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CAPÍTULO2 EVOLUÇÃO HISTÓRICADE DIREITOS HUMANOS 
UNIDADE 1 23
CAPITULO 2 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE DIREITOS 
HUMANOS 
1 - AS ORIGENS HISTÓRICAS DA NOÇÃO ATUAL DE DIREITOS HUMANOS: 
ESCOLA DO DIREITO NATURAL ANTIGA, O JUSNATURALISMO MODERNO E 
A POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Na Grécia antiga, entre os séculos VIII e V antes de Cristo, os filósofos pré-socráticos13, 
preocupados com o problema cosmológico, pouco ou nada se preocuparam com o direito. 
Mas o povo grego, educado com os poemas de Homero e Hesíodo, teve a ideia exata dos 
primeiros princípios do direito e de sua origem divina. Hesíodo diz em seu poema, intitu-
lado Os trabalhos e os deuses: Somente aos homens concedeu leis Saturno; pois os peixes, 
o animal na selva e os pássaros do céu vivem da rapina mútua, porque carecem de direito; 
mas aos homens lhes outorga o direito o dom soberano” (MARQUEZ, 1949: 317).
Jacqueline de Romilly (ROMILLY, 1971: 8), filóloga francesa, traz-nos uma notícia histórica 
sobre o surgimento da ideia de lei, tal como a concebemos hoje. Explica que na Grécia 
antiga, a aparição da noção de lei como dado divino não impõe a coesão social e imposição 
necessárias à eficácia dos comandos legais, tal como se concebe em toda a história do 
direito ocidental, na concepção jurídica de lei. 
FIQUE ATENTO
Hoje, quando se menciona lei, não se pensa em lei moral; lei aponta em primeiro 
lugar para um comando jurídico, dotado de imperatividade heterônoma e coerção.
Segundo a pesquisa etnográfica de Romilly, nos textos de Homero aparece a palavra the-
mis, que na epopeia significa a prescrição que fixa os direitos e os deveres de cada um sob 
a autoridade do chefe da gens, seja na vida de todos os dias, no interior da casa, seja nas 
circunstâncias excepcionais, como alianças, casamento, combate. Tais regras podem valer 
para as relações das diversas famílias entre si, e para as relações com o soberano, neste 
caso, já apresentando algum valor político. Entretanto, não são leis tal como concebe-
mos; são regras que dependem da aceitação tácita dos que as observam, não pretendem 
ser aceitas por um Estado em seu conjunto, nem conhecidas de todos, nem soberanas 
(ROMILLY, 1971: 9-10).
A Grécia antiga nos presenteia com a vantagem única de nos fazer assistir à transforma-
ção de regras desse tipo em leis propriamente ditas, nos fatos, no vocabulário, onde se vê 
nascer uma noção com a qual viverá toda a civilização ocidental. 
13 http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticos
DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS24
Escola de Atenas,(ScuoladiAtene),Rafael
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/94/Sanzio_01.jpg
Depois do século oitavo, com a expansão colonial e a organização das cidades é que surge 
uma primeira generalização dos usos para a vida comunitária e uma primeira compreen-
são sobre as funções reservadas a cada um. É o que Platão percebeu 
ao invocar, no livro III das Leis, a parte em que os representantes exa-
minam os costumes dos diversos grupos, a fim de discernir os que 
merecem ser preservados, em nome do interesse comum (ROMILLY, 
1971: 10). 
Aqui não aparece ainda a expressão direito natural, que só surgirá 
mais tarde, quando a análise filosófica opõe a noção de lei à noção 
de natureza. 
A análise etnográfica constata uma oposição entre a natureza de um 
lado, e as regras ou usos trazidos pelos homens em sociedade de 
outro, sendo esses válidos somente num quadro limitado, e aqui está 
o germe do que será considerado um direito natural.
Por outro lado Physis se opõe ao “não” ou à ilusão, e nomos se opõe à realidade. A pro-
posta mais interessante dessa distinção dentre os filósofos gregos da época é a que a 
apresenta aplicando-se ao domínio do direito e da moral. Nesse sentido encontraram os 
pesquisadores um fragmento do filósofo Archélaos, discípulo de Anaxágoras, que teria 
naquela época “filosofado sobre as leis”, e uma de suas afirmações mais notáveis foi dizer 
VOCÊ SABIA
A palavra nomos tem vários sentidos 
e algumas ramificações no domínio do 
pensamento. 
Nomos, sendo um costume, é também 
uma maneira de ver estável; e o verbo 
nomizein quer dizer às vezes “ter por 
uso”, mas seu sentido normal em grego 
é “pensar, ter por estabelecido”. Sua 
referência é sempre o domínio dos cos-
tumes (ROMILLY, 1971:74).
UNIDADE 1 25
que “o justo e o vergonhoso não o são pela natureza, mas segundo o nomos” (ROMILLY, 
1971: 75).
Nomos significa, num primeiro momento a opinião, em momento posterior, os costumes 
e, depois, a lei. De qualquer modo, o justo e o vergonhoso são dados como apartados do 
domínio da apreciação humana – que aqui se traduz em julgamentos, em condutas, ou em 
leis propriamente ditas. E se descobre desse fato que não somente a relatividade dos cos-
tumes vai se estender às leis escritas, mas que costumes e leis escritas vão aparecer como 
a expressão de valores próprios ao homem em geral ou ao grupo de homens em particular 
que os pratica. E aqui aparecem duas ordens: uma que é natural e independe de todo 
julgamento humano, e outra, artificial, imposta de fora, fictícia (ROMILLY, 1971: 75). 
Desde então, a noção de um justo em si perde toda existência; e o justo não pode se defi-
nir senão por uma referência às convenções particulares de um grupo determinado: justo 
equivale ao justo, ao legal. Surge a ideia de um direito também natural, contrapondo-se, 
ou ao menos, sobrepondo-se, por sua força intrínseca e universalidade, ao artificial, legal. 
