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Copyright © 2020 by instituto teya Capa: Renan Salotto Coordenação editorial: Augusto Iriarte, Luiza Thebas [Revisionário Serviços Editoriais] Preparação de texto: Simone Oliveira Projeto grá�co e diagramação de miolo: Simone Fernandes Revisão de texto: Alícia Toffani, Luiza Thebas Dados Internacionais de Catálogo na Publicação (CIP) B844 Bretas, Alex, 1991 Core skills: 10 habilidades essenciais para um mundo em transformação / Alex Bretas, Alexandre Santille, Conrado Schlochauer, Tonia Casarin. — São Paulo: teya, 2020. 288p Inclui bibliogra�a ISBN 978-65-81768-00-3 (impresso)/978-65-81768-01-0 (e-book) 1. Autoaprendizagem. 2. Habilidades subjetivas. I. Título. CDD: 158.1 DDU: 37.04 [2020] Todos os direitos desta edição são reservados ao instituto teya Rua Gomes de Carvalho, 911, sala 306, Vila Olímpia, São Paulo, SP CEP: 04547-003 Telefone: (11) 2818-3300 E-mail: ola@teya.us Site: www.teya.us À humanidade que habita dentro e fora de nós. SUMÁRIO Agradecimentos Introdução APRENDIZAGEM AUTENTICIDADE COMUNIDADE CONFIANÇA CORAGEM CRIATIVIDADE CURIOSIDADE EMPATIA EQUILÍBRIO INFLUÊNCIA Um novo começo Agradecimentos Sobre os ombros de gigantes: só assim foi possível escrever este livro, encarando o desa�o de elencar algumas das skills que as pessoas e o mundo mais precisam neste momento da humanidade. Gigantes não são apenas os gênios de outras épocas, mas sobretudo aqueles que, generosamente, potencializaram nossos esforços e estiveram junto conosco nos apoiando, desbloqueando caminhos e apontando possibilidades. Assim, agradecemos aos nossos editores, Augusto Iriarte e Luiza Thebas, pelas valiosas contribuições. A arte da edição fez diferença na hora de contar esta história. Ao Mauro Mercadante, parceiro de realizações na teya, por acreditar no projeto e contribuir com provocações e ideias, além de escrever a introdução deste livro. À Mariana Jatahy, da teya, pelas conversas, insights e várias referências importantes no capítulo sobre comunidade. À Marcelle Xavier, pelas incontáveis conversas, sugestões e referências. Sua colaboração foi essencial nos capítulos sobre criatividade, comunidade e coragem. Aos nossos pais, �lhos, companheiros e companheiras de vida, por toda a inspiração, amor e cuidado. Este livro não faria sentido sem vocês por perto. Aos nossos familiares e amigos, �éis sustentadores de nossas ideias malucas. Sem vocês, esse percurso não seria tão divertido. A todas as pessoas que, de algum modo, vivenciaram conosco situações de aprendizagem ao longo de todos esses anos. Continuamos humildes e aprendendo com vocês, sempre. Introdução Quando iniciamos o projeto deste livro, havia em nós uma vontade genuína de contribuir com as pessoas neste momento que estamos vivendo de profusões, transformações, confusões, incertezas, inseguranças, esperanças e desesperanças. Não é su�ciente dizer que o mundo se transforma cada vez mais rápido: é preciso assumir a nossa angústia, ainda que ela conviva com uma dose de entusiasmo. Queríamos trazer perspectivas que ajudassem as pessoas a olhar de forma plena para o ser humano. Identi�car novas competências, conhecimentos e experiências que trouxessem oportunidades profundas de desenvolvimento. Mapear habilidades que �zessem sentido neste ponto da nossa história coletiva, em todas as dimensões da sociedade. Pro�ssional e pessoal formando um corpo integrado e in�uenciando-se mútua e positivamente. Nessa busca, chegamos ao conceito de core skills, e compreendemos nesse percurso que elas correspondem a uma dimensão individual. Ainda que, em alguns capítulos, apresentemos a aplicação de cada uma delas no contexto organizacional, esse não é o nosso foco. As empresas podem e devem criar condições para que seus colaboradores desenvolvam as core skills, porém o que nos interessa ressaltar aqui é a conexão que elas estabelecem com a subjetividade humana. Para navegar na dimensão do sujeito, lembremos do �lósofo francês Gilles Lipovetsky1. Já na década de 1980, o autor registra uma “mutação sociológica global”, ainda em curso, que ele chama de “personalização”. De um lado, identi�ca o desinteresse das pessoas em relação aos movimentos sociais e políticos. De outro, identi�ca uma nova sociedade �exível baseada na informação, no estímulo das necessidades individuais e no crescimento da importância dos fatores humanos. Segundo o �lósofo, a sociedade passaria, então, a gerenciar comportamentos com o mínimo de constrangimento e o máximo possível de escolhas privadas, com o mínimo de austeridade e o máximo de desejo, com o mínimo de coerção e o máximo possível de compreensão2. Surge um novo espaço de expressão das individualidades, das crenças, das preferências sexuais, de criação das tribos, do diverso, ainda que em fase inicial. É o despertar do indivíduo após um longo processo coercitivo de padrões sociais e regras uniformes que buscavam extinguir as formas de preferência e expressão únicas e afogar as particularidades em uma lei padronizada e universal. O movimento que o �lósofo identi�cou há mais de 30 anos foi uma resposta do indivíduo à pasteurização e re�etiu o poder da expressão individual como um valor básico, universal, algo que deveríamos buscar como um direito. Em dezembro de 2014, visitei com meus �lhos a Comic Con Experience (CCXP), feira dedicada ao mundo dos quadrinhos, games, cinema e séries de TV. No local, presenciei uma cena que me remeteu às ideias de Lipovetsky. Um jovem chegou à feira carregando uma mochila enorme. Entrou no banheiro masculino e saiu alguns minutos depois caracterizado como um elfo do �lme O senhor dos anéis. Não era um ator contratado para algum estande nem um �gurante da feira. Era simplesmente um visitante apaixonado pelo personagem. Ali, ele não era o único: muitos outros estavam caracterizados como os mais diferentes personagens do mundo geek. A expressão clara, segura e empolgante de cada uma daquelas pessoas era a manifestação viva desse novo momento social. Temos hoje muito mais possibilidades de sermos quem de fato somos sem tantos controles. Na medida em que o futuro se apresenta como mais e mais incerto, o sentimento é o de que se deve viver o presente, priorizando o suprimento das necessidades individuais. Contudo, segundo o pensador polonês Zygmunt Bauman, esse impulso ensimesmado não garante satisfação, pois exige do indivíduo maior responsabilidade, já que cada um precisa também aprender a lidar com seus desa�os e suas questões por conta própria3. Ao mesmo tempo que permite novas expressões do sujeito, o momento atual atribui a esse indivíduo a responsabilidade por seu futuro e pelo futuro dos contextos nos quais está inserido. A liberdade aumenta, e a pressão para performar também. Em 1999, Bauman ampliou o olhar sobre o indivíduo com o conceito de modernidade líquida, baseado no fato de que o líquido não tem forma prede�nida e se adapta, se molda. O mundo, portanto, passou a ser líquido, isto é, cheio de sinais ambíguos, propenso a se transformar rapidamente e de maneira imprevisível, e isso se desdobrou também para o indivíduo. A responsabilidade que o pensador tirou das instituições e dos coletivos e atribuiu às pessoas �ca, assim, mais evidente: cada um de nós terá de encontrar estratégias �uidas e ágeis para responder aos desa�os do mundo líquido. Dois anos antes de a ideia de modernidade líquida emergir, a McKinsey publicou um documento que conferia ainda mais ênfase à dimensão individual, tratando mais especi�camente da questão do talento. Intitulado The War for Talent4, o texto apresentava uma crescente atenção às competências, cada vez mais escassas no mercado e, por isso mesmo, mais desejadas pelas corporações. Na década seguinte, houve um aumento de publicações sobre as características dos indivíduos “talentosos”, capazes de agregar mais valor do que a média dos pro�ssionais. Novamente, a dimensão individual ganha relevância,agora no contexto organizacional. Aqui, o talento – ou, melhor, a construção e a reconstrução de competências pro�ssionais – apresenta-se como a solução para enfrentar o ambiente incerto e complexo do novo milênio, tomando por premissa que o talento não é algo inato, mas conquistado por meio da dedicação e a partir das aptidões que possuímos. Nesse sentido, o termo “protagonismo” surge com força. As organizações o utilizam para dar forma à sua expectativa de que os colaboradores entreguem valor de forma criativa e sem precisarem de muito controle. Os mais jovens e engajados, por sua vez, falam em protagonismo para traduzir sua pretensão de transformar realidades locais e globais. Os relacionamentos, o trabalho, a percepção de si e do mundo: tudo pode ser recriado. O protagonismo carrega a crença fundamental de que o indivíduo simplesmente pode. É evidente que essas ideias têm se intensi�cado no �nal da segunda década do século XXI. A modernidade líquida transformou-se em VUCA (Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade)5. A indústria 4.0, ou a era da internet industrial, instalou-se junto a avanços cada vez mais rápidos em internet das coisas, inteligência arti�cial, realidade aumentada e computação em nuvem. O indivíduo protagonista é, hoje, o indivíduo empreendedor, aquele que sabe navegar no “mundo de águas brancas” – white water world –, um mundo que se move rapidamente de formas inesperadas e repentinas. A expressão “white water world” surgiu em 2019, no discurso de formatura proferido pelo pesquisador John Seely Brown no Instituto de Tecnologia de Rochester, nos Estados Unidos6. Ele a atribuiu à sua amiga e coautora Ann Pendleton-Jullian. Segundo Brown, o mundo que gera essa metáfora