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CAPÍTULO1CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA A COMPREENSÃO DE DIREITOS HUMANOS UNIDADE 1 13 CAPITULO 1 : CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA A COMPREENSÃO DE DIREITOS HUMANOS 1 - NOÇÕES DE VALOR JURÍDICO, DEVER JURÍDICO E DIREITO SUBJETIVO A palavra valor vem do latim axio, podendo ser traduzido como aquilo que é digno de ser considerado. O filósofo alemão Max Scheler1 distinguia bens de valores, visto que bens são coisas (fatos) que têm valor. Definiu os valores como essências, ou “aquelas qualidades pelas quais os bens são coisas boas”. O valor do bem “máquina” é a sua utilidade; o valor do bem “pintura” é a beleza; a lei é um bem pelo valor da justiça. Podemos elencar cinco valores essenciais e transmissores da cultura ocidental, sobre os quais incidem as reflexões de cinco grandes áreas da reflexão humana: o valor do bem, estudado pela Ética; o valor do belo, estudado pela Estética; o valor do sagrado, visado pela Teologia; o valor do justo, objetivo do Direito e o valor maior da verdade, fio condu- tor de todas as Ciências. Sendo o valor maior do Direito a justiça2, vários são os valores jurídicos que buscam a sua realização, como, por exemplo, o valor da dignidade humana, o valor do trabalho, o valor da segurança jurídica, o valor da vida, da liberdade, da igualdade, etc. Vários valores são inscritos nos códigos jurídicos na forma de princípios jurídicos3ou considerados em várias regras do sistema jurídico. E o lugar privilegiado da revelação de valores são as Constituições. Os deveres jurídicos decorrem das normas jurídicas, que sempre preveem direitos e deve- res. Deveres morais decorrem da consciência moral dos indivíduos. A norma moral pode ser também uma norma jurídica, eis que podem ser de mesmo conteúdo. Por exemplo: “não deves matar o próximo”. Esta é uma norma moral, também religiosa (a Bíblia deter- mina entre os Dez Mandamentos, “Não matarás), e ainda, jurídica (o art. 121 do Código Penal Brasileiro prevê: “Matar alguém”. Pena X). (Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm) Há também normas meramente técnicas no Direito, como o prazo para se propor uma ação no Judiciário. No entanto, a grande diferença entre normas morais, religiosas e jurí- dicas é que só as últimas estabelecem direitos exigíveis, ou seja, ao transplantar para uma norma jurídica uma determinada regra, ela passa a ser obrigatoriamente seguida por todos. 1 Max Scheler (22 de agosto de 1874, Munique - 19 de maio de 1928, Frankfurt amMain) foi um filósofo alemão conhecido por seu trabalho sobre fenomenologia, ética e antropologia filosófica. 2 Entende-se justiça como “dar a cada um o que é seu. Faculdade de julgar segundo o Direito; a melhor consciência[...]” (BUENO, Silveira; Minidicionário da língua portuguesa). É necessário ressaltarmos que, na esfera jurídica, a ideia de justiça possui variadas acepções, como justiça comutativa, do trabalho, etc. 3 Os princípios jurídicos podem ser definidos como um conjunto de padrões de conduta presentes de forma explícita ou implícita no ordenamento jurídico. DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS14 Vejamos algumas situações que nos ajudam a compreender essas normas: No plano moral ou religioso, cada indivíduo age segundo sua consciência e suas convic- ções, mas não pode ser impelido por outro que pretenda exigir algo. Por exemplo, um mendigo não pode exigir a esmola, ainda que esteja em situação de miserabilidade, e mesmo que uma regra moral nos diga que devamos ser caridosos com o próximo, não somos obrigados a dar emolas ou fazer quaisquer outras contribuições, como doação de objetos ou alimentos que possuamos. Como o Direito pode intervir nessa situação? No caso do exemplo da condição do mendigo ou de pessoas que não possuam as condições alimentares mínimas de sobrevivência, temos no Direito brasileiro a previsão de um plano de intervenção social