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MELHORES POEMAS DE MANUEL BANDEIRA

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MELHORES POEMAS DE 
MANUEL BANDEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1. Poema: Consoada – Manuel Bandeira 
Consoada 
Quando a Indesejada das gentes chegar 
(Não sei se dura ou caroável), 
Talvez eu tenha medo. 
Talvez sorria, ou diga: 
– Alô, iniludível! 
O meu dia foi bom, pode a noite descer. 
(A noite com os seus sortilégios.) 
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, 
A mesa posta, 
Com cada coisa em seu lugar. 
 
 
 
 
2. Poema: Desencanto – Manuel Bandeira 
Desencanto 
Eu faço versos como quem chora 
De desalento… de desencanto… 
Fecha o meu livro, se por agora 
Não tens motivo nenhum de pranto. 
Meu verso é sangue. Volúpia ardente… 
Tristeza esparsa… remorso vão… 
Dói-me nas veias. Amargo e quente, 
Cai, gota a gota, do coração. 
E nestes versos de angústia rouca, 
Assim dos lábios a vida corre, 
Deixando um acre sabor na boca. 
– Eu faço versos como quem morre. 
 
3. Poema: Chama e Fumo – Manuel Bandeira 
Chama e Fumo 
Amor – chama, e, depois, fumaça… 
Medita no que vais fazer: 
O fumo vem, a chama passa… 
Gozo cruel, ventura escassa, 
Dono do meu e do teu ser, 
Amor – chama, e, depois, fumaça… 
Tanto ele queima! e, por desgraça, 
Queimando o que melhor houver, 
O fumo vem, a chama passa… 
Paixão puríssima ou devassa, 
Triste ou feliz, pena ou prazer, 
Amor – chama, e, depois, fumaça… 
A cada par que a aurora enlaça, 
Como é pungente o entardecer! 
O fumo vem, a chama passa… 
Antes, todo ele é gosto e graça. 
Amor, fogueira linha a arder! 
Amor – chama, e, depois, fumaça… 
Porquanto, mal se satisfaça 
(Como te poderei dizer?…), 
O fumo vem, a chama passa… 
A chama queima. O fumo embaça. 
Tão triste que é! Mas… tem de ser… 
Amor?… – chama, e, depois, fumaça: 
O fumo vem, a chama passa… 
 
 
 
 
4. Poema: A estrela – Manuel Bandeira 
A estrela 
Vi uma estrela tão alta, 
Vi uma estrela tão fria! 
Vi uma estrela luzindo 
Na minha vida vazia. 
Era uma estrela tão alta! 
Era uma estrela tão fria! 
Era uma estrela sozinha 
Luzindo no fim do dia. 
Por que da sua distância 
Para a minha companhia 
Não baixava aquela estrela? 
Por que tão alta luzia? 
E ouvi-a na sombra funda 
Responder que assim fazia 
Para dar uma esperança 
Mais triste ao fim do meu dia. 
 
 
 
 
5. Poema: O impossível carinho – Manuel Bandeira 
O impossível carinho 
Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo 
Quero apenas contar-te a minha ternura 
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás 
Eu te pudesse repor 
– Eu soubesse repor – 
No coração despedaçado 
As mais puras alegrias de tua infância! 
6. Poema: Pneumotórax – Manuel Bandeira 
Pneumotórax 
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. 
A vida inteira que podia ter sido e que não foi. 
Tosse, tosse, tosse. 
Mandou chamar o médico: 
– Diga trinta e três. 
– Trinta e três… trinta e três… trinta e três… 
– Respire. 
– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão 
direito infiltrado. 
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? 
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. 
 
 
 
 
7. Poema: Velha chácara – Manuel Bandeira 
Velha chácara 
A casa era por aqui… 
Onde? Procuro-a e não acho. 
Ouço uma voz que esqueci: 
É a voz deste mesmo riacho. 
Ah quanto tempo passou! 
(Foram mais de cinquenta anos.) 
Tantos que a morte levou! 
(E a vida… nos desenganos…) 
A usura fez tábua rasa 
Da velha chácara triste: 
Não existe mais a casa… 
– Mas o menino ainda existe. 
8. Poema: Estrada – Manuel Bandeira 
Estrada 
Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho, 
Interessa mais que uma avenida urbana. 
Nas cidades todas as pessoas se parecem. 
Todo o mundo é igual. todo o mundo é toda a gente. 
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma. 
Cada criatura é única. 
Até os cães. 
Estes cães da roça parecem homens de negócios: 
Andam sempre preocupados. 
E quanta gente vem e vai! 
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar: 
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho 
manhoso. 
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos 
símbolos, 
Que a vida passa! que a vida passa! 
E que a mocidade vai acabar. 
 
