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ESTUDO DE CASOS EM DIREITO ME DICO E DA SAU DE ESTUDO DE CASOS EM DIREITO ME DICO E DA SAU DE ESTUDO DE CASOS EM DIREITO MÉDICO E DA SAÚDE Doutrina, jurisprudência e estratégias Organizadores: | GABRIELA SADY | LUCAS MACEDO | Autores: Salvador, Bahia, Brasil – 2021 • Ana Maria Silva Souza • Daniel Silva Vitor Bento • Daniela Brito Mercuri • Diogeano Marcelo de Lima • Érica Baptista Vieira de Meneses • Fernanda Moura Silva • Flávia Mendes Moreira de Andrade Mélo • Flávia Sulz Campos Machado • Gabriela Silva Sady • Henrique Costa Princhak • Hugo Leonardo Cunha Roxo • Isabela Maria Silva Oliveira • Jemyma Jandiroba Ferreira • Luana Reis Ferreira • Lucas Funghetto Lazzaretti • Lucas Macedo Silva • Mariane Heberlê Hurtado Plácido • Matheus Athayde • Monalisa Barbosa Pimentel Pinheiro • Paula Carolina Araújo da Silva Conselho Editorial • Antonio Francisco Costa • Gilson Alves de Santana Júnior • Nelson Cerqueira • Rodolfo Pamplona Filho • Wilson Alves de Souza Produção gráfica: Couto Coelho – E-mail: editorapagine@gmail.com Capa: Maitê Coelho – E-mail: maitescoelho@yahoo.com.br Editoração eletrônica: Cendi Coelho – E-mail: cendicoelho@gmail.com Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Estudo de casos em direito médico e da saúde : doutrina, jurisprudência e estratégias / organizadores Gabriela Sady, Lucas Macedo. – Sal- vador, BA : Editora Paginæ, 2021. Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-65-89459-12-5 1. Direito à saúde 2. Médicos – Leis e legislação – Brasil 3. Médicos – Responsabilidade profissional 4. Responsabilidade (Direito) I. Sady, Gabriela. II. Macedo, Lucas. 21-82024 CDU-347.56:61 Índices para catálogo sistemático: 1. Médicos : Responsabilidade : Direito civil 347.56:61 Cibele Maria Dias – Bibliotecária – CRB-8/9427 Sumário Mensagem do presidente da OAB/BA ................................................... 11 – Fabrício de Castro Oliveira Mensagem da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB/BA ................................................................................... 13 – René Viana Mensagem da Escola Superior da Advocacia .................................... 15 – Thaís Bandeira Nota editorial ...................................................................................................... 17 – Os organizadores Capítulo I Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro: direito à vida ou dever de viver sob qualquer circunstância? ...................................................................... 19 – Daniel Silva Vitor Bento 1. Introdução ...................................................................................................... 19 2. Conceito e classificações de suicídio assistido e eutanásia........ 20 3. O suicídio assistido e a eutanásia no direito comparado ............ 22 4. Análise do Decreto n.º 109/ XIV/2021 da Assembleia da República Portuguesa – Lei João Semedo .................................... 26 4. Definições normativas e jurisprudência brasileira ....................... 35 6. Considerações finais ................................................................................... 39 Referências ............................................................................................................ 41 Capítulo II Dano iatrogênico à luz da boa fé objetiva, uma análise do direito à informação do paciente e do ônus probatório ..... 43 – Daniela Brito Mercuri – Monalisa Barbosa Pimentel Pinheiro 1. Introdução ...................................................................................................... 43 2. Considerações sobre dano iatrogênico ............................................... 45 3. Dever de informação e aspectos principialistas bioéticos ........ 48 3.1. Princípio da autonomia e o dever de informação ................ 51 3.3. Termo de consentimento informado ......................................... 53 3.3. Da boa fé objetiva recíproca ......................................................... 55 4. Conclusão ........................................................................................................ 57 Referências ........................................................................................................... 58 Capítulo III Parâmetros para o exercício seguro da recusa terapêutica: uma análise a partir do entendimento jurisprudencial acerca da disposição sobre o próprio corpo ................................. 63 – Érica Baptista Vieira de Meneses – Lucas Macedo Silva 1. Introdução 63 2. O conceito de vida digna no ordenamento jurídico brasileiro .......................................................................................................... 65 3. Conformação da autonomia privada no contexto da disposição sobre o próprio do corpo ............................................. 70 4. O exercício do direito de recusa a tratamento médico ................ 73 5. Considerações finais ................................................................................... 81 Referências ............................................................................................................ 83 Capítulo IV A publicidade médica nas redes sociais e a responsabilidade civil em casos de procedimentos estéticos: uma análise acerca das expectativas criadas nos pacientes e a vinculação de resultados ...................................................................... 87 – Fernanda Moura Silva – Gabriela Silva Sady 1. Introdução ......................................................................................................... 88 2. Breves considerações acerca da publicidade médica e da responsabilidade civil do médico ................................................ 88 2.1. A publicidade médica em tempos de redes sociais ............. 92 2.2. A responsabilidade civil do médico em procedimentos estéticos: novos paradigmas? ....................................................... 94 3. Análise do caso concreto: o posicionamento do Conselho Federal de Medicina ................................................................................... 97 6 Estudo de casos em direito médico e da saúde 3.1. A judicialização da matéria e o atual posicionamento do CFM .................................................................................................... 98 3.2. Expectativas criadas nos pacientes e a vinculação de resultados como critério para uma possível configuração de responsabilidade objetiva ou culpa presumida .............. 100 4. Conclusão ....................................................................................................... 103 Referências ............................................................................................................ 104 Capítulo V TikTok e a publicidade médica: a adesão da classe médica ao aplicativo e os limites da ética na publicidade ......................... 109 – Mariane Heberlê Hurtado Plácido – Paula Carolina Araújo da Silva 1. Introdução 109 2. Publicidade médica: legislação e adequação à era digital .......... 111 3. Redes sociais: o uso das redes sociais como meio de divulgação de serviço ........................................................................... 114 3.1. Aderência dos profissionais da saúde às regras de publicidade ..................................................................................... 115 3.2. A pandemia do covid-19 e as mídias sociais: a viralização do TikTok .................................................................... 118 4. Análise de caso concreto: decisão do cremesp de interdição cautelar de cirurgiã plástica por publicidade indevida ............... 122 5. Conclusão ........................................................................................................ 127 Referências ............................................................................................................129 Capítulo VI O setor de saúde suplementar e o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça ............................................................................................................... 133 – Lucas Funghetto Lazzaretti 1. Introdução ...................................................................................................... 133 2. Considerações sobre a Lei nº 9.656/98, a Agência Nacional de Saúde Suplementar e o setor de saúde suplementar ............. 134 3. O rol da ANS sob a ótica do superior tribunal de justiça ............ 143 4. Conclusão ....................................................................................................... 147 Referências ............................................................................................................ 148 Sumário 7 Capítulo VII Envelhecimento populacional e planos de saúde: a (i)legitimidade dos reajustes por faixa etária dos novos idosos ............................................................................................... 151 – Ana Maria Silva Souza – Matheus Athayde 1. Introdução ...................................................................................................... 151 2. O envelhecimento populacional ............................................................ 153 2.1. Envelhecimento ativo e novos idosos ........................................ 154 2.2. Acesso à saúde para os idosos ...................................................... 155 3. Saúde suplementar, planos de saúde e o enquadramento por faixa etária .............................................................................................. 