requer que sejamos aprendizes o tempo todo, que sejamos ótimos “sur�stas”, capazes de ler atentamente as correntes e perturbações à nossa volta e interpretar as ondas da superfície para revelar o que está submerso. Aprender a surfar signi�ca aprender a ler o contexto tanto quanto se lê o conteúdo. O contexto é referido aqui como algo intuitivo, sutil, a ser sentido. É preciso sentir para onde o mundo está caminhando e, para tanto, devemos apreendê-lo continuamente, “quase que conversando com o mundo”7, como indica John Seely Brown. Ser um ótimo sur�sta exige ainda que estejamos dispostos a re�etir sobre nossa performance individualmente e com o outro. Essa talvez seja a parte mais difícil do lifelong learning, pois implica reconhecer nossas falhas e, talvez ainda sentindo a dor disso, melhorar. Aprender por toda a vida vai muito além de somente consumir conteúdo o tempo todo. O white water world faz com que narrativas e paradigmas possuam prazos de validade cada vez mais curtos. Um exemplo são os estudos que têm sido feitos para viabilizar o armazenamento de dados (bytes) na forma de DNA: 1 grama de DNA sintético pode armazenar mais de 215 petabytes (1 petabyte é igual a 1.000 terabytes). Isso sem falar em carros autônomos, reconhecimento facial, carnes cultivadas em laboratório, dentre outras realidades nunca antes pensadas. Se este livro fosse escrito um ou dois anos mais tarde, inúmeros outros exemplos surgiriam. Talvez tudo isso remeta a uma expressão contemporânea muito usual – e talvez até mesmo um pouco desgastada –: transformação digital. Para compreendê-la, basta pensar que, sempre que desenhamos o futuro, ele nos desenha de volta. Tudo o que construímos, projetamos e escolhemos nos reconstrói como seres humanos. As tecnologias digitais – mídias sociais, mobile, big data, dentre outras – são estruturas que nos in�uenciam enormemente. É quase como se nossa espécie fosse modi�cada cada vez que uma dessas tecnologias é lançada, e isso tem ocorrido cada vez mais rapidamente. Como as pessoas, os negócios e as organizações governamentais e civis podem responder a isso? Diante da transformação digital, práticas de agilidade, horizontalidade, foco nas pessoas e na experiência do usuário, cultura de serviço e uso estratégico de dados podem ser caminhos possíveis. Esses caminhos demandam certas habilidades e, para aprendê-las, as core skills são fundamentais. Por mais que esse cenário soe futurista, na teya não nos vemos como futuristas, mas como “presentistas”. Criado por Conrado Schlochauer, o termo descreve um pro�ssional que “age no presente a partir do futuro que já existe”8. Ser um presentista é traduzir para o hoje a linguagem do futuro e, assim, torná-la acessível. O problema de se restringir ao futurismo é o de se isolar do restante do mundo, o que é potencialmente perigoso se assumirmos que tudo está cada vez mais incerto. Assim, precisamos nos conectar com o que aparenta estar pronto para emergir, testá-lo na prática e, então, compartilhá-lo. Enquanto essa transformação se mostra acelerada, os ambientes organizacionais têm tido di�culdade para mudar no mesmo ritmo. O psicólogo Barry Schwartz, em seu livro Why We Work9, questiona os modelos corporativos que ainda não reformularam suas crenças e sua cultura, insistindo em reproduzir o trabalho como uma simples troca econômica na qual o colaborador vende à empresa seu tempo. Tal estrutura engessada tem motivado cada vez mais pessoas a buscar outros signi�cados no trabalho, pois o desejo é o de se comprometer emocionalmente com uma causa, em vez de somente ajudar os chefes a �carem mais ricos. Muitas vezes, há um choque de expectativas: de um lado, colaboradores querendo encontrar um propósito e, de outro, uma organização que não se atenta a isso, o que evidentemente gera frustração e desperdício de recursos para ambos. Em uma perspectiva política global, também é claro o aumento da importância do indivíduo. A Primavera Árabe e as manifestações de junho de 2013 em nosso país são exemplos que ressigni�cam o impacto das interações individuais em rede no contexto de eventos políticos e sociais. Se a Ágora dos últimos séculos era a rua e todo seu potencial de manifestação e luta por direitos, atualmente ela existe no Instagram, no Twitter, no Facebook e no WhatsApp. Os debates políticos são cada vez mais ditados pelas combinações de dados livremente compartilhados pelas pessoas, mas obscurecidos por algoritmos pouco transparentes. A impressão é a de que o mundo �ca cada vez menor e mais interconectado. As pessoas não se contentam mais com o consumo de conteúdos preexistentes e passam a produzir seus próprios conteúdos, disseminados nas mídias sociais. E, em uma realidade tensamente polarizada, guardar uma opinião para si é muito difícil. As pessoas querem dar vazão a seus pensamentos, muitas vezes até mesmo sem terem re�etido antes. A arquitetura das plataformas de interação virtual estimula isso, uma vez que suas fontes de renda são baseadas no tempo que os usuários passam nelas e na quantidade de dados que compartilham. Os dados que compartilhamos tornam-se cada vez mais valiosos para a economia global. Nada mais do que fazemos no mundo físico ou virtual permanece inteiramente privado. Os casos de vazamento de informações acumulam-se em todo lugar, impactando desde mulheres anônimas vítimas de revenge porn a celebridades e políticos. Além disso, o fenômeno das fake news altera resultados eleitorais e evidencia que vivemos uma era de pós-verdade. A preocupação com a realidade dos fatos perde importância para argumentos emocionais e sensacionalistas. Uma onda de ideologias pouco racionais, como o terraplanismo, por exemplo, ganha força na internet, sustentada justamente pela tempestade de opiniões pouco embasadas. A crescente responsabilidade que acompanha nossa liberdade nos convoca ainda para resolver o maior desa�o coletivo que enfrentaremos: o de sobreviver em um planeta ameaçado. Vivemos desequilíbrios ambientais sem precedentes e de escala mundial e, ao mesmo tempo, presenciamos uma guinada ultranacionalista e conservadora em muitos países. No momento em que mais precisávamos nos abrir ecolaborar, estamos nos fechando e competindo. O aquecimento não é nacional, é global. A pobreza e a falta de oportunidades na África e no Oriente Médio geram crises de refugiados na Europa. Otto Scharmer, criador da Teoria U, a�rma que, coletivamente, estamos gerando resultados que ninguém quer. Os modos de pensar nos quais nos agarramos estão obsoletos10. O professor israelense Yuval Noah Harari, por sua vez, é implacável em suas considerações: Se o futuro da humanidade for decidido em sua ausência – porque [você] está ocupado demais alimentando e vestindo seus �lhos –, você e eles não estarão eximidos das consequências. Isso é muito injusto, mas quem disse que a história é justa?11 Sua provocação é, na verdade, um chamado incisivo para que participemos do futuro da nossa espécie, pois temos in�uência sobre ele. Mais uma vez, os indivíduos têm o poder em suas mãos, ainda que tal poder esteja distribuído desigualmente. A liberdade de se expressar e a responsabilidade crescente pelo futuro, quando combinadas, podem ser sentidas como um fardo. Por mais que nossas ações estejam alinhadas ao ideal de mundo que temos, elas não parecem su�cientes. Talvez essa liberdade seja um pouco mais ilusória do que pensamos. Mas, ainda assim, ela existe, e precisamos fazer algo de bom com ela. Para que isso aconteça, algumas estruturas comportamentais, cognitivas e emocionais são necessárias. Tais estruturas demandam algo fundamental: autoconhecimento. O autoconhecimento nos permite navegar em águas profundas sem naufragar. No âmbito pro�ssional, é o recurso que nos confere a sabedoria necessária para resolver os dilemas da humanidade por meio do trabalho. As core skills são nossas melhores apostas para que você cultive permanentemente o autoconhecimento em sua vida. Com todas as mudanças tecnológicas, mercadológicas e conceituais, o indivíduo e sua cultura estão sendo desa�ados. Não se trata de simples adaptações ou ajustes: trata-se de recriação, e temos o poder para, pouco a pouco, recriar o que precisa ser recriado. Para manifestar tal poder e permanecer sadios no processo, precisamos de equilíbrio, con�ança, autenticidade, coragem, criatividade, comunidade, empatia, in�uência, aprendizagem e curiosidade. O MUNDO NÃO PRECISA DE MAIS UMA LISTA DE SKILLS Quando penso neste livro, me recordo dos tempos do LAB SSJ, empresa que ajudei a erguer junto com dois dos coautores, Conrado Schlochauer e Alexandre Santille. Queríamos saber o que era preciso para que o indivíduo potencializasse seu poder hoje e nas próximas décadas. Foi com esse espírito investigativo que propusemos o conceito de core skills. Se você pesquisar a expressão “skills do futuro”, vai perceber que essas skills costumam ser divididas em duas categorias: soft e hard. Hard skills são entendidas como habilidades tangíveis, que o indivíduo pode demonstrar de forma mensurável. Programação, pro�ciência em uma língua estrangeira, operação de máquinas e velocidade de digitação são alguns exemplos. Soft skills, por sua vez, são habilidades comportamentais, emocionais e cognitivas vinculadas à nossa personalidade. Geralmente são demonstradas no contexto das relações interpessoais e incluem atitude positiva, comunicação, gestão do tempo, resolução de problemas, trabalho em equipe etc. Para nós, essa divisão não é muito útil. Quando usamos o termo “soft”, é possível interpretarmos que o desenvolvimento desse tipo de habilidade é mais fácil do que o de uma habilidade “hard”. Também pode parecer que