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1 2 Aos meus pais, que sempre estiveram ao meu lado, em todos os momentos de minha vida. Por nunca terem desistido de mim e mais uma vez não mediram esforços para tornar esta conquista possível. Por me permitir fazer parte desta família carregada de amor, união, afeto e respeito. Amo Vocês!!! 3 AGRADECIMENTOS Aos meus filhos, Alice, Lucas e Felipe por tornarem minha vida completa, por terem tido a sensibilidade de perceber na minha ausência uma possibilidade de intensificar nossos momentos juntos, tornando-os sublimes. Ao Edno, meu marido, por ter acreditado que seria possível concluir mais esta etapa, pelo incentivo, paciência, carinho e amor. Pela compreensão nos meus momentos de ausência. Não foram momentos tão agradáveis, nem tão pouco fáceis, mas o gosto de vivenciar a conclusão desta etapa e poder dividir isso com você é bom demais. Que venham novos desafios. Agora é sua vez. Aos meus pais, pelo amor e apoio incondicional oferecido a mim e a minha família. Sem vocês nada seria possível. Aos meus irmãos Raphael e Eliza por estarem sempre presentes na minha vida, pela constante construção de afeto, amor e amizade que permeia nossa relação. Aos meus cunhados Nara e Milton e Patrícia, pelo incentivo e dedicação. Aos meus sobrinhos Amanda, Pedro Henrique, Camila e Rafael por trazerem alegria à nossa família. Em especial aos meus avós Pascual e Ione a quem tenho tanto carinho e amor. As palavras de gratidão aqui seriam poucas para expressar o quanto vocês são importantes na minha vida. A cada um dos meus tios, que sempre foram muito presentes na minha vida. Tia Marisa sempre acolhedora, tio Norberto o aventureiro, Dani muito amiga e presente e a todos os outros não menos importantes, mas talvez um pouco mais distantes. À minha orientadora, conselheira, exemplo profissional, amiga e professora Dra. Mirian Faury, para quem não encontro palavras para descrever o tamanho da minha admiração e orgulho de tê-la próxima a mim. Agradeço a disposição e dedicação nas orientações, pelos momentos de troca de conhecimentos, pelas conversas motivadoras e incentivadoras, pelo compromisso profissional e amor à profissão. Muito obrigada por fazer parte da minha vida. As minhas queridas amigas Lourdes, Nancy e Rosangela pela parceria incrível, pela convivência. Formamos de fato um “quarteto fantástico”. As pessoas que tive o privilégio de conhecer durante esta jornada e que fizeram a diferença na minha vida. Tornando meu caminhar mais leve, agradável e contribuíram para o meu crescimento pessoal e profissional. À minha primeira supervisora de campo Tida, pela valiosa contribuição na minha formação profissional, por incentivar-me e acreditar no meu potencial. Márcia e Ismar que participaram desta construção de forma especial e todos os demais que tive oportunidade de conviver na UNICAMP. Não tenho palavras para expressar meus agradecimentos a toda equipe do SAPECA, vocês foram essenciais na minha vida durante todo este tempo que passamos juntos. Cada um... Adriana e Rachel por compartilhar tanto saber, pelo incentivo, pelas orientações e principalmente pela acolhida. Liz, Ana, Cláudia, Larissa, Márcia pelo apoio, por demonstrar em pequenos gestos como podemos fazer a diferença na vida das pessoas. Solange, Braz, Egídio pela disposição em ajudar e apoio e ao Miro pela alegria, pelas conversas durante os trajetos e pelos sábios conselhos a todos nós. Sinto carinho, admiração e respeito por cada um de vocês. Muito obrigada por me permitir, de fato, fazer parte desta linda equipe. 4 Agradeço de forma especial ao acolhimento que recebi, desde o início, da Jane Valente que mesmo sem me conhecer já acreditou em mim. Tive o privilégio de contar com leituras de suas produções teóricas que tanto contribuíram na realização deste TCC. Lembro-me no dia da defesa de seu doutorado, quando fui cumprimentá-la e disse que “quando eu crescer quero ser como você”, naquele momento não tinha dimensão de quanto ainda precisarei apreender, mas estou disposta a dedicar-me e assim poder chegar perto disso. Hoje, dia do meu nascimento (profissional), tenho o prazer de tê-la como “doula”. Obrigada pelo carinho e atenção. Aos meus novos amigos da Faculdade da Terceira Idade agradeço as histórias de vida compartilhadas, os momentos de troca de conhecimento e a construção de novos saberes através da tecnologia. Jamais me esquecerei de vocês. Enfim, agradeço à Deus pela vida de cada pessoa faz parte desta construção. Obrigada!!! 5 “Que a solidez de nossas ações e a diversidade de possibilidades nos auxiliem a superar o difícil caminho da decisão, para que esta decisão seja, se possível, o melhor para todos, se não, que seja para a criança e para o adolescente”.(frase construída em supervisão institucional com a psicóloga Isaura Trevisan, onde a proposta era o Sonho da Equipe do SAPECA. 6 RESUMO CRETES, Elza Frattini Montali. Motivos da aplicação de medida de proteção para crianças e adolescentes, atendidas no serviço de acolhimento familiar, SAPECA (Serviço de Acolhimento e Proteção Especial à Criança e ao Adolescente). 2013. 78f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências Humanas Sociais Aplicadas, Faculdade de Serviço Social, Campinas,2013. O motivo da aplicação de medida de proteção para crianças e adolescentes, deve ser analisado como um problema social crescente e intensificado com o aumento significativo do número de pessoas usuárias de substâncias psicoativas. O SAPECA tem como objetivo acolher crianças e adolescentes afastados de seu núcleo familiar, sob medida protetiva, em famílias acolhedoras visando minimizar as perdas e sofrimentos destes sujeitos de direitos e garantir a convivência familiar e comunitária, além de um atendimento individualizado e específico. Atualmente, o constante ingresso que crianças em serviços de acolhimento e suas histórias de vida tem um mesmo motivo. O uso de SPA pelos pais ou responsáveis, está presente na vida da maioria destas crianças. As políticas públicas existentes já não são mais suficientes para atender as demandas que vêm surgindo nos últimos anos. O retorno destas crianças à suas famílias de origem tem se tornado inviável, pelo grande risco que representa e aos possíveis danos causados que são muitas vezes irreversíveis. A pesquisa documental foi realizada com a totalidade de casos atendidos pelo SAPECA, encerrados até outubro de 2013, através dos registros produzidos em prontuários e documentação disponível. Além da pesquisa qualitativa, foram feitas entrevistas com as assistentes sociais do serviço para qualificar a análise dos dados obtidos. A emergência de um olhar e reflexões sobre o crack e outras drogas surge através das implicações que causam na vida e no destino de crianças adolescentes, filhos de usuários. O efeito devastador das drogas, vêm ameaçando famílias e a sociedade, devendo o Estado intervir e elaborar políticas que atendam esta demanda. Palavras Chave: Família, Criança e Adolescente, Acolhimento Familiar, Proteção Especial, Substância Psicoativa. 7 ABSTRACT CRETES, Elza Frattini Montali. Reasons for the application of protective measure for children and adolescents placed in foster care service, SAPECA (Service Reception and Special Protection of Children and Adolescents). In 2013. 78f. Completion of course work (undergraduate) - Catholic University of Campinas, Center for Applied Social Sciences, Faculty of Social Work, Campinas, 2013. The reason for the application of protective measure for children and teenagers, should be analyzed as a growing social problem and intensified with the significant increase in the number of people who use psychoactive substances. The SAPECAaims to accommodate children and teenagers away from their immediate family under protective measure in host families in order to minimize the losses and sufferings of these subjects of rights and ensure the family and community, as well as a specific and individualized care. Currently, the steady inflow children in childcare and their life stories have the same reason. The use of SPA by parents or guardians, is present in the lives of most children. Existing public policies are no longer sufficient to meet the demands that have emerged in recent years. The return of these children to their families of origin has become unfeasible, at great risk and it is possible that damage is often irreversible. The survey was conducted with all cases handled by the SAPECA, closed until October 2013, through the records produced records and documentation available, in addition to interviews with the social workers of the service to qualify the data analysis. The emergence of a look and reflections on crack and other drugs arises through the implications that cause the life and destiny of children and teenagers, sons of users. The devastating effects of drugs have been threatening families and society, but the state intervene and devise policies that meet this demand. Keywords: Family. Children and Youth. Foster Care. Special Protection. Crack. Psychoactive Substance. 8 1 INTRODUÇÃO 10 2 Família, Drogas e Proteção Social Especial 13 2.1 A Família em seu contexto atual 13 2.1.1 Lar doce Lar? 13 2.1.2 As Famílias no Brasil 15 2.1.3 Vulnerabilidades vivenciadas no contexto familiar 17 2.1.4 Legislação sobre Família 18 2.1.5 Convivência Familiar e Comunitária 21 2.2 No meio do caminho tinha uma pedra... 