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FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL: SIGNIFICADO SOCIAL DA PROFISSÃO NA SOCIEDADE CAPITALISTA CAPÍTULO 5 - PROCESSO DE REATUALIZAÇÃO DO CONSERVADORISMO NO SERVIÇO SOCIAL Samya Katiane Martins Pinheiro 88 Objetivos do capítulo Ao final deste capítulo, você será capaz de: • Entender o que foi o processo de reatualização do conservadorismo na profissão e seus principais aspectos históricos e filosóficos. Tópicos de estudo • Principais ideias da fenomenologia relacionadas ao Serviço Social • Método compreensivo • Atitude fenomenológica • Posicionamento fenomenológico no Serviço Social • Formulação de uma “nova proposta” ao Serviço Social • A influência de Creusa Capalbo na construção da proposta • A contribuição teórica de Anna Augusta de Almeida • A “nova roupagem” do conservadorismo no Serviço Social • O recurso da fenomenologia segundo José Paulo Netto • Centralização na dinâmica individual • Crítica à fenomenologia construída pelos profissionais de Serviço Social • Proposta de metodologia fenomenológica para atuação do assistente social • A situação existência problematizada • A pessoa cliente • O retorno reflexivo Contextualizando o cenário Se partirmos de uma perspectiva sócio-histórica, apresentada por Jose Paulo Netto em sua obra “Ditadura e Serviço Social”, o movimento de reconceituação assume três diferentes vertentes: a perspectiva modernizadora, a perspectiva de reatualização do conservadorismo e a perspectiva da intenção de ruptura. É entre a ruptura e a continuidade com o legado profissional que a profissão elege a escola fenomenológica para pensar propostas de intervenção profissional. Nos marcos dessa corrente filosófica, o Serviço Social se apoia em bases teórico-metodológicas mais tradicionais. Em função desse recurso utilizado pelos profissionais da época, avaliou-se que ao fazê-lo reatualizamos o conservadorismo presente na profissão. Nesse sentido, indagamos de que forma a fenomenologia interfere no processo de renovação do Serviço Social no Brasil? 5.1 Principais ideias da fenomenologia relacionadas ao Serviço Social A metodologia fenomenológica no Serviço Social nasce como uma alternativa aos profissionais que resistiam ao pensamento crítico, apresentando um caráter particular, nos termos de Netto (2011), enquanto uma tendência filosófica. Esse recurso à fenomenologia é pioneiro no contexto da profissão no Brasil e, no âmbito das ciências sociais até a década de 1960, tratava-se de uma perspectiva ainda pouco referenciada. Neste contexto, convido você a discutir como a fenomenologia influenciou no Serviço Social, apresentando as • • • • • • • • • • • • • • • • 89 Neste contexto, convido você a discutir como a fenomenologia influenciou no Serviço Social, apresentando as principais ideias dessa tendência relacionadas à profissão. Para iniciar, veremos os principais elementos para o entendimento do “método compreensivo”. Acompanhe nos próximos tópicos. 5.1.1 Método Compreensivo O método compreensivo, caracterizado no Serviço Social pelo diálogo com os chamados “clientes”, enfatizando a conscientização, a participação e dando ênfase à dimensão subjetiva dos indivíduos com foco na ajuda psicossocial, sendo necessário uma relação constante entre assistente social e o usuário, interferia diretamente na postura profissional, sendo necessário ouvir, vivenciar e compreender os indivíduos. Neste sentido, o Serviço Social é chamado para “uma intervenção que se inscreve rigorosamente nas fronteiras da ajuda psicossocial”, sendo esta situada na perspectiva da compreensão (NETTO, 2011, p. 206). Com isso, na ênfase da “ajuda psicossocial”, a profissão se amplia para “envolver outros níveis e instâncias das relações sociais” (NETTO, 2011, p. 207). Fonte: © Alex_Po // Shutterstock Certamente houve críticas a esta abordagem, aparecendo na formulação de Carvalho (1987) a indagação da ajuda psicossocial enquanto intervenção do Serviço Social, conforme discutiremos adiante, ao tratar da questão da centralização da intervenção profissional na dinâmica da individualidade. Salientamos que a utilização do método compreensivo traz para o cerne do debate a herança conservadora da profissão e a repõe sobre uma base teórico-metodológica que não dialoga com a vertente positivista, tampouco com a marxista, dando uma nova face ao conservadorismo. Adiante discutiremos a atitude fenomenológica no Serviço Social. 5.1.2 Atitude fenomenológica A atitude fenomenológica no Serviço Social se expressa na compreensão dos fenômenos e não em sua explicação. No contexto da profissão, essa vertente filosófica tem por base o diálogo – pertinente na relação entre profissional e usuário. Outra característica que dá escopo à profissão sob esta perspectiva é a finalidade de conscientização do “cliente” partícipe do processo de intervenção profissional. 90 Mais adiante veremos como se dá o processo de diálogo com os indivíduos no contexto da profissão. No entanto, torna-se válido ressaltarmos que o recurso à fenomenologia traz inicialmente uma “ótica elementar e eclética” no Serviço Social, sobretudo nas propostas de alguns autores que se propõe a reivindicar essa vertente filosófica (NETTO, 2011, 219). A reivindicação da atitude fenomenológica surge como uma proposta de romper com o tradicionalismo na profissão. Apesar dessa vertente reatualizar os preceitos conservadores, a “nova atitude” tinha por finalidade romper com esta herança tradicional no Serviço Social, conforme discutiremos a seguir. 5.1.3 Posicionamento fenomenológico no Serviço Social O posicionamento fenomenológico no Serviço Social se evidencia no Seminário do Alto da Boa Vista (1984), quando esta vertente ganha escopo. Esse encontro é marcado pela tese de Anna Augusta de Almeida (1978) da “nova proposta”, esta que recorre a fenomenologia (NETTO, 2011). No cerne desse debate, entre a ruptura e a continuidade com a perspectiva conservadora na profissão, a fenomenologia emerge como uma vertente filosófica que vai propor uma forma de pensar e agir na profissão, mesmo num caldo heterogêneo de proposições teóricas. REFLETIR A atitude fenomenológica surge como uma proposta de romper com o tradicionalismo na profissão. Em sua concepção, foi possível o rompimento com a herança conservadora? 91 Fonte: © Cifotart // iStock É pertinente ressaltar que nesse contexto outras vertentes realizavam a crítica e vislumbravam uma alternativa ao conservadorismo, sobretudo às de inspirações marxistas. No processo de renovação da profissão, que já se encontrava explícito em outros contextos históricos, o conservadorismo se reatualizou sob uma nova roupagem. Assim, discutiremos como se dá a formulação dessa “nova proposta” na profissão. 5.2 Formulação de uma “nova proposta” ao Serviço Social A nova inspiração metodológica no Serviço Social que se apresenta em consonância com o conservadorismo é centrada na dinâmica da individualidade, ou seja, dá ênfase aos “problemas sociais” individuais ou grupais a partir da compreensão dos comportamentos e das atuações sociais. Conforme analisa Netto (2011), trata-se de um “regresso ao que há de tradicional e consagrado na herança conservadora da profissão: a recuperação de seus ‘valores universais’ e a centralização nas dinâmicas individuais” (NETTO, 2011, p. 216). Acerca da perspectiva de reatualização do conservadorismo, ressalta o autor que: A empresa restauradora possível, portanto, deveria travar um duplo combate: deter e reverter a erosão do ethos profissional tradicional e todas as suas implicações sociotécnicas e, ao mesmo tempo, configurar-se como uma alternativa capaz de neutralizar as novas influências que provinham dos quadros de referência próprios da inspiração marxista. Fazê-lo, porém, supunha inovar na operação mesma da restauração – supunha reatualizar o conservadorismo, embutindo-o numa “nova proposta”, “aberta” e “em construção” (Netto, 2011, p.203). Com base nisso, a nova proposta se apresenta retomando os velhos dilemas de valores morais imbricados na profissão. Um exemplo disso foi ajá mencionada tese de Anna Augusta de Almeida (1978), que discutiremos adiante, bem como a influência de Creusa Capalbo. 