 
9. Poema: O rio – Manuel Bandeira 
O rio 
Ser como o rio que deflui 
Silencioso dentro da noite. 
Não temer as trevas da noite. 
Se há estrelas no céu, refleti-las 
E se os céus se pejam de nuvens, 
Como o rio as nuvens são água, 
Refleti-las também sem mágoa 
Nas profundidades tranquilas. 
10. Poema: Satélite – Manuel Bandeira 
Satélite 
Fim de tarde. 
No céu plúmbeo 
A Lua baça 
Paira 
Muito cosmograficamente 
Satélite. 
Desmetaforizada, 
Desmitificada, 
Despojada do velho segredo de melancolia, 
Não é agora o golfão de cismas, 
O astro dos loucos e dos enamorados. 
Mas tão-somente 
Satélite. 
Ah Lua deste fim de tarde, 
Demissionária de atribuições românticas, 
Sem show para as disponibilidades sentimentais! 
Fatigado de mais-valia, 
Gosto de ti assim: 
Coisa em si, 
– Satélite. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11. Poema: Arte de Amar – Manuel Bandeira 
Arte de Amar 
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. 
A alma é que estraga o amor. 
Só em Deus ela pode encontrar satisfação. 
Não noutra alma. 
Só em Deus – ou fora do mundo. 
As almas são incomunicáveis. 
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. 
Porque os corpos se entendem, mas as almas não. 
 
 
 
 
 
12. Poema: Versos Escritos N’água – Manuel Bandeira 
Versos Escritos N’água 
Os poucos versos que aí vão, 
Em lugar de outros é que os ponho. 
Tu que me lês, deixo ao teu sonho 
Imaginar como serão. 
Neles porás tua tristeza 
Ou bem teu júbilo, e, talvez, 
Lhes acharás, tu que me lês, 
Alguma sombra de beleza… 
Quem os ouviu não os amou. 
Meus pobres versos comovidos! 
Por isso fiquem esquecidos 
Onde o mau vento os atirou. 
 
 
13. Poema: Poética – Manuel Bandeira 
Poética 
Estou farto do lirismo comedido 
Do lirismo bem comportado 
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente 
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor 
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário 
o cunho vernáculo de um vocábulo 
Abaixo os puristas 
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais 
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção 
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis 
Estou farto do lirismo namorador 
Político 
Raquítico 
Sifilítico 
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si 
mesmo. 
De resto não é lirismo 
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante 
exemplar 
com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de 
agradar às mulheres, etc. 
Quero antes o lirismo dos loucos 
O lirismo dos bêbados 
O lirismo difícil e pungente dos bêbados 
O lirismo dos clowns de Shakespeare 
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. 
 
 
 
14. Poema: Letra para uma valsa romântica – Manuel Bandeira 
Letra para uma valsa romântica 
A tarde agoniza 
Ao santo acalanto 
Da noturna brisa. 
E eu, que também morro, 
Morro sem consolo, 
Se não vens, Elisa! 
Ai nem te humaniza 
O pranto que tanto 
Nas faces desliza 
Do amante que pede 
Suplicantemente 
Teu amor, Elisa! 
Ri, desdenha, pisa! 
Meu canto, no entanto, 
Mais te diviniza, 
Mulher diferente, 
Tão indiferente, 
Desumana Elisa! 
 
 
 
15. Poema: O exemplo das rosas – Manuel Bandeira 
O exemplo das rosas 
Uma mulher queixava-se do silêncio do amante: 
– Já não gostas de mim, pois não encontras palavras para me 
louvar! 
Então ele, apontando-lhe a rosa que lhe morria no seio: 
– Não será insensato pedir a esta rosa que fale? 
Não vês que ela se dá toda no seu perfume?

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