25 2.2.1 O efeito devastador do Crack 26 2.2.2 Mulher, maternidade, maternagem e crack 29 2.2.3 O Crack em Campinas, pela visão da imprensa local 32 2.3 Proteção Social Especial – Alta Complexidade 34 2.3.1 Modalidades de acolhimento 37 2.3.2 Pesquisas Relevantes sobre Acolhimentos Institucionais 38 2.3.3 A experiência do SAPECA – Serviço de Acolhimento e Proteção Especial à Criança e ao Adolescente 41 3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA 46 4 Considerações Finais 70 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 74 9 Figura 1: Divisão do grupo estudado por sexo. ........................................................................ 48 Figura 2: Distinção das crianças acolhidas, por raça. ............................................................. 49 Figura 3: Índice de casos nas Regiões Administrativas de Campinas. .............................. 51 Figura 4: Presença X Ausência dos pais nos cuidados com os filhos. ................................. 52 Figura 5: Média etária no início do acolhimento. ...................................................................... 53 Figura 6: Período de acolhimento para crianças menos de 1 ano. ....................................... 54 Figura 7: Período de acolhimento para crianças entre 1 e 3 anos. ....................................... 55 Figura 8: Período de acolhimento para crianças entre 4 e 6 anos. ....................................... 55 Figura 9: Período de acolhimento para crianças entre 7 e 9 anos. ....................................... 56 Figura 10: Período de acolhimento para crianças acima de 10 anos. .................................. 57 Figura 11: Motivos da aplicação de medida protetiva. ............................................................ 60 Figura 12: Violência Doméstica subdividida em: Violência Física, Violência Psicológica e Violência Sexual.. .......................................................................................................................... 61 Figura 13: Divisão do uso de SPA em: Crack, álcool e outros. ............................................. 62 Figura 14: Motivos do desligamento do serviço. ...................................................................... 63 Figura 15: Reintegração na Família Extensa Materna e Paterna. ........................................ 64 Figura 16: Reintegração Família Extensa: Parentes Maternos e Paternos. ........................ 65 Figura 17: Adoção por famílias inscritas no Cadastro Nacional, Cadastro Internacional ou Família Acolhedora. ...................................................................................................................... 66 Figura 20: Motivo do desligamento do serviço nos casos de crack. ..................................... 68 10 1 INTRODUÇÃO O trabalho a seguir aborda o tema motivos da aplicação de medida protetiva a crianças e adolescentes inseridos no serviço de acolhimento familiar em Campinas, o SAPECA, desde o seu surgimento até os dias atuais. Visando identificar mudanças significativas e apontando a necessidade de constante aperfeiçoamento, reformulações e elaboração de políticas públicas que atendam as demandas apresentadas. O Serviço de Acolhimento e Proteção Especial à Criança e ao Adolescente (SAPECA) é um serviço da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social (SMCAIS) da Prefeitura Municipal de Campinas. Tem como objetivo atender crianças e adolescentes com medida de proteção judicial através do acolhimento familiar, garantindo a convivência familiar e comunitária e proporcionando cuidados e proteção individualizados a fim de atender de forma específica as necessidades de cada criança e/ou adolescente. O trabalho visa responder questionamentos surgidos sobre quais eram e quais são, atualmente, os motivos que levam uma criança a ser afastada de sua família de origem. Analisar, ainda, quais as perspectivas de retorno das crianças para sua família de acordo com o motivo de medida protetiva. Refletir sobre a complexidade que envolve um acolhimento, onde o motivo preponderante é o uso de substância psicoativa, principalmente o crack, além da necessidade de produzir material teórico para embasar futuras reflexões, com ênfase na questão que envolve o crack na família e na sociedade. Segundo Rizzini (2004), existem poucos estudos que abordem o tema referente à institucionalização de crianças e adolescentes e que há necessidade de voltar à atenção para as causas dos problemas, além de identificar formas de apoio que possibilitem a permanência junto à suas famílias e em suas comunidades de origem. As expressões da questão social, apresentadas através do tema escolhido são inúmeras, dentre elas podemos destacar o efeito devastador do crack e o índice alarmante de crianças e adolescentes institucionalizados tendo como motivo a dependência dos pais ou responsáveis; o período de permanência no 11 acolhimento que deveria ser de curto prazo e acaba se estendendo pela impossibilidade de reintegração familiar e dificuldade de colocação em família substituta; os prazos legais, direito a ampla defesa e demora na decisão judicial devido à complexidade dos casos; os agravamentos à saúde dos filhos de mães usuárias de crack como elemento dificultador no caso de necessidade de colocação em família substituta e como consequência desta problemática surgem as limitações da intervenção profissional. Os objetivos propostos foram pesquisar e analisar o índice histórico de crianças e adolescentes acolhidos pelo SAPECA tendo como motivo da aplicação de medida o crack, verificar os impactos causados na sociedade e se as políticas públicas são suficientes e efetivas para atender a demanda apresentada. Identificar todos os demais motivos que resultaram no afastamento das crianças de seus lares, o período que permaneceram em situação de acolhimento, o destino destas crianças e o perfil dos usuários do serviço. Existem diversas leis e políticas públicas que garantem a proteção integral da criança e do adolescente, em situação de risco. Porém isto não garante que as ações oferecidas,atendam as reais necessidades apresentadas na sociedade. Há urgência em acompanhar o desenvolvimento de suas problemáticas e as questões que permeiam estas relações que surgem e recriam formas de desigualdade e exclusão social. Metodologicamente, este trabalho adotou o tipo de pesquisa documental, acrescida de entrevista com as assistentes sociais do serviço a fim de qualificá-la. As informações foram obtidas através dos 131 prontuários, que representam o universo total de acolhimentos encerrados até novembro de 2013. O instrumental utilizado foi um roteiro para coleta de dados e questionário aplicado com as assistentes sociais. Os principais autores que embasaram a pesquisa foram Silvio Kaloustian e Irene Rizzini no tema sobre família, sobre o crack os principais autores foram Ronaldo Laranjeiras através da Cartilha Diretrizes Gerais Médicas para a Assistência Integral ao dependente do uso do Crack, elaborada pelo Conselho Federal de Medicina e Oliveira, Paiva e Valente que abordam a questão da interferência do contexto assistencial na visibilidade do consumo de drogas por 12 mulheres e sobre o acolhimento familiar esta pesquisa fundamenta-se na produção teórica de Janete Valente que aborda o tema em diversas publicações além das teses de mestrado e doutorado em Serviço Social. O presente trabalho foi dividido em dois capítulos. O primeiro, revisão bibliográfica, abrange as questões presentes relacionadas ao problema estudado. Aborda a questão da família desde sua conceituação, as famílias no Brasil, dificuldades e enfrentamentos vividos pela família, legislação e o direito a convivência familiar e comunitária. O próximo tema chave trabalhado é o crack e sua representatividade na sociedade, correlacionado com a maternidade e sua implicação no processo de maternagem, complementado, ainda, com a visão da imprensa local sobre o crack em Campinas. Finalizando o primeiro capítulo, apresentamos a modalidade de atendimento Proteção Social Especial de Alta Complexidade, conceituando e apontando as legislações vigentes sobre a proteção integral à crianças e adolescentes. Abordamos, neste subtítulo, as modalidades de acolhimento existentes em especial o serviço de acolhimento familiar e a experiência do SAPECA . O segundo capítulo apresenta os resultados obtidos através da pesquisa, embasados na produção teórica de autores que abordam as questões apresentadas. As considerações finais oferecem algumas conclusões construídas a partir da análise e interpretação dos resultados, seguido por algumas sugestões para reflexão e planejamento de ações que visem atender as demandas apresentadas com relação ao crack, a maternidade e às crianças e adolescentes em situação de acolhimento. 13 2 Família, Drogas e Proteção Social Especial Este capítulo desenvolve-se a partir dos temas que envolvem a questão da família, drogadição, crack, maternidade, proteção social especial e acolhimento familiar. Subdividindo-se tópicos como facilitador da leitura e organização de ideias para subsidiar os resultados da pesquisa realizada. 