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Edital Geral RENOEN 001/2021 Área de Concentração ENSINO, CURRÍCULO E PROCESSOS DE ENSINO- APRENDIZAGEM Linha 1 – Ensino, Currículo e Cultura Currículo, avaliação e ensino remoto da matemática nos anos iniciais: adaptação ou redução? Orientadores indicados (em ordem de preferência): 1. Maria José Costa dos Santos 2. Gilvandenys Leite Sales 3. Raquel Crosara Maia Leite Currículo, avaliação e ensino da matemática nos anos iniciais em formato remoto: adaptação ou redução? A pandemia do novo coronavírus trouxe mudanças significativas em todo o globo. No início de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou em nota a necessidade de distanciamento social como solução viável para a redução do número de contaminados. Em março, estados e municípios brasileiros introduziram medidas mais restritivas para combater a doença e entre elas, a suspensão de aulas presenciais nas redes de ensino. Escolas privadas articularam-se em proporcionar a continuidade das atividades usando tecnologias digitais, visando sobretudo, justificar a continuidade dos pagamentos de mensalidades e salário de seus professores. Enquanto a rede pública, sem um direcionamento oficial por parte do Ministério da Educação (MEC), se reorganizou de forma insuficiente frente às desigualdades sociais que sempre enfrentou. A pandemia aprofundou as desigualdades sociais latentes à nossa realidade, o fosso entre rede pública e privada passou a ser ainda maior com a necessidade de aulas remotas, pois a continuidade dos estudos dos alunos da rede pública ficou ameaçada devido a ausência de acesso às tecnologias digitais como celulares, computadores e Internet. Dentre os desafios do ensino não presencial, o ensino da matemática se configura entre os mais difíceis de transposição da realidade presencial à dinâmica remota (MARQUES; ESQUINCALHA, 2020). Esta realidade não difere de situações observadas no período anterior à pandemia. Ao analisar resultados em avaliações externas é possível observar a tímida melhora ao longo dos anos, evidenciados em pesquisas que relatam as dificuldades em avançar a aprendizagem nos anos iniciais. Resultados negativos que se repetem em âmbito nacional e internacional (SILVA; SANTOS, 2020; SANTOS, 2020; SANTOS; TOLENTINO-NETO, 2015; VECE et al, 2013). O ensino da Matemática na escola possui estigma negativo e/ou sem importância pelos alunos por não demonstrarem estreita relação com a vida cotidiana. Para Carraher; Carraher e Schlieman "a aprendizagem de matemática na sala de aula é um momento de interação entre a matemática organizada pela comunidade científica, ou seja, a matemática formal, e a matemática como atividade humana.” (1995, p. 12). No entanto, muitos alunos não compreendem dessa forma, relacionando a matemática a algo difícil e inalcançável. Com a suspensão das aulas presenciais, ensinar matemática também tornou- se um desafio para os professores, que até pouco tempo ainda adaptavam-se ao uso de tecnologias associadas ao ensino de matemática. Um dos pontos de partida para o planejamento do professor é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - referente às etapas da Educação Infantil e Ensino Fundamental -, homologada em 2017. O documento busca indicar os conhecimentos necessários basilares para cada ano escolar em cada componente curricular. A matemática na Base é componente curricular e área de conhecimento também. De acordo com a BNCC: O Ensino Fundamental deve ter compromisso com o desenvolvimento do letramento matemático, definido como as competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em uma variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas. É também o letramento matemático que assegura aos alunos reconhecer que os conhecimentos matemáticos são fundamentais para a compreensão e a atuação no mundo e perceber o caráter de jogo intelectual da matemática, como aspecto que favorece o desenvolvimento do raciocínio lógico e crítico, estimula a investigação e pode ser prazeroso (fruição). (BNCC, 2017; Grifo nosso). O trecho destacado acima infere a necessidade de mudança no paradigma escolar no que tange ao ensino da matemática. É oportuno observar que ao conceber a BNCC já se traçava um novo olhar sobre as práticas de