92 5.2.1 A influência de Creusa Capalbo na construção da proposta A professora Creusa Capalbo (1934-2017) foi uma importante intelectual da vertente fenomenológica no Brasil. Entre as suas contribuições está a crítica à herança positivista, dada por àqueles que reivindicam a perspectiva fenomenológica. Ora, salientamos desde já, que a proposta fenomenológica emerge enquanto uma vertente para repensar a teoria e prática do Serviço Social. Ao questionar a influência positivista no Serviço Social, em texto publicado pela Revista da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS) em 1991, a autora defende o discurso fenomenológico na perspectiva de Husserl e ressalta: [...] Primeiro: a fenomenologia visa mostrar e descrever, negando-se, pois, - como na tradição recionalista -, a ser demonstrativa ou reconstrutiva dos fenômenos. Visa descrever os fenômenos tais como são vividos, tais como se mostram em si mesmo no mundo da vida. (CAPALBO, 1991, p.26) A descrição dos fenômenos aparece no método fenomenológico como uma alternativa de proposta para a subjetividade social do homem, não se reduzindo apenas à terapia da psicologia ou à individualidade. Segundo a autora, essa perspectiva vai além. O discurso de Creusa Capalbo também remete a alguns autores do pensamento marxista, tais como Antônio Gramsci.Apesar disso, ao remeter a algumas categorias do pensamento crítico dialético, inclusive, segundo Netto (2011, p.210), discutindo “a dialética das contradições em Gramsci”, ela o faz realizando uma crítica às propostas marxistas, desconsiderando a dinamicidade e a capacidade de transformação contínua deste. Outra influência da perspectiva fenomenológica que merece destaque nessa “nova proposta” são as contribuições de Anna Augusta Almeida, conforme discorreremos a seguir. 5.2.2 A contribuição de Anna Augusta de Almeida Enquanto uma das referências principais da perspectiva da reatualização do conservadorismo, a novidade da contribuição de Anna Augusta de Almeida se efetiva na apresentação da “nova proposta” de pensar a metodologia do Serviço Social a partir da “ajuda psicossocial”. A contribuição dela não vislumbrou transformações na sociedade capitalista, trazendo elementos do conservadorismo e do pensamento cristão. Neste sentido, A Nova Proposta é uma metodologia genérica pensada a partir da descoberta, no processo de ajuda CURIOSIDADE Antônio Gramsci nasceu na pequena cidade agrícola da província de Cagliari, Alles, na Sardenha (Itália). Sua vida foi muito conturbada desde sua infância. A construção do seu pensamento se dá por meio da militância política ao lado da classe operária e camponesa. Sua reflexão era baseada em pressupostos da teoria social do filósofo Karl Marx (SIMIONATO, 2011). 93 A Nova Proposta é uma metodologia genérica pensada a partir da descoberta, no processo de ajuda psicossocial, de um sentido novo. Uma abertura para a ajuda psicossocial, na consciência, entre concepção da realidade ou de uma das partes, e os projetos humanos e sociais na sua situação humana, histórica e concreta. (ALMEIDA, 1978, p. 116 apud NETTO, 2011). Clique nos termos para compreender. Vertente Sob a vertente fenomenológica, a autora traz elementos que rementem ao Serviço Social tradicional. Críticas Assim como Creusa Copalbo, ela realiza a crítica às ciências sociais no contexto da profissão. Na análise de Netto (2011), os representantes da fenomenologia “recusam-se a passar a ideia de que seu labor teórico é asséptico: afirmam clara e nitidamente seus valores profissionais” (NETTO, 2011, p.205). Entre esses valores elaboramos um quadro que exemplifica esse pensamento: Figura 1 - Valores e o processo de transformação social Segundo Netto (2011), Almeida (1978) cita em seu texto uma fenomenologia existencial relacionada a uma “ética cristã motivante” (ALMEIDA, 1978 apud NETTO, 2011). Enquanto a transformação social, esta não se refere à supressão da sociedade capitalista, conforme o pensamento crítico dialético, mas sim no sentido de situar o Serviço Social enquanto uma ferramenta para a adaptação social. Diante dos aspectos mencionados podemos inferir que a reatualização do conservadorismo no pensamento de Almeida, na defesa da vertente fenomenológica no Serviço Social, se dá em consonância com o pensamento conservador, apesar da moldura em que esse pensamento se apresenta, conforme veremos a seguir. 5.3 A “nova roupagem” do conservadorismo no Serviço Social Quando nos referimos a uma “nova roupagem” do conservadorismo no Serviço Social, estamos afirmando que o retorno às práticas tradicionais e a recuperação da herança conservadora aparece sob um novo cenário, tendo em vista, entre outros fatores, a crítica ao Serviço Social tradicional e seu alcance internacional. Netto (2011), ao analisar a literatura produzida pelos autores que reivindicam a fenomenologia no Serviço Social, vai elencar uma série de proposições que reafirma os pressupostos da “nova roupagem” conservadora com as premissas do passado profissional, conforme discutiremos a seguir, com o recurso da fenomenologia. 5.3.1 O recurso da fenomenologia segundo José Paulo Netto No âmbito do Serviço Social, a fenomenologia emerge enquanto um suporte da reatualização do conservadorismo. E, sob esta perspectiva, Netto (2011), ao examinar a literatura produzida pelos autores que reivindicam a fenomenologia no Serviço Social, ressalta que há três observações que merecem destaque: uma delas é o recurso a fontes secundárias: 94 delas é o recurso a fontes secundárias: […] É impossível furtar-se, pois à impressão, derivada quer das referências diretas, quer da estrutura das argumentações, de que se está diante de construções cuja filiação à metodologia anunciada é frouxa e lassa, determinada menos pela reflexão intensiva sobre os/a partir dos “clássicos” do que pela influência enviesada de fontes de segunda mão, de comentaristas e de divulgadores […] (NETTO, 2011, p.213). Assim, os autores que reivindicavam esta corrente filosófica apresentaram limitações acerca do aprofundamento teórico. Outra observação feita por Netto (2011) destaca que “o método fenomenológico aparece como algo sem contestação, como matriz teórico-metodológica situada para além de críticas e reservas” (NETTO, 2011, p.213). Neste sentido, a fenomenologia adentrou no contexto do Serviço Social sem confrontos ou problematizações acerca dessa perspectiva. Outro ponto destacado na análise do autor foi a simplificação teórica sobre a escola fenomenológica. Segundo Netto (2011), houve um esforço teórico por Husserl “para distinguir e fundar a passagem da intuição individual à essencial”, aparecendo nos autores do Serviço Social de forma resumida. A fenomenologia que se instaura no Serviço Social, permeada de simplismos teóricos, limitada, enviesada e eclética demonstra a fragilidade dessa perspectiva no contexto de renovação da profissão. A seguir discutiremos a formulação de “uma nova proposta” no contexto da profissão. 5.3.2 Centralização na dinâmica individual No processo de renovação da profissão, uma proposta que, ainda que limitada, apresenta avanços por realizar a crítica e a recusa à intervenção profissional com base em preceitos psicologizantes (como o “método compreensivo”, já referenciado neste estudo) é a elaboração feita por Carvalho (1987). CURIOSIDADE Edmund Gustav Albrecht Husserl é considerado o pai da fenomenologia. Entre as suas obras Netto (2011) cita como destaque “O Ensaio de Lévinas, 1970”. 95 Mesmo que faça referências ao Serviço Social tradicional, centralizando na dinâmica individual, sua reflexão questiona o psicologismo presente na profissão. Segundo Netto (2011): Está claro que não se trata de invalidar ou desconsiderar a relação individualizada profissional/” cliente”, quer de infirmar, no limite, a legitimidade do Serviço Social de Caso; do que se trata é de articulá-las no marco de uma compreensãodos processos socioprofissionais de modo tal que a abordagem individualizada não inscreva o Serviço Social no puro circuito da intervenção [...] (NETTO, 2011, p. 224-225). Trata-se de situar a profissão para além da abordagem psicossocial, embora nesta análise haja a legitimação da intervenção profissional voltada ao indivíduo, defendendo a necessidade de contextualização com uma visão macrossocietária, dando ênfase à abordagem com o “cliente” na entrevista fenomenológica. Fato este que recupera o tradicionalismo da profissão no auge de sua renovação. A seguir discutiremos a crítica à fenomenologia construída pelos profissionais de Serviço Social. 96 5.3.3 Crítica à fenomenologia construída pelos profissionais de Serviço Social A reatualização do conservadorismo sob a perspectiva teórico-metodológica da fenomenologia não passou totalmente isenta de críticas, considerando que nesse contexto já havia profissionais vinculados à teoria social crítica marxista, que, apesar da pouca expressiva (sobretudo devido o contexto histórico de Ditadura Militar), já se apresentava na resistência ao conservadorismo na profissão. Fonte: © Anton Shaparenko // iStock Trata-se das primeiras aproximações com a vertente marxista. Inicialmente apareceram enviesadas, com base na discussão de terceiros, sem acesso a fonte primária da teoria social crítica. Contudo, se faz relevante ressaltar, pois se trata do momento em que o Serviço Social volta a atenção para as classes trabalhadoras, buscando superar o tradicionalismo profissional a partir de uma leitura crítica das relações capitalistas e da funcionalidade do Serviço Social nesse sistema, inclusive às vertentes teóricas positivistas e fenomenológicas. 5.4 Proposta de metodologia fenomenológica para atuação do assistente social O marco referencial da proposta metodológica da fenomenologia no Serviço Social se encontra na já mencionada tese de Anna Augusta de Almeida. A formulação dessa nova proposta, embora retome o que há de mais tradicional no Serviço Social, como a atuação psicologizante, é ainda o marco referencial do processo de renovação. 