2.1 A Família em seu contexto atual 2.1.1 Lar doce Lar? A família, independente de sua organização, contexto e história, representa o local de vivências e experiências significativas na vida do ser humano, principalmente para a criança que está em fase de desenvolvimento. É nela que se inicia a história de cada um, a construção de significados, a aprendizagem afetiva, o reconhecimento da identidade individual e coletiva, preparando o indivíduo para experiências pessoais e sociais. É a base de apoio para o enfrentamento de conflitos e desenvolvimento, representando a responsabilidade de uma geração no cuidado e preparação da outra. No artigo “Fabricando Família” Fonseca (2004) comenta: (...) estou tentando transmitir para vocês como a análise da “família”, de qualquer família inclui, por um lado, a observação das práticas dos indivíduos, seus hábitos no dia- a-dia,e , por outro lado, a interpretação de suas ideias sobre tudo isso. O conceito de família dado por Mioto (1997:120) é de um núcleo de pessoas que convivem em um determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos, [tendo] como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membros e se encontra dialeticamente articulado com a estrutura social na qual está inserido. O professor Valter Lima Junior, em palestra ministrada na PUC-Campinas em 17 de abril de 2013 descreve o conceito pós-moderno que define família como 14 LAR (L – lugar, A – afeto e R – respeito), o qual significa imprimir sentimentos, cuidado com o outro independentemente de sua constituição1. O conceito idealizado de família feliz, descrito por Goldani (2002), é formada por um casal heterossexual, legalmente casados, com dois filhos e todos vivendo juntos em uma casa própria. O marido com emprego fixo e principal provedor de sustento e a mulher, dona de casa, responsável pela economia doméstica, pela organização da casa, pelo cuidado com as crianças, os adolescentes, os idosos e os doentes. Porém, Moreira (2013) diz que as famílias brasileiras ao longo da história foram se transformando, a frequência se casamentos diminuiu, o número de separações aumentou, o de recasamentos cresceu, outros arranjos sexuais na formação dos casais são experimentados, o número de nascimentos diminuiu, assim como o número de filhos por casal. Um número expressivo de adolescentes torna-se mães, algumas mulheres vão experimentar a maternidade pela primeira vez após os trinta anos. Há homens e mulheres que escolhem a paternidade e a maternidade, mas não o casamento. Muitos lares são chefiados e sustentados pelas mulheres. Estas mudanças e a diversidade de estrutura e dinâmica das famílias acabam por nos dar a falsa impressão de que as famílias estão desestruturadas, em crise ou até ameaçadas de desaparecer, quando na verdade existem muitos modelos de família que convivem no mesmo espaço social e ao mesmo tempo, são elas: nuclear simples, monoparental feminina simples, monoparental masculina simples, monoparental feminina extensa, monoparental masculina extensa, nuclear extensa, família convivente, nuclear reconstituída, família de genitores ausentes, nuclear com crianças agregadas, colateral e homoparental. (MOREIRA 2013:10-18). A autora finaliza afirmando que não há uma família melhor ou pior que a outra, elas são apenas diferentes entre si e isto quer dizer que não há um modelo certo nem um modelo normal de família. Seja qual for o modelo, todas têm deveres e responsabilidades para com os seus membros. 1 Anotações pessoais de palestra em 17/04/2013, na PUC-Campinas, ministrada pelo professor Valter Lima Junior para o curso de Serviço Social, sobre o tema Adoção. 15 É de fundamental importância – ao pretender identificar se uma família possui condições para oferecer cuidado e proteção aos seus membros – a atenção para não cair na armadilha de estigmatizá-la, pois os estigmas impedem, na maioria das vezes, de perceber as possibilidades que as famílias tendem a construir. (VITALE 2002:52) Em sua dissertação de mestrado VALENTE (2008) diz que a família, enquanto sistema aberto se relaciona com a sociedade, que tanto lhe oferece oportunidade de esfacelamento como de reconhecimento de potencialidades. Para a autora, são vários os fatores que se inter-relacionam, sejam eles sociais, psicológicos, culturais, políticos, econômicos, internos ou externos à ela. As famílias pobres, na luta pela sobrevivência, convivendo com situações de pobreza, de violência, de drogas, de falta de infraestrutura urbana, de desemprego, de migração, de ocupação territorial inadequada, têm visto se acentuarem os conflitos edificuldades de convivência, resultando, muitas vezes, em sintomas de autodestruição, condutas impulsivas, violência doméstica, alcoolismo, drogadição, interferindo diretamente na dinâmica familiar. A autora relata que quando uma criança necessita ser afastada de sua família, por proteção, não significa que esta “não sirva”, nem que possa ser “desqualificada”. Muitas vezes, isto quer dizer que, naquele momento, ela “não pode” ou “não tem condições objetivas” de atender às necessidades que seu filho(a) apresenta. 2.1.2 As Famílias no Brasil No artigo “Ajustando o foco das lentes: um novo olhar sobre a organização das famílias no Brasil”, Neder (2004) relata a necessidade de uma abordagem sobre famílias no plural, levando em consideração a multiplicidade étnico-cultural que embasa a composição demográfica brasileira. Deve-se levar em conta os aspectos históricos e culturais presentes na formação social, desta forma seria possível uma construção democrática baseada na tolerância com as diferenças do outro. 16 A autora apresenta a história das famílias no Brasil desde a sua origem que se deu através das “três raças”, ex-escravos, negros e indígenas considerados as “raças inferiores” e os brancos de origem europeia como “superiores”. Conceitua a família de origem africana, escravizada, como aquela que não tinha o reconhecimento de sua condição humana, seriam “coisa” e a escravidão era vista como missão de salvação. Para a família escravizada, o autoritarismo e a violência são responsáveis pela separação entre casais, pais e filhos, provocando perda de vínculos e crises de identidade marcantes e irreversíveis. Já a família tradicional, patriarcal, se apresenta como de caráter altamente repressivo, reprodutora de normas e disciplinamento, aplicando controle social e sexual ditados pela Igreja. Um modelo “higiênico” e moralista da família burguesa de inspiração vitoriana. O sadismo e os castigos físicos praticados pelos pais e professores, obedecem a uma concepção de educação fundada na culpa. Valente (2013) mostra ainda, que no Brasil esta concepção começa a ser mudada a partir da Proclamação da República (1988) que introduziu no país um conjunto de modernizações que envolveram o fim do trabalho escravo e a urbanização. O projeto republicano dos militares adquiriu um caráter de modernização conservadora no plano econômico, mantendo, um padrão de controle político e social excludente, pensava também na organização da família moderna, chamada nova família. Padrão de organização burguês, com a família nuclear moderna, adotava-se novas práticas de sociabilidade, inspiradas no modismo. Todo o processo de mudança na organização das famílias que acompanha o “aburguesamento” da sociedade moderna, divórcio, nova parentela oriunda dos filhos de outros casamentos, maior liberalidade dos costumes e da vida sexual, recebe a designação de nova família. De acordo com a abordagem feita por Berthoud (2003), o panorama geral que é traçado nos mostra um sentimento de família ausente que vai se transformando em fragmentos de concepção de família organizada em função da educação das crianças, até o surgimento da família moderna. As concepções de família e função parental estão entrelaçadas na história social do ser humano. A família moderna existe em função da parentalidade, da mesma forma como a parentalidade existe em função do sentimento moderno de família. 17 Kaloustian (2004) aponta que o Brasil, cada vez mais urbano, é marcado por profundas transformações sociais, econômicas, culturais, éticas e mesmo ao nível do comportamento humano, mas permanecendo um consenso em torno da família como espaço privilegiado para a prática de valores comunitários e o aprofundamento de relações de solidariedade, reforça também a permanência de suas funções, consideradas insubstituíveis quanto à assistência, promoção de valores, educação, proteção aos seus membros e, sobretudo, lugar de encontro de gêneros e gerações. 2.1.3 Vulnerabilidades vivenciadas no contexto familiar Kaloustian (2004) reafirma que a família é o espaço indispensável para a garantia da sobrevivência, de desenvolvimento e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. Destaca que a situação de vulnerabilidade das famílias encontra- se diretamente associada à situação de pobreza e ao perfil de distribuição de renda no país. As famílias são afetadas pelo processo de desenvolvimento sócio- econômico e pelo impacto da ação do Estado através de suas políticas econômicas e sociais e também por problemas sociais de natureza diversa, tais como atentados frequentes aos direitos humanos, exploração e abuso, barreiras econômicas, sociais e culturais ao desenvolvimento integral de seus membros. Para entender a função social da família podemos verificar a afirmação: A família para os pobres, associa-se aqueles em quem se pode confiar.