as soft skills são menos importantes, mesmo com toda a profusão de artigos e palestras sobre elas nos últimos anos. Pode-se pensar ainda que as soft skills são algo opcional, como a�rma o autor e empreendedor norte-americano Seth Godin12, ainda que elas sejam uma das principais razões pelas quais algumas pessoas e empresas alcançam sucesso (não apenas �nanceiro) e outras não. Valorizamos mais o que é “hard” porque é mais fácil de medir, porque é o que o sistema educacional tradicional consegue prover e porque ainda enxergamos organizações como máquinas em que uma peça quebrada pode ser facilmente substituída por outra. Máquinas realizam funções prede�nidas (a não ser que contenham algoritmos capazes de aprender). Seres humanos aprendem o tempo todo e, por isso, são capazes de produzir resultados imprevisíveis e surpreendentes. Esses resultados (e a maneira como foram produzidos) moldam a cultura e, mais uma vez citando Godin, “a cultura vence a estratégia, sempre”13. O que é necessário para desenvolvermos tanto soft quanto hard skills? Pensando de maneira mais ousada, o que é necessário para levarmos uma vida plena e alcançarmos coletivamente os resultados que queremos como seres humanos neste planeta? Em um mundo líquido e exponencial, quais são os caminhos mais relevantes de autoconhecimento? Especialmente para a última pergunta, cada um deve elaborar suas próprias respostas. Ainda assim, este livro pode ser encarado como um guia de possibilidades muito bem selecionadas. O processo inicial de pesquisa mapeou 301 skills apontadas por especialistas como relevantes para o futuro. Dezenas de organismos internacionais, como a OCDE, a Unesco, diferentes governos, empresas de consultoria e autores produzem, ano após ano, análises sobre o que acreditam ser as habilidades mais importantes. Porém, o que está por trás delas? O que torna alguém capaz de desenvolvê- las? A pesquisa inicial nos levou a montar o time de autores deste livro, formado por Alexandre Santille e Conrado Schlochauer, cofundadores da teya e também da Affero Lab; Alex Bretas, especialista em aprendizagem autodirigida e autor dos livros Doutorado informal e Kit educação fora da caixa; e Tonia Casarin, especialista em inteligência emocional e mestre em educação pelo Teachers College da Universidade de Columbia. Não queríamos criar só mais uma lista de skills do futuro como as inúmeras que pesquisamos. Procurávamos algo mais estrutural e fundamental, que se conectasse à essência do desenvolvimento do indivíduo. As core skills são habilidades indispensáveis para que cada um chegue aonde quer chegar e para que, juntos, alcancemos nosso potencial como organização e como sociedade. Além de signi�car essência, “core” remete ao que vem do coração. O conjunto de habilidades que selecionamos é fortemente conectado ao âmbito das emoções, ainda que também se conecte a elementos cognitivos e atitudinais. Ao se observar os nomes das core skills – como autenticidade e con�ança, por exemplo –, pode-se questionar por que as consideramos habilidades, já que mais parecem traços de personalidade, características ou virtudes. Entretanto, propomos outro ponto de vista: como cada “virtude” desse conjunto pode ser desenvolvida, cultivada e aplicada? É possível aprimorá-las na prática: basta entendê-las, criar experiências para vivenciá-las e re�etir sobre o que se viveu. As core skills foram desenhadas para integrar os campos pessoal e pro�ssional. Cada vez mais, as novas gerações buscam essa integração. Uma habilidade desenvolvida no âmbito pessoal pode ser muito relevante na esfera pro�ssional, e vice-versa. Há uma sinergia entre ambos que precisa ser reconhecida e aproveitada. Ninguém chega no trabalho e consegue desligar totalmente a chave de sua vida pessoal. A integralidade – poder ser você mesmo em qualquer ambiente, inclusive o pro�ssional –, conceito proposto pelo autor e pesquisador francês Frederic Laloux, é uma característica que pode ser potencializada pelas core skills. Podemos entender o impacto das core skills em três dimensões: o eu, o outro e o mundo. A dimensão do eu é a capacidade que essas habilidades têm de potencializar as possibilidades de autoconhecimento do indivíduo. A dimensão do outro refere-se ao que as core skills podem nos fazer conquistar no tocante às nossas relações e aos ambientes nos quais estamos inseridos. Podemos encará-las como um programaavançado para nossas relações darem certo. Para tratarmos da dimensão mundo, precisamos dar um passo atrás e destacar o propósito da teya: fazer do lifelong learning uma realidade para milhões de pessoas, ou seja, ajudá-las a conduzir seus próprios processos de aprendizagem. Queremos que as pessoas acreditem em sua capacidade de mudar e de fazer melhor. Por isso, a aprendizagem não é somente uma das core skills: ela também pode ser entendida como a cola que une todas as demais. Por um lado, a humanidade fez avanços sem precedentes nos últimos séculos. Tais avanços bene�ciaram um contingente enorme de pessoas. Por outro, temos a percepção de que vivemos uma crise atrás da outra. Alguns falam em transcrise, um cenário onde o pensamento de crise virou norma. Em um momento de abundância de possibilidades, mas de narrativas ultrapassadas, temos a chance e a necessidade de agir para fazer valer nossa potência. Poucos de nós fomos preparados para isso, seja pela in�uência de nossa cultura, família ou sistema educacional. Aprendemos a decorar fórmulas, e alguns de nós aprendemos a ganhar dinheiro, mas poucos são os que sabem como viver uma vida equilibrada e plena de signi�cado. A �m de impactar nas dimensões eu, outro e mundo, as dez core skills foram escolhidas com muito cuidado, sendo resultado de um processo metódico de clusterização e síntese a partir da pesquisa feita. Mas, para além do método, esse conjunto de habilidades re�ete a visão dos quatro autores e da teya a respeito do que é essencial hoje e no futuro. Trata-se de uma curadoria, e toda curadoria tem os vieses dos curadores. Provavelmente outras pessoas, se tivessem feito esse trabalho, teriam feito escolhas diferentes. Não temos a pretensão de revelar “a” verdade nem de exaurir o tema. Pelo contrário: queremos que, a partir deste livro, outras pessoas e organizações se juntem a nós na produção de conhecimento sobre as core skills. A partir de agora, esse conceito ganha o mundo. Desde o início, a intenção era que este livro fosse escrito coletivamente. Desejávamos contar com visões complementares e com os insights que só surgem a partir da fricção e da diversidade de ideias. Cada capítulo foi desenvolvido mais profundamente por um ou dois autores, mas todos colaboraram com pesquisas, comentários e sugestões ao longo de todo o texto. Quisemos adotar uma linguagem simples e profunda, aliando histórias, dados cientí�cos, conceitos, re�exões e dicas práticas de desenvolvimento. Optamos também por não assinar os capítulos com o nome de um ou outro autor, no intuito de enaltecer o coletivo. A força do conceito das core skills reside no fato de ele ter sido proposto por um grupo, e não por um autor isolado, com toda a riqueza e os desa�os que isso acarreta. COMO APROVEITAR ESTE LIVRO? Para sermos coerentes com o que acreditamos, recomendamos que este livro seja aproveitado por você como preferir. No entanto, arriscamos sugerir algumas possibilidades: Leitura do início ao �m: para quem está interessado em obter uma visão ampla a respeito das core skills, além de compreender melhor o que está acontecendo no mundo. Leitura de uma ou mais core skills separadamente: cada capítulo é uma unidade independente do todo. Desse modo, se você se interessa muito por alguns assuntos e menos por outros, �que à vontade para saborear somente suas partes favoritas. Presentear ou emprestar: as core skills são para todo mundo. Dar este livro de presente ou emprestá-lo são ótimos meios de fazer esse conhecimento circular, bene�ciando quem talvez nunca tenha tido a oportunidade de acessá-lo. Inventar o seu jeito: de que maneiras este livro pode bene�ciar você e quem está ao seu redor? Leitura em grupo? Desdobrá-lo em outras produções? A seguir, apresentamos um pequeno resumo de cada uma das core skills descritas nos próximos capítulos: Aprendizagem: é explicitar o conhecimento fazendo algo melhor do que se fazia antes. Aprender ao longo de toda a vida requer ser capaz de construir as próprias estratégias de aprendizagem. Autenticidade: ser autêntico signi�ca expressar nossa criatividade singular no mundo com discernimento, �ltrando as in�uências externas relevantes e descartando as que não o são. Comunidade: signi�ca não somente a habilidade de navegar nas redes e interagir com pessoas próximas e distantes (capital social), como também se disponibilizar para o outro e para um coletivo em torno de causas compartilhadas. Con�ança: con�ar é sustentar a liberdade do outro. A habilidade da con�ança desdobra-se em três dimensões: aprender a con�ar, ser con�ável e ter autocon�ança. Coragem: agir de maneira corajosa é compreender que o medo existe, mas escolher seguir apesar dele. Divide- se em quatro tipos: coragem de tentar, coragem de con�ar, coragem de falar e coragem de se conectar. Criatividade: é enxergar o invisível por meio das conexões surpreendentes que somos capazes de fazer. E, a partir disso, produzir algo novo e ao mesmo tempo adaptado ao contexto no qual se manifesta. Curiosidade: é o desejo genuíno de aprender e descobrir novos pontos de vista. O curioso alimenta a vontade de buscar experiências para construir e reconstruir continuamente sua visão de mundo. Empatia: é a capacidade de se colocar no lugar dos outros. Sobretudo, é “usar os óculos” do outro, isto é, olhar o mundo com as lentes do outro. E aprender a abrir mão temporariamente de nossa própria forma de enxergar o mundo. Equilíbrio: estar equilibrado é cultivar serenidade mesmo em tempos adversos. É balancear as muitas esferas da vida e saber intercalar momentos de aceleração e pausa, cultivando presença em todos os momentos. In�uência: é a capacidade de mudar as ações dos outros intencionalmente e com um objetivo de�nido, sem cair em estruturas de poder e manipulação. O poder de atuação de uma pessoa no mundo pode ser medido em termos de como ela se desenvolveu no conjunto das core skills. Por acreditarmos nisso, trasbordo de felicidade ao imaginar que você está prestes a iniciar a leitura de uma obra que produzimos com tanto carinho. Temos ainda muito a percorrer e aprender, mas as core skills certamente já se tornaram nossas companheiras de jornada. Esperamos que o mesmo aconteça com você. Boa aventura! Mauro Mercadante é sócio e membro-fundador da teya. Foi sócio-diretor da Affero Lab e CEO da Wisnet. Referências BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BROWN, John Seely. “Keynote Speaker John Seely Brown’s 2019 Commencement Address”, Rochester Institute of Technology, 10 maio 2019. Disponível em: <https://bit.ly/2lITcvO>. Acesso em: set. 2019. GODIN, Seth. “Let’s Stop Calling Them ‘Soft Skills’”. It’s your turn blog, 31 jan. 