97 Fonte: © DrAfter123// iStock A tese de livre docência (1977) trouxe à tona diversos elementos que dão base para a discussão da reatualização do conservadorismo no Serviço Social, ultrapassando as exigências da academia e se alastrando pelos campos do fazer profissional. 5.4.1 A situação existência problematizada (SEP) A fenomenologia no Serviço Social contribui para fundamentar as diversas formas específicas de vivenciar o mundo, com base na compreensão dos comportamentos por meio da já referenciada “ajuda psicossocial”. Neste sentido, para que o assistente social consiga ir além na busca de alcançar a essência, é fundamental o contato com o “cliente” na individualização da intervenção. Netto (2011), ao referenciar a tese já mencionada de Almeida, destaca a “tríade conceitual” sinalizada pela autora. Clique nos ícones a seguir para conhecer a constituição dessa tríade. • Diálogo. • Pessoa. • Transformação social. Essa proposta metodológica é simplificada no quadro a seguir, tendo como norte a transformação social. • • • 98 Figura 2 - Tríade conceitual Sob esta perspectiva, a intervenção profissional deve se guiar para uma tomada de consciência crítica embasada no método que envolve dois atores sociais: o assistente social e o “cliente”/grupo. Neste contexto, vamos discutir a pessoa cliente. 5.4.2 A pessoa cliente O foco na pessoa, sob a perspectiva da ajuda psicossocial, é uma característica fundamental do processo que infere na metodologia do Serviço Social sob a influência fenomenológica. Segundo Netto (2011), quando se trata da definição de pessoa, a tese de Almeida remete às formulações do “personalismo”, da “fenomenologia existencial” e também daquelas formulações do neotomismo. Neste sentido, “o cliente é reconhecido pela sua condição humana e não enquanto oprimido, alienado, Entre os pressupostos básicos da filosofia de São Tomás de Aquino está a visão da pessoa humana. Assim, a pessoa humana era vista enquanto um ser distinto de qualquer outro devido à racionalidade, produzindo, portanto, a liberdade, que, para São Tomás, a capacidade de escolha é também manifestação da inteligência do ser humano. 99 Neste sentido, “o cliente é reconhecido pela sua condição humana e não enquanto oprimido, alienado, desajustado. Pessoa para a proposta é o homem total que é sujeito, logo racional e livre. A ajuda psicossocial é oferecida à pessoa como tal” (ALMEIDA, 1978 apud NETTO, 2011, p.242). Fonte: © Bakhtiar Zein // ShutterStock A pessoa cliente também aparece na proposta de Carvalho, já referenciada neste estudo, porém se trata de uma perspectiva que vai justamente realizar a crítica à psicologização da prática profissional. Essa centralização nos sujeitos, protagonizada por Almeida, com o recurso da fenomenologia aqui situada, abre o campo para que essa ajuda psicossocial se efetive enquanto partícipe do processo de intervenção profissional. Diante desta análise, discutiremos o retorno reflexivo. 5.4.3 O retorno reflexivo A metodologia fundamentada na vertente fenomenológica apresenta-se em processos que são exercidos no diálogo. Na relação entre o profissional e o cliente há o que se denominou de “retorno reflexivo”. Nesta perspectiva, trata-se do momento em que há o questionamento acerca dos resultados, do “cliente”, que são avaliados por meio de parâmetros/metas elencados junto a este. 100 Fonte: © Denis Maliugin // ShutterStock Netto (2011) resumiu de forma bastante clara a dinâmica prescrita por Almeida, [...] a partir da colocação de uma SEP qualquer como “fenômeno social”, o diálogo permite a sua objetivação e organização; o movimento prossegue como uma análise crítica, de que decorre uma síntese; esta, dimensionada ao futuro, conforma base para a construção de um projeto; finalmente há um retorno reflexivo, pelo qual se questionam os resultados obtidos (NETTO, 2011, p.243). Para Almeida, a experiência deve conduzir a uma tomada de consciência crítica dos sujeitos submetidos a esta intervenção. Neste contexto, a prática profissional se resume à interação entre o profissional e o cliente, tendo por base um método científico, que norteia a práxis, influenciando de forma direta o exercício profissional. Figura 3 - O retorno reflexivo 101 Salientamos que, por essa perspectiva, se desconsidera inúmeros elementos da dinâmica da realidade social, formatando a intervenção profissional sob uma lógica mecanicista, enquadrada numa metodologia permeada de parâmetros, como um método experimental. Proposta de atividade Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu neste capítulo! Responda o seguinte estudo dirigido, destacando as principais ideias abordadas ao longo do capítulo. Ao produzir seu texto, você deverá se utilizar de, no mínimo, duas laudas. Considere as leituras básicas e complementares realizadas. quais os principais elementos que constituem o processo de Reatualização doEstudo Dirigido: Conservadorismo no Serviço Social? Recapitulando O processo de reatualização do conservadorismo no Serviço Social emerge em um contexto de questionamentos sobre a sistematização da prática profissional do assistente social. Assim, surge a fenomenologia enquanto uma tendência filosófica que vai influenciar um caráter particular na profissão. Alastra-se no âmbito do exercício profissional a “ajuda psicossocial” como função atribuída ao assistente social se utilizando do método compreensivo, numa perspectiva psicologizante da intervenção profissional. Apesar dessa ajuda não passar isenta de críticas na profissão, é importante destacarmos que as principais teses e propostas de sistematização da prática profissional legitimavam essa proposição, como a tese de Anna Augusta Almeida. Apesar da corrente filosófica propor uma nova “atitude” para o Serviço Social, a atitude fenomenológica, tendo em vista romper com a herança histórica do tradicionalismo, renova e reatualiza as basesde sustentação conservadora da profissão. Tendo em vista a reatualização do conservadorismo no Serviço Social, refletimos acerca dos elementos que caracterizam a retomada da proposta conservadora na profissão, elencando entre os fatores a perspectiva psicologizante da intervenção profissional. Discutimos a proposta metodológica da fenomenologia na profissão e seu marco referencial com a tese de Anna Augusta de Almeida. A formulação dessa nova proposta, embora retome o que há de mais tradicional no Serviço Social como a atuação psicologizante, é ainda uma grande referência no processo de renovação da profissão. Neste sentido, salientamos que a perspectiva fenomenológica, apesar de ser parte do processo de renovação da profissão com inegáveis contribuições acerca dessa perspectiva, desconsiderou inúmeros elementos da dinâmica da realidade social, formatando a intervenção profissional sob uma lógica enquadrada num método experimental a ser seguido. Referências CAPALBO, Creusa. Fenomenologia: tendências históricas e atuais. In: Ensino em Serviço Social: pluralismo e formação profissional. , n. 04, Cortez: São Paulo, 1991.Cadernos ABESS IAMAMOTO, M. Villela; CARVALHO, Raul de. 39. ed.São Paulo:Relações sociais e serviço social no Brasil. Cortez, 2013. IAMAMOTO, M. Villela. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2011.Renovação e conservadorismo no serviço social. 102 IAMAMOTO, M. Villela. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2011.Renovação e conservadorismo no serviço social. NETTO, J. Paulo. uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 16. ed. São Paulo:Ditadura e Serviço Social: Cortez, 2011. SIMIONATO, Ivete. 4. ed. São Paulo.Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil, Influência no Serviço Social. Cortez, 2011. 