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2° PARTE A LUTA PELA TERRA NAS TERRAS DO RIO SEM DONO SETOR AGRÁRIO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DO BRASIL MEDICINA VETERINÁRIA FLÁVIA CUPERTINO A INTIMAÇÃO Ainda não se sabe de nada o nosso posseiro e sua gleba já está legitimada em nome do grileiro por decreto do Governador do Estado. Embrenhado na mata,afundado num rincão perdido das terras do rio sem dono,o nosso ‘pau de arara’ só pensa em arrancar da terra tudo o que ela possa produzir. Está prospero o nosso ‘pau de arara’. Na terra boa,milho plantado é milho colhido. Só uma vez o feikão deu pouco porque a chuva não veio no tempo certo,prejudicando também um pouco o arroz. No mais,é como ele responde ao ‘como vai? da vizinhança ‘ vou vivendo como Deus é servido’.E viver ‘Como Deus é servido’ para o nosso ‘pau de arara’,é levantar junto com a saracura setecoposlavrador que o sol encontra ainda na cama é preguiçoso lavar o rosto na bica,engolir um café com mandioca cozida ou cuscus de milho,enxada no ombro,facão na cintura e pé no trilho da roça. Dando duro,fica ele até o sol marcar meiodia que é a hora de ‘ engolir o feijão’. Brigelino,brigelino Pára com a enxada,tira o chápeu,voltase para o rumo dos gritos,mão em concha no ouvido e escuta a voz esganiçada da mulher terminar ...tem autoridade aqui Meio espantado,o posseiro grita um ‘já vou’,ajeita a terra no pé de milho e se interroga ‘ quê que eu fiz?’ Não encontra resposta,nada fizera mesmo e dai a pouco está no terreiro,frente a frente com o Oficial de Justiça. Senhor Brigelino dos Santos? Prá mode lhe servir respondeu o posseiro,olho posto na pasta que o homem trazia e de onde brotava um papel todo escrito salpicado de selos coloridos. Então escute! falou imperativo o Oficial de Justiça,sem nem tempo a Brigelino cumprir as regras da educação e convidar o homem para assentar na sala. Estava sendo intimida a contestar a ação da manutenção de posse que lhe movia um tal Paládio Ruiz,que se arrogava a dono de todas aquelas terras da Lagoa Amarela e do Urupuca O senhor ficou ciente? interrogou o Meirinho ao final da leitura Ciente a gente ficou..Mas,a falar a verdade,eu cá não entendi o porque dessa coiseira toda. Não estou entendendo nada,porque fui o primeiro dos primeiros a pisar essas terras da Lagoa Amarela. Pergunte a qualquer um das vizinhanças e ele vai falar a verdade: a primeira criatura vivendo de homem que os mosquitos da febre ferroaram na Lagoa Amarela foi o preto velho Brigelino… Eu aqui só venho cumprir um mandado de Justiça. Tudo isto que o senhor esta falando,outros mais por essas redondezas todas já me disseram hoje e nesses dias prá trás. O senhor deve é ser preparar para dizer tudo isto ao Dr. Juiz de Direito lá no dia da audiência que essa citação aqui marca. Agora o que o senhor tem a fazer é assinar aqui para comprovar que eu estive na sua posse Apenas se retirara o Oficial de Justiça,Brigelino praticamente tombou tonto no banco pegado á parede de sua casa. A mulher veio silenciosa para seu lado,os meninos também. Dico,o mais velho quatorze anos de sofrimento e trabalhos que valem uma vida não tirava os olhos do pai. Pressentia que alguma coisa grave acontecera. Mas sabia sofrear a curiosidade como um adulto. Ali naquela solidão da mata,o tempo não conta e tudo se esclarece ao seu tempo,tal e qual um milharal : germina,pendoa,emboneca e amadurece na época certa. ...Seu olhar passeava sem pressa pela obra que seu trabalho construira. É deveras. Será que nós vamos perder toda nossa vida de trabalho, tudo que só nós e Deus sabemos o quanto custo? Quem é esse tal de Paládio Ruiz,homem? E eu sei lá,mulher? Deve ser um desses cubiça que ronda por ai de vez em quando,olho grande no que é dos outros. É o caso,mulher,quanto mais a gente reza,mas o assombração aparece. Eu acho que você deve de manhã cedinho ir lá no Amarante se informar,se aconselhar. Vou mesmo,mulher… E eu vou junto,pai falou surpreendentemente Dico num rompante, com uma firmeza de quem já entenderá tudo e estava decidido a também fazer a sua parte Nós