para corrigir as situações de miserabilidade, previsto em lei, cha- mado “Programa Fome Zero4”. É um exemplo de tentativa de se determinar pelo Direito o dever de auxílio, podendo cada integrante do plano exigir seu direito (subjetivo) ao valor previsto por ele. Quando pensamos em direitos humanos, estabelecemos antes de tudo uma relação entre direitos e deveres. E direitos e deveres são estabelecidos em normas jurídicas, que podem ser compreendidas no âmbito do direito objetivo e do direito subjetivo. Os juristas empregam a expressão “direito objetivo” para se referir tanto a um sistema jurídico como um todo (ordenamento jurídico), quanto a um conjunto de suas normas (direito civil, direito de minorias etc.) ou ainda a preceitos isolados do sistema. (MAYNEZ, 1956:36). Já o direito subjetivo é a possibilidade de ser pretendido algo efetivamente pela pessoa que se situar concretamente nas circunstâncias genericamente previstas na norma jurí- dica. Vale dizer: “é a possibilidade de exigir-se, de maneira garantida, aquilo que as nor- mas de direito atribuem a alguém como próprio.” (REALE, 2002: 258). Um bom exemplo é o direito consagrado à vida e à saúde gratuita no Brasil. Quando um cidadão se vê na condição de doença grave que o leve à morte, devido ao não atendimento pelo Estado (seja pelo problema não ser previsto no rol de procedimentos do sistema público de saúde, seja pelo seu alto custo), o cidadão em questão aciona juridicamente o Estado para que esse garanta a sua vida por meio do tratamento médico adequado. 2 - A DEONTOLOGIA JURÍDICA E A DICEOLOGIA JURÍDICA: DUAS FACES DOS DIREITOS HUMANOS No estudo clássico do Direito, sempre houve a preocupação com a deontologia jurídica, que significa a apresentação, o enfoque do sistema jurídico, como um conjunto ordenado de imposição de deveres jurídicos, garantidos pela coerção, a força imposta pelo Estado e que limita ou elimina a autonomia e a liberdade dos indivíduos. No entanto, com o advento do reconhecimento dos direitos humanos e toda a tradição histórica da sua construção (como veremos no capítulo destinado ao histórico dos direitos 4 O FOME ZERO é uma estratégia impulsionada pelo governo federal para assegurar o direito humano à alimentação adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Tal estratégia se insere na promoção da segurança alimentar e nutricional buscando a inclusão social e a conquista da cidadania da população mais vulnerável à fome. Fonte: http://www.fomezero.gov.br/ UNIDADE 1 15 humanos), faz-se necessária a abordagem do sistema jurídico na perspectiva de garantias de direitos e não simplesmente de imposição de deveres. Aqui a importância de uma abordagem diceológica do direito. A abordagem da diceologia jurídica é pautada no “estudo dos direitos profissionais” (DINIZ, Maria Helena; Dicionário Jurídico Universitário; 210), ou seja, constitui uma teoria dos direitos. PARA REFLETIR Diceologia foi um termo desenvolvido primeiramente pelo Direito Médico, princi- palmente pela necessidade da classe médica de apresentar possibilidades de reco- nhecimento de seus direitos, visto que vinham sendo extremamente sufocados pela imposição excessiva de deveres, especialmente na seara do “erro”, algo comum nas várias profissões, mas que em se tratando do erro médico toma dimensões extrema- mente perigosas, lesivas, fatais. A inspiração na construção do termo vem da palavra Diké, deusa grega, filha de Zeus e Têmis, e que representava a justiça. Na simbologia, a deusa segurava com a mão direita uma espada, que significava a força necessária à imposição das normas de direito; e da mão esquerda pendia uma balança, para significar a igualdade pretendida pelo direito, razão pela qual o fiel deveria sempre estar no meio, equilibrado, entre direitos e deveres. Daí a inspiração para o emprego do termo diceologia, eis que o direito deve ter por fim próprio não apenas a imposição de deveres pela força, mas também a preservação de direitos