Na justiça civil e no direito político, é possível distinguir o que é natural e o que é pura-
mente legal. É natural o que em todas as partes tem a mesma força e não depende das 
resoluções que os homens possam tomar em um sentido ou em outro. 
O puramente legal é tudo o que em princípio pode ser indiferente de tal modo ou de 
modo contrário, mas que deixa de ser indiferente desde que a lei assim decidir, quando 
então passa a ter valor por estar previsto em lei (MARQUEZ, 1943: 318-319). 
No Direito Romano, a noção de direito natural se encontra expressa de maneira mais 
ampla, como “o que a natureza ensinou a todos os animais”. Este direito não é peculiar 
ao gênero humano, mas comum a todos os animais que nascem no céu, na terra e no mar. 
Dele resulta a união do macho e da fêmea, a que chamamos matrimônio, a criação dos 
filhos, e a sua educação. Vemos, em verdade, que também os outros animais usam desse 
direito, como se o conhecessem.” (JUSTINIANUS, 2000: 23).(onde abrem as aspas?)
Justiniano I ao centro da imagem. (Código Justiniano).
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/66/Meister_von_San_Vitale_in_Ravenna_003.jpg.
DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS26
Veja que a cultura romana concebe um direito natural de toda a natureza física, comum a 
todos os animais, o que não aparece na Grécia. Esta ideia de direito natural será tomada 
no Estoicismoe14 na Filosofia Cristã Medieval como lei natural que rege todas as ordens 
de seres, entre eles, o ser humano, não só como participante da physis (matéria), mas no 
que tem de humano: sua espiritualidade. E aí será distinta da lei humana e da lei divina, 
prescrita diretamente aos homens, por intermédio das interpretações da Igreja na Alta 
Idade Média.
Apesar da expressão direito natural ser já amplamente usada, a expressão direito positivo 
só será encontrada no latim medieval, numa passagem de Aulo Gallio, numa contrapo-
sição que remonta à distinção grega entre physise themis, como visto acima. Segundo 
Bobbio, a contraposição em tal texto aparece não no que tange a natureza do direito, mas 
da linguagem: entre aquilo que é por natureza, e o que o é por convenção, posto pelos 
homens, o que encontrará analogia no direito (BOBBIO, 1995). 
Essa distinção estará presente em todos os 15escritores medievais. O direito natural (con-
junto de leis jurídicas naturais) decorre do gênero lei natural, fundada numa lei divina. As 
leis naturais são necessárias e governam implacavelmente a vida do homem. 
Até aqui se vê amanifestação do conceito objetivo de direito natural, numa doutrina, que 
segundo Edgar da Mata Machado, permanece no Ocidente até o século XVI, apesar de 
obscurecida por divergências entre os que buscavam o seu fundamento numa raciona-
lidade divina, e os que o procuravam na vontade divina (MATA MACHADO, 2005: 77-78). 
Mas, segundo o autor, até esse período se menciona um direito natural de caráter obje-
tivo, que será totalmente afastado no novo modelo jusnaturalista (ou o direito natural), 
que buscará exclusivamente na razão humana (marca indelével do racionalismo ilumi-
nista) o ideal de justiça a ser realizado pela ordem jurídica positiva.
Norberto Bobbio avalia que no período clássico (como vimos ante-
riormente, compreendido entre os séculos 500 e 338 antes de Cristo, 
na Grécia Antiga) não havia real supremacia do direito natural sobre 
o positivo, sendo considerados apenas como de âmbitos de atuação 
diferenciados: o natural era o direito comum de todos os povos, e o 
positivo, o direito especial ou particular de uma determinada civitas. 
Pelo princípio de derrogação da norma geral pela especial, é que se 
sobrepunha o direito positivo ao natural, regra de aplicação seguida 
por Creonte contra os argumentos de Antígona, quando essa recorre 
ao “direito não escrito”. Na Idade Média é que a situação se inverte, 
pois, sendo o direito natural mais que um direito comum, sediado na 
vontade divina, sobrepõe-se ao direito positivo, pois é considerado 
como “norma fundada na própria vontade de Deus e por este participada à razão humana 
ou, como diz São Paulo, como a lei escrita por Deus no coração dos homens”. (BOBBIO, 
1995: 25). 
14 Para saber um pouco mais, acesse: http://pt.wikipedia.org/wiki/Estoicismo
15 A Idade Média é um período da História compreendido entre os séculos V e XV. Para saber mais sobre este período, 
consulte o livro “História da Vida Privada”, de Georges Duby ou veja uma grande síntese sobre o período em: http://
pt.wikipedia.org/wiki/Idade_Média
VOCÊ SABIA
O direito natural até aqui era essen-
cialmente imanência da natureza, da 
ordem universal, expresso no pen-
samento clássico, desde Platão e 
Aristóteles até as influências estoicas 
sobre o império romano. E posterior-
mente, no período medieval, como 
derivado da vontade divina, coroado 
no pensamento de Santo Agostinho, e 
Santo Tomás de Aquino.
UNIDADE 1 27
A antropologia jurídica descreve a transição de um direito ritualístico, centrado na divin-
dade, um direito mítico para um direito desmitificado, conforme observa Mata Machado, 
“o estudo da evolução histórica do conceito de direito natural encontra suas raízes no 
período mítico da civilização, quando as instituições morais e jurídicas se confundem com 
regras do culto, como a indicar sua vinculação profunda com a própria natureza das coi-
sas” (MATA MACHADO, 1995: 69). 