(...) Como não há status ou poder a ser transmitido, o que define a extensão da família entre os pobres é a rede de obrigações que se estabelece: são da família aqueles com quem se pode contar, isto quer dizer, aqueles que retribuem ao que se dá, aqueles, portanto, para com quem se tem obrigações. São essas redes de obrigações que delimitam os vínculos, fazendo com que as relações de afeto se desenvolvam dentro da dinâmica das relações descritas neste capítulo. (SARTI, 1996 p. 63) Atualmente família, tem sido cada vez mais requisitada pelo Estado, a assumir responsabilidades na gestão de determinados segmentos como crianças e adolescentes, idosos, portadores de necessidades especiais. 18 2.1.4 Legislação sobre Família A partir de 1988, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, registramos um importante marco no lugar que a família passa a ocupar nas questões de direito e exigências de responsabilidades, dispostas no Capítulo VII – “Da Família, Da Criança, Do Adolescente e Do Idoso” (artigos: 203, 204, 226, 227, 229 e 230). O caput do artigo 227 diz: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. COSTA (1999) ao comentar o caput do artigo 227, deixa claro cada um dos termos utilizados e nos ajuda a refletir sobre a doutrina da proteção integral que se destina a todas as crianças e aos adolescentes. O autor apresenta a reflexão fragmentando o artigo da seguinte forma: Art. 227 - CF/88 - COMENTADO É dever O artigo não começa falando em direito, mas em dever, ou seja, tudo que é direito da criança e do adolescente é dever das gerações adultas. Da família, da sociedade e do Estado Estes são os três níveis pelos quais as gerações adultas estão representadas no Estatuto Assegurar significa garantir. Garantir alguma coisa é torná-la exigível com base na lei. À criança e ao adolescente A substituição da expressão “do menor” por “criança e adolescente” significa a afirmação da condição humana de pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, em detrimento da convenção de natureza jurídica (conceito de menoridade) 19 Com absoluta prioridade A expressão “absoluta prioridade” pretende traduzir o princípio do interesse superior da criança contido na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 O direito A adição da palavra direito ao invés da palavra necessidade é reveladora de uma profunda mudança de enfoque. O menino ou menina em situação de dificuldadepessoal e social já não é visto como portador de necessidades, mas como detentor de direitos exigíveis À vida, à saúde, à alimentação Este primeiro elenco de direitos configura a garantia da sobrevivência À educação, à cultura, ao lazer e à profissionalização Este conjunto de direitos é que garante, à criança e ao adolescente, o desenvolvimento pessoal e social, ou seja, a possibilidade de realizar o potencial que trouxe consigo ao nascer À liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária Este terceiro elenco de direitos diz respeito à integridade física, psicológica e moral das crianças e adolescentes Além de colocá-los a salvo Colocar as crianças e os adolescentes a salvo é defendê- los das situações e circunstâncias que constituem ameaças de violação dos seus direitos. Seja por ação, seja por omissão De toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão Este conjunto de transgressões corresponde às situações de risco pessoal e social das quais as crianças e adolescentes devem ser defendidos. As crianças e adolescentes que se encontrem em qualquer uma dessas circunstâncias especialmente difíceis são credoras de proteção especial por parte da sociedade e do Estado A família está descrita no Art. 226 §4º da Constituição Federal de 1988 – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. A Lei 8069 de 13 de julho de 1990, ECA , reordena as atribuições da família e de outros agentes intervenientes como o Estado e a Sociedade Civil. Os artigos que tratam sobre família são: 4º, 7º, 15º, 16º, 25º e 90º. Na Seção II – Da Família Natural – o Art.25 diz: Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Estas definições estão relacionadas a filiação legal, de origem natural ou adotiva, 20 independentemente do arranjo familiar, como nuclear, monoparental ou reconstruída. A Lei nº 12.010/2009 complementa o referido artigo, com o seguinte parágrafo único: “Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.” Neste trecho constata-se que a nova legislação tenta aproximar o conceito de família a atual realidade dos arranjos formados pela sociedade. Rompe-se com o modelo tradicional, pai, mãe e filhos, abrangendo também parentes próximos e outras pessoas com vínculos não consanguíneos como a afetividade e a afinidade. O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, aprovado pelo CNAS e CONANDA em dezembro de 2006, chama a atenção para a necessidade de desmistificar a idealização de uma estrutura familiar como sendo “natural”, abrindo-se caminho para o reconhecimento da diversidade de organizações familiares, enfatizando a necessidade de uma definição mais ampla de “família”. “A família pode ser pensada como um grupo de pessoas que são unidas por laços de consanguinidade2, de aliança3 e de afinidade4”. (Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária, 2006 p 24) A concepção de família extensa ou ampliada trazida pelo Plano, acima citado, aponta que “(...) uma família se desdobra para além da unidade 2 A definição pelas relações consanguíneas de quem é “parente” varia entre as sociedades podendo ou não incluir tios, tias, primos de variados graus, etc. Isto faz com que a relação de consanguinidade, em vez de “natural”, tenha sempre de ser interpretada em um referencial simbólico e cultural. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária (2006) 3 Vínculos contraídos a partir de contratos, como a união conjugal. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária (2006) 4 .Vínculos “adquiridos” com os parentes do cônjuge a partir de relações de aliança. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária (2006) 21 pais/filhos e/ou da unidade do casal, estando ou não dentro de um mesmo domicílio: irmãos, meio-irmãos, avós, tios e primos de diversos graus” (BRASIL, 2006, p. 24). Ressalta ainda, a necessidade de reconhecer outros tipos de vínculos que pressupõem obrigações mútuas, não de caráter legal e sim de caráter afetivo. Ao mesmo tempo em que amplia o conceito de família e reconhece os vínculos para além da consanguinidade, o que podemos chamar de rede de apoio à família. A Lei Orgânica de Assistência Social nº 8742 de 07 de dezembro de 1993 - LOAS, aborda o tema em seus artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, e 20º e preconiza também em suas diretrizes a descentralização político-administrativa das ações referentes a política de proteção social às famílias. 2.1.5 Convivência Familiar e Comunitária A palavra “sujeito” traduz a concepção da criança e do adolescente como indivíduos autônomos e íntegros, dotados de personalidade e vontade próprias, participantes das decisões que lhes dizem respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau de desenvolvimento. E o fato de terem direitos, significa que são beneficiários de obrigações por parte de terceiros: a família, a sociedade e o Estado. O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária (2006), reconhece a criança e o adolescente como sujeitos de direitos como resultado de um processo historicamente construído, marcado por transformações ocorridas no Estado, na sociedade e na família. É fundamental compreender que, para que a família possa desenvolver suas responsabilidades e funções de cuidado e socialização de seus membros, ela precisa ter acesso aos direitos contemplados no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 (educação, saúde, trabalho, alimentação, lazer, segurança, previdência e assistência social), legitimando as políticas sociais como direito, e sob esta ótica, comprometer o Estado como garantidor das políticas públicas. 22 [...] como tem sido enfatizado, o fortalecimento e o empoderamento da família devem ser apoiados e potencializados por políticas de apoio sócio-familiar, em diferentes dimensões que visem à reorganização do complexo sistema de relações familiares, especialmente no que se refere ao respeito aos direitos de crianças e adolescentes. (BRASIL, 2006, p. 30) A convivência familiar e comunitária é fundamental para o desenvolvimento físico, psicológico e social dos indivíduos e proporciona as condições necessárias para a construção de sua identidade. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA TERRA DOS HOMENS, 2002). Silva, Mello e Aquino (2004, p. 211), acrescentam que a família é: “O aporte afetivo fundamental para o desenvolvimento infanto- juvenil e para a saúde mental dos indivíduos; a absorção de valores éticos e de conduta; bem como a introdução das crianças na cultura da sociedade em que estão inseridas.” Iamamoto (2004:265) salienta a relevância da família ao denominá-la como um “espaço de socialização, proteção, reprodução e formação dos indivíduos”. [...] lembrando que “a fragilidade dos laços familiares atinge importantes raízes da vida dos indivíduos sociais”. Da mesma forma, o direito à convivência comunitária é significativo por facilitar o estabelecimento de novos vínculos e relações. A convivência comunitária deve ser efetivada pela garantia de acesso às famílias aos serviços oferecidos nacomunidade, bem como por meio da participação das crianças e dos adolescentes em atividades oferecidas pela sociedade, tais como: lazer, esporte, religião e cultura. Para Silva; Mello; Aquino (2004) isso proporciona a convivência comunitária, evitando-se a alienação e inadequação à vida em sociedade. A Política Nacional de Assistência Social regulamentada em 1993, através da Lei Orgânica de Assistência – LOAS, e já prevista desde 1988, na Constituição Federal, em seus artigos 194, 203 e 204, é estabelecida como dever do Estado e direito de todos, tem como um de seus objetivos a proteção à família, à infância e à adolescência, regida por princípios, entre eles, “o respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, 23 bem como à convivência familiar e comunitária, [...]” (BRASIL, LEI 8.742/93, ART. 4º). Com vistas à efetivação do direito a convivência familiar e comunitária a Lei 12.010/2009 trouxe contribuições relevantes a fim de alterar a realidade de milhares de crianças e adolescentes institucionalizados em nosso país. Quando da aplicação da medida Acolhimento Institucional ou Familiar, a nova lei (12.010/2009) recomenda prazos para diminuir o tempo de permanência de crianças e adolescentes em instituições de acolhimento, submetidos a estas medidas de proteção e afastados de seu ambiente familiar de origem, na direção ao cumprimento do caráter excepcional e provisório da medida de proteção Acolhimento Institucional e Acolhimento Familiar. (BRASIL, 2010, Art. 101, Inciso 1º). O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu Art. 19 (Inciso 1º), dispõe que a situação do institucionalizado deve ser reavaliada, no máximo em 06 (seis) meses pela autoridade judiciária, decidindo pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta. O Inciso 2º, estabelece que a “permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 02 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse [...]”. De forma complementar ao que já preconizada o Estatuto da Criança e do Adolescente, a nova lei ratifica em seu Inciso 3 º que “A manutenção ou reintegração de crianças e adolescentes à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência [...]”. Dos princípios que regem a aplicação das medidas na promoção de direitos e proteção de crianças e adolescentes, a nova Lei 12.010/2009 traz o princípio da prevalência da família, “que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta.” (BRASIL, 2010, Art. 100). Entendemos que as inclusões e complementos trazidos pela Lei 12.010/2009 no capítulo III do Estatuto da Criança e do adolescente vêm ratificar 24 o direito fundamental de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária, sendo o abrigamento a última medida a ser tomada e com a maior brevidade possível. Atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente é garantir-lhes o direito fundamental a convivência familiar, como assegura o Artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente: O art.19 do ECA diz que “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. VALENTE (2013) descreve a importância do reconhecimento e da mobilização do Estado e da sociedade para que as crianças e os adolescentes fossem vistos de forma indissociável de seu contexto familiar e comunitário. O PNCFC/2006 salienta que não se pode perder de vista a importância das ações transversais e intersetoriais. As crianças e os adolescentes não são fragmentados e, portanto, o seu atendimento tem que garantir a totalidade, bem como o caráter de sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento. Todas as ações do Plano supõem, necessariamente, a articulação de políticas públicas, com vistas à plena garantia de direitos e ao verdadeiro desenvolvimento social. Proteger estes sujeitos de direitos, porém significa muitas vezes, afastá-los do ambiente familiar de origem e violar seu direito fundamental a convivência familiar e comunitária, no que concerne a aplicação da medida de proteção acolhimento institucional e inclusão, em programa de acolhimento familiar. (BRASIL, 2010, Art. 101, VII e VIII). Como dispõe a Lei 8.069/90 “por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; em razão de sua conduta” (BRASIL, 2010, Art. 98) a intervenção tardia do Estado priva crianças e adolescentes dos benefícios do viver em família e traz sofrimentos pelo rompimento dos vínculos afetivos. Como reflete Mioto (2000, p 220) “[...] assim, a proposição de cuidados a serem dirigidos às famílias deve partir do princípio de que elas não são apenas 25 espaços de cuidados mas, principalmente, espaços a serem cuidados. Assim podemos entender que o caminho é a ampliação da proteção social às famílias, por meio de políticas sociais. Podemos concluir que a família é a mais importante instituição, responsável por garantir o desenvolvimento de seus integrantes, imprimir valores, cultura, educação, dentre outros. Para que a família possa cumprir o papel que lhe é atribuído social e legalmente é necessário que tenha condições de sobrevivência com qualidade, que seja respeitada em seus diferentes modelos e em seus direitos civis e sociais. A família é facilmente relacionada à culpabilização, e a responsabilidade acaba sendo direcionada à seus membros e não ao Estado que, na maioria das vezes, vitimiza todo o grupo familiar, por falta de políticas públicas realmente protetoras, expondo estas pessoas a um risco social que muitas vezes pode ser irreparável. 2.2 No meio do caminho tinha uma pedra... A maternidade e drogadição são assuntos a serem discutidos a seguir. Tem por objetivo analisar os aspectos da construção social da maternidade/maternagem e sua associação com o uso de substâncias psicoativas. Apresenta informações, conceitos e dados sobre o crack, substância que vem sendo muito utilizada, trazendo elementos que contribuem para entendimento do fenômeno, que se torna cada vez mais frequente em instituições de acolhimento, de aplicação de medida protetiva aos filhos de usuários de SPA. O consumo de SPA (substâncias psicoativas) consiste num grave problema de saúde pública atual e vem gerando mudanças no padrão comportamental da família, da sociedade e do Estado. A estimativa da OMS (Organização Mundial da Saúde) para o Brasil é que existam 3% da população de usuários de crack, o que implicaria em 6 milhões de brasileiros a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) é um órgão do governo que está envolvido com o combate ao uso de drogas. Esta secretaria tem como objetivo a prevenção, o tratamento e a redução de 26 danos em relação aos usuários de crack, através da campanha: “Crack, é possível vencer”. (Laranjeira 2011) Os programas de prevenção ao uso do crack se mostram essenciais diante dos efeitos graves encontrados em relação aos usuários. Sabemos que novos estudos se fazem necessários para documentar e entender este tema tão novo e polêmico. No caso específico desta pesquisa, busca-se, também, verificar o índice de crianças filhas de usuárias de crack, sob medida protetiva, no serviço de acolhimento familiar devido a impossibilidades de receber os devidos cuidados por suas famílias em situação de risco social. 2.2.1 O efeito devastador do Crack O Conselho Federal de Medicina elaborou em 2011 uma cartilha denominada: Diretrizes Gerais Médicas para a Assistência Integral ao dependentedo uso do Crack, organizada por Laranjeira. A partir das informações obtidas na cartilha apresentamos um breve panorama geral sobre o crack. Segundo Laranjeira (2011), o crack é uma forma distinta de levar a molécula da cocaína ao cérebro. A cocaína é substância encontrada em um arbusto originario da região dos Andes. Após processos químicos obtem-se um pó branco, o cloridrato de cocaína que pode ser utilizado de forma inalada, injetada ou fumada. Quando a droga é fumada, faz com que grande quantidade de moléculas de cocaína atinja o cérebro quase imediatamente, produzindo um efeito explosivo. O nome crack, vem do barulho que as pedras fazem ao serem queimadas durante o uso. Sua utilização provoca grande euforia, porém de curta duração, com intensa fissura e síndrome de urgência para repetir a dose. Ainda, conforme publicado na cartilha, o uso de substância psicoativa aumenta a chance de transtornos mentais e, no caso específico do crack, é comum a associação a transtornos de humor, personalidade, conduta e déficit de atenção. Foram estipuladas definições que indicam o nível de consumo do usuário: Uso – qualquer consumo de substância, para experimentar, esporádico ou episódico; Abuso ou Uso Nocivo – consumo de SPA associado à algum prejuízo 27 (biológico, psíquico ou social); e Dependência – consumo sem controle, geralmente associado a problemas sérios para o usuário em diferentes graus. Segundo Cruz (2011), a dependência é uma complicação e se caracteriza pela perda de controle do uso e por prejuízos decorrentes dele nas diversas esferas da vida: pessoal, familiar, trabalho, lazer, dentre outras. Os comportamentos de alto risco para os usuários são: número elevado de parceiros sexuais, uso irregular de preservativo, troca de sexo por dinheiro e/ou droga, uso coletivo de cachimbos propagando doenças transmissíveis. Para Outeiral (2003) o uso do crack e suas consequências é um problema que transcende os âmbitos familiares e requer um movimento da sociedade como um todo, em seus vários aspectos, tais