vamos, filho. Ajeite tudo,mulher,que nós partimos amanhá inda escuro. Tifuno e Dismar,dois posseiros vizinhos,foram chegando sem dissimular a preocupação que os atormentava: Pois é,cumpadre foi falando Tufino. Acaba de sair lá de uma casa uma autoridade de Justiça Aqui também atalhou Brigelino Uai fez Dismar. Quer dizer que nem o senhor foi respeitado? Trinta anos batidos de trabalho honrado,não vale nada então? Nós,eu e tufino,ainda somos de pouco mais de cinco anoos nessas brenhas. Mas, o senhor que Urupuca todo conhece como o primeiro vivente a derrubar um pé de pau dessas matas,que nós todos até pedimos licença ao chegar,o senhor também entou na embrulhada? ...Coração do homem é mesmo terreno que ninguém pisa. A gente agora pode juntar as pontas da meada,por tento e tirar algum arrozoado. Aquele doutor maneiroso que andou por aqui com aquela aparelhagem toda de medição,estava é de treta combinada com esse tal de Paládio Ruz. A tal estrada dele é a estrado do inferno para todos nós. E eu até que ajudei o desgraçado,segurando ponta de trena e de corrente por esse mato afora,acreditando piamente na lorota da estrada acrescentou Tufino cheio de ódio. Quer dizer então falou Brigelino que pelas andanças que o tal doutor fez por aqui,nós todos da Urupuca estamos envolvidos nas medições dele Com o pouco que estou sabendo e a zueira que está por ai abaixo e Dismar fez um gesto largo não escapou ninguém. Até o Zé Cena e Tatão Gatias,dois posseiros ricos,escapavam. Então, se é assim,pior para o tal Paládio Ruz. Porque ele está com os olhos maior que a barriga e nos ajuntou todos num lado só. Hoje á nós todos vamos para a casa do Zé cena. Ele é homem instruído por lei. Já foi inté vereador. Lá a gente acerta como proceder,porque eu cá não vou correr do bafo da onça e nem tenho mais idade para me arrancar daqui e ir abrir outra posse,deixando tudo que suei prá construir nas mãos de um cubilça que o diabo pariu. E o senhor pode contar com todos nós Todos foram a casa de Zé Cena. Agrupandose praticamente os posseiros todos doUrupuca. Cada um contando o seu ‘caso’,precisamente a data certa em que fizera sua ‘aberta’ na mata, Todos,todos sem exceção,eram acordes em que fora Brigelino dos Santos,o primeiro dos primeiros.Ali estava a uns trinta anos. Havia muitos de 20 a 25 anos,mas a maioria fizera sua entrada há 10 e 15 anos.Nenhum,contudo,com menos de 5 anos. Ao todo,mas de uma centena de familias ameaçadas pela grilagem de Paládio Ruz. Falou Zé Cena: Está certo,companheiros,que a gente se aprepare para o que for acontecer. Depois da justiça,vem a policia e entremeio a jagunçada de Paládio Ruz. É Sempre assim que eles fazem. Paládio Ruz ja até registrou estas terras em seu nome,ficando a gente como simples invasores de terras alheias. Pois eu proponho que a gente enfrente o Paládio em todos os terrenos,a começar da Justiça. Ora ,companheiros ,afinal o tempo do carrancismo já passou. Hoje é o próprio governo que vive proclamando a necessidade da reforma agrária para o Brasil progredir. Como falar em reforma agrári e permitir que mais de cem familias sejam escorraçadas da terra que estão trabalhando e produzindo? Portanto,nós vamos enfrentar o Paládio ponto por ponto. Vamos na justiça com advogado nosso. Já não temos o saudoso Dr Caio Monteiro de Barros,mas não é possivel que numa cidade do tamanho de Governador Valadares a gente não arranje um doutor peitudo para patrocinar nossa causa. Vamos também contar todas as bandalheiras do Paládio para o povo conhecer bem quem é ele. Em Valadares tem um jornal com a coragem de pubilicar,é a BATALHA.Vamos falar com os deputados. Vamos até o presidente da republica se necessário(...) Começara mais um dos episódios da implacável luta pela terra.De um lado o grileiro,seus jagunços e advogados,seus politicos como o Dep. Brandi e sua fortuna para comprar consciência,alugar delegados e policiais,tentar corromper até a justiça. Do outro lado dessa vez,o posseiro não estava só como antes se dava nas terras do Rio sem dono. 2 O JORNAL ● Desde de 1958 que A batalha circulava em Governador Valadares.Primeiro