Posteriormente, no período moderno (sobretudo a partir dos séculos XVII), o direito já se 
encontra centrado no querer humano, e de um homem único, designado por Deus para a 
condução das coisas humanas na Terra. Esse tira sua legitimidade não do reconhecimento 
dos iguais que livre e espontaneamente o elegem como representante do todo, mas no 
querer de uma autoridade divina, sobre o que fundamenta sua autoridade irrestrita sobre 
os seus semelhantes desiguais (não “agraciados” com o poder divino), o que implicará na 
submissão incondicionada dos súditos ao rei. Esse direito racional ainda não desprendido 
do fundamento religioso, ainda não absolutamente laico, é o último precedente do jus 
naturalismo contratualista.
A partir do Renascimento16, o direito passa por um processo de dessacralização, consti-
tuindo-se numa moderna versão de reconstrução racional das regras de convivência. Aqui 
o direito aparece como “um regulador racional, supranacional, capaz de operar, apesar das 
divergências nacionais e religiosas, em todas as circunstâncias. (...) Mas esse novo Direito 
Natural, à diferença do medieval, substitui o fundamento ético e bíblico pela noção natu-
ralista de “Estado de Natureza”, uma situação hipotética do homem antes da organização 
social e que serve de padrão para analisar e compreender o homem civilizado.” (FERRAZ 
JÚNIOR, 1994: 71-73). Chega-se, enfim e principalmente com Rousseau, a um direito fun-
dado apenas na razão humana, dentro do fermento racionalista do Iluminismo17em plena 
exuberância.
Para Rousseau18, a expressão direito natural é imprópria, pois não se refere à natureza 
como physis, mas à natureza humana. Segundo Miaile, “dizer que o direito é natural é afir-
mar que é – ou deve ser – conforme a natureza do homem. É pois o homem, e não a natu-
reza das coisas, que é a fonte do direito. É por isso que o direito fundado sobre o sujeito 
se apresentará como um protesto relativamente a todas as regras que não encontrem no 
homem a sua justificação. (...) Aqui a concepção de direito é radicalmente nova, em que 
ele surge “ligado ao indivíduo, à qualidade específica do homem; torna-se pois emanação 
do homem, a expressão de possibilidades inalienáveis e eternas.” (MIAILE, 1979: 250). 
Essa nova modalidade de jusnaturalismo, denominado contratualista terá em Rousseau 
sua maior representação, de fundo ideológico, que visa banir da história do direito uma 
ideia de lei que não seja expressão do querer reconhecido, compartilhado, veículo da 
vontade geral. 
16 Trata-se de um período na Idade Média em que ocorreu uma série de transformações sociais na Europa, sendo as 
mais conhecidas no campo das artes e da cultura em geral. Para saber mais, consulte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Renascimento
17 O movimento iluminista, característico do século XVIII, procura mobilizar o poder da razão em torno da construção de 
uma sociedade menos dependente de ideais divinos. Para saber mais, consulte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Iluminismo
18 Importante filósofo do século XVIII, considerado um dos principais pensadores do Iluminismo.
DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS28
FIQUE ATENTO
O contrato social em Rousseau era um postulado da razão, uma verdade a-histórica, 
uma verdade reguladora, normativa, derivada da simples faculdade racional do pró-
prio homem. Esse pacto é condição e meio de transição do estado de natureza para 
a constituição de um estado social ou civil. Como o Estado nasce de um contrato, 
terá como única finalidade reconhecer os direitos fundamentais, razão de existir do 
pacto. 
Nas palavras de Elza Maria Miranda Afonso, “o direito natural deixa de ter um fundamento 
objetivo e exterior para adquirir novas bases alicerçadas na subjetividade de uma concep-
ção de razão que se torna a sua origem e a sua medida.” (AFONSO, 1984: 145). 
Toda a epopeia jusnaturalista que se manifesta pela primeira vez na tragédia de Sófocles, e 
que se estende por toda a história da ética ocidental, encontrará seu termo na Revolução 
de 1789, quando, enfim, direito positivo (forma) se encontra com direito natural (matéria), 
surgindo a noção de direitos humanos, em substituição aos tradicionais direitos naturais, 
esses transcendentes à cultura, aqueles agora reconhecidos como imanentes a ela, histo-
ricamente construídos e constantemente reconstruídos.
O direito natural era diverso do direito positivo, que é real, atual. O ideal nasce histori-
camente da realidade vivida e se projeta para a modificação posterior dessa realidade, e 
assim em sucessivas transformações culturais, que tornam a história da humanidade um 
caminhar constante de descoberta e conquista. 
Segundo Miaille, “evidentemente que todos os direitos impõem que as pessoas se condu-
zam com justiça, que respeitem este ou aquele valor. Mas isso são preceitos muito gerais, 
regras morais, se se atender a um enunciado tão abstrato. O que é importante é conhecer 
a que justiça faz ele alusão, que forma assume o respeito pelo próximo, etc. Ora, estas 
precisões, não pode o direito natural dá-las.” (MIAILE, 1979: 259-260).
Nesse contexto os antigos direitos naturais passam a compor o lequede valores jurídicos 
expressos nas declarações de direitos; e o que os antigos chamavam de direitos natu-
rais passam a ser denominados direitos humanos, eis que passam a ser expressos em 
declarações, e ainda direitos fundamentais, por figurarem como direitos fundantes das 
Constituições dos Estados soberanos.
2 - O IDEÁRIO ILUMINISTA E AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS: AFIRMAÇÃO 
HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS
2.1- As declarações de Direitos na história do Ocidente
Paolo Biscaretti di Ruffia, renomado jurista italiano, explica-nos que “em todas as decla-
rações britânicas dos direitos e deveres dos cidadãos, não se encontra nenhuma procla-
mação de alcance filosófico e universal; trata-se sempre de contingentes confirmações 
de antigos costumes e de preexistentes institutos jurídicos capazes de tutelar o indivíduo 
frente às ameaças da autoridade real. 