como os que envolvem a ética e a política. Para o enfrentamento desta questão que afeta toda a sociedade, em 2006, foi criada a Lei nº 11.343, o SISNAD – Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – que prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. No Brasil, as políticas públicas relacionadas com dependência química são regidas pela Política de Atenção Integral ao Usuário de Álcool e Outras Drogas. Essa política tem nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Reforma Psiquiátrica, os eixos centrais, a partir dos quais trabalha as especificidades de seu público-alvo. Suas principais orientações visam: estabelecimento e fortalecimento de trabalho intersetorial em rede, a garantia de acesso facilitado aos serviços, e, criação de serviços de atenção diária como alternativa ao hospital psiquiátrico – os Centros de Apoio Psicossocial (CAPS). São muitas as dificuldades para se obter sucesso do tratamento aos usuários de crack, alguns dos fatores apontados por Laranjeira (2011) são: as ações de saúde nas três esferas de governo e entre os diversos órgãos em uma mesma esfera, não são integradas e não são harmônicas; os serviços ao Dependente Químico de Crack (DQC) com qualidade, são poucos e geralmente privados e universitários; a repressão ao tráfico é insuficiente; não existe um 28 tratamento único e ideal para a DQC. O autor conclui dizendo que o melhor seria a organização de um sistema que levasse em conta a diversidade de problemas (saúde mental e física, social, familiar, profissional, conjugal, criminal, dentre outras), buscando a proporcional diversidade de soluções. A cartilha, enfim, apresenta uma sequencia de orientações para o profissional de medicina, na intervenção junto ao usuário nos serviços de atendimento à saúde e vale ressaltar aqui a preocupação com a abordagem a mulheres grávidas ou lactentes. Segundo o autor, é necessário o aconselhamento às grávidas a parar com o uso de qualquer droga durante a gestação; atenção especifica nos cuidados com bebês nascidos de mães usuárias de drogas para verificar a presença ou ausência de sintomas de abstinência (conhecida como síndrome de abstinência neonatal); aconselhamento às mães que amamentam para não utilização de qualquer tipo de droga neste período e, às mães com uso nocivo de drogas e filhos pequenos, deve-se oferecer apoio social e notificação aos órgão de proteção à criança e ao adolescente. A Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), divulgou em 19/09/2013, os resultados do estudo sobre a estimativa do número de usuários de crack no país, encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), aponta que só nas capitais brasileiras são mais de 370 mil usuários de crack e considera esta população como oculta e de difícil acesso. O levantamento mostra ainda, que 14% dos usuários são menores de idade, o que representa que aproximadamente 50 mil usuários são crianças e adolescentes e que 7,5% dos usuários apontam o sexo como fonte de renda e troca pela droga, atribuindo assim, à prática do sexo comercial o financiamento integral do hábito de consumo entre as mulheres. O estudo realizado pela FIOCRUZ, aponta que além da curiosidade, o motivo de utilização para 29,2% dos usuários foi devido a problemas familiares ou perdas afetivas. Segundo a pesquisa, a média de consumo por dia para as mulheres é de 21 pedras e para os homens é de 13, apontando maior vulnerabilidade para a população feminina, o que pode justificar o fato de que 10% das mulheres entrevistadas estarem grávidas e, mais de 50% das 29 entrevistadas já havendo engravidado pelo menos uma vez, depois que começaram a usar a droga. 2.2.2 Mulher, maternidade, maternagem e crack Mundialmente, de acordo com dados apresentados no Relatório Mundial sobre Drogas, de 2005, o consumo de substâncias psicoativas ainda é maior entre os homens. No entanto, a diminuição da diferença de proporção de consumo de drogas entre homens e mulheres, de um modo geral, vem sendo registrada em muitos países. A tendência a “igualdade de gênero” no consumo de drogas, é justificada por mudanças no estilo de vida das mulheres, sobretudo, ocorridas no último século. Ainda que informações sobre mulheres usuárias de drogas sejam escassas, estudos recentemente publicados, destacam o enfrentamento de barreiras de ordem estrutural, sistêmica, social, cultural e pessoal pelas mulheres, na busca e permanência de tratamento para este problema. Preconceitos e discriminação, são apontados como as principais barreiras. O reconhecimento que as mulheres dependentes constituem um subgrupo diferente dos homens e com características e necessidades de tratamento próprias e específicas, começa a ganhar relevância. Recomenda-se atenção para situações específicas da condição feminina, tais como a gravidez e a responsabilidade nos cuidados com a criança. (OLIVEIRA, PAIVA, VALENTE, 2007). As mulheres trouxeram mudanças na cultura do uso das drogas, principalmente em relação ao comportamento sexual. A falta de condições financeiras pode levá-las a participar de atividades ilícitas e à prática sexual sem proteção, em troca de drogas ou dinheiro, tornando-as sujeitas ao risco de gravidez indesejada e de doenças sexualmente transmissíveis (MARANGONI, OLIVEIRA, 2012) O processo de desenvolvimento de qualquer criança, até o amadurecimento de sua personalidade, durante a adolescência, começa desde a sua vida intra- uterina. O estado geral de nutrição, higiene e saúde da mãe, além dos cuidados 30 recebidos durante a gestação e a amamentação, são elementos importantes para garantir-seo bem estar dos indivíduos, conforme descritos nos § 4º e 5º do art. 8º, do ECA (incluído pela Lei nº 12.010/09). Segundo Olívio e Graczyk (2011), a maternidade é a possibilidade de toda mulher em gerar fisiologicamente uma vida, a gestação. Já a maternagem é o cuidado com as demandas básicas de uma criança, a educação, uma ação em longo prazo de responsabilização pelo ser humano gerado. Se tal “função” - a maternagem - não se apresenta como natural, tendo em vista a maternidade ser apenas e tão somente uma função biológica, mas que hegemonicamente5 apresenta-se como natural a todas as mulheres, associada ao uso de crack - fato que muitas vezes pode contribuir para a subversão da regra socialmente aceita do instinto materno – pode-se ter uma visão restrita da totalidade do processo e das determinações sociais que configuram a demanda apresentada tanto no que se refere a atenção à maternidade quanto ao uso do crack. Ainda segundo as autoras, partindo do pressuposto da existência natural de um vínculo natural entre mãe e filho desde antes do nascimento, espera-se da mulher o instinto nato de maternagem, ou seja do cuidado para com o recém- nascido, porém o uso do crack, corrobora com uma visão de culpabilização materna sobre o risco que representa a dependência química ao feto e ao recém nascido. “A grande preocupação em relação ao crack e a cocaína é o desenvolvimento futuro da criança. As drogas alteram a arquitetura cerebral do feto. Infere-se que as drogas podem provocar alterações cognitivas que prejudicam a vida social e escolar da criança. Sua capacidade de entender conceitos abstratos e fazer associações pode ser comprometida”.(Ruth Guinsburg, professora de pediatria neonatal da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Entrevista na Revista Época, 2011). O processo de construção social do Mito da Maternidade, para Olívio e Graczyk (2011), evidencia a culpabilização às mulheres que por poderem ser 5 “A hegemonia, nesse sentido, se dá a partir de formas de pensar postas pelo pensamento dominante oficial, atravessando todas as instâncias e instituições sociais, que impõe seus ideais, valores, modo ser e os apresentam como únicos. Esta imposição não se dá, necessariamente pela violência, na medida em que o ideário dominante aparece como orgânico à sociedade, criando um pretenso consenso” (OLIVIO, 2010, P. 34) 31 mães são socialmente direcionadas a assumirem tal possibilidade como inatas. Tal processo, que posiciona a mulher a partir de sua condição biológica de maternidade aparece significativamente no modelo de atenção à mulher gestante e puérpera, que é reforçado também pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, apresentando dentre suas principais diretrizes e princípios programas que se referem ao planejamento familiar, atendimento no pré-natal e no puerpério. O instinto do amor materno, tal como concebido atualmente é uma construção social e histórica necessária à manutenção e reprodução do estado de coisas vigentes, de dominação-exploração das mulheres (enquanto categoria social), na medida em que as posiciona em uma situação desigual e inferior à dos homens, relegando, concreta e simbolicamente, “funções” femininas inatas. “Apresenta-se como necessário a toda intervenção profissional a mulheres puérperas usuárias de crack, especificamente na saúde, uma análise cada vez mais aprofundada do fenômeno da drogadiação e suas interfaces com a maternidade. Análise esta que ultrapasse os limites do senso comum e da culpabilização indivudual das mulheres - reduzidas à suas funções maternas - tendo em vista o significado social atribuído a maternidade bem como ao uso e a dependência química.” (OLIVIO, M.C. e GRACZYK, R.C. Mulheres usuárias de crack e materinidade: breves