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2lbpNd8>. Acesso em: set. 2019. HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 11. LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. São Paulo: Manole, 2005. MICHAELS, Ed; HANDFIELD-JONES, Helen; AXELROD, Beth. The War for Talent. Brighton: Harvard Business School Press, 2001. SCHARMER, Otto. Teoria U: como liderar pela percepção e realização do futuro emergente. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. SCHLOCHAUER, Conrado. “Prazer, sou um Presentista”. Medium, 31 mar. 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2nqKwup>. Acesso em: set. 2019. 1. Lipovetsky publicou seu primeiro livro em 1983, intitulado L’Ère du vide: essais sur l’individualisme contemporain (edição brasileira: A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo, São Paulo: Manole, 2005). 2. Gilles Lipovetsky, A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo, São Paulo: Manole, 2005, p. 17. 3. Zygmunt Bauman, Modernidade líquida, Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 4. Em tradução livre, “A guerra por talento”. O texto desse material pode ser encontrado no livro de Ed Michaels, Helen Hand�eld-Jones e Beth Axelrod, TheWar for Talent, Brighton: Harvard Business School Press, 2001. 5. É importante dizer, contudo, que esse conceito já existia no �nal dos anos 1980. 6. John Seely Brown, “Keynote Speaker John Seely Brown’s 2019 Commencement Address”, Rochester Institute of Technology, 10 maio 2019. Disponível em: <https://bit.ly/2lITcvO>. Acesso em: set. 2019. 7. Ibidem. 8. Conrado Schlochauer, “Prazer, sou um Presentista”, Medium, 31 mar. 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2nqKwup>. Acesso em: set. 2019. 9. Barry Schwartz, Why We Work, Nova York: Simon & Schuster, 2015 (edição brasileira: Trabalhar para quê?, trad. Dinaura M. Julles, São Paulo: Alaúde, 2018). 10. Otto Scharmer, Teoria U: como liderar pela percepção e realização do futuro emergente, Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 11. Yuval Noah Harari, “Introdução”, em: 21 lições para o século 21, São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 11. 12. Seth Godin, “Let’s Stop Calling Them ‘Soft Skills’”, It’s Your Turn Blog, 31 jan. 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2lbpNd8>. Acesso em: set. 2019. 13. Ibidem. E APRENDIZAGEM duard Lindeman era um sujeito intrigante. Apesar de suas duas biogra�as, uma delas escrita pela própria �lha, muitas de suas histórias não são claras. Não sabemos com certeza seu país de origem, a pro�ssão dos pais ou quantos irmãos teve. Mas essas incertezas não ofuscam a importância do olhar desse professor para a educação de adultos. A entrada dele nesse campo ocorreu tardiamente e de um modo diferente do que se pode imaginar para um pesquisador. Ao ser convidado para ingressar em um curso universitário no Michigan State College, Lindeman tinha apenas conhecimentos básicos de matemática e ainda não tinha total domínio da escrita. Porém logo conseguiu se capacitar nessas e em outras áreas e se formou como qualquer outro aluno. Embora com olhar crítico, considerou sua experiência acadêmica muito positiva. Tão positiva que continuou a trabalhar na universidade depois disso. Ao longo de sua carreira, Lindeman dedicou-se especialmente à pesquisa sobre assuntos vinculados ao tema da comunidade. Mas, para muitos, ele é considerado um dos precursores da educação de adultos como a conhecemos hoje. No início do século XX, ele participou da fundação da Sociedade Americana de Educação de Adultos, iniciativa diretamente motivada pela percepção de que adultos e crianças ou adolescentes aprendem de maneiras distintas. O que parece óbvio atualmente não era uma questão sequer levada em consideração no começo do século passado. O interesse de Lindeman pelo assunto foi despertado quando ele percebeu que os soldados norte-americanos, ao voltarem da Primeira Guerra Mundial, não mais respondiam adequadamente aos métodos do sistema educacional tradicional. O modelo clássico, com um professor detentor do conhecimento e que de�ne o que, como, quando, onde e por que devemos aprender, já não funcionava mais para aquele público. Na verdade, tal modelo já começava a ser contestado até mesmo para as crianças, a partir das abordagens propostas por Maria Montessori14 e outros inovadores da época. O maior impacto de Lindeman no pensamento sobre o aprendizado de adultos foi o lançamento do livro The Meaning of Adult Education15, em 1926, cuja leitura traz alguns questionamentos importantes para o modelo de educação tradicional. A educação de adultos corresponde a um processo no qual os aprendizes se tornam conscientes de sua experiência educacional e a avaliam. Para isso, o adulto não pode começar a estudar “disciplinas” na esperança de que algum dia elas sejam úteis. Ele começa a prestar atenção em fatos e informações de diversas esferas do conhecimento pela necessidade de solucionar problemas e obstáculos dos contextos nos quais se encontra. O livro de Lindeman tornou-se uma grande referência na área, mas, nas décadas seguintes ao seu lançamento, o assunto �cou em segundo plano, possivelmente em razão da eclosão da Segunda Guerra Mundial. No entanto, a partir dos anos 1960, uma nova onda de pesquisas sobre a aprendizagem de adultos surgiu. Nomes como Ciryl O. Houle, Allen Tough e Malcolm Knowles deram continuidade à visão de Lindeman e estruturaram grande parte do que ainda hoje é considerado a base teórica da área. Andragogia: arte e ciência Foi Malcolm Knowles, o mais novo dos três, que disseminou o conceito de andragogia, colocando-o inicialmente em contraposição aos princípios básicos da educação de crianças e adolescentes16. A andragogia ganhou destaque no campo dos estudos da aprendizagem de adultos a partir de seu livro The Adult Learner17, de 1973. Knowles percebeu na prática a ine�ciência do modelo escolar tradicional para adultos ao trabalhar com esse per�l em escolas rurais norte--americanas e em cursos pro�ssionalizantes na YMCA18. A crença central do modelo tradicional era a de que – exempli�cando a partir de um ditado popular – “cachorro velho não aprende truque novo”, ou seja, aprendemos até o início da vida adulta e, a partir daí, somente trabalhamos e vivemos. Por muito tempo, tal visão não foi contestada, principalmente porque o processo de mudança da sociedade e da tecnologia era muito mais lento. Com isso, a necessidade de (re)aprendizado para o trabalho era, também, muito menor. A andragogia é “a arte e a ciência de auxiliar adultos a aprenderem”19. Aqui, a primeira premissa é a de que adultos também aprendem, e a segunda é a de que eles sabem como aprender, e tudo o que se pode fazer é apoiá-los nessa tarefa. Os termos “arte” e “ciência” demarcam a necessidade de um espaço prático e sutil (arte), por um lado, e intelectual e sistemático (ciência), por outro. Ao propor o auxílio para o adulto aprender, o aprendizado passa a ser autodirecionado, ou seja, destaca-se o protagonismo do aprendiz no processo de aprender. Muitas vezes, temos di�culdade para conduzir nossa aprendizagem, e a relação que guardamos com a educação escolar ao longo de nossas duas primeiras décadas de vida não costuma ajudar nisso. De maneira geral, o sistema de educação básica objetiva preparar crianças e adolescentes para o convívio em sociedade. Para isso, a premissa é a de que devemos receber conhecimentos básicos que nos possibilitem trabalhar e interagir com os outros e com o mundo que nos cerca. Na verdade, o modelo educacional tradicional segue um padrão baseado em controle e hierarquia. Os alunos devem reconhecer e obedecer à autoridade do professor. Este, por sua vez, deve responder às demandas do diretor e da escola, que, então, respondem às regras impostas por leis e órgãos governamentais que de�nem o que e como devemos aprender. Além disso, um dos valores mais importantes da vida escolar é a disciplina – que se confunde, nesse ambiente, com a obediência. Ser pontual, fazer a lição de casa, não perguntar fora de hora e não conversar com os colegas a todo momento são apenas alguns dos inúmeros comportamentos esperados. Ou seja, durante duas dezenas de anos, somos doutrinados a não questionar o formato