Buscar

Capitulo 6 - Karl Marx - Sociologia do direito (Mascaro)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 4 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Capítulo 6 – KARL MARX 
Marx tanto é o principal marco da sociologia quanto seu principal negador: não se trata de estabelecer um conhecimento universitário ou autorreferenciado, sem ter por base as contradições da realidade e o seu enfrentamento (o que é típico da sociologia estabelecida); mas, ao mesmo tempo, trata-se de alcançar as determinações científicas objetivas da sociedade, a fim de que, exatamente por meio da ciência, se faça a revolução. No final da sua trajetória dedicou-se, fundamentalmente, à crítica da economia política, do que resultou sua obra máxime, O capital.
6.1 A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO DE MARX
Pode-se ver três fases no desenvolvimento do pensamento de Marx. Na primeira delas, em sua juventude, combate o idealismo filosófico burguês e constrói uma filosofia materialista – abomina o conhecimento apenas de gabinete, teórico, e se vincula à ação prática, a práxis. Depois de sua juventude, já numa primeira fase de sua maturidade, em vista do seu engajamento e dos movimentos revolucionários europeus, reflete sobre o capitalismo e as lutas dos trabalhadores: despontam aí seus textos mais diretamente políticos. Então depois, na fase de plena maturidade, Marx se dedica àquela que é sua obra máxima, O capital, na qual assenta definitivamente a ciência sobre o modo de produção capitalista. Em O 18 de Brumário, Marx analisa o processo pelo qual Luis Bonaparte dá um golpe na França, afastando a tradicional direção burguesa do governo. Marx descobre aí que o Estado se estabelece como forma social necessariamente capitalista, independente daqueles que o administram; estes, sendo ou não burgueses, governam um aparato institucional que é sempre do capital, permitindo sua reprodução. No meio das disputas e antagonismos entre frações de classe no seio da burguesia, o golpe de Luis Bonaparte foi o modo de afastar os setores burgueses do Estado para a manutenção da própria funcionalidade estatal, que é burguesa. O sentido do pensamento de Marx vai, então, de uma posição já de esquerda e crítica nas obras de juventude a um outro patamar: a descoberta científica incontornável, em seus textos de maturação e maturidade, do modo de produção capitalista, o que mudará a compreensão histórica a respeito da sociedade.
6.2. MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO
Já em seu início, o pensamento de Marx fica marcado por se contrapor às visões metafísicas burguesas e às velhas concepções idealistas a respeito da sociedade, incorporando, ao mesmo tempo, a ferramenta da história. Marx embebeu-se do hegelianismo, o fez apenas parcialmente e sempre contrastando com o idealismo hegeliano. Se na juventude fica visível essa ambientação e a referência – já crítica – a Hegel, na obra de maturidade de Marx, em especial em O capital, seu método é totalmente singular, autônomo e original: a sociedade passa a ser entendida na produção, no nível da exploração econômica e de suas contradições de classe. A dialética marxista, ao contrário da hegeliana, tem em vista, necessariamente, a revolução. Filosoficamente, a palavra dialética remete à ideia de dial, dual, o que quer dizer a respeito de dois lados, duas posições. Trata-se de uma compreensão que irá buscar os antagonismos, as oposições, a contradição, os interesses contrapostos, a exploração de um pelo outro na sociedade e no pensamento. A dialética busca compreender as dominações e seus mecanismos, quem são os exploradores e os explorados, os injustiçadores e os injustiçados, em cada etapa da história da sociedade. Hegel propunha ver a dialética como uma lógica filosófica: em cada conflito há uma tese e uma antítese, ou seja, duas posições em contradição, num processo de exploração. Como uma parte não se reduz à outra, como não há meio-termo possível entre elas, em algum momento da história ambas se destroem, e se chega então a um momento de síntese. Quando não foi mais possível sustentar a relação dialética entre senhores e escravos, acabou o escravismo. Se Marx partilha de uma abordagem histórica e dialética como a de Hegel, o faz mediante uma grande diferença: para Hegel, tratava-se de buscar as contradições do pensamento, das ideias, para depois entender como elas se davam na realidade. Era a chamada dialética idealista. Marx, pelo contrário, inova com o fato de que a dialética é concreta, real, devendo buscar as contradições nas oposições efetivas da sociedade. Apenas, depois é que veremos que essas oposições reais se desdobram em ideias. A dialética marxista é material – observa as relações concretas –, e não meramente idealista. 
