os países em desenvolvimento ocupam posições intermediárias nas tomadas de decisão. III. BANCO MUNDIAL O Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), junto à Associação Internacional do Desenvolvimento, forma o Banco Mundial. O Banco Mundial é formado de 188 Estados-membros e tem sede em Washington D.C. Sua estrutura orgânica é similar ao do FMI, também sendo composto por um Conselho de Governadores e um Conselho de Diretores. Seu presidente é o coreano Jim Yong Kim. Sua principal função é o financiamento de projetos de reconstrução e desenvolvimento. De 1944 a 1970, verificou-se uma atuação tímida do Banco Mundial. Na década de 1970, os empréstimos se verteram para países em desenvolvimento, direcionados principalmente a projetos de infraestrutura. Na década de 1980, com a crise e a estagnação dos países desenvolvidos, houve redução do fluxo de empréstimos e o aumento das exigências e condicionamentos para sua concessão. Ademais, o Banco aumentou sua preocupação com o escalonamento do projeto (liberação escalonada dos recursos de acordo com o cumprimento das fases do projeto). Na década de 1990, o Banco instituiu a exigência de que os projetos financiados se vinculassem ao cumprimento das Metas do Milênio (ONU). A visão do desenvolvimento como crescimento econômico (aumento do PIB e do PIB per capita) (décadas de 1950 e 1960), como industrialização (década de 23 1970) e como desenvolvimento social e ambiental (IDH e sustentabilidade) adentraram as condicionalidades que se integravam nos acordos de financiamento. Assim, atualmente, os projetos financiáveis se vincular e atender a metas sociais e ambientais, tais como: a redução da pobreza e da descriminação de gênero; melhorias na saúde (redução das epidemias, programas de prevenção ao HIV, aumento da expectativa de vida) e na educação; sustentabilidade ambiental, etc. Os financiamentos podem se destinar aos Estados - inclusive a pessoas jurídicas de direito público interno (estados, municípios, autarquias, etc.) - e também a agentes privados.
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