considerações. Anais II Simpósio de gênero e Políticas Publicas, 2011 p. 9) A gestação é encarada como um dos acontecimentos mais marcantes da vida familiar. A chegada de um novo membro pode gerar aumento na tensão familiar, pois traz consigo a necessidade de reformulação nos papéis e regras de funcionamento familiar. A pressão que a gravidez exerce sobre a família pode aumentar diante de condições que possam colocar a saúde da gestante e do feto em risco, como nos casos de usuárias de drogas ilícitas. O consumo de drogas tem o efeito devastador gerando, no usuário, dependência química, e na família, extenuação estrutural. (SILVA, MACHADO, SILVA, 2011, p 14,18) Para Marangoni e Oliveira (2012) na família, a situação das usuárias se complica proporcionalmente ao avanço da dependência. Com a ruptura psicossocial, passam a utilizar-se de manobras ilícitas com a família, que fica sob pressão e responde como um grupo ameaçado em sua autonomia, ou vive um estado de codependência do uso de drogas do membro familiar. A ruptura do 32 vínculo familiar, inevitável para algumas mulheres, levadas a viver em situação de rua, expostas aos riscos da marginalidade e da exclusão social, caracterizadas como situações de vulnerabilidade social extrema. O padrão de consumo de drogas é uma questão central na vida do usuário, pois quando não há controle sobre o consumo as consequências começam a invadir e afetar outras áreas de sua vida e se nota uma piora na qualidade de vida e na quantidade de relacionamentos, acarretando o estreitamento da convivência social. As múltiplas questões que comprometem, não só a mulher/mãe usuária de crack, mas todo o grupo familiar que está envolvido na questão, na maioria das vezes é impedimento para que estes ofereçam o cuidado e proteção necessários à criança, sendo necessária, então, a intervenção do Estado para acolher e cuidar, temporariamente desta criança, inserida num contexto de risco social. Um exemplo de cuidado oferecido a estas crianças retiradas da família de origem é o serviço de acolhimento familiar, como medida excepcional e provisória, que visa garantir o direito à convivência familiar e comunitária às crianças, com medida de proteção, oferecendo-lhes acolhimento, cuidado, e atenção individualizada. 2.2.3 O Crack em Campinas, pela visão da imprensa local O jornal “Correio Popular” publicou várias reportagens, no mesmo período de construção teórica deste trabalho de conclusão de curso, que contribuíram para entendimento das ações que vem sendo desenvolvidas na cidade, frente a este problema social crescente, em todo o país. No mês de abril/2013 a série “Identidade Perdida” apontou algumas questões que costumam passar despercebidas. Segundo, Paulo Mariante, presidente do Conselho Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de Campinas, um país que ostenta o lugar de sexta economia do mundo deveria também se esforçar para ostentar uma condição de dignidade social da pessoa em situação de vulnerabilidade e, diz que a maior tarefa da sociedade civil é cobrar o poder público para maior efetividade de políticas públicas. 33 Para o presidente do Conselho, muitas pessoas que estão em situação de rua e dependentes químicos tiveram todos os seus vínculos destruídos e enfrentaram situações para as quais não estavam preparados. No artigo “Abrigos socorrem órfãos do crack”, a autora Patrícia Azevedo relata a epidemia do crack em Campinas e as consequências dos efeitos das drogas usadas pelos pais na vida das crianças que sofrem medida de proteção devido ao uso abusivo e falta de cuidados e proteção que deveriam ser oferecidos no núcleo familiar. A autora relata que o número de bebês que sofrem com a síndrome de abstinência é crescente, e os denomina como “órfãos de pais vivos”. Nelson Hossri, coordenador de Prevenção Antidrogas de Campinas, afirma que o crack está levando muitos pais a perder a guarda dos filhos e que além do abandono, os filhos do crack ainda têm que enfrentaras sequelas físicas do vício que é passado pela mãe. O psicólogo Leonel Cabral, em entrevista realizada pela jornalista Patrícia Azevedo, afirma que os usuários de crack chegam ao grau de degradação não só por causa da droga. “É um conjunto de coisas que levam à degradação do ser humano. A dependência é multifatorial, é um fenômeno complexo que envolve questões psicológicas e sociais”. Outro dado importante apresentado na reportagem é que, segundo levantamento feito pela Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social em 2012, a cidade tem aproximadamente 609 pessoas vivendo em situação de rua dos quias 73% são dependentes de álcool, crack e outras drogas e 85,5% desta população é composta por moradores de outras cidades, a maioria vinda de São Paulo, depois que a prefeitura daquela cidade, intensificou o combate ao crack. Em outubro de 2013 o coordenador de Prevenção às Drogas de Campinas, Nelson Hossri, é entrevistado pelo jornal Correio Popular, apresentando os primeiros resultados do programa subsidiado pelo governo do Estado “Cartão Recomeço” diz que só na primeira semana de funcionamento, 73 pessoas procuraram o serviço. Campinas conta com 100 vagas dentro do programa e tem como expectativa atingir 500 pessoas até o final do ano. O programa é uma ação integrada das Secretarias Estaduais de Saúde, Justiça e Defesa da Cidadania e Desenvolvimento Social e tem como objetivo, o 34 acolhimento de usuários de substâncias psicoativas, especialmente usuários de crack, em comunidades terapêuticas. O dependente químico que quiser participar do programa, precisa procurar o CAPs (Centro de Atenção Psicossocial) ou o serviço de saúde mental do município, onde passará por avaliação. Se comprovado que está apto para recuperação nesse tipo de instituição, ele será credenciado via Cartão Recomeço. A busca pelo atendimento deve ser voluntária. É por meio deste cartão que é feita a validação da presença do dependente químico nas atividades de recuperação e o acompanhamento da evolução do atendimento. Após seis meses de acolhimento, o usuário deixará o local, mas ainda participará de oficinas laborais e atividades para reinserção social. O Cartão Recomeço é uma parceria entre o Governo e entidades especializadas, que prestam serviços de acolhimento, recuperação e reinserção social de usuários de drogas. O cartão, no valor mensal de R$ 1.350,00, servirá para custear as despesas de recuperação dos dependentes químicos que buscarem ajuda voluntariamente. O Cartão Recomeço é concedido aos usuários maiores de 18 anos, que forem considerados aptos para o acolhimento social. O dinheiro será exclusivamente repassado às entidades, para custear o atendimento e a recuperação do dependente químico. O cartão não tem fins comerciais. 2.3 Proteção Social Especial – Alta Complexidade “A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio- educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras.” “Os serviços de proteção especial de alta complexidade são aqueles que garantem proteção integral – moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram sem referência e, ou, em situação de 35 ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e, ou, comunitário”, entre eles está o Serviço de Família Acolhedora. (PNAS, p. 37 e 38). A CF/88 e o ECA/90 já haviam definido que a proteção integral de crianças e adolescentes - como prioridade absoluta no país - é função que deve ser compartilhada pelo conjunto: família, Estado, sociedade e comunidade. Na impossibilidade dessa função ser exercida pela família de origem, a criança e o adolescente passam a receber cuidados do Estado através de serviços continuados de proteção integral. VALENTE (2012), afirma que é nítida a necessidade de maior investimento na Proteção Social Especial de Alta Complexidade, entendendo que a partir da aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004) o gestor dessa política é o Estado brasileiro, que na composição de ações intersetoriais, deve garantir com absoluta prioridade, a vida de crianças e adolescentes em família e na comunidade, preferencialmente com a sua família de origem. De acordo com o disposto na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009), o serviço de acolhimento tem por finalidade prover atenção socioassistencial e acompanhamento à criança e ao adolescente em situação de medida de proteção especial, determinadas judicialmente. Na sua operacionalização é necessária a elaboração imediata do Plano individual de Atendimento (PIA), realizado pela equipe técnica e deverá conter a opinião da rede, da família, da criança e do adolescente como sujeito de direito com a finalidade de reintegração, devendo conter os objetivos e metas a serem alcançados durante o acolhimento, perspectivas de vida futura, dentre outros aspectos a serem acrescidos, de acordo com as necessidades e interesses da criança e do adolescente. A portaria VIJ nº 01/05 de 17 de fevereiro de 2005 e nº 03/2012 estabelecem parâmetros e orientações técnicas para a atuação dos, então programas de família acolhedora no município de Campinas e considera que é da competência absoluta do Juiz da Vara da Infância e Juventude, decidir sobre o melhor encaminhamento da criança e do adolescente em situação irregular e de risco. 