ensino na matemática. Em meio ao contexto de aulas remotas, nos preocupamos em como estão sendo desenvolvidas as práticas de ensino? Há uma tendência à redução curricular? Estariam as habilidades sendo trabalhadas de forma integral ou o reducionismo tende a induzir (e assim retroceder) às formas decorativas e resolução de problemas descontextualizados? O projeto em tela tem como objetivo geral: Analisar as práticas de ensino da matemática nos anos iniciais do ensino fundamental no contexto remoto em interface com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Intenciona-se, para o cumprimento da execução da pesquisa o atendimento aos seguintes objetivos específicos: Mapear estudos na área de aprendizagem matemática nos anos iniciais, elencando desafios e descobertas; Analisar a proposta curricular de Matemática da BNCC para os anos iniciais do ensino fundamental, destacando suas implicações e direcionamentos ao planejamento docente e às práticas pedagógicas; Identificar práticas pedagógicas de professores dos anos iniciais do ensino fundamental em Matemática no contexto remoto no biênio 2020-2021 e suas interfaces com a proposta curricular da BNCC. Este texto está organizado em seções temáticas cuja a intenção é apresentar conceitos chave da pesquisa tais como: Currículo, BNCC, avaliação e ensino da matemática nos anos iniciais. Currículo e BNCC : considerações iniciais As definições de currículo variam de acordo com o tempo e o espaço. José Gimeno Sacristán (1998, 2000, 2013), Ivor F. Goodson (2013) e Tomaz Tadeu da Silva (2014) compreendem o currículo como plano, trajetória e/ou instrumento norteador de uma instituição de ensino ou curso. As dificuldades de definição do currículo permeiam o fato de que essa identidade precisa estar localizada numa perspectiva histórica, cujos fatores políticos, sociais e econômicos que influenciam a palavra currículo, significa o caminho a ser percorrido, se tratando de currículo escolar, estamos falando do percurso de formação escolar. Silva (2014, p. 14) pondera que "uma definição não nos revela o que é, essencialmente, o currículo: uma definição nos revela o que determinada teoria pensa o que o currículo é". Sacristán (2000, p. 36) aponta o currículo como “um projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada”, assim: O currículo é uma prática desenvolvida através de múltiplos processos e na qual se entrecruzam diversos subsistemas ou práticas diferentes, é óbvio que, na atividade pedagógica relacionada com o currículo, o professor é um elemento de primeira ordem na concretização desse processo. Ao reconhecer o currículo como algo que configura uma prática, e é por sua vez, configurado no processo de seu desenvolvimento, nos vemos obrigados a analisar os agentes ativos no processo. Este é o caso dos professores; o currículo molda os docentes, mas é traduzido na prática por eles mesmos – a influência é recíproca. (SACRISTÁN, 2000, p. 165). A definição de currículo também está associada ao tipo de ser humano que se deseja formar. Para cada perfil, um currículo. O currículo é uma questão de identidade, pois o conhecimento por ele proposto está associado ao que somos e como vivemos. Dessa forma, definir o currículo é saber que trata-se de um percurso rico emsubjetividade. Na história das políticas curriculares brasileiras, observou-se o movimento hierárquico nas definições de normas e diretrizes para elaboração e implementação de orientações curriculares. Tais normas e diretrizes tem sua origem no governo federal e passam a orientar estados e municípios na elaboração de seus currículos. De acordo com a LDB 9394/96, as próprias escolas devem também reelaborar especificamente as orientações, por meio de trabalho coletivo na construção de seu projeto político pedagógico (PPP). A questão da organização curricular para um país de dimensões continentais como o Brasil gerou ao longo do tempo uma série de discussões, especialmente acerca da dicotomia centralização versus descentralização. O tom descentralizador da legislação dos anos 1980 e 1990 acerca das incumbências e responsabilidades dos entes federados, encontra limites ao compreender o papel de destaque da União na normatização de uma base nacional comum. O difícil papel de propor orientações