proposto de ensino. Somos excluídos do processo de escolha dos elementos básicos do nosso aprendizado: o que faz sentido aprender? Como podemos estruturar caminhos de desenvolvimento? Quais são os melhores momentos para fazê-lo? Quais são nossas fontes de conhecimento? Para alguns, talvez seja mais fácil justi�car as características do modelo escolar tradicional quando se trata de crianças e adolescentes. Entretanto, a questão é que ele pode reforçar a dependência, prática e psicológica, de alguém para nos ensinar. É possível pensar, não sem contestação, que essa cultura escolar foi importante para a formação de milhões de crianças em uma sociedade industrial. Contudo, o que é inegável é que ela deixou como subproduto um problema grave para o aprendiz adulto: uma crença fraca na capacidade que temos de aprender por esforço próprio. Parte daí o interesse de Malcolm Knowles em estruturar uma teoria para ampliar a efetividadede processos de apoio à aprendizagem do adulto. Nesse sentido, a teoria andragógica foi estruturada a partir de seis princípios20, dos quais destacaremos dois: Necessidade do saber: para a andragogia, o adulto só aprende quando precisa ou deseja aprender, e a formação educacional tradicional não nos ajuda a vincular o aprendizado à necessidade de superar um desa�o ou à vontade de criar algo novo. Muitas vezes, ao procurarmos uma informação para resolver uma demanda imediata, não consideramos que aprendemos algo, mas, sim, que resolvemos um problema. Isso acontece porque, na maioria das vezes, a solução de problemas do dia a dia ocorre em ambientes informais, fora dos lugares que convencionalmente consideramos “educativos”. Knowles esclarece: adultos são motivados a aprender conforme percebem que a aprendizagem os ajudará a executar tarefas ou lidar com problemas que vivenciam em sua vida. Além disso, eles assimilam novos conhecimentos, percepções, habilidades, valores e atitudes de maneira mais e�caz quando são apresentados a contextos de aplicação e situações da vida real21. Autoconceito do aprendiz: ainda em razão de nossa formação escolar, entramos em um paradoxo toda vez que nos vemos no papel de aluno. Por um lado, como adultos, buscamos autonomia em nossas ações, algo desejável por ser um dos elementos fundamentais da motivação humana. Sem o poder de decidir o que fazer, di�cilmente nos sentimos completamente motivados. Por outro lado, ao entrar em qualquer ambiente educacional depois de passarmos pelo sistema escolar tradicional, automaticamente viramos alunos. Nas palavras de Knowles, ao entrar em uma sala de aula, o aprendiz adulto “encosta-se na cadeira e diz: ‘me ensine’”22. O paradoxo entre necessidade de autonomia e o papel de dependência do aluno gera uma ine�ciência do processo. Não �camos confortáveis com o modelo clássico, mas também não conseguimos nos engajar em modelos alternativos. Por isso, geralmente, quando queremos aprender algo, a primeira intenção é “procurar um curso”. Muitas vezes, não nos damos conta de que, ao buscar um curso como solução à nossa necessidade de aprender algo, acabamos terceirizando decisões importantes: o que, como, quando, onde e com quem vamos aprender. Aprendizagem ao longo da vida A educação de adultos saiu dos muros da academia e despertou a atenção de outros setores da sociedade nos anos 1970, quando três organismos internacionais – a OCDE, a Unesco e o Conselho da Europa – começaram a se preocupar em oferecer iniciativas de aprendizagem contínua para a população adulta. Na época, o mundo estava passando por uma série de transformações, e havia a crescente necessidade de que a população se adaptasse a elas. Nesse momento, surge o conceito de lifelong learning, que enfatiza a necessidade do aprendizado constante e centrado no indivíduo. Uma sociedade marcada por tantas transformações precisa de adultos capazes de atuar como cidadãos, ou seja, de indivíduos autocon�antes e autônomos, letrados no processo de aprender a aprender e, portanto, preparados para enfrentar um ciclo de vida repleto de mudanças nos contextos pessoal, pro�ssional, tecnológico e cultural. Ao mesmo tempo, essa mesma sociedade que se vê às voltas com tantas transformações ainda cultiva o modelo tradicional de ensino, composto de escolas, grades curriculares �xas e períodos de educação formal limitados à infância e à adolescência, isto é, um modelo centrado na “aquisição” e na “reprodução” de conhecimento, preparando jovens e adultos para ciclos de vida estruturados, lineares e previsíveis. Sabemos que a educação formal por si só não é capaz de preparar indivíduos para esse novo mundo que se apresenta – nem com a rapidez necessária. Isso signi�ca que sofremos um sério risco de, em breve, termos uma classe de pessoas sem os conhecimentos e as competências necessárias para darem continuidade ao próprio processo de aprendizagem. Na prática, não ter essa capacidade signi�ca, por exemplo, a impossibilidade de continuar exercendo a própria pro�ssão e, por consequência, de se sustentar �nanceiramente. Além disso, podemos deixar de compreender o mundo contemporâneo e todas as suas mudanças. Logo, teremos di�culdade ao interagir com as novas gerações e até mesmo com pessoas da nossa idade. Depois de décadas sendo concebida como teoria, a aprendizagem ao longo da vida tem novamente despertado interesse. Uma matéria do jornal The Economist deixa clara a pressão atual: “a aprendizagem ao longo da vida está se tornando um imperativo econômico”23. No processo de aprender, a velocidade cada vez maior das mudanças trazidas pela transformação digital tem uma consequência dramática: a redução da meia-vida dos nossos conhecimentos. Há algumas décadas, os conhecimentos construídos no início de uma formação técnica, universitária ou no começo da vida pro�ssional eram atualizados em um ritmo lento e linear, ou seja, a necessidade de uma atualização pro�ssional existia de maneira pontual. A meia-vida do conhecimento é um conceito emprestado da química. Ele se refere ao tempo necessário para que metade do seu conhecimento sobre algo deixe de ser relevante. Ainda que o cálculo não seja tão preciso, os últimos 15 anos produziram uma série de novas ferramentas, tecnologias, métodos e informações que rapidamente tornaram obsoletos os conhecimentos anteriores, e um conhecimento obsoleto di�culta ou até mesmo impossibilita a resolução de novos desa�os, especialmente os pro�ssionais. A velocidade com que nosso conhecimento �ca irrelevante tornou assustadoramente real um receio dos anos 1970: ou aprendemos a aprender ou seremos incapazes de atuar no trabalho e na sociedade. Enfrentaremos ainda uma di�culdade adicional: as tarefas que, a princípio, não serão automatizadas pelas novas tecnologias serão justamente as que demandarão mais conhecimento, mais criatividade e, por conseguinte, mais aprendizagem. Em um relatório recente da Deloitte, executivos seniores de todo o mundo apontaram a aprendizagem como uma das maiores preocupações das organizações na área de gestão do capital humano24. Já em um relatório da PwC, CEOs reconheceram que, se os colaboradores não forem capazes de desenvolver as habilidades requeridas pelo negócio, sua capacidade de inovar �ca comprometida, o que afeta a própria sobrevivência da empresa25. Por isso, entidades como o Fórum Econômico Mundial se preocupam com as necessidades urgentes de atualização (upskilling) e requali�cação (reskilling) de grande parte da população economicamente ativa. A América Latina é uma das regiões que apresenta as maiores lacunas nesses aspectos em todo o mundo. Além disso, como se ainda precisássemos de mais alguma justi�cativa para aprender a aprender, o aumento da expectativa de vida saudável da população vem crescendo. De acordo com as Nações Unidas, globalmente, a expectativa de vida média era um pouco acima de 46 anos nos anos 1950; em 2000, esse valor subiu para 66,5; e, em 2016, a longevidade média é calculada em 72 anos. Estudos apontam que os índices continuarão subindo nas próximas décadas. Vale destacar ainda que mulheres em regiões mais desenvolvidas podem ter em média 10% mais de expectativa de vida. Em 1994, somente 10% da força de trabalho norte-americana tinha mais de 55 anos, e estava no �nal da carreira. A expectativa é que, em 2024, esse grupo represente 25% da população dos Estados Unidos26. É muito provável que essas pessoas queiram continuar tendo independência e contribuindo para gerar valor para a sociedade. Desse modo, a única maneira de continuar ativo por mais tempo em um mundo que muda cada vez mais rápido é aprender constantemente. De acordo com Astro Teller, cientista-chefe do X, laboratório de pesquisa do Google, o mundo da estabilidade estática passou. Chegamos à era da estabilidade dinâmica. Isso signi�ca que a única certeza que temos é a de que tudo vai se transformar.Uma boa imagem para tal ideia é a da bicicleta: só conseguimos permanecer em cima dela quando estamos em movimento. Para John Hagel, do Center for the Edge da Deloitte, as empresas devem repensar suas estruturas e processos para se adequarem ao novo paradigma. Até agora, a lógica de construção de uma grande empresa tem sido a e�ciência escalável, na qual o olhar da organização está voltado para garantir o perfeito funcionamento da máquina corporativa na geração de valor a cada período. Eliminamos qualquer alteração possível e implementamos métodos para garantir a perfeita operação com qualidade e previsibilidade, o que de certo modo funciona em um período de estabilidade estática. Hagel sugere, no entanto, que migremos para o aprendizado escalável, ecoando a máxima de Arie de Geus, executivo e pensador holandês: “a