6.3. ESTRUTURA SOCIAL, RELAÇÕES DE PRODUÇÃO E REVOLUÇÃO
A grande descoberta científica de Marx sobre as ciências sociais é a de que há determinação nas sociedades. As relações de produção determinam o todo social. A sociedade não é uma aglutinação indistinta de relações variadas; existe a determinação do produtivo no todo social. O todo é estruturado pelo nível das coerções sociais mais profundas: a apropriação da riqueza e dos meios de produção e o modo pelo qual os agentes da produção – trabalhadores e exploradores – se relacionam. Para Marx, no entanto, não há um processo linear nem teleológico na história. Não se pode dizer que, necessariamente, o capitalismo gerará o socialismo. Há crises, com tendências e contratendências; há a necessidade da luta, que, sendo contra um modo de produção, é uma luta estrutural, revolucionária. Se é verdade que na obra de Marx há a constatação das contradições do capitalismo, que o corroem por dentro, ao mesmo tempo, está também a constatação de que a transição do capitalismo ao socialismo se faz mediante a revolução. Um de seus últimos livros, Crítica do Programa de Gotha, destaca-se pela intervenção contra o reformismo e as concessões políticas dos trabalhadores, apontando a revolução como única alternativa estrutural para a superação do modo de produção capitalista.
6.4. O CAPITAL: MERCADORIA E VALOR
O capitalismo e suas relações sociais têm um átomo; este é a mercadoria. É a partir de tal átomo e em vistas a ele que se constituem as interações sociais. Tudo e todos fazem girar as mercadorias e vivem em seu entorno. Não importa o que seja nem a qualidade do bem, tampouco importa sua utilidade: mercadoria é qualquer coisa que possa ser trocada por outra. Quase sempre, não são objeto de escambo, mas sim de troca mediante uma referência equivalente, o dinheiro. Àquilo a que uma mercadoria se presta em sua utilidade pode-se dar o nome de valor de uso – arroz se usa para comer, roupa para vestir, bicicleta para se deslocar. No capitalismo, as coisas valem pela mediação do dinheiro e as pessoas só terão se pagarem. As relações sociais se constituem a partir de uma forma necessária de vínculo entre sujeitos: os produtos só circulam se se trocam por outros ou por dinheiro. A forma atômica da relação social é a forma valor, dado que tudo toma forma de mercadoria. E, intermediando a troca de mercadorias, estabelece-se a forma dinheiro. Ocorre que as mercadorias começam a representar para as pessoas não o resultado do trabalho socialmente necessário à sua produção, mas, sim, uma espécie de valor por sua própria natureza. Marx chama a isso de fetichismo da mercadoria, uma relação que passa a ser pensada entre coisas, quando na verdade é entre produtores e consumidores que fazem circular os produtos.
6.5. O CAPITAL: TRABALHO E ACUMULAÇÃO
Na cadeia de compra-e-venda, o lucro numa boa venda será perdido quando o dinheiro resultante for gasto noutra compra. Assim, em termos sistemáticos, não é o lucro na circulação que faz entesourar capital. Há uma única mercadoria que, consumida, permitirá que o dinheiro se torne mais-dinheiro: o trabalho do trabalhador. No capitalismo, tal trabalho é uma mercadoria, sendo a principal delas, porque o valor que daí se extrai, o mais-valor, se entesoura pelo capitalista e não retorna ao trabalhador. Assim, a fórmula geral do capital, descoberta por Marx, tem na exploração do trabalho assalariado sua principal articulação: somente aí se faz a extração do mais-valor. O valor daforça de trabalho e seu salário são referenciados como mercadoria. A baliza da remuneração salarial é o valor suficiente à manutenção e à reprodução sistemática dessa força de trabalho. Pago isso à massa trabalhadora, o demais é entesourado pelos capitalistas. E o trabalhador, no capitalismo, passa a se diferir do trabalhador feudal ou escravista porque agora se submete à produção de modo livre, contratual, mediante direito. O que se paga salarialmente ao trabalhador, no entanto, é menos que a riqueza que ele produz ao capitalista. Se até x horas de trabalho o seu produto já pagou seu salário, todas as horas excedentes de produção são apropriadas pelo capitalista. Em seu sentido absoluto, então, o mais-valor é uma referência de entesouramento do excedente da riqueza produzida pelo trabalhador pelo capitalista. Observando a extração de maisvalor em face de quanto tempo se trabalha e quanto se paga de salário, historicamente, os capitalistas buscam ampliar a jornada de trabalho e a classe trabalhadora luta pela sua redução. Mecanização, industrialização, automação, computação, comunicabilidade contínua e supervisão remota são modalidades de extração de mais-valor relativa à expansão da tecnologia, fazendo com que as horas de trabalho e o salário pago rendam muito mais capital ao capitalista. Marx aponta, em O capital, qual é o horizonte geral da dinâmica social capitalista, que determina toda a sociedade contemporânea: a acumulação. A sociabilidade é constituída para acumular, para explorar trabalho dos assalariados, para entesourar mais-valor, para o lucro. Nessa dinâmica, não há sentidos de uso, nem tampouco valores morais nem éticos que se sobreponham à força e ao movimento do capital. A lei geral do capitalismo é a acumulação. Descobre-se, com Marx, que a sociabilidade capitalista é estruturada num processo de valorização do valor, entesouramento e exploração. A acumulação é a razão de sua dinâmica.