UNIDADE 1 29
E, portanto, os documentos solenes que contêm (mesmo que tenham sido concedidos 
unilateralmente pelo Soberano ou imposto pelo Parlamento à sua aceitação) apresen-
tam-se sempre como textos normativos idôneos para serem invocados pelo cidadão no 
Tribunal, para tutelar os próprios interesses específicos, que culminam na defesa da pró-
pria liberdade pessoal.” (RUFFIA, 1984: 516).
FIQUE ATENTO
Ruffia observa que as declarações anteriores à da Revolução Francesa não tiveram 
bases filosóficas, nem pretensão universalista. 
Imagem clássica que mostra a Tomada da Bastilha (14 de outubro de 1789) na Revolução Francesa. 
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Anonymous_-_Prise_de_la_Bastille.jpg
Foi na França que floresceu a doutrina que reconhecia expressamente a todos os 
indivíduos os direitos ditos naturais, a partir de pressupostos filosóficos referentes 
ao originário estado de natureza, no qual se encontravam os indivíduos antes de 
pactuarem a entrada no estado civil, no qual restariam resíduos essenciais da liber-
dade ilimitada que gozavam no estágio anterior, e que deveriam ser preservados e 
transformados em direitos subjetivos, superiores aos direitos do Estado, justamente 
por serem anteriores cronologicamente e superiores em dignidade por sua própria 
natureza (RUFFIA, 1984: 517).
Mas passemos às primeiras declarações da história: as inglesas.
DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS30
2.2 - As declarações inglesas
A Magna Carta Liertatum (concedida pelo Rei João Sem Terra aos seus Barões, em 1215) 
fora um documento que impunha limitações à autoridade do rei face aos cidadãos 
optimoiure(os barões e posteriormente proprietários de condados e burgos representa-
dos na Câmara dos Comuns. (RUFFIA, p. 516). 
Imagem de João Sem Terra assinando a Magna Carta. 
Fonte: Image from Cassell’s History of England – Century Edition - published circa1902. 
Disponivel em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Joao_sem_terra_assina_carta_Magna.jpg
No século XVII, temos a transformação de antigos privilégios feudais em direitos subjeti-
vos públicos, tutelados judicialmente. Já nos sec. XIX e XX há já a pretensão de estender 
tais direitos a todos os indivíduos. (RUFFIA, 1984: 516). 
UNIDADE 1 31
VOCÊ SABIA
Posteriormente, no séc. XVIII, sucedem as seguintes declarações.
A Petição de Direitos, de 1628 (limitações a autoridade régia, em especial, proibindo-
-o de manter um exército não controlado pelo Parlamento, e ainda de alojá-lo em 
casas dos particulares e impondo-lhe uma disciplina especial);
A lei do Habeas Corpus, de 1679 (impedindo prisões arbitrárias, e garantindo o 
acesso a juiz (do arrestado ou representante dele) para a expedição de decreto no 
prazo máximo de 20 dias para a libertação do prisioneiro, dirigido diretamente á 
carceragem;
A Declaração de Direitos (Bill of Rights), de 1689: além de elencar atos arbitrários do 
Soberano, declarava que ele estava submetido às leis do Reino, e que para assegu-
rar este princípio, o Parlamento votaria uma vez ao ano impostos solicitados pelo 
Governo Real (RUFFIA,1984: 517).
2.3- As declarações norte-americanas
As Declarações de Direitos Americanas são enunciados universalistas carentes de norma-
tividade, pois que supunham que a força de seu conteúdo haveria de ser reconhecida e 
respeitada espontaneamente por todos, razão pela qual não constavam dos textos cons-
titucionais, mas o precediam na forma de mera declaração, portanto, sem teor normativo. 
(RUFFIA, 1984: 517). São elas: A Declaração de Direitos, votada na Filadélfia em 1774; e 
Declaração de Independência dos EUA, em 1776. 
3 - A REVOLUÇÃO FRANCESA E A TRILOGIA DOS DIREITOS HUMANOS: 
IGUALDADE, LIBERDADE, FRATERNIDADE
A Declaração Francesa de 1789 fora precedida pelas americanas, mas com certeza sofreu 
a mesma influência que os constituintes dos Estados Unidos sofreram do jusnaturalismo 
europeu. Nela encontra-se a afirmação dos direitos naturais do homem e do cidadão como 
fórmulas abstratas e universais. (RUFFIA, 1984: 518). Posteriormente a ela, tem ainda:
• Declarações de Direitos de 1793;
• Declaração de Direito e Deveres de 1795;
• Declaração de Direitos e Deveres de 1848.
PARA REFLETIR
Faça uma busca em enciclopédias on-line (como a Wikipedia) e procure conhecer as 
Declarações citadas nesse texto. Leia seus artigos, compare os documentos, procure 
entender os momentos históricos aos quais fizeram parte suas publicações.
DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS32
A Declaração de 1789 é indelevelmente absorvida pelas Constituições Francesas; tanto 
que os Preâmbulos das constituições de 1946 e 1958 fazem remissão expressa a ela.
A Assembleia Constituinte da Revolução Francesa aprovou aos 26 de agosto de 1789 a 
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esse é o grande marco da história do 
Ocidente na sua busca pelo significado da liberdade. Nesse momento, toda a humanidade 
pretendia-se universalmente livre: a proposta da revolução não fora uma desvinculação 
jurídico-político, como o foi a Revolução Americana. Essa intencionava a libertação de um 
povo com relação ao domínio de outro povo ou governo. Na França de 1789, não havia 
um interesse pontual como o americano. Os franceses não declaravam apenas que um ou 
alguns eram livres e iguais em seus direitos, mas que todos os homens (universalmente) 
eram livres.