curriculares que pudessem ser parâmetros para sistemas estaduais e municipais de ensino foi destinado, a priori, ao Conselho Nacional de Educação, afim de legislar sobre o tema e oferecer mecanismos capazes de auxiliar na gestão dos currículos. Tarefa árdua que foi concebida após longos estudos do próprio Ministério da Educação que já havia proposto parâmetros que auxiliassem professores de todo o país. Ainda que tenha sempre havido algum nível de centralização curricular no Brasil, nunca se chegou à definição do que deve ser ensinado em cada disciplina ao longo dos diferentes anos de escolarização em todo o território nacional. A Base Nacional Comum Curricular busca hegemonizar uma concepção particular. No entanto, toda hegemonia é marcada desde seu interior por uma fratura, precisando seguir sendo restituída (MACEDO, 2019). O currículo para ser currículo precisa acontecer nas escolas, porém, a produção e a implementação curricular são realizadas em momentos distintos. Depois de muita luta política, o Ministério da Educação afirmou que a base não é currículo e que as redes locais e escolas são responsáveis pela elaboração de seus currículos. No documento oficial, os limites são esclarecidos: [...] BNCC e currículos têm papéis complementares para assegurar as aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da Educação Básica, uma vez que tais aprendizagens só se materializam mediante o conjunto de decisões que caracterizam o currículo em ação. (BRASIL, 2017, p. 16). Macedo (2019) aponta que há um alinhamento da política educacional brasileira à governança da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) baseada na comparabilidade, o que inviabiliza a educação como empreitada intersubjetiva. Para a autora, o principal mecanismo utilizado são as avaliações do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que tendem a subestimar as desigualdades estruturais em seus relatórios. De acordo com Schneider (2013, p. 29): [...] medidas de ajuste da política educacional às necessidades da economia põem em evidência a necessidade de que o Estado seja pequeno na atuação, mas forte na sua regulação, consoante o intento de algumas correntes neoliberais. Embora, por parte do Estado, as determinações curriculares estejam formalmente mais democratizadas em vários aspectos do currículo (definição de conteúdos curriculares, da carga horária dos componentes e das áreas de conhecimento, por exemplo), há [...] forças agindo sobre a escola que podem tornar tais escolhas praticamente sem significado. A autora infere que mesmo tendo algum controle sobre o currículo, forças como as avaliações externas são capazes de direcioná-lo. A redução curricular pode ser observada ainda em estudos como o de Machado (2012), que retrata a relação entre a avaliação externa e a gestão escolar no que se refere ao uso dos resultados. Nesse estudo, também é possível observar a relação que se faz entre os resultados adquiridos e as iniciativas que sugerem a redução do currículo, favorecendo as disciplinas e conteúdos pertinentes às avaliações externas. Tratar das imbricações entre currículo, BNCC e avaliações externas é um dos pilares que este projeto se propõe a investigar. Trazendo como pano de fundo a atual realidade de aulas remotas ou atividades não presenciais - novas nomenclaturas que na realidade não se diferem entre si - buscamos analisar as práticas de ensino de matemática nos anos iniciais do ensino fundamental. Estariam sendo reduzidas a realidade possível? Menos material concreto e mais cópia? Em caso negativo, como realizar a transição do concreto ao abstrato no contexto remoto? Se antes o reducionismo tinha relação com as avaliações externas, estaríamos reeditando as estratégias de ensino com outros objetivos? Dando continuidade ao nosso projeto, trazemos no próximo tópico conceitos elementares do ensino da matemática nos anos iniciais. Ensino da Matemática nos Anos Iniciais: esclarecendo conceitos Vila e Callejo (2006) fazem uma breve retrospectiva sobre o ensino da matemática: Ao longo da história, os matemáticos contemplaram a disciplina de diferentes perspectivas. Aristóteles descreveu-a como o estudo da quantidade; R. Descartes como ciência da ordem e da medida; F. Klein definiu-a como ciência das coisas que