36 O Ministério Público, assim como a Vara da Infância e da Juventude, além da competência de aplicar a medida de proteção são responsáveis, pela realização da fiscalização da execução das mesmas contando com a colaboração do o Conselho Tutelar, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente e os Defensoria Pública. Ao Judiciário cabe ainda emitir o termo de guarda para as famílias acolhedoras e autorizar, no momento do desligamento da criança e do adolescente do serviço, a reintegração familiar ou a guarda em família extensa, ou a adoção. No ano de 2006 o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), reconhece a importância da mobilização do Estado e da Sociedade para que as crianças e adolescentes sejam vistos de forma indissociável de seu contexto familiar e comunitário. As estratégias, os objetivos e diretrizes do PNCFC estão fundamentados na prevenção do rompimento de vínculos familiares, na qualificação do atendimento dos serviços de acolhimento e dos investimentos para o retorno da criança e do adolescente ao convívio de sua família de origem Afirmando as diretrizes citadas no PNCFC, a Lei 12.010/09, em seu Art. 101, descreve as implicações nos serviços de acolhimento institucional, a reintegração familiar e o estimulo à convivência familiar e comunitária. Em seu §1 diz sobre a prevalência da família – DEVE ser dada prevalência às medidas que mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta. No §2 ... o afastamento da criança e do adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade jurídica e importará na deflagração, a pedido do Ministério Público ou quem tenha interesse. Os pais têm direito à ampla defesa, através da Defensoria Pública. O afastamento do convívio familiar traz implicações negativas na vida das crianças e adolescentes acolhidos, quando o atendimento prestado não for qualificado e o prazo prolongado desnecessariamente. Sendo assim, quando o afastamento é inevitável, deve-se realizar medidas que assegurem condições favoráveis ao desenvolvimento dacriança e do adolescente, minimizando o impacto do distanciamento de seu contexto familiar. 37 2.3.1 Modalidades de acolhimento As crianças e adolescentes com medida de proteção devem ser atendidos em serviços que ofereçam cuidados e condições favoráveis ao seu desenvolvimento físico, psicológico e pedagógico, além de trabalhar buscando viabilizar a reintegração à sua família de origem/extensa ou na sua impossibilidade, o encaminhamento para uma família substituta. Os serviços responsáveis por este atendimento, segundo as Orientações Técnicas para Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, configuram-se de diferentes formas, são eles: Abrigos Institucionais, Casas Lares, Famílias Acolhedoras e Repúblicas. O encaminhamento para qualquer uma destas modalidades de atendimento dar-se-ão a partir da análise da situação familiar, do pefil de cada criança ou adolescente e de seu processo de desenvolvimento. Deve-se considerar ainda: sua idade; histórico de vida; aspectos sócio-culturais; motivos do acolhimento; situação familiar; previsão do menor tempo necesário para viabilizar soluções de caráter permanente (reintegração familiar ou adoção); condições emocionais e de desenvolvimento, bem como condiçoes específicas; dentre outras. (Orientações Técnicas: Serviço de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, 2009. p. 66) O Abrigo Institucional, de acordo com as orientações técnicas, deve ter aspecto ao de uma residência (não devem ser instaladas placas indicativas e evitadas nomenclaturas) e estar inserido na comunidade, em áreas residenciais, oferecendo ambiente acolhedor e condições institucionais para o atendimento com padrões de dignidade. Deve ainda, ofertar atendimento personalizado e em pequenos grupos (no máximo 20 crianças e adolescentes), além de contar com a utilização dos equipamentos e serviços disponíveis na comunidade para atender as necessidades de saúde, pedagógicas e lazer. Outra modalidade de acolhimento é a Casa Lar; serviço oferecido em unidades residenciais, nas quais pelo menos uma pessoa trabalha como educador/cuidador residente. Este tipo de serviço visa promover hábitos e atitudes de autonomia e de interação social com as pessoas da comunidade, 38 estimulando o desenvolvimento de relações mais próximas do ambiente familiar. Este equipamento é adequado para grupo de irmãos, além de crianças e adolescentes com perspectiva de média ou longa duração. O número máximo de usuários, segundo as orientaçoes técnicas pode chegar a no máximo 10. O Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, garante atenção individualizada, permitindo a continuidade da socialização da criança e do adolescente. É uma modalidade diferenciada, que não se enquadra no conceito de abrigo em entidade, nem no de colocação em família substituta, enquadra-se no regime de colocação familiar preconizado no artigo 90 do ECA. É indicado quando há possibilidade de retorno à família de origem, ampliada ou extensa. De acordo com as orientações técnicas Para as crianças pequenas que vivenciam situações de violação de direitos, o acolhimento familiar tem se mostrado uma forma de atendimento adequada a suas especificidades. (Orientações Técnicas: Serviços de Acolhiemento para Crianças e Adolescentes, 2009 p.83) Outra possibilidade de equipamento é a República que oferece apoio e moradia subsidiada a grupos de jovens em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social; com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados; em processo de desligamento institucional de acolhimento, que não tenham possibilidade de retorno à família de origem ou de colocação em família substituta e que não possuam condições financeiras para o auto-sustento. Sua estrutura é como de uma residencia privada, com supervisão técnica que ofereça processo de construção de autonomia. O número máximo de usuários nesta modalidade são 6 jovens. (Orientações Técnicas, 2009 p.94) 2.3.2 Pesquisas Relevantes sobre Acolhimentos Institucionais O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) realizou um Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes da Rede SAC/MDS em 20036, a pesquisa foi realizada em 584 serviços de acolhimento 6 A pesquisa foi realizada a partir do Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes da Rede SAC/MDS, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e promovido pela Secretaria Especial dos 39 para crianças e adolescentes. Os resultados da pesquisa apontam dados interessantes para serem analisados, como motivo de abrigamento, sexo, raça, idade, dentre outros. A pesquisa revela que 87% das crianças/adolescentes que vivem em abrigos tem família; 24,2% têm a pobreza como principal motivo de abrigamento; 18,9% abrigados por abandono; 11,7% por violência doméstica; 11,4% por dependência química dos pais ou responsáveis; 7% por vivência de rua e 5,2% por orfandade. Segundo a pesquisa, o motivo preponderante de retirada das crianças e dos adolescentes é a pobreza. No entanto, o artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder. No ano de 2009, foi realizado pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) um Estudo sobre o perfil das crianças e adolescentes em acolhimento institucional na Região Metropolitana de Campinas7. Esse estudo foi uma ação do Observatório de Convivência Familiar e Comunitária e teve como objetivo acompanhar a implantação do PNCFC, com vistas a contribuir para o debate e para a reflexão sobre o tema. A pesquisa baseou-se em dados obtidos a partir de informações fornecidas pelos serviços de acolhimento, pelos Conselhos Tutelares, pelos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e pelo governo estadual. Segundo a pesquisa, os motivos que mais frequentemente levaram as crianças ou adolescentes ao acolhimento institucional foram: negligência dos pais, violência doméstica (maus tratos físicos e/ou psicológicos praticados pelos pais ou responsáveis), pais ou responsáveis dependentes químicos/alcoolistas transtorno mental dos responsáveis, abuso sexual praticado pelos pais ou por responsáveis, abandono pelos pais ou responsáveis, e submissão à exploração Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, por meio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança do Adolescente (SPDCA) e do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) em 2004. O Levantamento contou ainda com o apoio do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), órgão responsável pela implementação do programa da Rede de Serviços de Ação Continuada que beneficiava, com um repasse de recursos per capita, mais de 600 instituições de abrigo em todo o país. 7 A instituição oficial da RMC foi realizada em maio de 2000, por meio da Lei Complementar Estadual nº 870. Segundo esta lei faz parte da RMC os seguintes municípios: Americana; Artur Nogueira; Campinas; Cosmópolis; Engenheiro Coelho; Holambra; Hortolândia; Indaiatuba; Itatiba; Jaguariúna; Monte Mor; Nova Odessa; Paulínia; Pedreira; Santa Bárbara d’Oeste; Santo Antonio da Posse; Sumaré; Valinhos; Vinhedo. Estes 19 municípios correspondem a uma população, em 2003, de 2.476.000 habitantes. 40 no trabalho, ao tráfico e/ou à mendicância. Estes motivos foram observados em mais de 50% dos serviços de acolhimento institucional e a negligência foi destacada em primeiro lugar. De acordo com os dados obtidos em entrevista, a situação de saída
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