No século XX, aumentou a preocupação com a proteção dos direitos humanos na esfera 
internacional, pois os Estados, principalmente aqueles considerados “subdesenvolvidos”, 
são os seus maiores violadores. Como esclarece Celso Albuquerque, os “violadores” conti-
nuam participando das Organizações Internacionais. “Atualmente já existem autores que 
falam em Direito Internacional dos Direitos do Homem como uma especificidade, porque 
ele é colocado em movimento pelo indivíduo, enquanto que o Direito Internacional Geral 
o é pelo Estado” (Mello apud Brochado, 2006: 134). 
De todo modo, é no século XX que os direitos humanos ganham status de direitos inter-
nacionais, como forma mesmo de sua maior proteção, sendo a Carta das Nações Unidas, 
atualmente, o principal documento no que se refere aos direitos humanos na órbita 
internacional. 
3.1- A declaração de direitos inserida nas Constituições
A partir do sec. XIX, a declaração de direitos como meros enunciados axiológicos passa 
a ser positivada como normas jurídicas (apesar de gerais e principiológicas) exigíveis por 
cidadãos de cada Estado (denominada subjetivação de tais enunciados universais, visto 
que são atribuídos a indivíduos ligados a um Estado específico); e ainda são complementa-
das por regulamentações jurídicas detalhadas na própria Constituição, para que não seja 
necessária a intervenção do legislador ordinário para a concretização (tal foi denominado 
positivação, no sentido de previsão detalhada dos enunciados gerais em normas positivas 
mais específicas). Aqui transformam-se as abstratas declarationesdesdroitts(declarações 
dos direitos) em garantiesdesdroits (garantia dos direitos). (RUFFIA, 1984: 519). Tal já se 
verifica nas Constituições Francesas posteriores a 1791 e na constituição Belgade 1831, 
tendo a acolhida por todas as Constituições liberais e democráticas das próximas décadas.
3.2- As declarações internacionais: pretensão de universalidade dos direitos humanos 
no ocidente
Na metade do século XX, além da previsão expressa de direitos subjetivos público dos 
cidadãos em relação ao Estado nas Constituições como garantia jurídica de elevado grau 
próprio da norma constitucional, há também a preocupação em estabilizar as declarações 
de forma mais ampla em documentos internacionais. 
UNIDADE 1 33
PARA REFLETIR
Assim, se após a 1ª Guerra, visava-se assegurar a tutela de minorias étnicas, incluída em 
tratados de Paz (com a Itália, em 1947; com o Japão, em 1951 etc), após a 2ª Guerra, bus-
cou-se uma realização mais extensa dessas, com uma gama maior de direitos subjetivos 
declarados. 
Nessa esteira, as Nações Unidas induzem vários de seus membros a assinarem a Declara-
ção dos Direitos do Homem, em 1948 (ainda não vinculante, mas pretensamente o seria 
em posteriores acordos internacionais que a concretizassem). 
Temos ainda os integrantes do Conselho da Europa assinando a Convenção de Direitos 
do Homem e das Liberdades Fundamentais, em 1950 (prevendo órgãos de conciliação 
– a Comissão Europeia dos Direitos do Homem-, e de jurisdição – o Tribunal Europeu dos 
Direitos do Homem.). Falta nessa Convenção menção aos direitos sociais, o que será posi-
tivado na Carta Social Européia, em 1961, assinada em Turim (previsões de direitos sociais 
relativos ao trabalho, e ainda direitos da criança e adolescente, direito de habitação, pre-
vidência, saúde etc.).
4 - A CLASSIFICAÇÃO GERACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS: PRIMEIRA, 
SEGUNDA E TERCEIRA GERAÇÕES
Os direitos humanos foram divididos pelos pesquisadores da área jurídica e pelas 
Constituições mais modernas em três primeiras categorias, a partir das quais florescem 
a cada dia novas possibilidades de categorizações. A classificação geracional dos direitos 
humanos é atribuída ao Jurista e Cientista Político italiano Norberto Bobbio, e decorre 
de uma interpretação historicista das espécies de direitos humanos, delimitando-os de 
acordo com o momento histórico em que surgiram, ao contrário das concepções das 
escolas e doutrinas do Direito Natural, que os tinha como direitos naturais ao homem, 
enquanto tais, transcendentes à qualquer experiência histórica, imutáveis, eternos, incon-
testes e imemoriais. 
As três primordiais, hoje já consideradas por alguns como “clássicas”, são: 
Direitos de primeira geração: individuais, considerados a partir das perspectivas do indi-
víduo humano; e os direitos políticos, como forma de superação da dicotomia poder-direi-
tos, em que o indivíduo é convocado a tomar o lugar que lhe cabe na condução dos rumos 
da polis (palavra grega que significa cidade-estado), ou seja, a participar do poder Estatal 
que lhe representa na forma de exercício de seus direitos políticos; 
Direitos de segunda geração: ou sociais lato sensu, considerados declarados por e num 
Estado que se impõe a minimização de desigualdades sociais em busca da igualdade 
material ou substancial;
Direitos de terceira geração: ou “de solidariedade”, que visam a algo mais que a liberdade 
e a igualdade: visam à qualidade de vida e a solidariedade, à cooperação entre os povos, no 
DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS34
re-conhecimento de diferenças culturais e diversidades. Como explica Paulo Bonavides, 
renomado professor constitucionalista da Universidade Federal do Ceará, “Têm primeiro 
por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação 
como valor supremo em termos de existência concreta”. (BONAVIDES, 1996:523).
Atualmente prefere-se o termo dimensões de direitos, pois que remete à ideia de que não 
há processo de substituição de um grupo de direitos a outro, como pode sugerir a expres-
são geração e, sim, uma espécie de sobreposição de novos direitos, que não excluem os 
antigos, surgidos em outros contextos históricos, mas os evoluem, sofisticam-nos , ou os 
acrescem, a partir de novas experiências históricas. Assim:
Força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o 
vocábulo ‘dimensão’ substitui, com vantagem lógica e argumentativa, 
o termo ‘geração’, caso este último venha a induzir apenas sucessão 
cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações 
antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da 
primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, 
e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz 
e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam 
a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela 
globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande 
muralha, a Humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de 
haver dado o seu primeiro e largo passo. (BONAVIDES, 1996: 525).