são evidentes por si mesmas; B. Russell identificou-a com a lógica; D. Hilbert descreveu-a como um jogo formal sem significação; I. Lakatos como uma atividade humana que encerra em si mesma uma dialética de conjecturas, refutações e demonstrações, até chegar ao estabelecimento da teoria ou do resultado final, e G. Polya que a matemática é saber-fazer mais que saber. (p.42). Nas últimas duas décadas a matemática nos anos iniciais passou a ser pesquisada e estudada enquanto tema relacionando-a ao conceito de letramento, surgindo novas ideias como Materacia, Numeramento ou simplesmente Letramento Matemático. Tais conceitos insurgem da perspectiva de alfabetismo funcional em matemática e a necessidade de se ampliar a aquisição de habilidades para a prática social e ideológica, conforme temos na área da alfabetização. (D’AMBROSIO, 2004; FERREIRA; MOREIRA, 2019). Tais discussões encontram terreno fértil ao observarmos os conceitos trazidos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no estudo internacional sobre conhecimentos e competências dos alunos de 15 anos (Programme for International Student Assessment - PISA): Letramento matemático é a capacidade individual de formular, empregar e interpretar a matemática em uma variedade de contextos. Isso inclui raciocinar matematicamente e utilizar conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas para descrever, explicar e predizer fenômenos. Isso auxilia os indivíduos a reconhecer o papel que a matemática exerce no mundo e para que cidadãos construtivos, engajados e reflexivos possam fazer julgamentos bem fundamentados e tomar as decisões necessárias. (OCDE/PISA, 2012. p. 18) Aguiar e Ortigão (2012) indicam que as concepções de Letramento Matemático do PISA assumem um o papel social da Educação Matemática, como a de responsabilidade em estabelecer uma ligação entre os conteúdos escolares e o dia a dia do aluno. A BNCC leva em consideração os diferentes campos que compõem a matemática reunindo um conjunto de ideias fundamentais que produzem articulação entre: equivalência, ordem, proporcionalidade, interdependência, representação, variação e aproximação. “Essas ideias fundamentais são importantes para o desenvolvimento do pensamento matemático dos alunos e devem se converter, na escola, em objetos de conhecimento” (BNCC; 2017, p. 268). O desenvolvimento das habilidades matemáticas está diretamente relacionado à análise de situações da vida cotidiana, de outras áreas do conhecimento e da própria Matemática.Os processos matemáticos de resolução de problemas, de investigação, de desenvolvimento de projetos e da modelagem podem ser citados como formas privilegiadas da atividade matemática, motivo pelo qual são, ao mesmo tempo, objeto e estratégia para a aprendizagem ao longo de todo o Ensino Fundamental. Esses processos de aprendizagem são potencialmente ricos para o desenvolvimento de competências fundamentais para o letramento matemático (raciocínio, representação, comunicação e argumentação) e para o desenvolvimento do pensamento computacional. (BNCC, 2017. p. 266) Em pesquisas relacionando o ensino da matemática aos documentos curriculares, em especial a BNCC, identificamos autores que apresentam preocupação em relação à efetividade da BNCC na prática em sala de aula. As autoras Karine Pertile e Jutta Cornelia Reuwsaat Justo analisaram os desafios de professores dos anos iniciais para o ensino da matemática e revelam: As supervisoras compreendem que os professores dos Anos Iniciais precisam possuir conhecimento de conteúdo, conhecimento didático do conteúdo e conhecimento do currículo para ensinar Matemática, mas afirmam que eles não os têm, o pode repercutir no processo de aprendizagem. (PERTILE, JUSTO, 2020, p. 612) Para Arruda, Ferreira e Lacerda (2020), as competências gerais para o ensino de matemática apresentam convergências com os conceitos de letramento matemático. Contudo, observam com preocupação as condições para implementação e uso de procedimentos que possam alcançar tais competências. Os autores citam como desafios as condições infraestruturais das escolas, falta de investimento governamental e inclusive dificuldade de professores em modificar estratégias de ensino. Há de se considerar que a tecnologia hoje faz parte da vida e