103 FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL: SIGNIFICADO SOCIAL DA PROFISSÃO NA SOCIEDADE CAPITALISTA CAPÍTULO 6 - O SERVIÇO SOCIAL E A INFLUÊNCIA DA TEORIA SOCIAL CRÍTICA Flávio José Souza Silva 104 Objetivos do capítulo Ao final deste capítulo, você será capaz de: • Explicar a influência da teoria social crítica de fundamentação marxista apresentando a importância teórico-metodológica e histórica dessa teoria para a profissão. Tópicos de estudo • A base de sustentação teórico-metodológica da teoria social crítica. • Filósofo Karl Marx e o Serviço Social. • Principais obras do filósofo Karl Marx e as contribuições para o Serviço Social. • O Serviço Social e os principais conceitos da Teoria de Karl Marx. • As classes em luta e o trabalho do assistente social. • Noções básicas de economia política: embasamento teórico para o assistente social. • O Serviço Social e os principais conceitos do Materialismo Histórico. • As relações sociais e o determinismo econômico. • Teoria do ser social aplicada ao Serviço Social. • Método crítico dialético: saber imprescindível para o agir profissional. • O movimento eterno da matéria. • As relações de contradição. • A superação da aparência e a busca da essência. • O movimento espiral e a mudança por superação. Contextualizando o cenário Neste momento, iremos trabalhar com a influência da tradição de pensamento marxista, particularizando as dimensões teórico-metodológicas do método crítico-histórico-dialético e as suas incidências para o Serviço Social brasileiro. Assim, a nossa proposta neste capítulo consiste em fazer uma incursão sobre o método marxiano, procurando estabelecer vínculos entre a teoria e a prática, já que estamos partindo da apreensão que as dimensões da teoria e da prática estabelecem uma vinculação mútua, onde a prática alimenta a teoria e que, por sua vez, a teoria direciona essa prática. Em todo texto, portanto, iremos trabalhar com categorias e conceitos presentes no método de análise do real, tentando vincular tais dimensões que sustentam o método marxiano e as suas influências para o Serviço Social. É importante que citemos que o pensamento marxista irá compor a base teórico-metodológica da terceira vertente da Renovação Profissional, intitulada por José Paulo Netto de Intenção de Ruptura com o Conservadorismo. Contudo, neste momento, iremos trabalhar com as bases teórico- metodológicas do método. Aparece-nos uma questão: o Serviço Social emerge na sociabilidade capitalista enquanto resposta conservadora do Estado e do Capital sobre as expressões da “questão social”. O que representa, politicamente falando, a aproximação da profissão com a teoria social crítica? • • • • • • • • • • • • • • • 105 6.1 A base de sustentação teórico-metodológica da teoria social crítica Nosso primeiro contato com a teoria marxiana se dará por meio da base que sustenta teórico- metodologicamente o método crítico-histórico-dialético. Assim, como faz Netto (2011a), é preciso que apreendamos a construção da concepção de Marx, em torno da teoria, que diferentemente do método positivista e fenomenológico não seria reduzida aos sistemas de análise do objeto. Portanto, para Marx, a teoria seria uma modalidade peculiar de conhecimento, assim como a arte, a religião, o senso comum e outros. Porém, o conhecimento teórico traz consigo uma particularidade no tocante à possibilidade de conseguir captar o objeto no real de forma mais completa, em sua dinâmica e movimento próprio, ou seja, em sua existência real e efetiva. Método marxiano Neste sentido, o papel da teoria (ou seja, do método de análise do real) deveria reproduzir idealmente o movimento real do objeto. Assim, para o método fundado por Marx, o pesquisador vai reproduzir em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto que pesquisa (NETTO, 2011a). Assim sendo, não nos resta dúvida que a base de sustentação desse método é a base material onde o objeto é encontrado. No próximo subtópico, iremos conhecer melhor o autor que funda esse novo método de análise do real e a relação que a sua produção teórica estabelece com o Serviço Social brasileiro, tendo em vista, como já sinalizado, que o pensamento marxista será a base teórico-ético-político-metodológica da terceira vertente (e atual) do Processo de Renovação Profissional. 6.1.1 Filósofo Karl Marx e o Serviço Social Neste momento, iremos conhecer um pouco do teórico que funda uma nova forma de apreensão do real, completamente nova e revolucionária, capaz de superar o idealismo da teórica hegeliana, sendo uma expressão do arco ascendente do modernismo, aprofundado os ideais modernistas em torno de uma visão de mundo classista trabalhadora. Estamos falando de Karl Heinrich Marx (1818-1883), mais conhecido por Marx, nascido em Trier, na Renânia, PAUSA PARA REFLETIR Ao passo que o método marxiano parte do real, qual o impacto que essa apreensão representa para a apreensão da “questão social”? 106 Estamos falando de Karl Heinrich Marx (1818-1883), mais conhecido por Marx, nascido em Trier, na Renânia, província ao Sul da Prússia (território hoje que conhecemos como Alemanha). Marx abandona o curso de Direito pela Universidade de Bonn em 1835, mas vivencia ativamente as lutas estudantis. Fonte: © Clu // Istock Em 1836, é transferido para a Universidade de Berlin, onde irá estudar filosofia, com grande influência do maior pensador da época, Hegel. Marx alinha-se, neste primeiro momento de sua produção teórica, ao pensamento idealista hegeliano, mas logo é “enquadrado” na “esquerda hegeliana”, conhecida por acreditar no movimento da história e dos ideais progressistas que estavam dados na teoria hegeliana. Em 1841, doutora-se, aos 23 anos, na Universidade de Jane com a tese A Diferença entre a Filosofia da Natureza . Marx não conseguiu lecionar na universidade que concedeu seu título de doutorde Demócrito e a de Epicuro pelo fato de ser um seguidor declarado da teoria hegeliana, pois havia uma resistência na instituição por teóricos que seguiam essa tradição de pensamento. ASSISTA O filme O Jovem Karl Marx (2017), do diretor haitiano Raoul Peck, marca os 200 anos de nascimento de Marx, completados em 2018. O filme mostra o contexto da época, com o nascimento da sociedade capitalista e a guinada materialista que o autor sofre sobre a influênciade Friedrich Engels. 107 Em 1842, muda-se para a cidade de Colônia, onde assume a direção do jornal Gazeta Renana, momento em que o autor, ao se deparar com a morte de dezenas de pessoas, que ao entrarem numa propriedade privada em busca de madeira para aquecer suas casas são mortas pela polícia, faz o autor questionar suas bases teóricas hegelianas. O jornal também foi fechado e Marx virou exilado na França. Em 1843, já na França, Marx casa-se com Jenny von Westphalen, importante interlocutora de sua produção (inclusive na revisão dos textos para o francês), e funda com Edgard von Westphalen, já em Paris, a revista Anais Franco-alemãs. Foi por meio dessa revista que Marx pode se aproximar do seu mais importante interlocutor: Friedrich Engels (1820-1895). Nessa época, por meio da publicação de artigos na revista, Marx também publica suas duas primeiras obras: .Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e Sobre a Questão Judaica Em 1848, Marx e Engels publicam por encomenda da Liga dos Justos o em plenoManifesto do Partido Comunista momento da Revolução Burguesa francesa. O documento é um manifesto que expressa as ideias, as necessidades e o posicionamento revolucionário materialista que o autor havia construído até o momento. ESCLARECIMENTO Na época em que Marx doutorou-se, a elaboração de uma tese não seguia os requisitos de hoje. Segundo Netto (2011a), a tese produzida por Marx, à época do seu doutoramento, hoje seria considerada uma dissertação de mestrado. PAUSA PARA REFLETIR O que representa, ainda em nossos dias atuais, a censura de um jornal? CURIOSIDADE Friedrich Engels, diferente de Marx, é filho de um capitalista, dono de uma série de fábricas têxtis em Salford, na Inglaterra. Porém, apesar de possuir toda uma determinação para seguir o pai, Engels opta por desvelar as contradições da sociedade capitalista. 108 Fonte: © Duncan1890 // Istock Para o Serviço Social, uma profissão que historicamente nasce como uma resposta conservadora do Estado e da burguesia às necessidades da classe trabalhadora, que adentra ao cenário político, exigindo desse Estado melhorias nas condições de trabalho (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011), a apropriação do pensamento marxista apresenta-se enquanto uma intenção de ruptura com as bases conservadoras e confessionais da profissão (IAMAMOTO, 2013). Marx elabora uma nova forma de apreensão do real, revolucionária, onde o conhecimento é necessário à transformação social, instrumentalizando a classe trabalhadora para essa revolução. A partir dessa aproximação, afirma Mota (2016), o Serviço Social pode questionar o pensamento conservador e se colocar contra esse ideário que via de regra associa a profissão em um patamar de subalternidade. O constructo teórico de Marx possibilitou grandes avanços para o Serviço Social brasileiro, já na década de 1980, explicitando-se na década de 1990 e, até o momento, se mantém como direção majoritária à profissão. Neste momento, iremos analisar as principais obras de Marx e as contribuições para o Serviço Social brasileiro. 