Como atesta Bonavides, citando Etiene-R.Mbaya: “a descoberta e a formulação de novos 
direitos é e será sempre um processo sem fim, de tal modo que quando ‘um sistema de 
direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas regiões da liberdade que devem 
ser exploradas’.” (BONAVIDES, 1996: 523).
Primeiramente temos o nascimento dos direitos individuais, ou direitos de primeira gera-
ção, como forma de limitação do poder nos Estados despóticos. O surgimento desses 
direitos está ligado ao avanço das concepções liberais diante da estrutura de poder que 
rege a sociedade civil. 
Nesse momento ainda há uma separação radical entre Estado e sociedade civil, onde 
o Estado detém um poder estranho ao seu verdadeiro titular, o povo. São direitos de 
liberdade, que têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, e traduzem-se como 
faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é o seu traço carac-
terístico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. 
UNIDADE 1 35
FIQUE ATENTO
Sem pretensão exaustiva, os direitos individuais podem ser arrolados em:
• direito à vida, 
• à integridade, 
• à propriedade, 
• à honra, 
• à segurança, 
• à liberdade, 
• direito de igualdade etc. 
José Luiz Quadros de Magalhães, professor de Direito Constitucional da Universidade 
Federal de Minas Gerais, classifica-os em sete grupos, quais sejam:
• Igualdade jurídica (fundamento de todo e qualquer direito);
• liberdade física (liberdade de locomoção, segurança individual, 
inviolabilidade de domicílio, liberdade de reunião, liberdade de 
associação);
• liberdades de expressão (liberdade de palavra e de prestar informação, 
liberdade de imprensa, liberdade artística, liberdade científica, liberdade de 
culto, sigilo de correspondência);
• liberdades de consciência (religiosa, filosófica, política, liberdade de não emitir 
o pensamento);
• propriedade privada, direito de petição e de representação;
• garantias processuais (habeas corpus, habeas data, mandado de injunção, 
ação popular, ação de inconstitucionalidade, 
• osprincípios processuais da garantia à tutela jurisdicional, devido processo legal, 
juiz natural, instrução contraditória, ampla defesa, acesso à justiça, publicidade. 
(MAGALHÃES apud HORTA, 2002: 109-110).
Os direitos de segunda geração seriam os direitos econômicos e culturais, ou seja, os 
direitos sociais, como veremos mais detidamente nos capítulos seguintes. E cumpre-nos 
nesse momento fazer uma distinção operacional entre direitos sociais e direitos políticos.
Enquanto os direitos sociais são garantias ao indivíduo enquanto elemento integrante da 
sociedade, os direitos políticos são formas que os cidadãos têm de eleger e fiscalizar todo 
o processo de administração da sociedade. Os primeiros seriam direitos-fim, na medida 
em que existem para garantir condições necessárias ao desenvolvimento do indivíduo 
inserido numa sociedade, sob a égide de uma ordem posta; os segundos seriam direi-
tos-meio, visto que são condições de exercício da cidadania, para que se possa alcançar 
a satisfaçãode direitos imediatos, ou seja, estes são a forma de se alcançar aqueles. É 
DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS36
elegendo seu representante e fiscalizando esta representação que o cidadão garante a 
concretização de seus direitos.
Essa classificação dos direitos humanos em “gerações” pode ser criticada no sentido de 
que dá ideia de linearidade dos fenômenos históricos e ainda pecam por não especifi-
car a essência de cada tipo de direito, sendo, portanto, muito abstrata. Os chamados 
“direitos políticos”, por exemplo, não se enquadram perfeitamente 
em nenhuma delas, visto que começaram a surgir concomitante com 
os direitos individuais, mas não podem ser qualificados como direitos 
de primeira geração.
A concreta garantia dos direitos sociais depende dos meios estatais 
disponíveis para a sua realização. A impossibilidade econômica limita 
a característica própria de essencialidade desses direitos. “Isto signi-
fica o abandono da incondicionalidade das pretensões dos direitos 
fundamentais” (BÖCKENFORDE, s/d: 217). Daí a importância atual 
da declaração dos direitos sociais nas Constituições dos países “em 
desenvolvimento”, o que já significa um grande passo para a sua con-
creta realização.
Segundo Jürgen Habermas, o mais expressivo filósofo alemão da atua-
lidade, os Cientistas Políticos de hoje constatam que há uma diferença 
entre o “primeiro” e o “segundo” mundos na compreensão da neces-
sidade de atuação mútua (internacionalizada) na preservação e garan-
tia dos direitos humanos. Enquanto sociedades pacíficas e prósperas 
têm condições de harmonizar seus interesses nacionais com o nível 
razoavelmente cosmopolita das reivindicações da ONU, Estados do 
“segundo” mundo assumem a “herança política da força própria do 
nacionalismo europeu”. E a grande contradição reside no fato de que 
adotam postura expansionista para o exterior, ao mesmo tempo em 
que mantém sua estabilidade interna por meio de dominação autori-
tária, são “sensíveis nas questões sobre fronteiras e insistem neuro-
ticamente em sua soberania”, o que inibe o relacionamento mútuo 
no plano internacional e exige reforço nas atuações diplomáticas (HABERMAS, 1999: 87). 
Os juristas situam os direitos políticos na primeira geração de direitos, por surgirem no 
contexto de lutas sociais contra o autoritarismo do ancien regime (antigo regime). Para 
Salgado, tais direitos não se enquadram em nenhuma das classificações indicadas, apesar 
de considerá-los especificamente ligados aos direitos sociais, trazendo, em sua essência, 
o privilégio de serem uma “forma superior de realização dos direitos fundamentais”, ao 
considerar o Estado, na diretriz hegeliana, “a organização política de toda a comunidade, 
que torna possível uma vida social racional, na medida em que cada um realiza a sua liber-
dade no todo social, e o todo social se realiza na liberdade concreta de cada um” (HEGEL 
apud SALGADO, 1996: 61).