foi como jornal de sátiras: ‘ Fala de todos,não briga com ninguém’, era sua legenda sob a figura do neguinho Saci Pereré escrevendo á máquina. ● Aos poucos o jornal brincalhão foi tomando outro feitio.Foram os leitores que mudaram o jornal. Começaram a trazer suas lutas,problemas e angustias. ● Logo abaixo do nome a legenda famosa ‘ NÃO CONHECEMOS ASSUNTO PROIBIDO’. E não conhecia mesmo. Ninguém melhor sabia disso.Nunca deixou de publicar denuncia contra qualquer poderoso do dia,fosse quem fosse. Mais de um delegado de policia prepotente foi malhado em suas colunas e acabou por afastado ● O telefone era um seu repórter dos mais eficientes. Muitas vezes durante o dia tilintava o aparelho,quase sempre trazendo uma informação,formulando uma denúncia,ajudando o jornal a refletir semanalmente a cidade e o seu povo. ● Algumas reportagens tiveram grande repercussão e muitas foram aproveitadas por jonais da capital. Um jornal assim,mais cedo ou mais tarde,abacaria se ligando a luta pela terra ● Os posseiros ligaram para o jornal e contou a história de sua luta. ● Foi a manchete da edição de A Batalha ‘ Brigelino para paládio: ‘ UM DE NÓS DOIS NÃO BEBE MAIS AGUA DA LAGOA AMARELA’ e seguiase a matéria detalhando a suja grilagem,desde a ação de envolvimento do Dr Trança,até o tráfico de influência D 4 TOCAIA ● Tocaia: método tipico de fazendeiro,de gente rica eliminar seu inimigo. O desabafo precisa desaparecer e o ‘cidadão honorável’ não quer,’não pode’ correr o risco de enfrentálo,muito menos as ‘dores de cabeça’ de um processo criminal. Então’ empreita o serviço’,monta o ‘ crime de mando’. É a tocaia. ● Procuram o executor pistoleiro,o jagunço,esse sinistro profissional de ceifar vidas não é dificil. Porque eles são filhos do sistema que se funda no grande proprietário rural,soberano dentro dos seus dominios. ● Prometem fortuna fácil aos jagunços. ● Mas,há também outro tipo de tocaia: a do mais fraco contra o mais forte. Não tendo como se vingar ou resistir abertamente á violência do mais forte,o homem do povo apela para a tocaia. Surpreende e elimina certeiramente seu inimigo. Muita ‘gente grande’,muito fazendeiro prepotente desapareceu assim. Somente aqui a tocaia não é feita em nome de ninguém. É o próprio perseguido,o humilhado, o espoliado, o injustiçado que reage a seu modo. Fraco,age com astúcia. ● Dismar e Tufino fizeram uma tocaia destas,todas as grilagens de Paládio Ruiz haviam transcorrido ‘normalmente’,até que ele investiu contra mais de cem posseiro de Urupuca. Transtornado por tudo não percorrer os caminhos esperado por Paládio Ruz,já que A batalha continuava a desmascarar suas armações e na justiça tudo andar contra o deputado. Este manda jagunços expulsarem os posseiros a força. ● Dismar e Tufino,apos receber sobre ameaças um jagunços mandando que eles saiam de vossas casas ou serão expulsos a tiros e pontas pés,resolvem agir pelo molde de sua justiça. Armam minuciosamente pegar os jagunços em uma tocaia. Foi feito. ● Nem esperavam esperar muito e já ouviram o tropel dos cavaleiros se aproximando. Vinham três. Na frente,Alceu chefe do bando. Vinham conversando alto,talvez comentando a proeza iminente. E armados até os dentes.Deixaram os homens chegarem perto,e atiraram. Quase simultâneos. Dois jagunços caíram. ● Nem esfriado o cadáver e já chegava a policia do capitão Manta Faria. Ambos se entregam. Já que não haviam feito tocaia para matar e fugir. Queriam é defender suas barracas,suas posses e familiares. ● Foi assim que falaram em seus depoimentos. Franqueza,caráter de homens rudes e simples. Era legitima defesa,fruto da coação irrestivel em que se encontravam.Porém não era o que pensava o capitão Manta Faria. Não estava ali para isto. Vieram de longe para servir a Paládio Ruz. Era seu jagunço fardado. 