157 3.1. Reflexões acerca das normas infralegais regulamentadoras .............................................................................. 159 3.2. Reajustes por faixa etária na visão do STJ ............................... 163 4. Considerações finais .................................................................................. 166 Referências ............................................................................................................ 168 Capítulo VIII Uma análise da ADI 5.529: a não prorrogação da vigência das patentes farmacêuticas como forma de assegurar a função social e o direito à saúde .......................................................... 171 – Flávia Mendes Moreira de Andrade Mélo – Henrique Costa Princhak 1. Introdução ...................................................................................................... 172 2. Breve exame sobre o contexto de registro de patentes na área da saúde e a assistência farmacêutica ................................ 173 3. Uma análise da ADI 5529 do STF: a não prorrogação da vigência das patentes farmacêuticas como forma de assegurar a função social e o direito à saúde ............................. 180 4. Considerações finais ................................................................................... 192 Referências ............................................................................................................ 194 Capítulo IX Responsabilidade civil do Estado em casos de danos provenientes da vacinação ....................................................................... 199 – Luana Reis Ferreira – Daniela Brito Mercuri 8 Estudo de casos em direito médico e da saúde 1. Introdução ...................................................................................................... 199 2. Breve histórico acerca da vacinação no Brasil ................................ 201 3. Reflexões bioéticas acerca da vacina compulsória ........................ 206 4. Responsabilidade civil do Estado ........................................................ 209 5. Compensação de danos decorrentes da vacinação ....................... 212 6. Conclusão ....................................................................................................... 214 Referências ............................................................................................................ 215 Capítulo X Geopolítica da vacina, direito à saúde e soberania sanitária . 221 – Hugo Leonardo Cunha Roxo 1. Introdução ...................................................................................................... 221 2. O direito à saúde e a pandemia de covid-19 ..................................... 222 2.1. Uma breve noção de saúde ............................................................. 222 2.2. O direito à saúde e a legislação correlata ................................. 223 2.3. O caos: um pouco do contexto pandêmico .............................. 225 3. O que fazem as empresas privadas e os governos: imunização, geopolítica e soberania sanitária ................................ 233 3.1. A teoria do sistema-mundo: um rápido esboço .................... 233 3.2. Imunização e geopolítica ................................................................ 234 3.3. Autonomia/soberania sanitária e direito à saúde ............... 245 4. Considerações finais ................................................................................... 248 Referências ............................................................................................................ 248 Capítulo XI A alocação de recursos de saúde em face da escassez de Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s) decorrente da pandemia ocasionada pela covid-19 .............................................. 251 – Diogeano Marcelo de Lima 1. Introdução ....................................................................................................... 251 2. Da eleição de critérios para alocação de vagas em unidades de terapia intensiva (UTI’S) ..................................................................... 253 3. Da impossibilidade de se multiplicar os recursos de saúde através da via judicial ................................................................................. 256 4. Breve histórico sobre o surgimento da bioética ............................. 261 4.1. Da bioética principialista .............................................................. 264 4.2. Da aplicabilidade do princípio bioético da justiça na distribuição de vagas de UTI’S ................................................ 271 Sumário 9 5. Considerações finais ................................................................................... 272 Referências ............................................................................................................ 274 Capítulo XII Judicialização da saúde e escassez de recursos públicos: estudo de caso do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia ...... 277 – Flávia Sulz Campos Machado 1. Introdução ...................................................................................................... 277 2. Estudo de caso do tribunal de Justiça do Estado da Bahia ......... 278 3. Direito à saúde e escassez de recursos ............................................... 284 4. A dificuldade do judiciário de enfrentar o problema dos custos do direito à saúde .................................................................. 288 5. Considerações finais ................................................................................... 293 Referências ............................................................................................................ 294 Capítulo XIII O sistema de precedentes do CPC e a importância da bioética nas decisões judiciais: uma análise da fundamentação do AI 0088052-64.2020.8.21.7000, oriundo do TJRS ............................................................................................... 297 – Isabela Maria Silva Oliveira – Jemyma Jandiroba Ferreira 1. Introdução ...................................................................................................... 298 2. O sistema de precedentes brasileiro ....................................................299 3. Agravo de instrumento n. 0088052-64.2020. 8.21. 7000, da comarca de Gaurama. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS). Sétima Câmara Cível ....................... 306 4. O caso concreto e o conflito de regras e princípios sobre a (não)obrigatoriedade da vacinação infantil ................................. 308 4.1. Breve histórico sobre a implantação da vacinação obrigatória no Brasil e a origem do pensamento anti-vacina a partir da tecnologia da (des)informação........................................ 310 4.2. Análise temática à luz da bioética .............................................. 311 5. Conclusão ........................................................................................................ 316 Referências ............................................................................................................ 317 10 Estudo de casos em direito médico e da saúde Mensagem do presidente da OAB/BA Apesar do cenário que infelizmente ainda se faz presente em nossa sociedade, a OAB da Bahia segue cumprindo o seu papel institucional. Nesse sentido, a iniciativa da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da nossa Seccional é de grande valia, uma vez que a produção e disseminação do conhecimento nunca se mostrou tão importante na nossa história como nos tempos atuais. Essa nova edição da coletânea fruto dos ciclos de debates sobre Direito Médico e da Saúde durante a Pandemia chega para fortalecer os valores cultivados em nossa instituição e dar voz àqueles que têm se debruçado sobre um tema tão relevante. Sabemos que a ciência salva vidas e que uma sociedade forte é aquela que tem o investimento em educação entre os seus mais altos pilares. Assim, esse trabalho se configura também como uma contribuição da Ordem para essa sociedade ainda tomada por medos, incertezas e dú- vidas que nasceram com a chegada da covid-19. Os tempos são difíceis, mas seguiremos firmes em defesa dos valores constitucionais, lutando pelo fortalecimento do Estado Democrático de Direitos e fazendo tudo o que estiver ao alcance da Ordem para preser- var a vida. Fabrício de Castro Oliveira Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Bahia Mensagem da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB/BA Nos idos de 2013, a Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB Bahia foi instituída com o propósito de instigar a imersão da advocacia em temáticas relativamente novas, que demandavam estrei- tamento dos diálogos entre o Direito, a Saúde e a Medicina. Recordo, cristalinamente, da preparação do projeto, feito a seis mãos, que justifi- cava a importância de sua criação para o desenvolvimento dos debates. Juntamente com Itana Viana e Érica de Meneses, pensamos as ideias embrionárias destes temas importantes para o protagonismo da OAB Bahia no campo das novas conquistas de direitos e planejamos seu de- senvolvimento, ansiando despertar o entusiasmo de outros colegas para o propósito da Comissão, sobretudo, pelos estudos do Direito à Saúde e do Direito à Médico. Recordando essa trajetória, é grande a alegria ao ver as ideias ges- tadas adentrarem à fase frutífera. O presente trabalho transpassou os limites do território baiano