a serem exigidos por seus destinatários, de maneira equilibrada, tendo cada dever a correspondência num direitoa ser garantido. Atualmente fala-se muito em educação “em” e “para” direitos humanos, mas não há no sistema pedagógico brasileiro um projeto estruturado especificamente sobre o ensino do direito que vise a oferecer concretamente esse nível de “formação”, apontando con- ceitos e exemplos jurídicos essenciais e modelares, e estabelecendo métodos adequados ao ensino jurídico direcionado ao cidadão, ao leigo, e não na perspectiva técnica que é ofertada nos cursos de Direito. O descrédito e o descaso pelo direito em geral, e em especial pelo discurso de defesa dos direitos humanos, corriqueiramente interpretado como “os direitos de bandidos” (como costumamos ver vulgarmente referido no vocabulário das pessoas e incansavel- mente explorado pelos mass media5, decorre exatamente da falta de oportunidade de aprendizado, e da inexistência de um modus6adequado para se transmitir o conhecimento jurídico ao leigo na perspectiva da exigência de seus direitos nos vários vieses: direitos do consumidor, do trabalhador, das comunidades, quilombolas, das populações ribeirinhas, do trabalhador rural, das mulheres, dos idosos, das minorias em geral etc., todos direitos humanos-fundamentais, conquistados a custa de lutas e revoluções históricas. 5 Meios de comunicação em massa, como televisão, rádio, imprensa etc. 6 Modo, maneira de agir. EM SÍNTESE Significa o uso da força pelo Estado para a imposição de deveres jurídicos ao cidadão. DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS16 Neste contexto de ausência de reconhecimento do direito como um sistema de garan- tias de direitos (e não de imposição forçada de deveres!), gera-se uma espécie de círculo vicioso movimentado pelo desconhecimento da população e o excesso de fórmulas de direitos declarados e não concretizados ou inefetivados, especialmente no que diz res- peito a direitos humanos e principalmente os ditos direitos humanos de segunda geração, vale dizer, os direitos de cunho social, econômico e cultural, como o direito ao trabalho, á educação gratuita, o direito – à moradia, ao lazer, à previdência social, dentre outros. Tais direitos exigem uma atuação fomentadora (de investimentos) por parte do Estado. O cidadão, sujeito de direitos, destinatário real dessa gama de valores fundamentais e de teor jurídico, tem noção muito vaga de tudo o que se passa no muitas vezes antipatizado “universo jurídico”, sem conseguir estabelecer uma relação de pertença com o viés jurí- dico presumidamente consensuado ,acordado e consolidado na sociedade. Para tornar o conhecimento jurídico em direitos humanos razoavelmente interessante, acessível ao cidadão não iniciado em categorias jurídicas, temos de antes apresentá-lo como realizador de valores na forma de atribuição de direitos. Significa dizer que se o direito-norma é apresentado como esquema de atribuição de direitos humanos ao indivíduo, a identificação dele com a realidade jurídica torna-se pos- sível. Antes de tudo, deve-se consolidar a posição de que o direito é instância da nossa experiência ética e não um conjunto de regras impostas pelo Estado coercivamente, inde- pendentemente da adesão de seus destinatários. Tal se torna patente em matéria de posi- tivação de valores que constituem os pilares da conquista jurídica da civilização ocidental na forma de direitos humanos fundamentais. Uma educação jurídica que visa a formar a consciência jurídica dos indivíduos a propó- sito de seus direitos mais essenciais (daí ditos humanos e também fundamentais) há que se pautar por uma compreensão do direito como realizador de uma aspiração ética universal e objetiva, que torna possível a humanização crescente dos sistemas jurídicos contemporâneos. O Filósofo Inglês, Francis Bacon, no séc. XVI afirmara que o direito é um “andaime da socie- dade”: após a solidificação moral desta, ele poderia ser “retirado”. No