da forma de pensar das pessoas e desta forma impactam diretamente os processos de ensino e aprendizagem de Matemática. Por meio das TICs novas formas de comunicação são estabelecidas e as relações humanas passam a ser mediadas também pelo computador com internet. É justamente a comunicação uma das tendências que observamos ter um papel de destaque na BNCC, uma vez que se observa uma preocupação na formação de um aluno que seja capaz de dialogar com seus pares na busca de resolução de problemas, tanto internos à Matemática, do cotidiano ou de outras áreas de conhecimento, como relativos à divulgação de resultados por meio de argumentos bem fundamentados. Essas características oriundas da comunicação são fundamentais para a formação de alunos com espírito investigador, que foi outra orientação observada na BNCC. Entendemos que esta se constitui como um grande desafio para o processo educacional na atualidade, tendo em vista que ainda temos um processo de ensino fortemente marcado por um modelo que potencializa a passividade dos alunos em relação aos seus processos de aprendizagem. (ARRUDA, FERREIRA, LACERDA, 2020. p. 25) Em pesquisa realizada sobre os resultados do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Estado do Ceará (SPAECE), identificamos oscilações progressivas, principalmente no 5º ano; avanços significativos de um mesmo grupo de alunos em momentos escolares distintos, e um déficit entre as habilidades matemáticas esperadas e obtidas pelos alunos de todos os anos escolares avaliados. Sem surpresa, as maiores médias encontravam-se nas escolas privadas do Estado, que diferem substancialmente das médias das escolas públicas, fazendo com que o degrau entre estas redes aumente a cada edição (DANTAS, 2015). Tal indicativo é preocupante e dissonante das políticas implementadas frequentemente no âmbito escolar, no entanto, podem concordar com os resultados de Franco et al (2007). Os autores destacam que determinadas condições da escola influenciam no desempenho dos alunos, entre elas, as condições do perfil docente e de infraestrutura, muitas vezes precárias na rede pública. Marques e Esquincalha (2020) em recente pesquisa sobre os desafios do ensino remoto identificam a matemática como componente curricular difícil de ser transposto ao contexto não presencial. Os autores apontam ainda a precarização do trabalho docente durante a pandemia, com o aumento da jornada de trabalho, redução salarial, falta de acesso de alunos e a falta de formação adequada ao uso de tecnologias. Destacam ainda a própria nomenclatura - ou falta de - em que se pesem os termos utilizados nesse contexto que vivenciamos com a suspensão de aulas presenciais: Em nome da segurança sanitária, um conjunto de práticas emergenciais passou a ser adotado, com o objetivo de dar resposta imediata à necessidade de isolamento social. [...] Tal conjunto de práticas ajudou a nomear e difundir o termo ensino remoto (emergencial) que, apesar de não ser conceituado e nem adotado como categoria fundamentada em referenciais teóricos ganhou notoriedade pela simplicidade dos termos “ensinar” e “remoto”. (MARQUES; ESQUINCALHA, 2020. p. 4) Se no contexto pré-pandemia as dificuldades envolvendo as desigualdades entre escolas públicas e privadas já se faziam notar nos resultados das avaliações externas, e a implementação da BNCC já apontava desafios, muito nos preocupa como a realidade atual se configura e os esforços necessários em um futuro próximo que possam equalizar essa situação gerada pela suspensão das aulas presenciais e necessidade de ensino remoto na área do ensino da matemática. Buscamos neste projeto de pesquisa lançar luzes sobre a prática do professor nesse contexto de pandemia, em que tanto se propagou a necessidade de reinvenção, de renovação e apropriação do currículo, de forma a ser usado da melhor forma possível. Como estão acontecendo essas práticas? Quais relações tem com a BNCC? Para compreender como realizaremos a pesquisa apresentamos a seguir os procedimentos metodológicos. Abordagem Metodológica Diante de tudo o que foi exposto até aqui em termos de questionamentos e objetivos, necessitamos agora, definir os moldes em que a investigação deverá ser desenvolvida. Delineamos neste tópico os aspectos referentes aos