SAIBA MAIS
Da mesma forma que os direitos indi-
viduais apareceram com o Estado libe-
ral, os direitos sociais apareceram com 
o Estado social, definido como sendo 
aquele “que declara, como sua fina-
lidade central a realização da justiça 
social e, por isso, dos direitos sociais” 
(SALGADO, 1988: 40). Assim, enquanto 
que para a realização dos direitos indi-
viduais devemos contar com uma ati-
tude passiva do Estado, que só atua 
quando da sua violação, no caso dos 
direitos sociais, este deve atuar a priori, 
concretamente, para que possam se 
realizar.
Os direitos fundamentais sociais foram 
consagrados pela primeira vez na 
Constituição do México de 1917, na 
Soviética em 1918, e na de Weimar, em 
1919. São eles: o direito ao trabalho, e 
relativos a esse, a garantia de emprego, 
o direito de cogestão das empresas, o 
direito à justa remuneração, e o direito 
de greve. Temos ainda o direito à saúde 
e o direito à educação.
UNIDADE 1 37
FIQUE ATENTO
É no Estado que cada cidadão participa do poder igualitariamente, não busca apenas 
a realização de seus interesses, mas o interesse de todos. Aqui não temos mais a 
cisão entre Sociedade Civil e Estado, mas a concepção moderna de Estado como 
uma totalidade composta de cidadãos e governantes (ou gestores políticos da 
sociedade). 
São direitos políticos: 
• direito de votar e ser votado; 
• de agir diretamente na ordem política (referendum, plebiscito, veto popular); 
• direito de fiscalização (ação popular); 
• direito de resistência; 
• direito de destituição; 
• e o direito de filiação e organização partidária.
São considerados direitos de terceira geração (ou dimensão): o direito à paz, ao meio 
ambiente saudável, à copropriedade do patrimônio comum do gênero humano, entre 
outros, ditos também direitos de “solidariedade”.
5 - A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS
5.1- A Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU
A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas foi apro-
vada em 1948. Uma discussão clássica sobre a obrigatoriedade da Declaração divide-se 
entre autores que defendem que ela vincula os ordenamentos internos e e os que a enten-
dem como meras diretivas, cabendo a cada Estado atingir sua própria evolução política e 
jurídica até chegar à declaração interna desses direitos, já num estágio jurídico avançado. 
A discussão tem como fundo teórico duas correntes empenhadas 
em fundamentar o problema da obrigatoriedade da Declaração:
Diante da impossibilidade de ação da ONU, tanto no sentido de 
impor a Declaração aos ordenamentos, quanto no sentido de 
depender de força oferecida por aqueles países para manter a 
paz internacional, a Assembleia Geral em 1966 aprovou dois pac-
tos na tentativa de regulamentar os direitos humanos de forma 
vinculativa. Temos, então, o Pacto Internacional de Direitos 
Econômicos, Sociais e Culturais, de aplicação progressiva; e o 
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de aplicação ime-
diata. Ambos vinculam diretamente as Nações Unidas. O Conselho 
Econômico e social é o principal órgão encarregado dos direitos 
humanos na ONU.
Eleanor Roosevelt exibe cartaz contendo a 
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). 
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Declara%C3%A7%C3%A3o_Universal_dos_
Direitos_Humanos
DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS38
Como esclarece Goreinstein: “esses sistemas regionais caracterizam-se 
por uma maior homogeneidade entre seus membros, se os comparar-
mos à abrangência da ONU, tanto no que se refere aos seus sistemas 
jurídico-políticos como aos aspectos culturais. Isto acaba por tornar os 
seus mecanismos de proteção mais eficazes em relação àqueles do sis-
tema global.” (GOREINSTEIN apud BROCHADO, 2006: 138).
Segundo Jürgen Habermas (apud BROCHADO, 2006: 128), politólogos 
constatam que há uma diferença entre o “primeiro” e o “segundo” 
mundos na compreensão da necessidade de atuação mútua (interna-
cionalizada) na preservação e garantia dos direitos humanos. Enquanto 
sociedades pacíficas e prósperas têm condições de harmonizar seus 
interesses nacionais com o nível razoavelmente cosmopolita das reivin-
dicações da ONU, Estados do “segundo” mundo assumem a “herança 
política da força própria do nacionalismo europeu”. E a grande contra-
dição reside no fato de que adotam postura expansionista para o exterior, ao mesmo tempo 
em que mantém sua estabilidade interna por meio de dominação autoritária, são “sensíveis 
nas questões sobre fronteiras e insistem neuroticamente em sua soberania”, o que inibe o 
relacionamento mútuo no plano internacional e exige reforço nas atuações diplomáticas. 
A recepção dos direitos humanos pelas ordens jurídicas internas significa o reconheci-
mento de sua importância e essencialidade, mas tal deve se fazer acompanhar por uma 
abertura na clássica concepção de soberania, sob pena de perderem seu caráter eminen-
temente universalista. 
5.2 - Universalidade dos direitos humanos: e uma ordem cosmopolita
Para se alcançar a verdadeira universalidade na proteção dos direitos humanos, Habermas 
acreditaque o primeiro passo é a transformação do clássico direito internacional público 
em direito cosmopolita. Essa ideia de direito cosmopolita já se encontra na Metafísica dos 
Costumes, seção terceira da segunda parte da Doutrina do Direito, em que Kant trata 
do Direito Público. Ali considera o direito cosmopolita como o único capaz de conduzir 
a união entre os povos, pois que tem por propósito estabelecer leis universais para o 
comércio entre eles. 