6.1.2 Principais obras do filósofo Karl Marx e as contribuições para o Serviço Social Iremos, neste momento, focar nas principais obras de Marx, tentando vislumbrar as contribuições do seu referencial teórico para o Serviço Social brasileiro. Neste espaço, não seria possível focar em todas as contribuições da obra marxiana. Portanto, escolhemos três obras fundamentais para uma aproximação ao pensamento marxiano. Clique nos termos a seguir e descubra quais são. Primeira obra A primeira obra é o , escrito por Marx em parceria comManifesto do Partido Comunista Friedrich Engels, publicado em 1848, no período da Revolução Burguesa francesa, mas que pouco terá adesão pelo conjunto dos trabalhadores. Ele será retomado pós-1848, momento em que a burguesia assume o poder político e expressa para o conjunto da sociedade suas propostas. Manifesto consiste, no momento da elaboração teórica dos autores, no reconhecimento das contradições, dos antagonismos e das desigualdades existentes na sociedade dividida em classes sociais em disputa (burguesia e proletariado). Sendo, portanto, uma ode política para os trabalhadores, apostando na necessidade da organização política para construir a Revolução Social. Para o Serviço Social brasileiro, a contribuição do manifesto expressa-se objetivamente à profissão no reconhecimento do antagonismo entre as classes sociais, assim como na inserção da prática profissional nesta contradição. Assim sendo, a contribuição desta obra, em específico, é o desvelamento da existência da sociedade 109 contradição. Assim sendo, a contribuição desta obra, em específico, é o desvelamento da existência da sociedade em classes e da existência das contradições e dos distintos interesses entre elas. Segunda obra A segunda obra, escrita por Marx ainda sobre a influência da Revolução Burguesa, é O 18 , de 1852, onde o autor analisa como a Revolução de 1848 levouBrumário de Luís Bonaparte ao golpe de Estado impetrado por Louis Bonaparte, sobrinho de Napoleão, em 1851. Nesse texto, o autor constrói uma grande análise de conjuntura, em que busca capturar o real a partir do movimento da história, em seu processo de rupturas e continuidades, expressando a maturidade do seu método de análise. Para o Serviço Social, essa obra expressa a dimensão política entendida enquanto processo de construção coletiva. Onde, apesar das conquistas serem construídas num cenário de revolução, as marcas sócio-históricas devem sempre ser levadas em consideração. Além disso, deixa como legado o caminho que se deve seguir ao se construir uma análise de conjuntura. Terceira obra A terceira obra, considerada a principal do autor, é . Publicada em 1867, a primeiraO Capital parte dessa grande obra expressa-se enquanto momento de maturidade teórica de Marx. Nessa obra, o autor expõe a síntese da sua análise crítica sobre a sociedade capitalista, desconstruindo o real e desnudando as relações contraditórias desta sociabilidade, instrumentalizando à transformação social. A qualificada interlocução da obra marxiana propiciada pela leitura da obra clássica de Marx a partir da década de 1980, expressa na obra de Marilda Villela Iamamoto e Raul de Carvalho – Relações Social e Serviço Social no Brasil: um esbouço para uma interpretação histórico-metodológica (2011) –, traduz as contribuições do pensamento marxiano à profissão, principalmente no reconhecimento e no significado social da profissão, abrindo espaço para a construção de uma nova imagem social à categoria. Assim, para o Serviço Social, a interlocução com a obra marxiana traduz avanços consideráveis à categoria profissional, principalmente no tocante à luta contra o conservadorismo que marca o surgimento da profissão. Pensamos que seja necessário, neste momento, analisarmos quais os principais conceitos da teoria marxiana à profissão. 6.2 O Serviço Social e os principais conceitos da teoria de Karl Marx O Serviço Social, como sabemos, é uma profissão com uma clara dimensão à intervenção, inclusive nasce com esse intuito: o de intervir nas expressões da “questão social” (NETTO, 2011b). No início, uma prática conservadora e pragmática, vinculada ao arranjo teórico-doutrinário, como fora posto por Iamamoto (2013). Assim, a vinculação entre apropriação da teoria e do direcionamento à prática profissional deve ser nosso horizonte de análise. A teoria marxiana, assim como qualquer teoria social, é sustentada por conceitos e categorias que permitem a análise do objeto. A categoria está presente no real, sendo necessário que o sujeito a transporte e a traduza no pensamento. Os conceitos são abstrações, construídas pelo sujeito e que permitem a apreensão desse real. 110 Principais conceitos São várias as categorias e os conceitos de análise propiciados pelas obras de Marx. Iremos destacar a seguir a luta de classes, a mais-valia, a alienação e a consciência de classe. Clique, na interação a seguir, para conhecer essas categorias. Luta de classes A lutade classes é considerada uma categoria fundamental, visto que parte do princípio do reconhecimento da existência de dois grupos sociais essenciais divididos pela sua inserção no modelo produtivo. O primeiro seria o detentor dos meios de produção, a burguesia, sendo esse é responsável por se apropriar do trabalho não pago da classe trabalhadora (segundo grupo), sendo essa não possuidora dos meios de produção e só restando a sua força de trabalho para venda. Mais-Valia A Mais-Valia é uma das categorias pertencentes à economia política de Marx, sendo essa o fruto do trabalho, e ocorre durante o processo de produção das mercadorias. Pode ser entendida como toda riqueza produzida pelo trabalhador e não paga a ele. Em outras palavras, a burguesia, que não trabalha, apropria-se da riqueza produzida pelo trabalho não pago aos trabalhadores, sendo esses o gerador das riquezas. Alienação A Alienação é a categoria de análise responsável por mascarar as relações de exploração da burguesia sobre o proletariado por meio da ideologia. A ideologia, para Marx, também é apreendida por meio da produção, ou seja, da materialidade das relações capitalistas. Se a sociedade capitalista é fundada sobre a exploração de uma classe sobre a outra, ela funda uma ideologia que referende no imaginário tais relações. Consciência de classe A consciência de classe é responsável pelo reconhecimento dos sujeitos de seu lugar no mundo. É ela que contribui para os processos de ruptura com a alienação, quando é possível ver mais claramente a situação de exploração da classe burguesa sobre os trabalhadores. Neste momento em que estamos em contato com a teoria marxiana é interessante focar nas categorias chaves do pensamento. 111 Fonte: © Sevaljevic // Istock Assim, no próximo momento, iremos trabalhar a categoria luta de classes, enfocando no trabalho do Assistente Social. 6.2.1 As classes em luta e o trabalho do assistente social Assim como afirma Gramsci (2015), a mais simples manifestação intelectual, como a linguagem, perpassa uma concepção de mundo. Ao focarmos no trabalho do assistente social, devemos partir de uma concepção de mundo, assim como a prática contraditória do fazer profissional, que demanda à categoria responder as questões que o Estado determina, mas que constrói uma relação orgânica com a classe trabalhadora. Ao passo que concordando com o autor, devemos ter em mente que essa visão de mundo perpassa as convicções, os desejos, as finalidades, os projetos e a direção que damos à objetivação dessa visão em nosso cotidiano. Qualquer indivíduo carrega consigo, em suas escolhas, uma visão de mundo. Intelectuais, as profissões (e aqui incluímos o Serviço Social), trabalhadores e burgueses, assim, fazem escolhas, também, a partir de uma projeção que desejam alcançar. As relações capitalistas determinam uma visão de mundo que é limitada, que só permite à apreensão da aparência e a conservação dessa ordem social. Contraditoriamente, o proletariado desenvolve uma visão de mundo que permite à superação desta sociabilidade. Classes antagônicas, como já colocamos, desenvolvem concepções e perspectivas de mundo também antagônicas. É nessa contradição e antagonismo que o fazer profissional dos assistentes sociais insere-se na luta de classes. É a partir da apreensão de uma relativa autonomia, conferida pela sua condição de profissional liberal, que o assistente social pode contribuir a formação, mobilização e organização da classe trabalhadora na busca da construção de alternativas que levem à emancipação humana da classe trabalhadora. PAUSA PARA REFLETIR A visão do mundo necessita de uma projeção à sua construção, mas a sua objetivação acontece de forma imediata? 112 Inserção do fazer profissional do Serviço Social Não nos resta dúvida que o Serviço Social é formado por trabalhadores, inseridos neste contexto de contradição e antagonismos que se expressam na luta de classes. Porém, é a partir da formação que compreende três dimensões do fazer profissional (teórico-metodológica, ético-política e prático-operativa) que a profissão desenvolve a possibilidade de contribuição com a luta da classe trabalhadora. Ou seja, a concepção de mundo que o Serviço Social quer construir é a da classe trabalhadora. Na construção de uma concepção de mundo, o Serviço Social precisa de embasamento teórico que direcione o seu fazer profissional nesta direção de uma sociedade mais humana, livre, justa e democrática. Assim sendo, em nosso próximo subtópico iremos trabalhar com algumas noções básicas da economia política. 