métodos e materiais a serem aplicados na execução deste trabalho. De acordo com Gaio et al, para pesquisar precisamos de métodos e técnicas que nos levem criteriosamente a resolver problemas. [...] é pertinente que a pesquisa científica esteja alicerçada pelo método, o que significa elucidar a capacidade de observar, selecionar e organizar cientificamente os caminhos que devem ser percorridos para que a investigação se concretize (GAIO et al, 2008. p. 148). Minayo (1993, p. 23), observando a pesquisa sob um ponto de vista mais filosófico, considera que a mesma representa uma atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da realidade. É uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente inacabado e permanente. É uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e dados. Podemos perceber que a pesquisa constitui-se um procedimento reflexivo, controlado e crítico, e que possibilita descobrir novos fatos ou dados. Para Gil (1999, p. 42), a pesquisa tem um caráter pragmático, trata-se de um “processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico. O objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos científicos”. Sendo a pesquisa um conjunto de ações ou propostas para encontrar a solução para um determinado problema, é preciso apoiar-se em bases sólidas do conhecimento, além de executar procedimentos apropriados. Este estudo caracteriza-se pelo uso de dados quantitativos e qualitativos, constituindo-se, portanto, em uma pesquisa mista. Para Stake (1983) apud Vianna (2000) existe uma correspondência entre a comunalidade e a singularidade, aplicáveis ao caráterquantitativo e qualitativo, respectivamente. Ao abordarmos a natureza quantitativa, estamos nos referindo ao objetivo, em busca de responder “o quê?”. Tais resultados sugerem a comunalidade, pois retratam muitos casos e poucas variáveis. Já o aspecto qualitativo, diz respeito à subjetividade, ao “porquê?”, vinculando-se à singularidade ao observar em poucos casos, muitas variáveis. De acordo com Vianna (2000) estes dois aspectos se complementam. A natureza desta pesquisa comporta elementos quantitativos e qualitativos. O aspecto quantitativo refere-se aos dados computados nos indicadores de avaliações externas na área de matemática, buscando realizar levantamento de hipóteses que justifiquem os baixos resultados nacionais e internacionais. O teor qualitativo se faz presente na análise do trabalho desenvolvido pelos atores do processo escolar, no caso, professores dos anos iniciais. A análise qualitativa está ligada ao trabalho de campo realizado junto às escolas, que para Minayo (2007) permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual se formulou uma pergunta, mas também estabelecer uma interação com os ‘atores’ que conformam a realidade e, assim, constrói um conhecimento empírico importantíssimo para quem faz pesquisa social. (MINAYO, 2007. p. 61) Para alcançar os resultados desta pesquisa de maneira fiel, as estratégias metodológicas foram organizadas de acordo com a viabilidade e congruência com os objetivos propostos. Universo e amostra De acordo com Pereira (2012, p. 92) o universo ou a população de uma pesquisa "é a totalidade de indivíduos que possuem as mesmas características definidas para um determinado estudo". Nosso universo encontra-se na rede municipal de educação de Maracanaú, município pertencente à região metropolitana de Fortaleza. A amostra deste trabalho configura-se como não probabilística e intencional, que segundo Gil (2010, p. 94) “consiste em selecionar um subgrupo da população que, com base nas informações disponíveis, possa ser considerado representativo de toda população”. Instrumentos de Pesquisa Marconi e Lakatos (2003, p. 163), afirmam que o instrumento metodológico está relacionado com o problema que deve ser estudado. Alguns fatores como a natureza do fenômeno, o objeto da pesquisa, os recursos financeiros, a equipe humana, entre outros, são os que ajudam na escolha do método a ser estudado. Tomando por base nossos objetivos, selecionamos como instrumento os questionários. Lima (2008, p. 29), esclarece que a abordagem quantitativa "corresponde à realização de pesquisa de campo, na qual a coleta de dados é realizada por meio de aplicação de questionário e/ou formulário, respeitando