entanto, a história desmentiu essa tese (até os dias atuais, pelo menos!). O direito não pode ser retirado. Enquanto arcabouço ético constitutivo da experi- ência humana em sociedade, ele não foi eliminado, mas sofisticou-se, transitando da forma primitiva de imposição coerciva de deveres para a forma mais satisfatória de atribuição garantida de direitos (exigíveis enquanto tais). Essa concepção de direito decorrente da experiência jurídica de séculos há de ser ensinada aos indivíduos, que há pouco mais de dois séculos experimentam o Estado Democrático de Direito, sem ter a oportunidade de (re)pensar o direito em termos tais: como “ordem normativa garantidora de seus direitos”, e não um “fardo constrangedor” que temos de suportar, uma mal necessário à ordem coletiva, na forma de deveres jurídicos. Ou seja, o direito como mecanismo eficaz, que sirva para a garantia do que prevê, e não como mecanismo que se mostre ineficaz, extremamente burocrático e distante das relações cotidianas dos cidadãos. PARA REFLETIR As normas Jurídicas são tão funda- mentais quanto as normas morais para manterem o equilíbrio comunitário, a pacificação social e a satisfação ética do meio. UNIDADE 1 17 A razão suficiente para a projeção e realização dessa ideia é a visível e inafastável demanda ética própria da sociedade contemporânea, que se apresenta de maneira altamente conectada à esfera jurídica, visto que todos os dias cartas de direitos e deveres jurídicas “invadem” nosso cotidiano, nossa vida pessoal, nosso patrimônio, nossa relação com a coletividade (e até com o ecossistema), quer nós aceitemos ou não! E, contraditoriamente, essa mesma sociedade, regida por infinitas regras determinantes de deveres, mas, principalmente (e isso deve ser a todo o tempo ressaltado!) atributivas de direitos, chega ao século XXI em quase completo desconhecimento sobre esses seus direitos (que lhe pertencem incondicionalmente, na forma de direitos humanos funda- mentais). Desse desconhecimento decorre naturalmente um fenômeno típico de nossa época: o excesso tão criticado de direitos declarados e não concretizados ou inefetivados. O cidadão, sujeito de direitos, destinatário real dessa gama de valores, regras e institutos fundamentais e imprescindíveis ao seu cotidiano, tem noção muito vaga de tudo o que se passa no tão muitas vezes antipatizado “universo jurídico”; como se este não o perten- cesse, como se ele não fosse um arcabouço ético da própria sociedade (e não uma técnica de operadores profissionais de textos “confusos”, “cansativos”, “incompreensíveis”, e o pior: manipuláveis!). Para tornar o conhecimento jurídico básico e essencial razoavelmente interessante, temos de antes apresentá-lo como realizador de valores na forma de atribuição de direi- tos. Significa dizer que se o direito-norma é apresentado como esquema de atribuição de direitos ao indivíduo, a identificação desse indivíduo com a realidade jurídica torna-se possível, pois ele compreende o alcance benéfico dela, ou a face “positiva” do direito. 3 - NORMAS, REGRAS, PRINCÍPIOS, LEI, ORDENAMENTO JURÍDICO, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO As normas podem ser morais, religiosas ou jurídicas. “A norma moral e a jurídica têm em comum uma base ética, ambas são imperativas, constituindo normas de comportamento, mas só a jurídica é autorizante, sendo por isso bilateral. A norma moral é tão somente imperativa, e, portanto, unilateral. Além disso, a jurídica é heterônoma7, e a moral, autô- noma8” (DINIZ, 2011: 402). PARA REFLETIR As normas morais são as que os indivíduos, segundo sua consciência, impõem-se para conduzir suas ações; as religiosas têm como referência algum código religioso que expressa a vontade de uma divindade superior, como a Bíblia; as normas jurídi- cas são as que se impõem por vontade de autoridades em nome da sociedade, e que são garantidas pela coação estatal. 7 Sujeição dos indivíduos à vontade de uma coletividade. 