e reuniu autores de diversos estados brasi- leiros para o desenvolvimento de estudos e produção de conteúdo que se destaca por sua qualidade. Em que pese o elevado propósito dos trabalhos jurídicos, afirmo aos leitores que a intenção neste vai além. Mais do que servir de fonte de conteúdo para consultas jurídicas, representa mais um importante passo na construção de pontes para o estreitamento dos diálogos entre o Direito, a Saúde e a Medicina, assim como para a multiplicação de conhecimento e estímulo ao surgimento de novos encantamentos no mister da advocacia. Se nos perguntarmos para onde uma jornada imersa no Direito à Saúde e no Direito à Médico pode nos levar, a resposta é: partamos, pois mais importante do que a chegada é caminhada; é a construção de um mundo melhor, propiciando a oportunidade de participação a todos os interessados nos temas abordados. René Viana Presidente da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB/BA Mensagem da Escola Superior da Advocacia A obra “Estudo de Casos em Direito Médico e da Saúde” já surgiu com um conceito inovador: foi fruto de um trabalho debatido entre os participantes do Grupo “Estudo de Casos em Direito Médico e da Saúde”, um projeto realizado pela Comissão Especial de Direito Médico e da Saú- de em parceria com a Escola Superior da Advocacia – ESA, da OAB/BA. É sempre muito gratificante ver a ESA – Bahia envolvida em projetos tão exitosos como esse! Nos orgulha muito fazer parte dessa história e contribuir para que debates de alto nível cheguem à classe da advocacia. Essa é a verdadeira missão da ESA!! Fomentar diálogos, reflexões e buscar sempre o aperfeiçoamento da classe. Parabéns a todos os autores e autoras dos textos. Vocês merecem todas as nossas homenagens. Thaís Bandeira Diretora da ESA/BA Nota editorial A obra que ora apresentamos ao leitor é resultado do profícuo traba- lho realizado ao longo do primeiro semestre do ano de 2021 pelo grupo de pesquisa “Estudo de Casos em Direito Médico e da Saúde – Doutrina, Jurisprudência e Estratégias”, promovido pela Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB/BA, com o apoio da Escola Superior da Advocacia da OAB/BA – ESA/BA. O grupo contou com a coordena- ção dos professores e advogados Gabriela Sady e Lucas Macedo e com a participação de professores convidados, membros da Comissão e os aprovados no processo seletivo. A partir das intensas e desafiadoras reflexões coletivas, emergiu a ideia de convidar os integrantes do grupo de pesquisa a, em prol de discussões inovadoras e pioneiras, lançarem-se à produção de artigos sobre as temáticas estudadas. Assim é que os 12 artigos que compõem a presente obra abarcam temáticas recorrentes acerca das mais variadas e recentes discussões em Direito Médico e da Saúde – tais como vacinação, saúde suplementar, publicidade médica, escassez de recursos, relação paciente-médico, entre outros – por novas perspectivas. Apesar de os artigos terem sido produzidos a partir das discussões concebidas nos encontros coletivos, cada trabalho reflete a opinião individual do(s) seu(s) respectivo(s) autor(es). A estes, à Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB/BA e à ESA/BA, o nosso muito obrigado por acreditarem nesse projeto especial. Os organizadores (*) Mestre em Políticas Sociais e Cidadania, Universidade Católica do Salvador, pesqui- sador bolsista FAPESB. Graduado em Direito, Universidade Católica do Salvador. Ad- vogado. CAPÍTULO I Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro: direito à vida ou dever de viver sob qualquer circunstância? Daniel Silva Vitor Bento* Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito e classificações de suicídio assistido e eu- tanásia; 3. O suicídio assistido e a eutanásia no direito comparado; 4. Análise do decreto n.º 109/XIV/2021 da Assembleia da República Portuguesa – Lei João Semedo; 5. Definições normativas e jurisprudência brasileira; 6. Considerações finais; Referências. Palavras-chave: suicídio assistido; eutanásia; direito à vida; dignidade humana 1. INTRODUÇÃO Esse artigo investiga o suicídio assistido e a eutanásia em Portugal e no Brasil, com enfoque nas suas respectivas Constituições e jurispru- dências. Trata-se de um tema relevante e nada pacífico, que acarreta em discussões com argumentos religiosos, filosóficos, socioeconômicos, políticos, jurídicos e bioéticos. A partir da década de 1980 alguns países passaram a admitir a prática da morte assistida, com fundamentações e critérios legais dife- rentes, tendo em vista a sua própria estrutura constitucional, de modo que se encontra previsão legal expressa em alguns casos, enquanto em outros observa-se a interpretaçãoda legislação existente. Portugal, que possui os laços culturais e semelhanças jurídico constitucionais, recen- temente enfrentou a questão, com o Decreto n.º 109/XIV e o Acórdão n.º 123/2021 do Tribunal Constitucional. O suicídio assistido e a eutanásia articulam as suas fundamentações legais a partir dos princípios consti- tucionais de proteção à vida e dignidade humana, que estão presentes na Constituição da República Portuguesa de 1976 e na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Os referidos princípios colidem quando a proteção à vida é interpretada como absoluta e se sobrepõe aos demais, o que acarreta na proibição e criminalização da prática. Este artigo visa amadurecer o entendimento e a discussão em ambos países, com abordagem jurídica, para investigar a possível articulação dos prin- cípios citados, sem olvidar das fundamentações das demais ciências que enfrentam a questão, por meio de uma investigação teórica com revisão bibliográfica e documental. Diante de tudo o que foi dito formulou-se o seguinte problema de pesquisa: o suicídio assistido e a eutanásia poderiam ser constitucionalmente admitidos no Brasil, articulando os princípios da proteção à vida e da dignidade humana? Para tanto, o presente trabalho tem como objetivo verificar se há possibilidade constitucional da alteração da legislação brasileira para se admitir a prática do suicídio assistido e da eutanásia, à luz dos princípios da proteção à vida e da dignidade humana, desdobrando-se nos seguintes objetivos específicos: revisar os conceitos e classificações de suicídio e eutanásia; identificar os países que permitem o suicídio assistido e a eutanásia; analisar o processo em Portugal; e avaliar as definições normativas e a jurisprudência brasileira sobre o tema. 2. CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES DE SUICÍDIO ASSISTIDO E EUTANÁSIA Albert Camus (2010, p. 19), afirmava que só existe um problema filosoficamente sério: o suicídio. Segundo Durkheim (2010, p. 14), o suicídio é todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato, positivo ou negativo, realizado pela própria vítima com a ciência que surtirá esse resultado. 20 Daniel Silva Vitor Bento A eutanásia, de acordo com o dicionário etimológico de Antenor Nascentes (1955, p. 204), vem do grego euthanasia, significando morte bela ou feliz, inicialmente utilizada por Francis Bacon. Segundo Dworkin (2009, p. 1), é ato de matar deliberadamente uma pessoa por razões de benevolência. Por outro lado, o termo eutanásia foi desvirtuado, atribuin- do conotação negativa, a partir da promulgação do Aktion T4, em 1939, do Estado Nazista, utilizada para se referir a práticas que levaram a morte mais de 100 mil pessoas, entre judeus, ciganos e negros, contudo a defi- nição contemporânea de eutanásia pode ser entendida como emprego ou abstenção de procedimentos que permitem apressar ou provocar o óbito de um doente incurável, a fim de livrá-lo dos extremos sofrimentos que o assaltam (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2005, p. 2 e 3) A eutanásia ativa, direta ou autêntica é a provocação intencional da morte a determinado indivíduo que sofre de enfermidade extremamente degradante e incurável, visando privá-lo dos suplícios decorrentes da doença (PORTUGAL, 2016, p.9). Ao passo que ortotanásia, ou eutanásia passiva ou por omissão, entende-se como a prática pela qual se deixa de prolongar, através de meios artificiais, a vida de um doente incurável ou em sofrimento into- lerável, especialmente, nos casos de recusa de modernos medicamentos ou equipamentos médicos para garantir um prolongamento precário e penoso da vida em estado terminal (PORTUGAL, 2016, p.9). Sendo exatamente o contrário a distanásia, também conhecida como eutanásia indireta ou eventual ou tratada como obstinação terapêutica, trata-se de prolongar, através de meios artificiais, a vida de um enfermo incurável a qualquer custo, mesmo que o doente esteja em sofrimento e não queira continuar a viver (PORTUGAL, 2016, p.9 e 10). Nas hipóteses de eutanásia ativa e ortotanásia, o ato pode ser clas- sificado como voluntário, quando o paciente expressa a sua vontade ou involuntário quando não se conhece a vontade do enfermo. Na hipótese de distanásia a vontade do paciente, conhecida ou não, não é levada em consideração. O suicídio assistido é o auxílio a alguém, prestado por um médico para terminar com a vida daquele. É o próprio paciente, ao contrário do que ocorre na eutanásia ativa, que ingere ou injeta medicamentos letais Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro... 21 previamente prescritos pelo médico. Na eutanásia direta é uma terceira pessoa que executa o ato, ao passo que no suicídio assistido é o próprio doente que provoca a sua morte, ainda que para isso disponha da ajuda de terceiro (PORTUGAL, 2016, p. 9). Por fim, a morte assistida é uma expressão que por vezes é utilizada como sinônimo de suicídio assistido e a morte medicamente assistida abarca os conceitos de eutanásia ativa e suicídio assistido. 