4TORTURA Com aquela mirada fixa de quem olha sem ver,Tufino e Dismar não estavam na janela da cela vendo o deslumbramento de cores do sol. Meditavam. Começado o interrogatório,Manta Faria havia sido o responsavel por tentar tirar dos posseiros algo que os envolvesse em ações de tocaieiros. Porém, Difuno e Tismar não tinha envolvimento com esse tipo de ação.Observando que nenhum dos dois,haviam de confessar algo começou as agressões verbais e prometeu a ambos que iriam ‘sairpara passear’,caso não confessassem. Mas ambos não estavam a ocultar nada. Paládio Ruz percebera que era o momento certo de envolver Zé Cena na situação. E envolvemo significaria prender o mesmo também. Então avisando a Manta Faria para que obrigasse os posseiros a qualquer custo a confessar Zé Cena como o mandante do atentado. Levando os posseiros para o Rio,ameaçou com armas e afogamentos. Dismar e Tufino cederam a pressão apos um período e sem gozo,colocaram Zé Cena como mandante. Mesmo sabendo que isso era mentira. Todos os trens foram presos e chegaram a passar fome e necessidade na pressão. Ao contrário do que esperava Paladio Ruz,vizinhos avistaram a noite no rio e conectaram a ideia de que ambos haviam sido forçados a mentir sobre o envolvimento de Zé Cena. Com todas as pistas e testemunhas a favor dos posseiros,foi levado isso para o jornal A Batalha. Que mais uma vez desmascarava Paladio,expondo até a corrupção existente nas ações do capital Manta Faria. Movido pela pressão social Manta Faria saiu da delegacia da cidade e os três posseiros foram liberados. Paládio ficou furioso. 5QUEIMADA Paládio Ruz estava furioso. Em sua mente, se a terra não era dele. Ela não será de mais ninguém. Logo,a cidade estaria consumida pelo fogo. Somente quem conhece o imenso vale do Urupuca e da Lagoa Amarela, reconhece a loucura e monstruosidade desse cidadão.Terra fértil e repleta de lavouras de milho,feijão e arroz. Um lugar privilegiado que punha ardente a cobiça do grileiro. Chegando ao fim a seca particularmente rigorosa do ano de 1960,época em que os fazendeiros da pecuária extensiva incendeiam suas pastagem estorricadas pelo longo estio,a fim de que as primeiras chuvam façam brotar viçoso o colinião. Época também dos lavradores,daquela agricultura primitiva de machado e enxada,lançar fogo ao coivaral de suas derrubadas,preparando o solo para o milho e o feijão. Época de queimadas,com a atmosfera quase irrespirável de fumaça e cinza,um sol alaranjado que caustica e um mormaço de 40 graus á sombra. Perfeito para colocar o plano de Paládio em pratica, ninguém pensaria que o que acontecesse á de ser uma queimada generalizada,no máximo referiase a pratica da queimada controlada.E assim foi. Estrategicamente destruídos,os capangas de Paládio atearam fogo simultaneamente em vários pontos do capinzal e da própria mata. Quando a noite chegou entrou a fogueira imensa que podia ser vista por léguas e léguas de distâncias.Os animais soltavam urros e punham a correr daquele inferno. Um posseiro começou a gritar o outro,as mulheres corriam com seus filhos para aceirar suas casas. Homens,mulheres e até crianças lutaram dias e noites sem parar,sob um calor estonteante,arriscando suas vidas num correcorre.Cobras venenosas,jaracuçús e urutús,fungindo das chamas,surgiam muitas vezes junto as pernas dos posseiros. Finalmente o tenaz esforço de todos dominou a queimada. O fogo foisitiado. Mas,a destruição era enorme.Fabulosa reserva florestal perdida sem remédio.Famílias e mais famílias desabrigadas. Foi esta a denúncia que A Batalha fez. Reuniu provas irrefutáveis e acusou Paládio Ruz frontalmente. Comoveuse a opinião publica.Jornais da Capital e de outros Estados focalizaram o assunto. Na Assembléia Legislativa vários deputados verberaram o crime,sendo criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito,já que as terras em litigio eram ainda devolutas,portanto do Estado. Resolutamente,Paládio compareceu para justificar as acusações. Não confessará,mas não omitia sua participação. Apenas dizia “...as terras são minhas..”,na “minha propriedade faço o que quiser”. Mesmo assim,o dr Clinio Tarlins,baseado numa certidão do depoimento de Paladio Ruz na Comissão Parlamentar de Inquérito,entrou como uma queixacrime contra ele. O processou rolou por anos e ainda deve esta por lá,em alguma gaveta de cartório.
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