8 Sujeito possui o arbítrio para expressar sua vontade DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS18 • Norma religiosa: “Não cobiçarás a mulher do próximo”, “honrarás pai emãe.”, dentre outras, que expressam uma vontade divina, superior. • Norma Jurídica: Código Penal, Código Civil, ou seja, os imperativos autorizantes (Goffredo Telles Jr.). “É imperativa porque regula o comportamento humano, e autorizante porque autoriza que o lesado pela sua violação exija do órgão competente o seu cumprimento ou a reparação do maus causado” (DINIZ, Maria Helena). • Norma moral: Optar por não mentir e dissimular, ajudar necessitados, ou seja, normas autônomas, em que o “sujeito é autolegislador.” (DINIZ, Maria Helena) Conforme podemos perceber, um valor é a apreciação de um bem pelo indivíduo. Já a norma “é a prescrição do valor nas circunstâncias concretas da ação”. (VAZ, 2002: 282). Ou seja, elas expressam valores, regulam o agir e prescrevem objetivamente obrigações concretas (deves fazer isto; não deves fazer aquilo). (VAZ, 2002: 283). Por outro lado, o princípio possui um grau de concreção9 maior que o valor, pois já é uma reformulação do valor enquanto proposição jurídica, com previsão e consequência jurí- dicas, mas suas delimitações são amplas e flexíveis, no que se difere das normas-regra, como visto acima. Conforme distinção conhecida feita por Robert Alexy, jurista alemão, regras conflitam e princípios colidem. O conflito de regras se resolve no plano da validade e a aplicação das máximas lex superior (Lei supe- rior), posterior (Lei posterior) especialis (Lei especial) gera a deflagra- ção da invalidade e exclusão de uma delas. A colisão de princípios se resolve na dimensão do valor, ou do peso, o que impõe o sopesamento das circunstâncias em questão. Sopesar significa contrabalançar, repartir metódica ou parcimoniosa- mente, em equilíbrio; na aplicação dos princípios, sopesar não signi- fica preferir isto ou aquilo, mas vincular-se a fundamentos, visto que os princípios têm peso diferente nos casos concretos, e aquele de maior peso, sob acurada reflexão sobre as circunstâncias concretas, é que deve preponde- rar (BONAVIDES, 1996: 251). (A “Primazia da realidade”, presente no Direito Trabalhista, onde, em um conflito entre Capital versus Trabalho o Juiz deve ser “in dubio pró-operá- rio”, constitui um exemplo de sopesamento). Um princípio haverá de recuar, mas isso não implica nem que seja declarado nulo, como no caso da lei declarada inconstitucional, e nem que nele se introduza uma regra de exceção, como ocorre com o emprego do crité- rio da lex specialis derogat generalis, em que a norma geral continua válida, salvo para os casos de especialidade não comportados por ela. Duas são as razões pelas quais o direito de tradição romanística (o direito brasileiro, por exemplo) e seu consequente processo moderno de codificação concedeu à normatividade e supremacia dos princípios. Regras não esgotam todas as possibilidades jurídicas pelo 9 Tornar concreto. FIQUE ATENTO Princípio Constitucional “Norma, explícita ou implícita, que determina as diretrizes fundamentais dos preceitos da Carta Magna, influen- ciando sua interpretação. Por exemplo, o princípio da isonomia, o da função social da propriedade, etc.” (DINIZ, Maria Helena). UNIDADE 1 19 seu grau de concreção; e ainda não respondem a situações surgidas pela dinâmica própria da sociedade, às quais o direito tem de se adaptar e ofertar respostas para conflitos, o que não se resolve somente com o uso das regras existentes por analogia: há circunstâncias não cabíveis nas regras em espécie, só sendo possível a solução pela referência a uma razão fundante de tais regras, sua ratio juris, ou o princípio generalíssimo e fecundo que lhe justifica e possibilita a construção de outras regras a partir dessa racionalidade ampla e essencial. Leis têm forma definida e tempo de surgimento (ou também de desaparecimento – cadu- cidade) demarcado no ordenamento