3. O SUICÍDIO ASSISTIDO E A EUTANÁSIA NO DIREITO COMPARADO Em síntese, é possível encontrar três grandes tendências: i) a tolerância relativamente ao suicídio assistido, sem que lhe seja conferida uma regulação legal expressa como na Alemanha, Itália e Suíça; ii) a despenalização e a regulação expressa da eutanásia ativa e, ou, do suicídio assistido, como na Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Ca- nadá, alguns Estados dos Estados Unidos da América, Colômbia, Estado australiano da Victoria e Nova Zelândia; e iii) a proibição da eutanásia ativa e do suicídio assistido como na França e Reino Unido (PORTUGAL, 2021, p. 30). O Código Penal suíço prevê, em seu artigo 115.º/1, pena de prisão até 5 anos ou multa para quem, por motivos egoístas, incitar ou ajudar alguém a cometer ou tentar cometer suicídio. Com base na interpretação deste preceito, que só pune a ajuda ao suicídio se o agente for movido por razões egoístas, aliada à interpretação judicial branda da lei, tem sido entendido que o suicídio assistido se encontra descriminalizado nos casos em que o suicida seja um doente terminal condenado a morrer em virtude da doença ou lesão que o afete. Também não há previsão legal expressa acerca da eutanásia, porém o artigo 114.º/1 do Código Penal suíço, define que homicídio a pedido da vítima é punível, com pena de prisão até 3 anos ou multa quem, por motivos atendíveis, designada- mente compaixão pela vítima, provoque a morte de outra pessoa, a seu pedido genuíno e insistente. Entre outras, duas organizações conhecidas de natureza associativa – a Dignitas e a Exit – dedicam-se a ajudar doentes 22 Daniel Silva Vitor Bento terminais a suicidar-se, desde que o paciente tenha discernimento e pos- sa manifestar a sua vontade consciente e livremente, o seu pedido seja sério e reiterado, a sua doença se revele incurável, o sofrimento físico ou psíquico que o atinja seja intolerável e o prognóstico do desfecho da doença seja a morte ou uma incapacidade grave. A associação Exit só aceita pacientes nacionais ou domiciliados na Suíça, ao passo que a Dignitas acolhe nacionais e estrangeiros (PORTUGAL, 2016, p. 44). O serviço tem atraído número considerável de pacientes para o país, chamados de turistas do suicídio. O termo “going to Switzerland” tor- nou-se eufemismo para suicídio assistido na Inglaterra. O atendimento a pessoas com doenças mentais também é permitido, mas a Suprema Corte exige relatório psiquiátrico declarando que o desejo de suicídio do paciente foi autodeterminado e bem considerado, e não faz parte de sua desordem mental. Os médicos que prescrevem o medicamento são responsáveis pelo processo, devendo sempre informar o paciente sobre sua condição e possíveis alternativas (CASTRO et al, 2016, p. 361). A Colômbia é o único país da América Latina onde a eutanásia é permitida. Em 1997, foi descriminalizada pelo Tribunal Constitucional e somente com o advento daResolução 12.116/2015, do Ministério da Saúde e Proteção Social, a prática foi regulamentada. Até essa data era classificada como “homicídio por piedade” de acordo com o artigo 326 do Código Penal, onde a falta de critérios bem estabelecidos para sua realização, somados à legislação controversa, gerava ambiguidade, conflitos de interpretação e incertezas sobre o assunto (CASTRO et al., 2016, p. 357). Segundo Ávila e Alipio (2019, p. 226), a tese de disponibilidade rela- tiva da própria vida na Colômbia encontrava fundamento em inúmeras jurisprudências da Corte Constitucional, que de maneira tácita tem consi- derado esta possibilidade pela via da eutanásia. É possível falar em uma faculdade jurídica intrínseca no direito a vida que permite aos indivíduos terminarem com sua própria existência, sempre que este estiver dentro dos pressupostos estatais, pois se trata de uma disponibilidade relativa e não absoluta. Em contraste, apenas na figura do suicídio se encontra a disponibilidade do direito a própria vida, pois é um fenômeno social que escapa ao ius punidendi do Estado colombiano e, por outro, não pode ser sancionado. Por outro lado, o direito a morrer dignamente encontra Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro... 23 suporte no princípio da dignidade humana, o livre desenvolvimento da personalidade e da autonomia do indivíduo, que é plenamente livre para tomar decisões personalíssimas que, em princípio, não deveriam interessar ao Estado. Nos Estados Unidos o estado Oregon foi o primeiro a legalizar o suicídio assistido, em 27 de outubro de 1997, com a aprovação do Death with Dignity Act, “Ato de morte com dignidade” que permitiu que adultos, maiores de 18 anos, capazes de expressar conscientemente sua vontade, residentes no estado, com doenças terminais e expectativa de vida menor que seis meses, recebessem medicações em doses letais, por meio de autoadministração voluntária, expressamente prescrita por um médico para essa finalidade. De acordo com o Ato, a autoadministração desses medicamentos letais não é considerada suicídio, mas morte com dignidade (CASTRO et al., 2016, p. 358). Segundo Albuquerque (2006, p. 301), a Holanda passou a permitir em abril de 2002, mas para que a prática da eutanásia seja considerada lícita, devem ser observados uma série de requisitos: i) médico deve estar convencido de que se trata de “uma solicitação voluntária e bem pensada do paciente”; ii) também deve estar convencido de que as dores do paciente são “sem perspectiva e insuportáveis”; iii) o paciente deve ter sido esclarecido sobre “a situação na qual ele se encontrava e sobre suas perspectivas”; iv) deve-se chegar à conclusão de que “não havia outra solução razoável” para o paciente; v) deve-se consultar ao menos “um outro médico independente”; vi) este deve ver o paciente e ter redigido seu parecer sobre a ne- cessidade de eutanásia; vii) eutanásia deve ser executada “cuidadosamente sob o ponto de vista médico”. São previstas três modalidades de eutanásia na Holanda, sob o ponto de vista de faixa etária: pacientes que têm dezesseis anos ou mais que não podem mais expressar sua vontade, mas que, anteriormente, decla- raram a sua autorização; pacientes que têm entre dezesseis e dezoito 24 Daniel Silva Vitor Bento anos de idade que solicitaram sua eutanásia, desde que seus pais ou tutores tenham participado da tomada desta decisão; e os menores de idade entre doze e dezesseis anos, desde que seus pais ou tutores tenham concordado com sua eutanásia (ALBUQUERQUE, 2006, p. 301). A eutanásia ativa passou a ser permitida na Bélgica com a entrada em vigor da lei sobre a matéria em 28 de maio de 2002. Esta lei sofreu alterações para estender a possibilidade da eutanásia a menores de idade, por outra lei em 28 de fevereiro de 2014. Nos termos do artigo 2.º prevê eutanásia como o ato praticado por alguém que intencionalmente põem termo à vida de outra pessoa, a pedido desta. Para ser legítima, a eutanásia tem que obedecer determinadas condições e só pode ser praticada por médicos, sendo irrelevante a distinção das modalidades de eutanásia. De acordo com o artigo 3.º da referida lei, na redação de 2014, o médico que pratique a eutanásia não comete infração se ele se tiver assegurado de que: o paciente seja maior de idade ou menor emancipado capaz ou ainda menor de idade dotado de capacidade de discernimento e que esteja consciente no momento do pedido; o pedido deve feito de forma voluntária e refletida, repetidamente, sem qualquer pressão externa; e o paciente deve se encontrar em situação médica sem saída e em sofrimento físico e/ou psíquico constante e insuportável sem possibilidade de ser aliviado, causados por lesão ou patologia grave e incurável (PORTUGAL, 2016, p. 17). Eutanásia e suicídio assistido foram legalizados em Luxemburgo, em 16 de março de 2009, e atualmente são regulados pela Comissão Nacional de Controle e Avaliação. A lei abrange adultos competentes, portadores de doenças incuráveis e terminais que causam sofrimen- to físico ou psicológico constante e insuportável, sem possibilidade de alívio. O paciente deve solicitar o procedimento por meio de suas disposições de fim da vida, um documento escrito, obrigatoriamente registrado e analisado pela Comissão Nacional de Controle e Avaliação. Este documento permite que o paciente registre as circunstâncias em que gostaria de se submeter à morte assistida, que será realizada por médico de confiança do requerente. A solicitação poderá ser revogada pelo paciente a qualquer momento. Antes do procedimento, o médico deve consultar outro especialista independente, a equipe de saúde do paciente, e uma pessoa de confiança apontada por ele; após sua realiza- Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro... 25 ção, o óbito deve ser comunicado à Comissão em até oito dias (CASTRO et al, 2016, p. 360). Na Inglaterra pune-se a eutanásia como qualquer homicídio em geral, ainda que a pena concreta a aplicar possa ser atenuada. O Homi- cide Act 1957, combinado com o Offences Against the Person Act 1861, continuam a ser os atos legislativos, embora bastante alterados, em que se baseia a punição do homicídio. Com o Suicide Act 1961, a própria ten- tativa de suicídio deixou de ser crime na Inglaterra e no País de Gales. De acordo com a mesma lei, mas emendada pelo Coroners and Justice Act 2009, encorajar ou prestar auxílio ao suicídio constitui crime e faz incorrer o autor numa pena de prisão até 14 anos (PORTUGAL, 2016, p. 42). Diversas propostas foram apresentadas, como o Assisted Dying Bill, elaborado por Lord Falconer, que foi rejeitada pela Câmara Baixa em setembro de 2015. A proposta baseava-se na legislação de Oregon e visava a legalização apenas do suicídio assistido para pacientes com- petentes, com mais de 18 anos, com expectativa de vida menor que seis meses (CASTRO et al., 2016, p. 361). 