6.2.2 Noções básicas de economia política: embasamento teórico para o assistente social Com a derrota da classe trabalhadora, vivenciada após a Revolução Francesa em 1848, como consta em O 18 , houve o direcionamento para o golpe de Estado, que o sobrinho de Napoleão, LouisBrumário de Luís Bonaparte Bonaparte, objetivou em 1852. Em resposta, Marx elabora uma proposta teórico-metodológica – mais uma que expressa a sua necessidade de apreender o movimento da sociabilidade capitalista – conhecida como A .Contribuição à Crítica da Economia Política O texto é conhecido por ser o único a trazer, de forma mais clara, um debate sistemático em torno do método marxiano. Em suas elaborações teóricas, Marx não escreveu uma obra específica sobre o método, preocupando- se em especificar “passo por passo” a forma de construir ciência a partir da sua teoria. Assim, a proposta teórica de Marx centra-se em três noções básicas (inclusive à sua crítica) durante o processo de construção do conhecimento. Clique na interação a seguir para ver quais são essas três noções básicas. Primeira noção básica Seria o modo que o sujeito pesquisador irá construir os conceitos de análise. Segunda noção básica Seria como o pesquisador estabelece as relações entre os conceitos. Terceira noção básica Seria a relação que essa construção conceitual estabelece com a realidade objetiva, no sentindo de sua CURIOSIDADE A escolha do tema para as comemorações do dia do Assistente Social, em 2018, trouxe consigo o reconhecimento da escolha política da categoria com a resistência e a construção coletiva dos trabalhadores. 113 Seria a relação que essa construção conceitual estabelece com a realidade objetiva, no sentindo de sua explicitação. Ou seja, para o método da Economia Política, a apreensão sobre o objeto deve partir da materialidade da vida social, bem como da totalidade da vida social. Sendo, neste sentido, a relação que a objetividade e a subjetividade estabelecem entre si. Essas noções mais básicas, a partir da interlocução do Serviço Social com a tradição de pensamento marxista, traduzem o embasamento teórico para análise da categoria, expressa em sua produção de conhecimento, que parte do acúmulo teórico de Marx. Assim, a profissão não elabora uma teoria do Serviço Social, mas apropria-se de uma teoria e produz conhecimento plasmado nessa direção teórico-político-metodológica. No próximo tópico, iremos trabalhar com os principais conceitos do materialismo histórico e a relação com o Serviço Social. 6.3 O Serviço Social e os principais conceitos do Materialismo Histórico Vamos, a partir de agora, fazer uma incursão sobre os principais conceitos do materialismo histórico, elaboração teórica essa em que Marx permitiu uma apreensão revolucionária sobre a história dos homens (material e histórica), rompendo com as compreensões idealistas e metafísicas (religiosas) em torno da construção da sociabilidade. Assim, há duas concepções que permitiram a ruptura com todo o passado idealista e metafísico sobre a humanidade: a concepção histórica e material e o mecanismo de funcionamento do modo de produção capitalista. Iremos analisar, neste momento, duas categorias específicas: forças produtivas e a superestrutura. Clique na interação a seguir para conhecer. F o r ç a s produtivas As forças produtivas, para Marx, são o pressuposto fundamental de toda a sociedade. A partir dessa apreensão, os homens e as mulheres estabelecem relações ao passo que transformama natureza e, neste processo, se autotransformam, afastando-se gradativamente de sua condição animal e construindo um mundo humano, tornando-se um ser social. Superestrutura A segunda categoria é conhecida como superestrutura, resultado das relações materiais de produção. A superestrutura, ou seja, o Estado, as instituições, a igreja e etc. emergem a partir das relações de produção que se tornam mais complexas e precisam ser referendadas idealmente. A história, assim, para Marx, desenvolve-se a partir das relações materiais que homens e mulheres vão construindo e que, ao complexificarem, constroem uma superestrutura necessária para referendar a materialidade, mas que se complementam e se alimentam numa processualidade e totalidade histórica. Fonte: © Xieyuliang // Istock 114 As relações sociais, assim, são construídas historicamente a partir das determinações sociais de produção. A seguir, iremos analisar um pouco mais sobre esse pressuposto. 6.3.1 As relações sociais e o determinismo econômico Ao passo que homens e mulheres se organizam para produzir, precisam estabelecer relações com outros homens e mulheres, sendo que é a base material que determina tais relações. Com o objetivo de esclarecimento, destacamos que não há determinismo de nenhuma espécie na tradição de pensamento marxiano, mas sim a determinação. O debate em torno da compreensão determinista foi herdada do idealismo, especificamente daquelas ideias de que explicavam teologicamente o surgimento da humanidade e da sociedade. O pensamento determinista foi amplamente difundido na teoria darwinista, que acredita numa seleção natural dos seres vivos, sendo este o maior responsável pelo desaparecimento ou efetivação de uma raça (WILLIAMS, 2011). A grande limitação dessa teoria seria, portanto, o não reconhecimento da luta de classes, a totalidade e a processualidade histórica e, nem tão pouco, a centralidade do trabalho. Na tradição de pensamento marxista, o debate em torno da determinação tem outro significado, completamente oposto ao anterior, opondo-se “a uma ideologia que insistia no poder de certas forças fora do homem, ou, em sua versão secular, em uma consciência determinante abstrata” (WILLIAMS, 2011, p. 44). Ou seja, na tradição marxista, partimos da apreensão da construção dessas determinações a partir do ser social, “(...) em completa oposição à filosofia alemã, a qual desce do céu a terra, aqui sobe-se da terra ao céu “ (MARX; ENGELS, 2009, p. 31). Assim, as relações sociais capitalistas são determinadas pelo modo de produzir, que é sócio-historicamente determinado. Assim, as relações sociais são um produto histórico, inserido nesse movimento e que corresponde para um determinado momento de organização da vida social: a da sociabilidade capitalista. O ser social, assim, constitui as relações sociais necessárias e imprescindíveis para a vida em sociedade. A partir desse momento passamos a debater em torno da categoria ser social para melhor apreensão e estabelecimento das relações com o Serviço Social. 6.3.2 Teoria do ser social aplicada ao Serviço Social Neste momento, vamos iniciar uma incursão sobre uma das bases principais do pensamento marxiano, tentando traçar as relações com o Serviço Social. Assim, vamos partir da compreensão da teoria marxiana sobre o homem, a partir da centralidade com o trabalho, sendo esse responsável por fundar o ser social. 115 Fonte: © Yulliii // Shutterstock A relação da humanidade com a natureza, ou seja, a transformação que ela objetiva por meio do trabalho que modifica a natureza e que, ao mesmo tempo, autotransforma esse sujeito primitivo em ser social, é o pressuposto primordial e “ineliminável do mundo dos homens” (LESSA; TONET, 2011, p. 17). Essa relação é essencial para a sociedade que precisa constantemente transformar a natureza, sendo possível, pois, a sua reprodução. A reprodução do ser social, bem como da sociedade, não está apenas limitada à sua relação biológica com a natureza, como bem é salientado por Engels e Marx (2009, p. 30), na Ideologia Alemã, quando asseveram que “(...) determinados indivíduos, que são produtivamente ativos de [um] determinado modo [de produção], [produzem determinadas] relações sociais e políticas”. Assim, esses indivíduos, socialmente ativos, irão reproduzir, no modo de pensar e agir, relações sociais específicas, historicamente datadas a partir da materialidade da organização social da produção. A natureza do Serviço Social, geneticamente, carrega consigo um traço sincrético teórico-metodológico, como já fora afirmado por Netto (2011c) em outra situação. Esse traço apresenta-se ao Serviço Social pela sobreposição de teorias e metodologias para dar direção e significado social à profissão. Por sua vez, a teoria marxiana apresenta ao Serviço Social vários avanços, neste caso, na elaboração de uma nova concepção de homem. Ao passo que estamos completando a nossa incursão sobre a tradição de pensamento marxiana, pensamos que seja necessário irmos para o debate mais preciso sobre o método crítico-histórico-dialético com vistas de traçar algumas considerações com o agir profissional. 6.4 Método crítico dialético: saber imprescindível para o agir profissional Retomaremos, neste tópico, o início da nossa caminhada, focando e tentando nos aproximar ainda mais sobre o método marxiano e, como é o sentindo maior deste texto, a suas contribuições para o agir profissional do Serviço Social. O método dialético é completamente diferente ao método hegeliano, diferindo, principalmente, no seguinte princípio: “(...) para Hegel, o processo do pensamento (...) é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é nada mais do que o material transposto” sendo interpretado pelo pesquisador (MARX, 1968, p. 16). Assim, para o método marxiano, o movimento real do objeto é transporto para o cérebro do pesquisador, que o interpreta. Neste sentindo, para Marx, o objeto de pesquisa têm existência objetiva e não depende do pesquisador para existir. Em síntese, afirma Netto (2011a, p. 22), “(...) o método de pesquisa [marxiano] que 116 pesquisador para existir. Em síntese, afirma Netto (2011a, p. 22), “(...) o método de pesquisa [marxiano] que propicia o conhecimento teórico, partido da aparência, visa alcançar a essência do objeto”. Todavia, essa grande contribuição do pensamento marxiano determina para o agir profissional do Serviço Social diversas mediações importantes. As expressões da “questão social” não se esgotam apenas em suas objetivações sobre as quais exercemos (ou exerceremos) o nosso fazer profissional, mas carregam consigo uma essência que está vinculada ao modo de produção capitalista. Ou seja, em outras palavras, o agir profissional não deve se esgotar apenas no tratamento das “questões sociais”, mas no seu desnudamento e explicitação das contradições que as formulam. É com a relação plasmada com a teoria social de matriz marxiana que a profissão alcança seu amadurecimento teórico. O método dialético de Marx parte do movimento contraditório de rupturas e continuidades posto no real. Iremos, a seguir, apreender o movimento que a matéria estabelece. 