jurídico (conjunto de normas. A lei é o astro central em torno do qual gravita o sistema de tradição romano-germânica. Até meados do século passado, era incipiente a atual concepção de que princípios são normas. Eles eram vistos como vetores axiológicos10, apontados pela ciência do direito como doadores de certa unidade ao direito, mas sob perspectiva axiológica meta-jurídica11, ou filosófica, e não propriamente como normas fundantes e vetoriais de todo o sistema jurídico, tomado em suas partes. PARA REFLETIR Podemos citar os seguintes exemplos: • O princípio da proteção do economicamente mais fraco no Direito do Consumidor. • O princípio da legalidade e o da autonomia privada, que possibilitam demarcar as diversas tutelas conferidas ao Direito Público e ao Direito Privado. E, por fim, ressaltamos com Barroso que os direitos fundamentais podem assumir a forma de princípios ou de regras, como, respectivamente os princípios da liberdade e da igual- dade, e as regras da irretroatividade12da lei penal e da anterioridade tributária. Por outro lado, há princípios que não são direitos fundamentais, como o princípio da livre iniciativa. (BARROSO, 2007: 10). A definição mais básica de lei é a norma jurídica escrita, o que a distingue dos sistemas jurídicos consuetudinários (common law), que são as normas imediatamente obrigatórias na tradição dos sistemas jurídicos, que surgem dos costumes de uma certa sociedade (como na Inglaterra). Diferentemente dessa tradição consuetudinária, temos o sistema de tradição germânico- -romana (civil law), fundamentado o na elaboração de normas jurídicas escritas e a ten- dência à codificação das mesmas. O Brasil é legatário dessa tradição. O processo de elaboração das leis se dá pelo processo legislativo ordinário, que tem trâ- mite conduzido conjuntamente pelo Poder Legislativo e pela Chefia do Poder Executivo. 10 Conceitos predominantes em uma determinada sociedade. 11 “Diz-se de certas condições jurídicas que não podem ser analisadas com os métodos da jurisprudência” (AURÉLIO; 1997) 12 Qualidade de não retroagir, não ser válido para o passado. DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS20 De maneira sintética, observamos que a preferência pelo direito escrito atende duas exi- gências: o requisito da segurança jurídica, ou seja, a comprovação da norma pela existên- cia da escrita, e a publicidade, já que o escrito pode alcançar, de forma mais veloz e eficaz todos os interessados letrados. Importa ainda esclarecer o sentido da palavra legislação e ordenamento jurídico. PARA REFLETIR Legislação significa o modo de formação de normas jurídicas por meio de atos com- petentes e que são estabelecedores de normas soberanas, que também estabele- cem competências para o estabelecimento de outras normas. Esta regressão tem um fim: a Constituição, que é o ato fundante de todas as demais normas (FERRAZ JÚNIOR, 2003:228). Assim, podemos definir o ordenamento jurídico como o sistema de normas unifi- cadas pela Constituição de um país. E a legislação é o conjunto de todas as normas produzidas infraconstitucionalmente. Diz-se também que o ordenamento jurídico é um sistema jurídico. Um sistema não se con- funde com um mero conjunto com partes desconexas. O sistema é um “conjunto de ele- mentos relacionados entre si funcionalmente, de modo que cada elemento do sistema é função de algum outro elemento, não havendo nenhum elemento isolado” (MORA, 2001: 2703). O sistema é um conjunto de objetos e seus atributos (repertório) vinculados fun- cionalmente entre si segundo regras finalísticas (estrutura). O que dá coesão ao sistema é sua estrutura. FIQUE ATENTO O Sistema Penitenciário Federal. Foi criado em 2006, a partir da reestruturação do Departamento Penitenciário Nacional – Depen, com a finalidade de ser o gestor e fiscalizador das Penitenciárias Federais em expresso cumprimento ao contido na Lei de Execução Penal – LEP, especialmente em seu artigo 72, parágrafo único, que