4. ANÁLISE DO DECRETO N.º 109/XIV/2021 DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA PORTUGUESA – LEI JOÃO SEMEDO Suicídio assistido e eutanásia são discutidos em Portugal há décadas. Numa breve linha do tempo, tem-se como marco inicial, no ano de 1995, o Parecer 11/CNEV/95, do Conselho Nacional de Ética para Ciências da Vida, sobre aspectos éticos dos cuidados de saúde relacionados com o final da vida. No âmbito acadêmico observa-se a construção do conceito do direito fundamental à disposição do próprio corpo, que de acordo com Luísa Neto (2004, p. 245), as questões levantadas pelo aborto e eutanásia envolvem decisões que afetam o próprio sujeito titular do direito em causa. Fazer uma pessoa morrer de uma maneira que outros aprovam, mas que ele mesmo acredita ser uma terrível contradição na sua vida, é uma forma de tirania devastadora e odiosa, precisamente porque a dignidade de uma pessoa é normalmente relacionada com a capacidade de auto respeito. A liberdade do corpo humano sofre cadavez mais limitações de índole científica: vacinações, despistagens, 26 Daniel Silva Vitor Bento tratamentos de todos os tipos, precauções contra as epidemias, mostram que o homem não é mais o seu verdadeiro dono. No fundo, o direito à disposição sobre o corpo, que admitíamos que existisse, se aproxima mais de uma liberdade que de um direito. Ainda no âmbito acadêmico e também político, destaca-se a Prof. Dra. em Filosofia da Educação, Laura Ferreira dos Santos, autora dos livros: “Ajudas-me a morrer? A morte assistida na cultura ocidental do século XXI”, publicado em 2009 e “Testamento vital, o que é? Como ela- borá-lo?”, de 2011. Posteriormente, em 2015, a referida professora foi a fundadora do movimento Direito a Morrer com Dignidade, que defende a despenalização da eutanásia em Portugal. Destaca-se, no âmbito político, o médico e deputado João Semedo, do Bloco de Esquerda, que colocou a questão no campo legislativo. Com efeito, o amadurecimento da discussão sobre o tema em Portugal, o au- mento do número de países que passaram permitir a prática e a luta pelo direito à morte assistida do deputado João Semedo e seu falecimento em 2018, desencadearam projetos de lei que originaram o Decreto n.º 109/ XIV da Assembleia da República, que recebeu o seu nome. Foram apresentados cinco projetos de lei sobre a questão. Em sínte- se, o Projeto de Lei n.º 4/XIV/1.ª, apresentado pelo Bloco de Esquerda (BE), visava definir e regular as condições em que a antecipação da morte por decisão da própria pessoa – com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável – quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde, como não punível (artigos 1.º e 8.º, n.º 2). O Projeto de Lei n.º 67/XIV/1.ª, do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), tinha por objeto regular o acesso à morte medicamente assistida: eutanásia e suicídio medicamente assistido (cf. artigos 1.º e 12.º). O Projeto de Lei n.º 104/XIV/1.ª, apresentado pelo Partido Socialista (PS), tinha como objeto regular as condições especiais em que a prática da eutanásia não é punível (artigo 1.º), abrangendo no conceito de eutanásia a prática e a ajuda à antecipação da morte: considerando a eutanásia não punível a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde (artigo 2.º, n.º 1). O Projeto de Lei n.º 168/XIV/1.ª, apresentado pelo Partido Ecologista “Os Verdes” tinha como objetivo regular as condições e os Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro... 27 procedimentos específicos a observar nos casos de morte medicamente assistida e alterar o Código Penal para despenalizar a morte medicamente assistida (artigo 1.º, n.º 1), definindo a morte medicamente assistida na administração de fármacos por médico ou pelo próprio doente sob vigilância médica, configurando este caso o suicídio medicamente as- sistido (artigo 3.º, n.º 2, alíneas a e b). Por fim, o Projeto de Lei n.º 195/ XIV/1.ª, apresentado pelo deputado único da Iniciativa Liberal (IL), visava definir e regular as condições em que a antecipação da morte por decisão consciente e expressa, manifestando vontade atual, livre, séria e esclarecida da própria pessoa que, padecendo de lesão definitiva ou doença incurável e fatal, esteja em sofrimento duradouro e insuportável, quando praticada ou assistida por profissionais de saúde, não é punível (artigo 1.º), mediante autoadministração ou administração por médico de fármaco letal (artigo 8.º, n.º 2). Esses projetos de lei ensejaram pareceres das organizações da área de saúde (Ordem dos Enfermeiros, Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e Ordem dos Psicólogos Portugueses; da Ordem dos Advogados e do Ministério Público. A própria Assembleia da República solicitou pareceres às organiza- ções da área de saúde, de onde se extrai os seguintes argumentos contra e a favor da questão. Em primeira análise conclui-se que os argumentos desfavoráveis prevaleceram. Visualiza-se argumentos contrários alinhados com os códigos éticos das categorias profissionais, como a contradição face à missão dos médicos. Observa-se a preocupação com a “rampa deslizan- te1”. Observa-se, também, argumentos contrários, de cunho político, como que os partidos políticos não teriam legitimidade eleitoral para legislar sobre a matéria; que houve a pressa para legislar; e maior necessidade de debate para definição de conceitos. Estes não devem prosperar, pois 1. Rampa deslizante e estratégia de pequenos passos, segundo Renaud (2016, p. 7), são metáforas que surgem no debate social com conotação política, como na lega- lização da eutanásia, com intuito de alertar sobre os riscos de ampliações futuras, tendo como exemplo o que ocorreu na Bélgica, que uma vez legalizada a eutanásia, aprovou-se a seguir a eutanásia infantil (com ou sem pedido do menor), e está em discussão a eutanásia por motivos psiquiátricos. 28 Daniel Silva Vitor Bento não há vedação constitucional sobre o processo legislativo. Por sua vez, argumentos contrários sobre a forma do procedimento indicado como burocrático, sem a presença de profissionais de saúde além dos médi- cos e a autonomia da decisão ficar atribuída à decisão discricionária do médico, de fato, mereceriam melhor estruturação. Visualiza-se, também, dois argumentos jurídicos contrários, a proibição prevista no Código Penal e o direito à vida consagrado na Constituição, sendo este último o ponto de tensão com a dignidade humana, quando se trata da morte assistida. Essas duas últimas questões serão tratadas a seguir, na análise do acórdão do Tribunal Constitucional. Por outro lado, os argumentos favoráveis foram: respeito pela auto- nomia e vontade do doente; evitar tratamentos inúteis e ineficazes que por vezes causam ainda mais sofrimento; e definição clara dos contextos dos pedidos de eutanásia nos projetos de lei. Os dois primeiros estão alinhados com os princípios jurídicos da autonomia da vontade e da dig- nidade humana e último é um contraponto ao risco da rampa deslizante. Em que pese a relevância de todos argumentos apresentados pelas organizações da área de saúde, a permissão ou vedação das condutas de suicídio assistido ou de eutanásia, mesmo obedecendo o rito do pro- cesso legislativo, carecem de análise constitucional. A Constituição da República Portuguesa (CRP) prevê, logo no seu artigo primeiro, como princípio fundamental, que Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana. Por sua vez, prevê também, em seu art. 24, o direito inviolável à vida, dentro do rol dos direitos, liberdades e garantias. Diante disso, desdobram-se duas questões a serem analisadas: i) há conflito aparente das referidas normas constitucionais, de modo que o direito à vida previsto seria absoluto e se sobreporia à dignidade humana; ii) a legitimidade do legislador sobre a matéria. Segundo parecer da Ordem dos Advogados (2018, p.2), sobre o Projecto de Lei nº 773/XIII/3ª, que autoriza a morte medicamente assistida, o art. 24º da CRP consagra o direito à vida em lugar cimeiro de todo ordenamento jurídico, pois dele deriva a dignidade da pessoa, a República e o Estado Democrático e social português. A vida humana é disponível pelo próprio e indisponível por terceiros, como resultado da Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro... 29 priorização do direito, liberdade e garantia, por isso sujeito ao forte re- gime de proteção aos direitos fundamentais, previsto no art. 18º da CRP. Por outro lado, ainda segundo a Ordem dos Advogados (2018, p. 2), observou-se uma relativização iniciada hermenêutica juris consti- tucional na matéria de punição do aborto, arts. 141º e 142º do Código Penal Português, bem como nas diretivas antecipadas de vontade, mais conhecidas como testamentovital e, também, chamou-se a atenção para possibilidade da não punição de todas as formas de eutanásia de- sencadear um “efeito escalada”, em outra perspectiva economicista, no desinvestimento nos cuidados continuados. O testamento vital português é trazido na Lei nº 25/2012, que o define, no seu art. 2º, nº 1, como as diretivas antecipadas de vontade, sob a forma de testamento vital, o documento unilateral e livremente