6.6. O DIREITO EM MARX
Em A ideologia alemã, ao contrário de pensadores que tomaram o direito de modo amplo e genérico, como se fosse uma manifestação comum a todas as sociedades, enxergando juridicidade nas mais variadas manifestações econômicas, ideológicas, políticas e culturais da história, dirá Marx que o direito, tomado de modo específico, só se verifica nas sociedades capitalistas, e sua causa não é a criação cerebrina do jurista, mas, sim, as relações mercantis. Ao mesmo tempo, estas forças terceiras, jurídicas e estatais, garantem que o capital possa ser acumulado para além das forças próprias de cada burguês. Assim, ao contrário do escravismo e do feudalismo, que dependiam do limite da tradição ou da força, o modo de produção capitalista permitirá, virtualmente, um acúmulo infinito de capitais nas mãos de um burguês: a instância política indireta garante a exploração e a acumulação diretas. O capitalismo, assim, se associa sempre a uma forma de relação entre as pessoas que é jurídica, sendo o contrato o seu meio de intermediação necessário. As relações capitalistas, como a compra e venda – a circulação mercantil –, são necessariamente realizadas por uma forma jurídica. O comércio capitalista se faz pelo contrato, portanto, por um instrumento de direito. Enquanto os modos de produção anteriores não o eram, o capitalismo é necessariamente jurídico. Em O capital, Marx aponta o capitalismo como uma imensa coleção de mercadorias. Estas são seus átomos. Ocorre que as mercadorias não se trocam umas pelas outras diretamente; quem às troca são seus portadores, estabelecendo relações sociais contratuais. Daí, para que haja a acumulação, todos os bens que circulam o fazem mediante um vínculo jurídico entre seus possuidores: a vontade de ambas as partes preside a relação; ambos são tomados iguais para os fins dessa transação. Então, há uma forma de relação jurídica entre os agentes da produção. Assim sendo, o direito não é uma construção de instrumentos cerebrinos de juristas. Tem por base uma materialidade relacional que reside no processo de troca. A verdade do vínculo jurídico é a do vínculo entre os possuidores de mercadorias. Se a circulação de mercadorias tem na acumulação seu sentido, então o sentido do direito é também o de permitir a acumulação. O direito é a forma de relação dos agentes do capital. Se o comércio deixa patente a forma de relação jurídica entre os que trocam, na produção isso se torna mais decisivo. A exploração de um ser humano por outro, de um trabalhador por um burguês, é intermediada por um contrato de trabalho. Por meio dele, o trabalhador juridicamente se submete ao burguês, voluntariamente, ambos em posição de igualdade para aceitar ou não o vínculo. O contrato de trabalho é o coração da subjetividade jurídica: não é apenas a circulação dos produtos, mas a venda da força de trabalho, que faz a forma de relação social ser jurídica. A natureza estatal é necessariamente para garantir a reprodução social capitalista. O Estado não é neutro nem é um fenômeno que exista para além do capitalismo. Friedrich Engels, em O socialismo jurídico, obra escrita em conjunto com Karl Kautsky, insistia para o fato de que tanto o direito quanto o Estado não são neutros, gerais ou indistintos do modo de produção: são necessariamente capitalistas. De tal modo, não se chega ao socialismo mediante o Estado ou o direito (o que seria um “socialismo jurídico”, impossível, pois que o direito é forma social do capitalismo) 33 , mas sim com a destruição do Estado, que garante o capital, e do direito, que organiza a exploração do trabalho e a propriedade privada. Assim, no conjunto da obra de Marx, o direito não é tomado como um ente idealizado (como se fosse a boa razão jurídica ou a justiça). Ele é fenômeno específico historicamente, somente existente em relações capitalistas. E, com isso, descobrindo-se o segredo do direito, que é o de permitir o vínculo da exploração do trabalho assalariado e da acumulação, também se descobre que sua especificidade é a marca da manutenção do capitalismo: o socialismo não é um outro jeito de vincular-se juridicamente e de garantir a propriedade, mas o fim da propriedade e o fim da vinculação jurídica, em benefício de vínculos diretos entre trabalhadores que sejam também os possuidores dos meios de produção

Continue navegando

Outros materiais