6.4.1 O movimento eterno da matéria A teoria marxiana parte do pressuposto que a matéria (objeto) não está estanque no real. Ao contrário, o objeto encontra-se na materialidade, mas em movimento, que é dialético e contraditório, e que vai absorvendo as determinações próprias do momento histórico que se expressa sobre o objeto. Neste sentido, parte-se de uma apreensão de totalidade histórica. Assim, o trabalho do pesquisador consiste em captar esse movimento do objeto, traduzi-lo em seu pensamento e expor os resultados dessa análise. A pesquisa, assim, para o método dialético, não está preocupada apenas na descrição do objeto analisado, mas procura apreender o seu movimento e estabelecer mediações com o todo. Ao apreender o movimento do objeto, procura-se desvelar a origem e o desenvolvimento deste. Para Marx (2009, 126), “as relações de produçãode qualquer sociedade constituem um todo”. Neste sentido, o método dialético pretende, a partir de aproximações consecutivas, captar o movimento do objeto, que é datado historicamente e que se expressa de forma caótica, mas que está em sintonia numa totalidade. Ao passo que partimos da apreensão do movimento histórico, dialético e contraditório da sociedade, devemos focar na melhor apreensão em torno de uma das categorias que compõem esse método para melhor compreensão. Neste sentido, a seguir, iremos nos aproximar melhor da categoria da contradição. 6.4.2 As relações de contradição Para o método marxiano, há três categorias que são “nucleares [e que possibilitou a] Marx [a descoberta da] perspectiva metodológica que lhe propiciou o erguimento do seu edifício teórico” (NETTO, 2011a, p. 58). Iremos tratar, neste momento, de uma das categorias nucleares desse método que é a contradição. Clique na interação a seguir para entender o conceito e os temas relacionados a ele. • A contradição A contradição é o motor da história. Ou seja, a contradição é fruto da luta de classes, de visões de mundo antagônicas, que se expressam por interessem opostos, sendo expressão da inserção desses grupos sociais no processo produtivo, como vimos, no momento em que trabalhamos as classes e a consciência das classes sociais. • A produção capitalista A categoria da contradição, assim, expressa o antagonismo que estrutura as relações sociais capitalistas. A produção capitalista, a que orienta as relações sociais capitalistas, é constituída por uma contradição essencial: a produção coletiva e a apropriação privada de toda a produção geram • • 117 uma contradição essencial: a produção coletiva e a apropriação privada de toda a produção geram o que vários autores da tradição de pensamento chamam de anarquia da produção. • As crises A expressão mais concreta dessas contradições é a crise. As crises do capitalismo são expressões da contradição que esse sistema carrega, alicerçada sobre a anarquia da produção. A contradição é própria da natureza do real, o qual porta o movimento, afirma-se e nega-se. Assim, a partir da contradição surgem as mudanças sociais na história. Porém, o capitalismo cria (e recria) formas para manter a sua hegemonia e superar suas crises. Nosso ponto de partida é que o método de pesquisa busca apreender o objeto e, no caso do método dialético, essa busca centra-se na essência do objeto analisado. Portanto, no próximo momento, iremos analisar como esse método pretende superar a aparência fenomênica do objeto buscando captar a essência. 6.4.3 A superação da aparência e a busca da essência Como já mencionamos neste texto, o método dialético parte da aparência que o fenômeno apresenta ao pesquisador, mas visa alcançar a essência do objeto. Ou seja, busca captar a dinâmica e a estrutura própria do objeto e que a pesquisa, por meio da interlocução com esse método, preocupa-se em captá-lo e reproduzi-lo como este apresenta-se em sua realidade, movimento e historicidade. Então, mesmo que a aparência do objeto seja o primeiro contato do pesquisador, ele não se realiza na descrição do objeto, mas buscará apreender a essência do objeto, a sua dinamicidade e estrutura (em outras palavras: o chão histórico que gesta esse objeto). É a partir dessa apreensão que o método dialético se distingue dos outros métodos de análise do real (como o positivismo e o fenomenológico) que só permitem uma primeira aproximação com objeto e terminam a pesquisa apenas na descrição do objeto a partir do próprio objeto. Busca-se, portanto, para o método, a apreensão desse movimento, como visto, a partir de sua historicidade, materialidade, dinamicidade e contraditoriedade. O método dialético comporta, assim, uma forma de apreender o mundo completamente distinta. Instaura novas formas para apreender o movimento da história a partir de uma apreensão materialista e histórica. 6.4.4 O movimento espiral e a mudança por superação É a partir do contato com Hegel, bem como da leitura dos clássicos gregos, que Marx pode dar um salto e construir a dialética materialista. Assim, para Marx, a dialética parte da apreensão, “(...) em completa oposição à filosofia alemã [teoria hegeliana], a qual desce do céu a terra, aqui sobe-se da terra ao céu” (MARX; ENGELS, 2009, p. 31). Ou seja, para Marx e Engels, o imaginário é moldado pela base material, sendo essa que comporta as mediações, as contradições e as relações sociais a partir da materialidade e das construções operadas pelo ser social. • 118 Base material e base imaterial A construção realizada pelos homens realmente ativos em sociedade deve ser apreendida levando em consideração a base material onde a vida é desenvolvida para que assim possamos apreender as vinculações entre “os ecos ideológicos desse processo” e suas objetivações na base imaterial (cultura, ideologia, arte, ética e etc.) (MARX; ENGELS, 2009, p. 31). A mais simples ação dos homens, dada em um determinado momento histórico, nunca mais representará o mesmo. A história é apreendida, para Marx, por meio desse movimento dialético, onde uma ação constrói uma mediação e essa exigirá uma sequência de mediações que sempre avança em relação ao primeiro ato. Assim, a história nunca se repete. A história é um processo contínuo em eterno movimento. Essa incursão sobre o método dialético chega ao seu “fim”, mas sempre como um novo principiar, pois o movimento é eterno e tudo se encontra em constante transformação. Proposta de Atividade Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu neste capítulo! Elabore um mapa conceitual destacando os principais conceitos abordados ao longo do capítulo, buscando sistematizar as categorias e os conceitos que compõem o método dialético. Ao produzir seu mapa conceitual, considere as leituras básicas e complementares realizadas, assim como atente-se para diferenças que foram exploradas, no tocante aos conceitos e às categorias. Ao fim do mapa conceitual, destaque as categorias que mais lhe chamaram a atenção. Inicie seu texto a partir da visão de mundo que o método dialético propõe. Tenha em mente o real, sendo esse, para Marx, o ponto de partida para qualquer análise marxiana. Recapitulando Neste capítulo, propomos uma incursão introdutória sobre o método dialético. Para isso, apreendermos um pouco sobre o autor que funda essa proposta teórico metodológica que parte de uma nova perspectiva de apreensão do real. Partimos de um pressuposto de análise, que se alicerça na apreensão que a teoria e a prática relacionam-se mutualmente, possibilitando, desta forma, o estabelecimento de mediações com o fazer profissional do Serviço Social. Assim, ao passo que a profissão aproxima-se de um método revolucionário e que tem clara posição política definida, pode alimentar-se teoricamente e projetar politicamente a crítica sobre as bases conservadoras que orientaram o fazer profissional desde o surgimento da profissão. A profissão avança na apreensão das expressões da “questão social”, não mais pela via da moralidade, religiosa 119 bases conservadoras que orientaram o fazer profissional desde o surgimento da profissão. A profissão avança na apreensão das expressões da “questão social”, não mais pela via da moralidade, religiosa ou psicológica, mas pela contradição expressa pelo modo de produção capitalista. Apesar das resistências ao pensamento crítico, por meio de censuras e a impossibilidade de construir conhecimento a partir de uma vertente crítica, esse pensamento resiste e direciona o fazer profissional do Serviço Social na contemporaneidade. Referências ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. . (trad. Álvaro Pina). 