revo- gável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar in- capaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente. A seguir, a Lei nº 25/2012, define o que pode constar do documento de diretivas antecipadas de vontade as disposições que expressem a vontade clara e inequívoca do outorgante: a) Não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções vitais; b) Não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no seu quadro clínico e de acordo com as boas práticas profis- sionais, nomeadamente no que concerne às medidas de suporte básico de vida e às medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte; c) Receber os cuidados paliativos adequados ao respeito pelo seu direito a uma intervenção global no sofrimento determinado por doença grave ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica sintomática apropriada; d) Não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase experimental; 30 Daniel Silva Vitor Bento e) Autorizar ou recusar a participação em programas de investiga- ção científica ou ensaios clínicos. (PORTUGAL, 2012, p. 1). Após a publicação do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da Repúbli- ca, no dia 12 de fevereiro de 2021, o Presidente da República portuguesa encaminhou ao Tribunal Constitucional o requerimento de fiscalização preventiva da constitucionalidade. As normas em causa foram especifi- cadas na parte inicial do requerimento nos seguintes termos: A norma constante do n.º 1 do artigo 2.º, na parte em que define antecipação da morte medicamente assistida não punível como a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em “situação de sofrimento intolerável”', – a norma constante do n.º 1 do artigo 2.º, na parte em que integra no conceito de antecipação da morte medicamente assistida não punível o critério “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico; – Con- sequentemente, as normas constantes dos artigos 4.º, 5.º e 7.º, na parte em que deferem ao médico orientador, ao médico especialista e à Comissão de Verificação e Avaliação a decisão sobre a reunião das condições estabelecidas no artigo 2.º; – Consequentemente, as normas constantes do artigo 27.º, na parte em que alteram os artigos 134.º, n.º 3, 135.º, n.º 3 e 139.º, n.º 2 do Código Penal (PORTUGAL, 2021, p. 1). A Relatora inicial do requerimento de fiscalização prévia de consti- tucionalidade era a Dra. Maria José Reis Rangel de Mesquita, contudo, posteriormente, coube ao Dr. Pedro Machete a relatoria do acórdão, que no dia 15 de março o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 123/2021, pronunciando-se pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República, que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal e, em consequência, pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 27.º do mesmo Decreto: Pelo exposto, o Tribunal decide, com referência ao Decreto n.º 109/ XIV da Assembleia da República, publicado no Diário da Assembleia da República, Série II -A, n.º 76, de 12 de fevereiro de 2021, e enviado ao Presidente da República para promulgação como lei: a) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma constante do seu artigo 2.º, n.º 1, com fundamento na violação do princípio de determinabilidade da lei enquanto corolário dos princípios do Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro... 31 Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, por referência à inviolabilidade da vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1, do mesmo normativo; e, em consequência, b) Pronunciar -se pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 27.º do mesmo Decreto. Lisboa, 15 de março de 2021 (PORTUGAL, 2021, p. 56). Ressalta-se que, a inconstitucionalidade do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República, pronunciada no acórdão analisado, teve votação acirrada, sete votos a favor e cinco contra. Votaram a favor: João Pedro Caupers, Pedro Machete, Maria de Fátima Mata-Mouros, Lino Rodrigues Ribeiro, José Teles Pereira, Joana Fernandes Costa e Maria José Rangel de Mesquita. Votaram contra: Mariana Canotilho, José João Abrantes, Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro e Fernando Vaz Ventura. Exceto o presidente João Caupers, todos apresentaram fundamentação dos seus votos, que se passa a analisar. A fundamentação do acórdão foi elaborada e apresentada obede- cendo e seguinte ordem: a) Delimitação do objeto material da apreciação da constituciona- lidade pedida pelo requerente; b) O horizonte problemático da antecipação da morte medicamente assistida prevista no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV; c) O sentido e alcance da morte medicamente assistida regulada no Decreto n.º 109/XIV; d) A compatibilidade da antecipação da morte medicamente assis- tida com a inviolabilidade da vida humana (artigo 24.º, n.º 1, da Constituição); e) A insuficiente densificação normativa dos conceitos descritivos dos critérios de acesso à morte medicamente assistida questio- nados pelo requerente face ao princípio da legalidade criminal; f) A insuficiente densificação normativa dos conceitos descritivos dos critérios de acesso à morte medicamente assistida questio- nados pelo requerente face ao princípio da determinabilidade das leis; 32 Daniel Silva Vitor Bento g) A insuficiente densificação normativa do conceito “em situação de sofrimento intolerável”; h) A insuficiente densificação normativa do conceito “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”; e i) As normas sindicadas a título de inconstitucionalidade constantes dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 27.º do Decreto n.º 109/XIV. O acórdão iniciou destacando se tratar de matéria muito sensível, mas que nos termos da Lei Fundamental, cabe ao legislador permitir ou proibir a eutanásia, de acordo com o consenso social, em cada momento; e que não era objeto do requerimento ao Tribunal Constitucional se saber se a eutanásia é ou não conforme a Constituição (PORTUGAL, 2021, p. 8). A seguir, o acórdão pontuou a insuficiente densificação normativa sobre o conceito de sofrimento intolerável, lesão definitiva e gravidade extrema de acordo com o consenso científico. Acerca do conceito de sofrimento intolerável, considerou que não foi minimamente definido e que, nos termos do decreto, seriam preenchidos pelo médico orienta- dor e pelo médico especialista. Sobre os conceitos de lesão definitiva e consenso científico, considerou que o legislador não forneceu ao médico interveniente na morte assistida um quadro legislativo seguro que pu- desse guiar sua atuação (PORTUGAL, 2021, p. 9). O art. 112, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, veda ao legislador a delegação de integração da lei em atos com natureza não legislativa, de modo que conceitos indeterminados – ademais em ma- téria de direitos, liberdades e garantias – que remete sua definição aos médicos orientador e especialista,viola a Carta Constitucional. Sendo o presente decreto o único instrumento normativo analisado no momento, carecendo das insuficiências apontadas, a sua constitucionalidade não pode ser sanada com a expectativa de um regime futuro, cujo conteúdo se desconhece. (PORTUGAL, 2021, p. 9). Em oposição, a declaração de voto conjunta de Maria Canotilho, João José Abrantes, Assunção Raimundo e Fernando Vaz Ventura, pontuou que o acórdão: violou o princípio do pedido; fez uma leitura errônea da norma constante no art. 24, nº 1, da CPR (a vida é inviolável); ignorou a relevân- cia do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (nº 1º, do art. 26º, da CPR), e sua densificação no quadro das questões especificamente Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro... 33 em causa; estabeleceu um standard de determinabilidade, em sede de legislação penal que se afigura não só divergente do que até então tem sido aceito como constitucionalmente conforme. Apontaram, também, conceitos igualmente indeterminados que não mereceram censura, por entender que são determináveis, na prática, como nas alíneas a), b) e c), do art. 142º, do Código Penal, que prevê a não punibilidade da interrupção da gravidez, por médico, com consentimento da gestante, com o conceito de: “grave e irreversível/duradoura lesão para o corpo ou par saúde física ou psíquica da mulher grávida”. Por fim, afirmaram que o conceito de lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico, apesar de indeterminado não é indeterminável e sua abertura é adequada ao contexto clínico que será aplicado por médicos (PORTUGAL, 2021, p. 75-83). José João Abrantes, acrescentou à sua declaração de voto conjunta, que a conclusão principal da decisão é de que, em abstrato, o art. 24º, nº 1, da CRP, não veda o legislador de introduzir na ordem jurídica causas de justificação atendíveis em sede de auxílio ao suicídio ou homicídio a pedido da vítima, pois a Constituição outorga uma margem de discussão nesta matéria, para se encontrar soluções que efetivem a concordância prática entre os direitos fundamentais e valores jurídico-constitucionais em tensão (PORTUGAL, 2021, p. 83). Após a publicação do Acórdão n.