escalas de medidas, junto a uma amostra estaticamente representativa da população". Aos professores da área de matemática serão expostas perguntas sobre as práticas pedagógicas no contexto remoto, as estratégias desenvolvidas e interfaces com o desenvolvimento da aprendizagem matemática nos eixos descritos pela BNCC. Desta maneira, a aplicação de questionários se apresenta enquanto instrumento válido e equivalente aos objetivos traçados. Para Marconi e Lakatos (2003, p. 201), questionário "é um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito". Na consecução de nosso trabalho, pretendemos adotar uma técnica pertinente à pesquisa qualitativa na realização das entrevistas com esses sujeitos, organizando um grupo focal com 10% dos respondentes ao questionário. Tal estratégia: [...] possibilita avaliar projetos de questionários e metodologias culturalmente apropriadas, podem ser usados em uma grande variedade de circunstâncias, incluindo tópicos ‘delicados’, assim como encorajar participantes relutantes em participar de entrevistas individuais [...] (MELO; ARAÚJO, 2010, p.3). O trabalho com grupos focais favorece nossa tarefa, pois ao mesmo tempo em que valoriza o participante, oferece muitas perspectivas para que se alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação. Segundo Morgan e Krueger (1993) apud Gatti (2005): A pesquisa com grupos focais tem por objetivo captar, a partir das trocas realizadas no grupo, conceitos, sentimentos, atitudes, crenças, experiências e reações, de um modo que não seria possível com outros métodos [...] o grupo focal permite fazer emergir uma multiplicidade de pontos de vista e processos emocionais, pelo próprio contexto de interação criado, permitindo a captação de significados que, com outros meios, poderiam ser difíceis de se manifestar (GATTI, 2005, p. 9). Um grupo focal é constituído por um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas pelo pesquisador, com o propósito de comentar um tema, a partir de suas experiências pessoais, e que tenha relação com o objeto de estudo (GOMES, 2005). O tema a ser abordado no grupo focal será em torno da postura das práticas pedagógicas durante o contexto remoto e a relação com a Base Nacional Comum Curricular. Recorre-se também à pesquisa bibliográfica, recurso metodológico no qual podemos resgatar conhecimento científico acumulado sobre um problema. De acordo com, Matos e Vieira a pesquisa bibliográfica é realizada a partir de um levantamento de material com dados já analisados, e publicados por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, página de Web sites, sobre o tema que desejamos conhecer. (MATOS e VIEIRA, 2002, p.40) A revisão de literatura tem como objetivo fundamentar teoricamente o tema adotado, ou problema escolhido. A partir das questões de pesquisa, serão prospectados os estudos primários que nos forneçam evidências epistêmicas e metodologicamente relevantes ou justificáveis. Método de Coleta e Processamento dos dados Conforme Marconi e Lakatos (2003, p. 165), coleta de dados é uma "etapa da pesquisa em que se inicia a aplicação dos instrumentos elaborados e das técnicas selecionadas, a fim de se efetuar a coleta dos dados previstos". Para Gil (2010, p. 156) “a análise tem como objetivo organizar e sumariar os dados de forma tal que possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto para a investigação”. Desta forma, as respostas coletadas nos questionários de nossos sujeitos serão analisadas à luz da abordagem qualitativa, organizando as respostas por meio de aproximações conceituais, entre o que a literatura aponta e a compreensão dos professores. De acordo com Marconi e Lakatos (2003, p. 167), tabulação "é uma parte do processo técnico de análise estatística, que permite sintetizar os dados de observação, conseguidos pelas diferentes categorias e representá-los graficamente". Na pesquisa a tabulação de dados das respostas será realizada manualmente e serão feitos gráficos com as respostas e seus percentuais para melhor visualização e entendimento. Analisando e interpretando estes dados, facilitará o auxílio do objetivo geral da pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, G da S; ORTIGÃO, M. I. R. 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