capacidade de aprender mais rápido do que seus concorrentes pode ser a única vantagem sustentável”27. Em vez de garantirmos a e�ciência, garantimos a capacidade de aprender, isto é, de sempre mudar para melhor. Várias organizações ao redor do mundo estão despertando para esse novo pensar. É preciso estar em dia com a capacidade de se adaptar, e, para isso, é fundamental estar aberto e ser curioso. É necessário que os aprendizados circulem na empresa e que as pessoas estejam disponíveis para aprender entre si e se ajudarem. Também é importante que todos entendam que o aprendizado não está desvinculado do trabalho e que saibam como aprender por conta própria. Mas como cultivar uma cultura organizacional que espelhe esses valores? Na teya, temos feito isso por meio de projetos de consultoria para a formação de culturas de aprendizagem sólidas. No aspecto coletivo, falamos de cultura, isto é, todos os comportamentos, símbolos e processos que comunicam certas coisas às pessoas. No individual, falamos de mindset, ou como cada colaborador interage com a realidade que o cerca. Um aspecto reforça o outro, ou seja, é possível criar um ciclo virtuoso caso ambos tenham a aprendizagem como base. Entretanto, é igualmente possível gerar um ciclo vicioso caso a cultura e o mindset tenham características inibidoras da aprendizagem. Para que seja possível in�uenciar deliberadamente uma cultura, é vital envolver as pessoas no processo. Não dá para fazer de fora para dentro. É necessário mergulhar na cultura já existente a �m de compreendê-la e criar rapidamente protótipos para testar o que pode funcionar, aprendendo com eles. Desse modo, novos comportamentos, símbolos e processos podem ser estabelecidos, e são eles que sustentarão a cultura almejada. Aprendizagem autodirigida A visão tradicional de educação vincula o aprendizado à “aquisição” de conteúdo. De acordo com essa perspectiva, aprender é ler mais, saber mais e conhecer mais sobre os assuntos. Por consequência, a melhor maneira de demonstrar nosso conhecimento é provar que sabemos mais do que os outros, isto é, ter na memória mais conteúdo do que os demais têm. É inegável que o conteúdo é um elemento fundamental do processo de aprendizagem, mas o aprendizado não se faz só com ele. Já há algum tempo, pesquisadores têm deslocado o aprendizado para um espaço mais ligado à vida e aos desa�os e necessidades reais das pessoas. O �lósofo e psicólogo americano John Dewey considera a experiência um dos principais �os condutores do processo de aprendizagem. Para ele, sempre devemos considerar nossas vivências como pontos de partida para aprender28. Para nós, aprendizagem é a explicitação do conhecimento por meio de uma melhoria de performance. Explicitar o conhecimento é expressá-lo por meio de uma ação. Nossos anos de educação escolar nos levaram a crer que podemos demonstrar que aprendemos quando memorizamos o conteúdo do tema que estamos estudando. Isso porque a maneira como somos avaliados nesse sistema é por meio de provas que testam mais a nossa memória – de fatos, dados ou fórmulas – do que a nossa capacidade de agir a partir do conhecimento construído. A melhoria de performance parte da premissa de que o aprendizado se dá quando percebemos uma efetiva melhora na nossa capacidade de realizar algo. Reconhecemos que aprendemos a cozinhar algo ou a andar de bicicleta apenas se �zermos um bom risoto ou se conseguirmos nos equilibrar sobre a bicicleta por algum tempo. Essas são as evidências de que a aprendizagem realmente aconteceu. Em assuntos mais teóricos ou abstratos, como história da arte ou �loso�a, por exemplo, a explicitação do conhecimento ocorre quando percebemos uma mudança na maneira como interagimos com o mundo. Saber de cor o nome de todas as obras de Picasso não é um aprendizado, é uma memorização. Porém, reconhecer a beleza e os detalhes de cada uma de suas pinturas, vinculá-las ao momento de vida do artista e ao nosso, compará-lo a outros pintores que viveram na mesma época, re�etir a partir dos sentimentos que as obras provocam e conseguir ter prazer ao contemplá-las são evidências de que a aprendizagem de fato ocorreu. Acreditamos que, especialmente para adultos, todo aprendizado deve ser autodirigido. Para crescer de maneira consistente e efetiva ao longo de nossas vidas, devemos retomar o controle de nossa aprendizagem. Há, entretanto, um importante aspecto prático para essa proposição: não teremos tempo e recursos su�cientes para criarmos escolas, de�nirmos conteúdos e formarmos professores para “ensinar” adultos em todo o mundo a serem autodirigidos. O próprio Malcolm Knowles produziu uma das de�nições mais utilizadas sobre aprendizagem autodirigida. Segundo ele, trata-se de um processo no qual os indivíduos possuem iniciativa, com ou sem ajuda de outros, para diagnosticar suas necessidades de aprendizado, estabelecer objetivos e identi�car recursos humanos e materiais relevantes para que o aprender se efetive, escolhendo e implementando estratégias de aprendizado apropriadas, além de conseguir avaliar o resultado do seu aprendizado. O que a habilidade de aprender de modo autodirigido busca é colocar o indivíduo no centro de suas próprias escolhas sobre seu aprendizado. Ser autodirigido não é ser autodidata nem aprender sozinho: é desenvolver a capacidade de de�nir os melhores caminhos para empreender um projeto de aprendizagem e, a partir dessa re�exão, planejar e realizar as experiências desejadas, sejam elas leituras, conversas, cursos ou, simplesmente, “colocar a mão na massa”. Somos todos aprendizes autodirigidos. Neurologicamente, não há como forçar alguém a aprender algo. Diversas pesquisas – como a de Allen Tough sobre projetos de aprendizagem29 – já demonstraram que somos nós mesmos que conduzimos nossa aprendizagem. A lógica da autodireção está materializada em nosso cérebro desde que nascemos. Podemos levar o animal até a margem de um rio, mas é ele quem escolhe beber ou não a água. Sabemos que estar em uma sala de aula ou assistir a uma palestra só gera aprendizado se, de fato, quisermos aprender e estivermos dispostos a melhorar algo em nós a partir disso. Precisamos começar a reconhecer que a aprendizagem acontece com a mesma intensidade, ou até maior, em experiências que vivemos fora de ambientes como esses. Não precisa haver uma placa indicando “isto é um curso” para que sejamos capazes de aprender. Um aprendiz autodirigido acredita na sua capacidade de conduzir seu processo educacional de maneira efetiva. Esse é o primeiro passo e, também, o mais signi�cativo. Isso faz parte do que tecnicamente chamamos de crenças de autoe�cácia. Tal expressão foi criada pelo psicólogo canadense Albert Bandura, que as de�niu como as crenças que temos a respeito de nossa capacidade de organizar e implementar ações necessárias à obtenção da performance desejada. O que Bandura descobriu em suas pesquisas é que, se acreditamos que somos capazes de fazer algo, é realmente mais provável que sejamos capazes de fazê-lo. Parece óbvio, mas, em geral, o modelo educacional clássico reduza crença de que somos capazes de aprender por conta própria. Estruturando a aprendizagem Planejar o percurso de aprendizagem é importante para podermos vivê-lo com mais integralidade. Por isso, o que apresentamos a seguir é uma sugestão para você estruturar sua experiência e adquirir con�ança em sua capacidade de aprender por si mesmo. A partir do momento em que acreditamos que todo o aprendizado é autodirigido, começamos a acreditar também na existência de in�nitos caminhos possíveis para que cada um tenha sucesso. O percurso que vamos descrever aqui é a base do Learning Sprint, uma abordagem que temos desenvolvido na teya para apoiar pessoas na criação de seus próprios projetos de aprendizagem. O começo: experimentação e consciência Para ser um aprendiz autodirigido, o primeiro passo é de�nir o que aprender. Nossa herança educacional nos induz a olhar para fora em busca de dicas do que aprender. Esse olhar para fora é ativo quando percebemos quais são os novos temas de destaque nos livros e revistas ou quais são os novos cursos divulgados na nossa área, por exemplo. Mas ele também pode ser passivo, como quando alguém diz que você deveria melhorar em algo ou quando sua empresa propõe a participação em um treinamento após um processo de avaliação de desempenho. Por mais que esse olhar para fora seja importante em alguns momentos, para desenvolver a habilidade de autodireção da aprendizagem, é preciso olhar para dentro de si mesmo ao escolher o que aprender. Se a aprendizagem é a explicitação do conhecimento por meio de uma melhoria de performance, a pergunta é: o que você gostaria de aprimorar? Os questionamentos a seguir podem ajudar nessa etapa: Se você pudesse ganhar um novo superpoder, qual seria? Qual habilidade ou conhecimento o ajudaria muito nesse momento de vida? Que assunto tem lhe interessado mais nos últimos tempos? Onde você tem investido tempo: lendo livros ou blogs? Conversando? Assistindo a vídeos em redes sociais ou no YouTube? Existe alguma atividade ou tarefa especí�ca que você poderia fazer melhor se aprendesse algo novo? Pense no que você gostaria de fazer em um futuro próximo. O que você poderia aprender que o ajudaria nessa conquista? No campo pro�ssional, pode ser uma transição de carreira ou uma nova posição na empresa onde trabalha. Pense no novo você, já com o aprendizado assimilado e sendo capaz de fazer algo hoje que você não era capaz de fazer antes. O que pessoas próximas dizem sobre você? Você teve algum feedback ou avaliação de desempenho recentemente? Do que você ouviu, quais pontos considera que valem a pena ser