1. ed. São Paulo: Expressão Popular,A Ideologia Alemã 2009. GRAMSCI. Antonio. temas de cultura, ação católica, americanismo e fordismo. (trad.Cadernos do Cárcere: Carlos Nelson Coutinho; Luiz Sérgio Henriques). 5. ed. 4ºv. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. IAMAMOTO, M. Villela; CARVALHO, Raul de. : um esboço de umaRelações Sociais e Serviço Social no Brasil interpretaçãohistórico-metodológica. 35. ed. São Paulo: Cortez, 2011. IAMAMOTO, M. Villela. : ensaios críticos. 13. ed. São Paulo:Renovação e Conservadorismo no Serviço Social Cortez, 2013. LESSA, Sérgio; TONET, Ivo. . 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.Introdução à Filosofia de Marx MOTA. A. Elizabete . Serviço Social Brasileiro: insurgência intelectual e legado político. :In Serviço Social no : história de resistências e de ruptura com o conservadorismo (org.: Maria Liduína de Oliveira e Silva). 1.Brasil ed. São Paulo: Cortez, 2016. MARX, Karl. : crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.O Capital NETTO, J. Paulo. . 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011a.Introdução ao estudo do método de Marx _____. : uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2011b. Ditadura e Serviço Social _____. . 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011c.Capitalismo Monopolista e Serviço Social WILLIAMS, Raymond. . (trad. André Glaser). 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011.Cultura e Materialismo 120 FSSSSPSC_C0 FSSSSPSC_C01 Objetivos do capítulo Compreenda seu livro: Percurso Boxes Apresentação da disciplina A autoria Samya Katiane Martins Pinheiro Flávio José Souza Silva Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 1.1 Serviço social e a crítica às práticas assistencialistas 1.1.1 Ferramentas de ajuste social 1.1.2 O assistencialismo no lugar dos direitos sociais 1.2 As relações sociais como objeto profissional do assistente social e os novos atores sociais 1.2.1 Partidos políticos e as correlações de forças Revolução Cubana Governo João Goulart 1.2.2 Lutas sindicais e causas operárias 1.2.3 Movimento Sociais 1.3 Crise do Serviço Social “tradicional” na América Latina 1.3.1 Crise dos pactos políticos do pós-guerra Vetor 1 Vetor 2 Vetor 3 1.3.2 Novos protagonistas sócio-políticos 1.4 A crise do Serviço Social “tradicional” no Brasil 1.4.1 A erosão do Serviço Social tradicional 1.4.2 Processo de desenvolvimentismo e a polarização no interior da categoria profissional Proposta de atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C02 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 2.1 Contexto histórico na América Latina e as influências no Serviço Social 2.1.1 Estados Unidos e a ditadura militar na América Latina 2.1.2 Ditaduras latino-americanas 2.1.3 Impactos da ditadura no Serviço Social 2.2 Contexto social, político e econômico no Brasil dos anos 1960 2.2.1 1956-1961 – Juscelino Kubitschek 2.2.2 1961 – Jânio Quadros 2.2.3 1961-1964 – João Goulart 2.2.4 1964 – Golpe Militar 2.3 Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS) 2.3.1 CBCISS e Movimento de Reconceituação 1ª Vertente 2ª Vertente 3ª Vertente 2.3.2 Desenvolvimentismo e o CBCISS 2.3.3 Estruturalismo e CBCISS 2.4 Serviço Social e Reconceituação 2.4.1 Por que reconceituar? 2.4.2 Embates entre a categoria profissional Proposta de Atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C03 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 3.1 Primeiro Seminário Regional Latino-americano de Serviço Social – Porto Alegre (1965) 3.1.1 Principais propostas 3.1.2 O retorno às referências teórico-metodológicas do pensamento estrutural-funcionalista 3.2 Encontros de Araxá (1967) 3.2.1 A perspectiva modernizadora 3.2.2 Síntese do documento de Araxá 3.3 Encontro de Teresópolis (1970) 3.3.1 Cristalização da perspectiva modernizadora 3.3.2 O documento de Teresópolis 3.4 Encontro de Sumaré (1978) e Alto da Boa Vista (1984) 3.4.1 Deslocamento da perspectiva modernizadora 3.4.2 Principais pontos dos documentos Proposta de atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C04 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 4.1 O pensamento filosófico da fenomenologia e a influência sobre o Serviço Social 4.1.1 Fenomenologia de Edmund Husserl e Martin Heidegger 4.1.2 Rebatimento da filosofia fenomenológica sobre o Serviço Social 4.2 Serviço Social e os principais conceitos da fenomenologia 4.2.1 O processo da consciência: "epoché” 4.2.2 Noesis e Noema 4.2.3 “Redução eidética” ou redução à ideia 4.2.4 Aplicação dos conceitos fenomenológicos em uma proposta de atuação para o Serviço Social. 4.3 Autodeterminação como princípio do agir profissional em Serviço Social 4.3.1 Autodeterminação pela necessidade humana 4.3.2 Autodeterminação como conceito a ser aplicado pelo Serviço Social 4.3.3 Autodeterminação como valor humano 4.4 Inspirações fenomenológicas 4.4.1 O diálogo como proposta de ação para o Serviço Social 4.4.2 Conscientização e intencionalidade: estratégias para o agir profissional Proposta de Atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C05 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 5.1 Principais ideias da fenomenologia relacionadas ao Serviço Social 5.1.1 Método Compreensivo 5.1.2 Atitude fenomenológica 5.1.3 Posicionamento fenomenológico no Serviço Social 5.2 Formulação de uma “nova proposta” ao Serviço Social 5.2.1 A influência de Creusa Capalbo na construção da proposta 5.2.2 A contribuição de Anna Augusta de Almeida 5.3 A “nova roupagem” do conservadorismo no Serviço Social 5.3.1 O recurso da fenomenologia segundo José Paulo Netto 5.3.2 Centralização na dinâmica individual 5.3.3 Crítica à fenomenologia construída pelos profissionais de Serviço Social 5.4 Proposta de metodologia fenomenológica para atuação do assistente social 5.4.1 A situação existência problematizada (SEP) 5.4.2 A pessoa cliente 5.4.3 O retorno reflexivo Proposta de atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C06 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 6.1 A base de sustentação teórico-metodológica da teoria social crítica 6.1.1 Filósofo Karl Marx e o Serviço Social 6.1.2 Principais obras do filósofo Karl Marx e as contribuições para o Serviço Social 6.2 O Serviço Social e os principais conceitos da teoria de Karl Marx 6.2.1 As classes em luta e o trabalho do assistente social 6.2.2 Noções básicas de economia política: embasamento teórico para o assistente social 6.3 O Serviço Social e os principais conceitos do Materialismo Histórico 6.3.1 As relações sociais e o determinismo econômico 6.3.2 Teoria do ser social aplicada ao Serviço Social 6.4 Método crítico dialético: saber imprescindível para o agir profissional 6.4.1 O movimento eterno da matéria 6.4.2 As relações de contradição A contradição A produção capitalista As crises 6.4.3 A superação da aparência e a busca da essência 6.4.4 O movimento espiral e a mudança por superação Proposta de Atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C07 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 7.1 A vertente da Intenção de Ruptura 7.1.1 Conceito 7.1.2 Intenção de ruptura e universidade 7.2 Cenário brasileiro no contexto da Intenção de Ruptura 7.2.1 Bases sociopolíticas da perspectiva da Intenção de Ruptura 7.2.2 Momentos constitutivos da Intenção de Ruptura 7.3 O método de Belo Horizonte 7.3.1 Leila Lima Santos e a proposta metodológica de BH 7.3.2 Principais etapas propostas pelo método 7.3.3 Crítica ao método BH 7.4 Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais: O Congresso Da Virada (1979) 7.4.1 Principais propostas apresentadas no Congresso 7.4.2 A importância do Congresso para o Serviço Social 7.4.3 Principais atores e articuladores do congresso Proposta de atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C08 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 8.1 Novo Currículo para o Serviço Social 8.1.1 O novo Curriculum Mínimo 8.1.2 O desafio de implementar a nova proposta 8.2 O Serviço Social deixa a epistemologia 8.2.1 Superações das Propostas de Inspiração epistemológica 8.2.2 Crítica à epistemologia Crítica à epistemologia positivista Crítica à epistemologia fenomenológica 8.3 A busca de novos caminhospara o Serviço Social dos anos 1980 8.3.1 Serviço Social e projeto de sociedade emancipatório 8.3.2 O debate das teorias intermediárias ou teorias da ação 8.4 Produções teóricas do período de 1980: importante marco histórico profissional 8.4.1 A obra de Marilda Villela Iamamoto 8.4.2 A proposta Maria do Carmo Brant Carvalho Proposta de atividade Recapitulando Referências Blank Page Blank Page Blank Page Blank Page Blank Page Blank Page Blank Page
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