Kant sugere que esse direito possibilita uma relação pacífica (não necessariamente amis-
tosa) entre os povos, à medida que ela passa a ser tutelada juridicamente, deixando de 
ser meramente filantrópica (logo, ética, na visão kantiana). E o fundamento dessa preten-
são está no fato de que a natureza encerrou todos os seres humanos, juntos, no mesmo 
espaço, o globusterraqueus, e como a posse do solo por cada um só pode se dá numa par-
cela dele, não estão em comunidade jurídica da posse (communio), mas em uma comu-
nidade possível de interação física (commercium). (KANT apud BROCHADO, 2006: 131).
Habermas (cf BROCHADO, 2006: 132) retoma essa ideia, remetendo ao direito esta função 
de pacificação dos povos, já num plano juridicizado. O pacifismo jurídico não pretende 
apenas cercar estados de guerra latentes entre os governos soberanos com o direito inter-
nacional, nos moldes em que se encontra atualmente, mas, muito, além disso, visa a supe-
ração dessa latência em uma ordem cosmopolita integralmente juridificada.”
SAIBA MAIS
Atualmente o sistema global do direito 
internacional, representado pela ONU, 
vem se coordenando com sistemas 
regionais, que facilitam o acesso dos 
indivíduos à tutela jurídica humanitária. 
Assim, os indivíduos vêm sendo reco-
nhecidos não como atores no processo 
de elaboração do direito internacional, 
mas, no que tange a sua aplicação, o 
que tem alcançado maior destaque e 
operacionalidade no plano dos siste-
masregionais de proteção humanitária. 
(Roland apud Brochado, 2006: 137). 
UNIDADE 1 39
PARA REFLETIR
Para empreendermos qualquer discussão sobre a universalidade dos direitos huma-
nos, não podemos omitir que a tutela deles - por sua própria natureza - se dá, antes 
e precipuamente, na ordem internacional, e aqui temos de partir do pressuposto 
de que os indivíduos (e não somente os Estados) devem figurar nesta ordem como 
sujeitos de relações internacionais, porque são os indivíduos os destinatários últimos 
dessa tutela. 
A doutrina contemporânea aponta duas justificativas à necessidade do indivíduo com-
por as relações internacionais, ser pessoa internacional: a própria dignidade humana, que 
leva a ordem jurídica internacional a lhe reconhecer e proteger direitos fundamentais, 
e a noção de direito em si mesma, posto que é obra do homem para o homem (MELLO 
apud BROCHADO, 2006: 133). Daí a importância de termos tratado inicialmente das con-
cepções de homem e de humanidade, pois é a partir delas que podemos fundamentar a 
dignidade humana e o direito que tem cada indivíduo de ser considerado peça relevante 
pela ordem internacional.
Da mesma forma que o discurso jusnaturalista impregnou os estados absolutistas, 
impondo-lhes o reconhecimento dos direitos de primeira geração, as subsequentes gera-
ções de direitos humanos são direcionadas à ordem supranacional, ou a um direito cos-
mopolita, como quer Habermas. Na pós-modernidade, não se pensa apenas em direitos 
de cidadãos vinculados à concepção restrita de soberania. Trata-se de universalizar, sem 
fronteiras, a garantia dos direitos sociais, dos de fraternidade, para se realizar, enfim, uma 
sociedade de consenso, pressuposta no reconhecimento, o que os estoicos já idealizavam 
como a “comunidade do gênero humano”.
PARA REFLETIR
A primeira grande vantagem em se transitar para uma sociedade verdadeiramente 
cosmopolita, conforme Habermas é a colocação do indivíduo como membro dessa 
associação cosmopolita, o que protegeria o cidadão de um Estado contra as possíveis 
arbitrariedades do seu próprio governo. E a consequência mais importante de um 
direito que se impõe à soberania dos Estados é a responsabilização pessoal de fun-
cionários por seus crimes no serviço público e militar. (HABERMAS apud BROCHADO, 
2006: 138). 
E o filósofo assevera que o primeiro passo a ser tomado seria evoluir o conceito de direitos 
humanos do plano estritamente moral (ao qual está geralmente vinculado) para o plano 
jurídico, promovendo-se uma juridificação desses valores, o que possibilitaria o estabele-
cimento de uma condição cosmopolita: a de que as infrações contra os direitos humanos 
não devam ser julgados e combatidos imediatamente a partir de pontos de vista morais, 
mas antes observados como ações criminais dentro de uma ordem jurídica pública. “A 
juridificação enérgica das relações internacionais não é possível sem procedimentos 
DIREITOS HUMANOS E GRUPOS VULNERÁVEIS40
estabelecidos para solução de conflitos. Justamente a institucionalização desses pro-
cedimentos protegerá o tratamento das violações aos direitos humanos, juridicamente 
domesticado, contra uma desdiferenciação moral do direito e evitará a discriminação 
moral subitamente eficaz de inimigos” (cf. BROCHADO). 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos humanos ainda padecem da qualificação de serem apenas meros orientadores 
morais (e não jurídicos), voltados para a avaliação de objetivos políticos. “A coisa muda 
de figura, se os direitos humanos não entrarem no jogo apenas como orientação moral 
da própria ação política, mas também como direitos que precisam ser implementados em 
sentido jurídico. A questão fundamental é que os direitos humanos apresentam, a des-
peito de seu conteúdo puramente moral, características estruturais de direitos subjetivos 
que são dependentes originariamente da obtenção de validade em uma ordem coercitiva. 
Quando os direitos humanos encontrarem seu ‘lugar’ numa ordem jurídica democrática 
mundial, de modo análogo ao que se sucedeu com os direitos fundamentais nas constitui-
ções nacionais, poderemos partir no nível global da ideia de que os destinatários desses 
direitos podem compreender-se ao mesmo tempo como seus autores.” (cf. BROCHADO).

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