melhorados? Esse processo de re�exão é importante porque não estamos acostumados a de�nir os aspectos da nossa aprendizagem. Além disso, antes de comprar livros e cursos on-line sobre o tema escolhido, é importante experimentá-lo um pouco. Antes de se comprometer com um caminho mais longo, pesquise na internet o que tem sido falado sobre o assunto que você deseja estudar e converse com pessoas que possuem o conhecimento que você busca. Teste na prática se sua escolha faz sentido e se você terá fôlego para sustentá-la durante algum tempo. Finalmente, uma vez escolhido o que aprender, é hora de começar a buscar fontes de aprendizagem. Montando as peças No Learning Sprint, propomos que você aprenda a partir de quatro fontes: conteúdo, experiências, pessoas e redes. É o que chamamos de CEP+R. Na nossa visão, essas quatro categorias resumem as fontes de aprendizagem disponíveis hoje, embora possam existir outras. Conteúdos são uma poderosa ferramenta de educação. O desa�o atual é conseguir �ltrar a quantidade gigantesca de livros, palestras, informações e material on-line disponível. O segredo é desenvolver uma boa habilidade de curadoria e consumir apenas o conteúdo necessário para o projeto, priorizando qualidade, e não quantidade. Quanto mais você for ativo no consumo do conteúdo, melhor. Por exemplo: para extrair o máximo de aprendizado da leitura de um artigo, é importante sublinhar, sintetizar com suas palavras e produzir re�exões a partir do material lido. Apenas ler é menos e�caz. Ter um local único para reunir todas as suas anotações – geralmente chamado de commonplace book – também pode ser útil para facilitar as conexões entre os conhecimentos. Vale ainda variar o formato: audiolivros e podcasts, por exemplo, podem ser ouvidos durante deslocamentos, especialmente por quem passa muito tempo do dia indo de um lugar para outro. Conteúdos interessantes são criados a todo momento nos mais diversos canais e das mais distintas formas, e costumamos não associar alguns deles com aprendizagem. Já pensou em usar o Twitter ou os Stories do Instagram para aprender? Experiências são o playground da aprendizagem. Testar o conhecimento na prática e errar fazem parte do processo e devem ser estimulados de maneira intencional. Sair do consumo de conteúdo e mergulhar na vida real ajuda a entender melhor o que você está lendo ou ouvindo, além de ser uma etapa crucial para de fato fazer algo melhor. Que vivências o ajudariam a incorporar os aprendizados que você deseja? O que você poderia fazer e em quais lugares você poderia ir? Pense na imagem de um laboratório de química cheio de tubos de ensaio e substâncias estranhas e fascinantes. A vida pode ser encarada como um espaço de experimentação e, assim, podemos manipulá-la com o objetivo de aprender. Depois, é importante re�etir sobre a experiência de maneira ativa, conversando, produzindo e escrevendo, para que o processo ganhe signi�cado. Pessoas talvez sejam uma das fontes primárias de aprendizagem da espécie humana desde que desenvolvemos a capacidade de nos comunicar. Ao longo do Learning Sprint, um almoço, um papo em um café e até mesmo uma troca de mensagens podem ser fundamentais para você ter sucesso em momentos de dúvida ou desmotivação. Pessoas também são ótimas para nos ajudar na difícil tarefa de curar conhecimento. Se você pedir, elas lhe indicarão tudo o que foi e ainda é mais relevante para elas em relação a seu tema de interesse. Além disso, quando contam sobre suas próprias experiências, com as falhas e os sucessos, elas elaboram ainda mais seu pensamento e nos entregam valiosas lições. Quando acessamos pessoas para aprender, elas nos entregam conhecimento vivo, isto é, conhecimento em processo constante de transformação. Redes de aprendizado são grupos de pessoas com interesses equivalentes ao seu e/ou que convivem com os objetos que você está investigando. Elas oferecem experiência, motivação para persistir e, principalmente, novas fontes de conteúdo, vivências e pessoas – na verdade, todas as fontes de aprendizagem são capazes de gerar novas fontes de quaisquer categorias. No início de um projeto de aprendizagem, vale reservar um tempo tanto para montar sua própria rede de aprendizagem pessoal quanto para mapear redes ou comunidades já existentes. Para quase todo assunto, é possível encontrar grupos mais ou menos organizados ao redor do mundo que se propõem a estudá-lo e a produzir conhecimento sobre ele. No capítulo sobre comunidade, exploraremos mais sobre como esses grupos podem nos ajudar não só a aprender, mas também a fazer coisas grandiosas e viver com mais signi�cado. Você não vai fazer uma lista de�nitiva e extensa de cada uma dessas categorias logo no início. Se �zer, é bem provável que boa parte dos itens da lista não seja utilizada. No decorrer do seu projeto de aprendizagem, você certamente acrescentará novos itens em cada uma das categorias. Descobrir novas e boas fontes é um dos momentos mais prazerosos da jornada e, às vezes, essas descobertas mudam toda a trajetória prevista. Isso é aprender. Em um percurso autodirigido, trocamos a obrigatoriedade pela intencionalidade. Com intenção, conseguimos aprender o tempo todo com as vivências que estamos tendo. A capacidade de dirigir nosso aprendizado está relacionada à capacidadede conduzir a nós mesmos. Estarmos presentes e sermos verdadeiros com nós mesmos são as únicas “obrigações” ao longo do processo. Compartilhando os tesouros Um projeto de aprendizagem, por ser informal, não fornece o tradicional certi�cado, instrumento que demonstra (ou deveria demonstrar) seus ganhos de conhecimento e sua habilidade. Por isso, uma boa prática é, no início, divulgar que você está fazendo um projeto de aprendizagem e propor uma data para apresentar algo que expresse sua realização. Se alguém pedisse uma prova do que você aprendeu ao longo do projeto, o que você mostraria? Essa é a sua evidência de aprendizagem. Pode ser um texto, um livro, uma foto com um cliente, um jantar feito por você, um relato sobre uma decisão importante na sua vida, um vídeo ou um podcast: algo que deixe claro que a melhora de desempenho que você buscava aconteceu. É interessante que a evidência venha acompanhada da descrição do processo que a gerou. Assim, se alguém perguntar como você conseguiu aprender o que aprendeu, será possível justi�car claramente mesmo sem ter frequentado um curso formal. Para além da evidência, é bené�co compartilhar o que você aprendeu com outras pessoas. Fazer isso ajuda a elaborar ainda mais os aprendizados, uma vez que, sempre que temos de comunicar algo a alguém, estruturamos melhor nosso pensamento. O mesmo acontece quando sabemos que alguém vai nos visitar em nossa casa: deixamos tudo limpo e arrumado como nunca. Compartilhar também contribui para que suas descobertas ganhem o mundo e ajudem os outros, que talvez até se conectem com você ao acessarem o que você produziu. Nem o conteúdo nem o formato do que vai ser compartilhado precisa ser complexo: é mais interessante ter consistência e compartilhar pouco com frequência do que compartilhar muito de uma só vez. Ao divulgar que você realizará um projeto de aprendizagem com um objetivo de�nido – escrever um artigo, organizar um encontro ou construir um móvel –, você cria uma pressão social positiva que pode ajudar bastante nos momentos de maior di�culdade, de descrença ou mesmo de preguiça. Por exemplo: “Daqui a três meses, farei um jantar para cinco pessoas só com receitas que aprendi nesse período”; ou “Daqui a dois meses, terei realizado duas reuniões utilizando ferramentas de Design Thinking”. Isso funciona quase como uma armadilha para que você crie disciplina no processo – e criar armadilhas para si mesmo não é uma estratégia nova. A Odisseia de Homero, poema escrito há mais de 2 mil anos, narra a jornada de Ulisses e seus companheiros na volta para casa após a Guerra de Troia. Em uma das passagens da história, o grupo de Ulisses estava prestes a navegar pela ilha de Capri, um lugar rochoso e cheio de sereias. Eles estavam cansados e ansiosos para reencontrar suas famílias. O canto das sereias, sabia Ulisses, seduzia os homens e os fazia quererem desesperadamente se jogar na água. Ele, então, tapou os ouvidos de seus marujos com cera e pediu para ser amarrado ao mastro do barco. Ao rodear a ilha, Ulisses ouvia as sereias e gritava alucinado pedindo para ser desamarrado, mas o restante da tripulação não o escutava, assim como não era atraído pelo canto. Foi dessa forma que eles conseguiram resistir à tentação e passar ilesos pela ilha. Essa história demonstra o quanto a disciplina é algo que pode ser desenvolvido e, mais ainda, “hackeado”. Criar oportunidades para compartilhar o que se aprende é uma ótima forma de fazer isso. Disciplina não é algo que nascemos com ou sem, ou seja, não é verdade que há pessoas inerentemente disciplinadas e outras sem disciplina. A questão é que a educação escolar nos convenceu de que a disciplina é uma imposição externa sobre nós, e não um poder que somos capazes de cultivar. Quando o aprendizado é autodirigido, o poder de compartilhar as descobertas do processo torna-se natural. Isso ocorre porque adoramos falar sobre aquilo que nos encanta. Quando sentimos que sabemos ou que estamos descobrindo coisas muito interessantes, �camos com vontade de contar para todo mundo. É aquela ideia do copo que vai enchendo, enchendo, até que começa a transbordar. O transbordamento é quando não conseguimos mais guardar os aprendizados só para a gente. Além disso, precisamos compartilhar nossos aprendizados de uma forma que realmente faça sentido e agregue valor para as pessoas, já que