º 123/2021, que se pronunciou pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República, observando desconformidade com o princípio da determinabilidade da lei, o Presidente da República definitivamente o vetou. Em síntese, o suicídio assistido e a eutanásia não foram declarados inconstitucionais. Ademais, a legitimidade do legislador sobre a matéria foi reconhecida. Contudo, observou-se que a inconstitucionalidade do decreto foi fundamentada na desconformidade com o princípio deter- minabilidade da lei, por considerar indeterminado o conceito de lesão definitiva de gravidade extrema. O direito à vida está no patamar mais alto do ordenamento jurídico português, entretanto não em caráter absoluto, como já se observa na relativização na questão do aborto e no testamento vital, de modo que não há conflito entre o direito à vida e a dignidade humana. Portanto, o tema não está encerrado, porém caberá 34 Daniel Silva Vitor Bento ao legislador iniciar novamente o processo legislativo, sanando o que foi apontado no acórdão como insuficiente densificação conceitual, observando o princípio da determinabilidade da lei. 4. DEFINIÇÕES NORMATIVAS E JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA O suicídio, em sentido estrito, é um ato, comissivo ou omissivo, realizado exclusivamente pelo próprio agente, consciente de que resul- tará em sua própria morte. É uma conduta não tipificada na legislação brasileira, portanto não se trata de crime punível. Por outro lado, os atos de indução, instigação ou auxílio ao suicídio estão previstos no art. 122 do Código Penal brasileiro, com a pena de 6 meses a 2 anos; se de algum dos referidos atos resultar em lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, pena de 1 a 3 anos; e se resultar em morte, pena de 2 a 6 anos. Não há previsão expressa do suicídio assistido no ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, a conduta de fornecer medicamentos ou informações para finalidade de suicídio, caracteriza-se, também, como em auxílio ao suicídio. O ordenamento jurídico brasileiro vê no suicídio um fato imoral e socialmente danoso, que deixa de ser penalmente indiferente quando concorrer com a atividade da vítima outra energia individual provinda da manifestação da vontade de outro ser humano. Segundo a teoria da acessoriedade limitada, adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, a punibilidade da participação em sentido estrito, que é uma atividade secundária, exige que a conduta principal seja típica e antijurídica. A despeito dessa correta orientação político-dogmática, as legislações modernas, considerando a importância fundamental da vida humana, passaram a prever uma figura sui generis de crime, quando alguém, de alguma forma, concorrer para realização do suicídio (BITENCOURT, 2011, p. 124 e 125). De igual forma não há previsão expressa do termo eutanásia no ordenamento jurídico brasileiro, contudo a conduta é proibida e classi- ficada como homicídio privilegiado, também conhecido como homicídio piedoso, cuja pena é diminuída de um sexto a um terço, segundo o art. 121, §1º do Código Penal. Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro... 35 O tema não é pacífico na doutrina jurídica constitucional brasileira. Segundo José Afonso da Silva (2005, p. 203), não caracteriza a consu- mação da morte por desligamento de aparelhos, que artificialmente mantém o paciente vivo, mas clinicamente morto como eutanásia, pois a vida não existiria mais, senão vegetação mecânica, ressalvado a culpa ou o dolo na apreciação do estado do paciente. O citado autor se refere à ortotanásia ou eutanásia passiva. A Constituição Federal não estabelece parâmetros diretos sobre o suicídio assinado e a eutanásia, mas em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade individual, o reconhecimento de morrer com dignidade não pode ser desconsiderado. Do contrário o direito à vida seria um dever de viver sob qualquer circunstância e a sua condição de direito subjetivo restaria funcionalizada em detrimento de sua dimensão objetiva (SARLET, 2008, p. 538 e 539). Ainda segundo Sarlet (2008, p. 539), criminalizar todas formas de eutanásia a pretexto de salvaguardar um caráter absoluto do direito à vida, esbarra em contradições de ordem lógica e prática. Quem estiver em condições de causar a própria morte, se assim quiser, não pode ser impedido ao passo que alguém, em virtude de seu sofrimento e deses- pero, mas encontrando-se enfermo e sem, por sua própria força, chegar ao resultado, restando-lhe a se submeter ao que o Estado considera o mais adequado. Tornou-se voz corrente na nossa família do Direito admitir que os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo ab- solutos. Tornou-se pacífico que os direitos fundamentais podem sofrer limitações, quando enfrentam outros valores de ordem constitucional, inclusive outros direitos fundamentais (MENDES, 2008, p. 240). Uma diferença separa a norma legal de um princípio. A primeira é uma norma desenvolvida em seu conteúdo e precisa em sua normativi- dade: acolhe e perfila os pressupostos de sua aplicação, determina com detalhe o seu mandato, estabelece possíveis exceções; o princípio, pelo contrário, expressa a imediata e não desenvolvida derivação normativa dos valores jurídicos: seu pressuposto é geral e seu conteúdo normativo é tão evidente em sua justificação como não concreto em sua aplicação. É aqui que o princípio, ainda quando legalmente formulado, continua 36 Daniel Silva Vitor Bento sendo princípio, necessitado por isso de desenvolvimento legal e de determinação casuística em sua aplicação judicial (BONAVIDES, 2005, p. 291).Mesmo que possamos sentir que nossa própria dignidade está em jogo nas atitudes que os outros tomam diante da morte, e que às vezes possamos desejar que os outros ajam como nos parece correto, uma verdadeira apreciação da dignidade argumenta decisivamente na direção oposta: em favor da liberdade individual, não da coerção; em favor de um sistema jurídico e de uma atitude que incentive cada um de nós a tomar decisões sobre a própria morte (DWORKIN, 2009, p.342). Sobre o suicídio assistido e a eutanásia, o Código de Ética Médica, em seu art. 41, prevê que é vedado ao médico abreviar a vida do paciente, mesmo que a pedido deste ou de seu representante legal. A seguir, no parágrafo único, define que em casos de doença incurável e terminal, o médico deve oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando em consideração a vontade expressa do paciente ou do seu representante legal (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018, p. 8). No Brasil não há legislação específica sobre o testamento vital, en- tretanto não é inválido, pois também encontra fundamento na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF 1988), no princípio da autonomia, implícito no art. 5º da CF e proibição do tratamento desumano (art. 5º, III CF 1988). De acordo com Dadalto (2013, p. 63), testamento vital no Brasil é uma espécie do gênero de diretivas antecipadas, um termo geral que se refere a instruções feitas por uma pessoa sobre futuros cuidados médicos que ela deseja receber quando estiver incapaz de expressar sua vontade. Acerca das diretivas antecipadas de vontade, o Conselho Federal de Me- dicina (2012, p.1), na Resolução 1.995/2012, valorizando o princípio da autonomia do paciente, dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade, assegurando sua prevalência sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. As diretivas são definidas pela resolução como o conjunto de desejos, prévia e expressamente mani- festados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro... 37 Este estudo buscou jurisprudência brasileira sobre suicídio assistido e eutanásia, no Supremo Tribunal Federal, encontrando apenas a recente decisão o Supremo Tribunal Federal do Agravo Regimental no Mandado de Injunção MI 6825 DF: AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE INJUNÇÃO. DIREITO À MORTE DIGNA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE LACUNA TÉCNICA. INEXISTÊNCIA DE EFETIVO IMPEDIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO ALEGADO. INADMISSIBILIDADE DO WRIT. DESPROVIMENTO DO AGRAVO. 1. O cabimento do mandado de injunção pressupõe a existência de omissão legislativa relativa ao gozo de direitos ou liberdade garantidos constitucionalmente pelas normas constitucionais de eficácia limitada stricto sensu e a existência de nexo de causalidade entre a omissão e a inviabilidade do exercício do direito alegado. 2. In casu, não restando demonstrada a existência de lacuna técnica quanto ao descumprimento de algum dever constitucional pelo legislador no tocante ao direito à morte digna, bem como ante a inexistência da efetiva inviabilidade do gozo do direito pleitado, impõe-se o não conhecimento do mandado de injunção. 3. Agravo regimental desprovido. (MI 6825 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 11/04/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-110 DIVULG 24-05- 2019 PUBLIC 27-05-2019) Com efeito, o Mandado de Injunção, não seria a via processual ade- quada para pleitear o direito à morte digna, pois não há lacuna técnica legislativa, tendo em vista que a interpretação e a articulação do direito à vida previsto no art. 5º e da dignidade da pessoa humana do art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988 respondem a questão. O Relator, Minis- tro Edson Fachin, afirmou na sessão: “percebam, ínclitos Ministros, que não é factível sustentar a ideia de absolutização do direito fundamental à vida quando, ao próprio Estado, é permitido”. Na sequência o Ministro Luís Roberto Barroso, ponderou que “Mas essa é uma matéria sobre a qual o legislador ordinário deveria pronunciar-se. Não creio que haja impedimento constitucional. Com o mesmo entendimento, Sarlet (2008, p. 540), destaca que a Constituição Federal, ao consagrar tanto o direito à vida quanto a dignidade da pessoa humana, assegura o legislador e os órgãos encar- regados da interpretação e da aplicação do direito margem suficiente para definir as possibilidades e os limites da eutanásia, desde que não 38 Daniel Silva Vitor Bento tenha finalidade eugênica, mas que se limite a assegurar às pessoas que estejam em determinadas circunstâncias, a possibilidade de uma morte com dignidade. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao identificar os países que admitem o suicídio assistido e a eu- tanásia observou-se que as soluções normativas para permissão do suicídio assistido e da eutanásia foram diferentes. Apenas por decisões jurisprudenciais, como inicialmente na Colômbia; sem previsão expressa e através de interpretações do Código Penal, como na Suíça; através de lei própria, como na Bélgica; e por meio de confirmação de Tribunal Constitucional, como atualmente na Colômbia e na Espanha. Ao analisar o suicídio assistido e a eutanásia em Portugal, obser- vou-se que a questão vem sendo debatida desde a década de 1990, avançou significativamente nos últimos anos, chegando a aprovação do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República. Após a publicação do referido decreto, o Presidente da República portuguesa encaminhou ao Tribunal Constitucional o requerimento de fiscalização preventiva da constitucionalidade, que publicou no dia 15 de março de 2021, o Acórdão n.º 123/2021, pronunciando-se pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, ob- servando desconformidade com o princípio da determinabilidade da lei. Diante disso, o decreto foi vetado, por inconstitucionalidade, pelo presidente. Analisou-se que Constituição prevê no seu artigo primeiro, como princípio fundamental, que Portugal é uma República soberana, ba- seada na dignidade da pessoa humana. Por sua vez, prevê também, em seu art. 24, o direito inviolável à vida, dentro do rol dos direitos, liberdades e garantias. Diante disso, desdobram-se duas questões, que foram analisadas: se haveria conflito aparente das referidas normas constitucionais, de modo que o direito à vida previsto seria absoluto e se sobreporia à dignidade humana; e a legitimidade do legislador sobre a matéria. Em síntese, o suicídio assistido e a eutaná- sia não foram declarados inconstitucionais. Ademais, a legitimidade do legislador sobre a matéria foi reconhecida. Contudo, verificou-se Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro... 39 que a inconstitucionalidade do decreto foi fundamentada na descon- formidade com o princípio determinabilidade da lei, por considerar indeterminado o conceito de lesão definitiva de gravidade extrema. O direito à vida está no patamar mais alto do ordenamento jurídico português, entretanto não em caráter absoluto, como já se observava na relativização na questão do aborto e no testamento vital, de modo que não há conflito entre o direito à vida e a dignidade humana. Por- tanto, o tema não está encerrado, porém caberá ao legislador iniciar outro processo legislativo, sanando o que foi apontado no acórdão como insuficiente densificação conceitual, observando o princípio da determinabilidade da lei. Da demonstração das definições normativas brasileiras sobre o suicídio e a eutanásia extrai-se que o suicídio uma conduta não tipi- ficada na legislação brasileira, logo não se trata de crime punível. Por outro lado, os atos de indução, instigação ou auxílio ao suicídio estão previstos no art. 122 do CódigoPenal brasileiro, com a pena de 6 meses a 2 anos; se de algum dos referidos atos resultar em lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, pena de 1 a 3 anos; e se resultar em morte, pena de 2 a 6 anos. De igual forma não há previsão expressa do termo eutanásia no ordenamento jurídico brasileiro, contudo a conduta é proibida e classificada como homicídio privilegiado, também conhecido como homicídio piedoso, cuja pena é diminuída de um sexto a um terço, segundo o art. 121, §1º do Código Penal. Demonstrou-se, também, que o testamento vital não é vedado no Brasil. Verificou-se que se há possibilidade constitucional da alteração da legislação bra- sileira para se admitir a prática do suicídio assistido e da eutanásia, a luz dos princípios da proteção à vida, dignidade humana e autonomia da vontade. Por fim, conclui-se que, embora o determinante para validação da norma seja matéria constitucional, nomeadamente a articulação do di- reito à vida e a dignidade humana, o debate transborda para questões políticas, de modo que ter sólida fundamentação bioética, conceituações precisas e cuidadosa redação do projeto de lei, tanto em Portugal quanto no Brasil, poderá resultar em maiores chances da permissão do suicídio assistido e da eutanásia. 40 Daniel Silva Vitor Bento REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Roberto Chacon de. A lei relativa ao término da vida sob solicitação e suicídio assistido e a Constituição holandesa. ÁVILA, Elliot Parra; ALIPIO, Cezar Augusto Báez. Una clasificación de las mo- dalidades de vulneración del derecho a la vida en Colombia. NOVUM JUS • ISSN: 1692-6013 • E-ISSN: 2500-8692 • Volumen 13 No . 1 • Enero – Junio 2019 • Págs. 205-228 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Dos crimes contra a pessoa. Parte 2. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2011 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Ma- lheiros, 2005 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro dez. 1940 _______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Consti- tuicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 20 mai. 2021. CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Trad. Ari Roitman e Paulina Watch. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2010. CASTRO, Mariana Parreira Reis et. al. Eutanásia e suicídio assistido em países ociendetais: revisão sistemática. Revista Bioética, 24 (2). CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de ética médica. Resolução CFM nº2217 de 27 de setembro de 2018. DADALTO, Luciana. 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Disponível em:<https://dre.pt/legisla- cao-consolidada/-/lc/34520775/view> Acesso em 03 jul 2021; Suicídio assistido e eutanásia à luz do direito Constitucional português e brasileiro... 41 PORTUGAL. Lei nº 25/2012. Regula as diretivas antecipadas de vontade, de- signadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procura- dor de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV). Diário da República n.º 136/2012, Série I de 2012-07-16. Dis- ponível em: <https://dre.pt/pesquisa/-/search/179517/details/normal? q= Lei+n.%C2%BA%2025/2012+de+16+de+julho>. Acesso em 03 jul 2021. PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão n.º 123/2021. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 2.ed. São Paulo/ Brasília: Saraiva/IDP, 2008 NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: 1955 RENAUD, M. Fronteiras e pontes a bioética. O caso português. Revista Iberoa- mericana de Bioética, n.1, p 1-11, 19 maio 2016. 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Da boa fé objetiva 4 conclusão referências. Palavras-chave: Iatrogenia. Bioética. Termo de Consentimento. Boa fé objetiva. 1. INTRODUÇÃO A reflexão acerca do dano iatrogênico, e sua repercussão na esfera da responsabilidade civil, são de extrema relevância tanto no campo jurí- dico, pois pouco se conhece o termo dentro de uma perspectiva civilista, quanto na seara médica, vez que, muitos profissionais não sabem a im- portância de tomar alguns cuidados informacionais durante sua atuação. (*) Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Especializanda em Direito Médico pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Integra o grupo de pesquisa “Estudo de Casos em Direito Médico e da Saúde” promovido pela OAB/BA. E-mail: dbmercuri@gmail.com. (**) Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. Formada em Direito Médico pelo Instituto Paulista de Direito Médico. Es- pecialista em Direito Médico pela Faculdade de Minas – FACUMINAS. E-mail: mona- lisapimentel.adv@gmail.com. Segundo dados do CNJ, de 2009 a 2019, o Brasil teve aumento de 230,98% de processos judiciais em saúde na primeira instância envolvendo alegação de erro médico (SOUZA, 2021). Acontece que, nesse cenário, duas situações são bastante verificadas: ações em que o requerente (paciente) não sabe o que é um dano iatrogênico e termina por confundir com o erro médico, resultando muitas vezes em pedidos improcedentes, bem como dano iatrogênico comprovado, porém sem o devido cumprimento informacional, resultando em condenações aos profissionais da medicina. Diante desse cenário, que vem se apresentando de maneira agressiva, principalmente nos últimos anos, o trabalho apontará a diferença entre iatrogenia e erro médico, bem como discorrerá sobre a obrigatoriedade de informação, que se faz bilateral. É nesse contexto que se urge o questionamento quanto a equiparação do dano iatrogênico ao erro médico, uma vez o paciente sendo informado sobre os possíveis desdobramentos do procedimento através de termo de consentimento livre e esclarecido, aliado a uma conduta diligente, prudente e perita do profissional médico. Assim, o tema proposto busca analisar as características particulares de um dano oriundo de iatrogenia, diferenciando-o do erro médico, tendo como enfoque a boa-fé objetiva, que também se cobra ao paciente, no que tange ao direito de informação, bem como o cabimento do ônus proba- tório, com base no estudo de casos, na doutrina e na legislação vigente. Na primeira seção preocupou-se com a conceituação
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