lhe confere essa incumbência de forma exclusiva. O Sistema Penitenciário Federal é constituído pelos estabelecimentos penais federais, subordinados ao Departamento Penitenciário Nacional – Depen do Ministérioda Justiça. E então? Percebeu como se constitui um sistema? Percebeu como o Sistema Penitenciário Federal possuía as características apresentadas anteriormente? Pesquise outros sistemas federais e conheça um pouco de seu funcionamento, de sua estrutura e organização. A página do governo federal (www.brasil.gov.br) é um bom começo. Nela você vai encontrar diferentes sistemas. Leia, pesquise, saiba mais a respeito de diferentes sistemas no Estado brasileiro. Retomando nossas considerações, percebe-se que as normas jurídicas são os elementos componentes do sistema (ou ordenamento jurídico), segundo suas estruturas, estabeleci- das na Constituição e em outras normas estruturais. Há que se destacar que no plano das UNIDADE 1 21 normas internacionais ou de direito comunitário é comum o emprego de ordem jurídica internacional, ou direito comunitário, direito internacional, direito cosmopolita. As expressões Estado Democrático de Direito e Direitos Humanos talvez sejam, as refe- rências mais invocadas nos discursos políticos e jurídicos desde meados do século XX, e fazem parte do nosso cotidiano, seja nas universidades, nos movimentos sociais, nos cor- pos legislativos, nas propostas e pautas políticas, nos meios de comunicação de massa. O que significa, afinal, um Estado, que é Democrático, e ainda de Direito? VOCÊ SABIA Estado é a sociedade politicamente organizada, na qual se pode vislumbrar um ter- ritório, o povo e um governo soberano. Estes são os três elementos que possibilitam a organização de um grupo, de uma massa de pessoas sob a organização estatal. Um Estado para ser soberano, ter poder legítimo sobre os seus integrantes, deve ter uma Constituição, lei maior do Estado e na qual está prevista todas as estruturas estatais, seus poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, procedimentos e compe- tências destes. Estado Democrático é aquele em que o verdadeiro detentor do poder é o povo, sendo ele representado por mandatários políticos eleitos, tendo ainda direito de fis- calização sobre as questões do Estado, como as contas públicas, entre outras formas de participação previstas na Constituição, como o referendo, o plebiscito e a inicia- tiva popular (uma parcela da população poder propor projetos de lei). Uma Constituição autocrática não reconhece direitos fundamentais. Por isso nossa definição de Constituição atual é democrática, e não autocrática. Democracia é uma forma de exercício do poder, que se opõe à autocracia. A Constituição Federal do Brasil, promulgada (e não outorgada, eis que se trata de uma lei democrática) em 1988, prevê que todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido. Estado de Direito é o tipo de Estado que estabelece direitos e deveres em leis válidas para todos, sem fórmulas autoritárias e excludentes, como foi o Ato Institucional n°5 de 1968 no Brasil, e tantos outros “decretos de gaveta”, normas elaboradas secre- tamente para lesar tantos direitos, como para impor o exílio de opositores políticos, cerceando o direito de opinião e manifestação, entre tantos outros. Esses recursos atentatórios contra os direitos e garantias fundamentais revelam o momento de ditadura pelo qual nosso país passou. Em um Estado de Direito, os direitos humanos são reconhecidos como direitos fundantes desse Estado, daí nomearem-se os mes- mos “Direitos Fundamentais”. Concluindo, o Estado Democrático de Direitos é aquele em que o poder emana do povo e em prol deste é exercido, razão pela qual só faz sentido leis universais, que estejam acima das autoridades estatais, e prevendo as competências de tais autori- dades, além de, evidentemente, declarar os direitos fundamentais de toda a socie- dade assim organizada.
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