atualmente encontramos informações em todo lugar e poucas são de fato relevantes. Tudo o que podemos encontrar facilmente no Google não é mais tão signi�cativo. O que tem valor hoje são histórias que emocionam, descobertas surpreendentes e aprendizados que transformam. Isso é o que realmente precisa ser compartilhado, até porque, como disse o pesquisador do futuro do trabalho Jonathan Anthony, compartilhar é o novo salvar30. Vivemos a era do compartilhamento, e precisamos compartilhar com o mundo os ganhos da aprendizagem autodirigida. Ao �nal de uma jornada autodirigida, você pode até não ganhar um certi�cado formal, mas isso não quer dizer que estratégias de reconhecimento e celebração não possam ser criadas. Que tal você mesmo organizar algo que marque o �m do processo, como um almoço comemorativo, por exemplo? Ou então pedir a um amigo que acompanhou seu processo que o presenteie organizando esse momento? Seja criativo e imagine algo que simbolize sua trajetória. Muitas vezes, esquecemos de apreciar nossas conquistas e celebrar o que vivemos. A capacidade de aprender sem necessariamente ser ensinado é a grande habilidade que precisamos desenvolver para navegar em uma realidade mutante. É o aprendizado que nos possibilita praticar todas as outras core skills. Todo sonho, para ser realizado, requer um projeto de aprendizagem. Aprender é intrinsecamente prazeroso, ainda que tenha seus desa�os. Entre tantas visões de educação e aprendizagem, �camos com a de nosso amigo Blake Boles: “educação é a capacidade de ser autor da própria vida em vez de meramente tolerar a vida que foi apresentada a você”31. Referências ANTHONY, Jonathan. “‘Share’ Is The New ‘Save’”. This Much We Know, 6 maio 2013. Disponível em: <https://thismuchweknow.net/2013/05/06/share-is-the-new- save>. Acesso em: out. 2019. BOLES, Blake. “What Does It Mean to Be Educated?”. The Alliance for Self-Directed Education, 15 maio 2017. Disponível em: <https://www.self-directed.org/tp/what-does-it-mean-to-be- educated>. Acesso em: out. 2019. DELOITTE. 2019 Deloitte Global Human Capital Trends – Leading the Social Enterprise: Reinvent with a Human Focus, 2019. Disponível em: <https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/cz/Document s/human-capital/cz-hc-trends-reinvent-with-human-focus.pdf>. Acesso em: set. 2019. DEWEY, John. Experiência e educação. São Paulo: Vozes, 2010. FLORES, Monica; MELGUIZO, Angel. 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Eduard Lindeman, The Meaning of Adult Education, Londres: Windham Press, 2013. 16. Posteriormente, Knowles deixou de contrapor a andragogia à pedagogia. Ele considerava que, com uma abordagem arrojada, ambas acabam compartilhando objetivos. 17. Edição brasileira: Malcolm Knowles, Aprendizagem de resultados, São Paulo: Elsevier, 2009. 18. A YMCA é conhecida no Brasil como ACM (Associação Cristã de Moços). 19. Malcolm Knowles, op. cit., p. 66. 20. Os seis princípios da andragogia são: necessidade de saber; autoconceito do aprendiz; papel das experiências; prontidão para aprender; orientação para aprendizagem; e motivação. 21. Malcolm Knowles, op. cit., p. 77. 22. Ibidem, p. 71. 23. Lifelong Learning is Becoming an Economic Imperative, The Economist, 12 jan. 2017. Disponível em: <https://www.economist.com/special- report/2017/01/12/lifelong-learning-is-becoming-an-economic-imperative>. Acesso em: set. 2019. 24. Deloitte, 2019 Deloitte Global Human Capital Trends – Leading the Social Enterprise: Reinvent with a Human Focus, 2019. Disponível em: <https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/cz/Documents/human- capital/cz-hc-trends-reinvent-with-human -focus.pdf>. Acesso em: set. 2019. 25. PwC, 22nd Annual Global CEO Survey – CEO’S Curbed Con�dence Spells Caution, 2019. Disponível em: <https://www.pwc.com/mu/pwc-22nd-annual-global-ceo-survey - mu.pdf>. Acesso em: out. 2019. 26. Os dados citados foram extraídos de grá�cos gerados pela ferramenta 2019 Revision of World Population Prospects, das Nações Unidas. Disponível em: <https://population.un.org/wpp/Graphs/900>. Acesso em: set. 2019. 27. Arie de Geus, Planing as Learning, Boston: Harvard Business Review, 1988. 28. John Dewey, Experiência e educação, São Paulo: Vozes, 2010. 29. Allen Tough, The Adult’s Learning Projects: A Fresh Approach to Theory and Practice in Adult Learning, 2. ed, Toronto: The Ontario Institute for Studies in Education, 1979. 30. Jonathan Anthony, “‘Share’ is the New ‘Save’”, This Much We Know, 6 maio 2013. Disponível em: <https://thismuchweknow.net/2013/05/06/share-is-the-new-save>. Acesso em: out. 2019. 31. Blake Boles, “What Does It Mean to Be Educated?”, The Alliance for Self-Directed Education, 15 maio 2017. Disponível em: <https://www.self-directed.org/tp/what- does-it -mean-to-be-educated>. Acesso em: out. 2019. A AUTENTICIDADE O álbum era para ser simples. Acabou não sendo nem um pouco. Como a minha vida. AMANDA PALMER manda Palmer �cou mundialmente conhecida quando palestrou no TED sobre a arte de pedir32. Sua fala começa com uma performance para relembrar os tempos em que trabalhava como estátua humana. Todos os dias, ela encarnava a “noiva de dois metros e meio” na praça Harvard, em Boston. Amanda aguardava pacientemente pelo momento em que aquela experiência tão inusitada geraria um sentimento especial em alguém. Um sentimento de conexão. O dinheiro vinha como consequência, sempre de maneira espontânea. Antes de se tornar palestrante e escritora best-seller, Amanda Palmer já era musicista. Seu primeiro álbum solo, Who Killed Amanda Palmer33, “era para ser simples”, mas não foi. Antes de começar a gravá-lo, ela recebeu um e-mail de Ben Folds, um conhecido músico da cena de rock alternativo, dizendo como sua música o inspirava. Ben elogiava não apenas os aspectos técnicos: ele destacava como a arte de Palmer era “verdadeira”. Desse primeiro e-mail, nasceu uma troca profunda e genuína, e os dois acabaram trabalhando juntos no disco. Toda a história, contada em primeira pessoa, com riqueza de detalhes e recheada de paixão e vulnerabilidade, pode ser conferida no site do álbum34. Os bastidores ganharam relevo – na verdade, não há muita distinção entre backstage e palco na vida de Amanda Palmer. Compartilhar o processo tanto quanto o resultado é, talvez, um dos traços que a torna uma pessoa autêntica. O que exala da arte e da vida de Palmer não seria digno de nota se ela forçasse ser alguém que não é. Ser autêntico tem pouco a ver com “ser o melhor” e mais a ver com “ser você mesmo” – tentar ser o melhor pode, até mesmo, atrapalhar a autenticidade. Outro exemplo de pessoa autêntica é Jout Jout, nome artístico da youtuber Julia Tolezano, que grava vídeos despretensiosos para falar de coisas que, de algum modo, todos vivemos no dia a dia. Suas falas não são ensaiadas, e ela de�nitivamente não lê um teleprompter. Ainda que haja boas doses de edição em seus vídeos, seu canal cresce a partir de sua leveza e de sua espontaneidade. Em uma entrevista de 2015, quando ainda não era tão conhecida, Julia disse: “faço o vídeo que eu preciso fazer na hora. Se eu faço um vídeo empoderador, é porque eu precisava ser empoderada. Sabe o vídeo ‘Tá todo mundo mal’? Então, eu tava mal”35. Como um vídeo feito com o intuito de dizer coisas para si mesma pode fazer tanto sentido para milhares de pessoas? Talvez justamente por isso: ao nos conectarmos com o verdadeiro dentro de nós mesmos, magicamente nos conectamos com questões essenciais que também residem nos outros. O ser humano pode ser culturalmente diferente, mas certas emoções todos nós carregamos. Quando somos capazes de acessar o que é essencial em nós e compartilhar isso de maneira verdadeira, algo grandioso acontece. Não é preciso ser musicista ou youtuber para entrar em contato com a sua autenticidade. A força desse atributo pode vir à tona para qualquer um, mas cada pessoa precisa encontrar sua própria maneira de conquistá-lo. Jout Jout não pertence à atual geração de jovens, a geração Z, mas poderia pertencer. De acordo com um estudo da Box 182436, a True Gen, ou geração da verdade – nascidos entre 1995 e 2010 –, entende que qualquer de�nição é limitante. O que importa é quebrar estereótipos e evitar rótulos. O propósito desses jovens é integrar pessoas e perspectivas e viver o seu verdadeiro eu, que não é facilmente capturado por ideologias, dogmas ou outros conceitos estreitos. A diferença é valorizada, de modo que vale mais o e do que o ou. Para eles, trabalhar em um só emprego ou viver casado a vida toda são crenças assustadoras, mas, se alguém assim o desejar, também não é problema, desde que não imponha isso aos outros. De modo geral, a geração Z está, nunca é. E esse refazer constante se dá porque eles desejam viver autenticamente o tempo todo. Mas por que a autenticidade se tornou tão importante agora e será ainda mais no futuro? Por que investir em ser autêntico? As razões são várias, e a mais importante talvez seja que pessoas autênticas tendem a ser mais felizes. Isso é demonstrado em pesquisas no campo da psicologia, como se vê em um artigo de 2008 do Journal of Counseling Psychology que a�rma que indivíduos autênticos tendem a ser mais seguros de si, extrovertidos, agradáveis, conscientes, abertos e adaptáveis37. Geralmente, lembramos dos momentos em que nos permitimos ser nós mesmos como momentos de felicidade. Nesses momentos, não há pressão para nos comportarmos de formas alheias às nossas necessidades, ou, se há, sabemos como manejá-la. A busca por ser o melhor funciona como uma máscara que usamos para tentar sobreviver em um mundo (que acreditamos ser)
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