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. 1 PM-AP Soldado Origem, sentido e evolução histórica dos Direitos Humanos. ............................................................... 1 Os fundamentos filosóficos dos Direitos Humanos. ............................................................................. 9 Teoria crítica dos Direitos Humanos. ................................................................................................. 15 As tensões da Modernidade ocidental e as tensões dos Direitos Humanos: da colonialidade à descolonialidade. .................................................................................................................................... 16 Direito internacional dos Direitos Humanos: fontes, classificação, princípios, características e gerações de direitos humanos. .............................................................................................................................. 25 Normas de interpretação dos tratados de Direitos Humanos. ............................................................ 36 O sistema internacional de proteção e promoção dos Direitos Humanos: Organização das Nações Unidas (ONU). ........................................................................................................................................ 39 Sistema Regional Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. .............................................. 41 Mecanismos de proteção aos direitos humanos na Constituição da República do Brasil. .................. 68 Reflexos do Direito Internacional dos Direitos Humanos no direito brasileiro. .................................... 69 Direitos Humanos em espécie e grupos vulneráveis. ......................................................................... 78 Candidatos ao Concurso Público, O Instituto Maximize Educação disponibiliza o e-mail professores@maxieduca.com.br para dúvidas relacionadas ao conteúdo desta apostila como forma de auxiliá-los nos estudos para um bom desempenho na prova. As dúvidas serão encaminhadas para os professores responsáveis pela matéria, portanto, ao entrar em contato, informe: - Apostila (concurso e cargo); - Disciplina (matéria); - Número da página onde se encontra a dúvida; e - Qual a dúvida. Caso existam dúvidas em disciplinas diferentes, por favor, encaminhá-las em e-mails separados. O professor terá até cinco dias úteis para respondê-la. Bons estudos! 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 1 Caro(a) candidato(a), antes de iniciar nosso estudo, queremos nos colocar à sua disposição, durante todo o prazo do concurso para auxiliá-lo em suas dúvidas e receber suas sugestões. Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação ou dúvida conceitual. Em qualquer situação, solicitamos a comunicação ao nosso serviço de atendimento ao cliente para que possamos esclarecê-lo. Entre em contato conosco pelo e-mail: professores @maxieduca.com.br Origem O homem ao longo da história percorreu um longo caminho marcado por lutas, principalmente causadas pelo desejo de lucro e poder, visto que traz a herança da personalidade humana desde os primórdios dos tempos, de extinto animal. Para eliminar, ou pelo menos diminuir essa personalidade “não social” é indispensável a educação para “retirar o homem dos resquícios de sua condição primitiva”. Os direitos humanos surgiram como um dos fatores mais importantes para a convivência do homem em sociedade, refinando seu comportamento. A expressão Direitos Humanos já diz, claramente, o que este significa. Direitos Humanos são os direitos do Homem (seres humanos). Diria que são direitos que visam resguardar os valores mais preciosos da pessoa humana, ou seja, direitos que visam resguardar a solidariedade, a igualdade, a fraternidade, a liberdade, a dignidade. No entanto, apesar de facilmente identificado, a construção de um conceito que o defina, não é uma tarefa fácil para a doutrina, em razão da amplitude do tema. Não há um rol predeterminado desse conjunto mínimo de direitos essenciais e indispensáveis a uma vida digna. As necessidades humanas variam e, de acordo com o contexto histórico de uma época, novas demandas sociais são traduzidas juridicamente e inseridas na lista dos direitos humanos. A concepção contemporânea de direitos humanos, foi estabelecida internacionalmente em 1948, pela Declaração Universal de Direitos Humanos, pouco tempo depois das crueldades cometidas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Referida declaração foi ratificada pela Declaração dos Direitos Humanos de Viena, em 1993, onde os direitos humanos e as liberdades fundamentais foram declarados direitos naturais de todos os seres humanos, bem como definiu que a proteção e promoção dos direitos humanos são responsabilidades primordiais dos Governos. Nessa visão contemporânea os direitos humanos são universais e indivisíveis, visando proteger os direitos a vida, a liberdade, igualdade e segurança pessoal, o que leva ao respeito integral a dignidade humana. Em linhas gerais, podemos definir direitos humanos, como aqueles que pertencem à pessoa humana, independentemente de leis, sendo considerados os principais: a vida, a liberdade, a igualdade e a segurança pessoal, sendo ainda direitos universais e indivisíveis. No mesmo sentido afirma o doutrinador João Baptista Herkenhoff1, ao definir os Direitos Humanos: “Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir”. Para ele, direitos humanos são as ressalvas e restrições ao poder político ou as imposições a este, expressas em declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida que possibilitem a todo o ser humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade e consciência, e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais. Os direitos humanos se orientam pelas seguintes expressões: - Direitos do homem: empregada aos direitos conexos ao natural, direito a vida. 1 HERKENHOFF, João Baptista. Direitos Humanos. A construção Universal de uma utopia. São Paulo: Ed. Santuário, 1997. Origem, sentido e evolução histórica dos Direitos Humanos. 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 2 - Direitos humanos em sentido estrito: direitos conexos positivados em tratados e convenções internacionais - Direitos fundamentais: quando os tratados dos direitos humanos foram incorporados no ordenamento jurídico do Estado. A doutrina aponta certa distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, sustentando que os direitos humanos são a concretização das exigências de liberdade, igualdade e dignidade humana, as quais devem ser reconhecidas nos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais, em cada momento histórico. E que quando esses direitos são reconhecidos positivamente pela ordem jurídica são considerados direitos fundamentais. Assim, é possível notar que os direitos fundamentais são direitos humanos positivados no ordenamento jurídico. Para que os direitos humanos sejam concretizados é necessário que o Estado cumpra seu dever de respeitar a liberdade e autonomia do homem e, por outro lado, implementar ações aptas a proporcionar a dignidade humana. Estrutura dos Direitos Humanos Em geral, todo direito exprime a faculdade de exigir de terceiro, que pode ser o Estado ou mesmo um particular, determinada obrigação. Por isso, os direitos humanostêm estrutura variada, podendo ser: direito-pretensão, direito-liberdade, direito-poder e, finalmente, direito-imunidade, que acarretam obrigações do Estado ou de particulares, como segue: DIREITO-PRETENSÃO: Consiste na busca de algo, gerando a contrapartida de outrem do dever de prestar. Nesse sentido, determinada pessoa tem direito a algo, se outrem (Estado ou mesmo outro particular) tem o dever de realizar uma conduta que não viole esse direito. Assim, nasce o “direito- pretensão”, como, por exemplo, o direito à educação fundamental, que gera o dever do Estado de prestá- la gratuitamente (art. 208, I, da CF/88). DIREITO-LIBERDADE: Consiste na faculdade de agir que gera a ausência de direito de qualquer outro ente ou pessoa. Assim, uma pessoa tem a liberdade de credo (art. 5º, VI, da CF/88), não possuindo o Estado (ou terceiros) nenhum direito (ausência de direito) de exigir que essa pessoa tenha determinada religião. DIREITO-PODER: Implica uma relação de poder de uma pessoa de exigir determinada sujeição do Estado ou de outra pessoa. Assim, uma pessoa tem o poder de, ao ser presa, requerer a assistência da família e de advogado, o que sujeita a autoridade pública a providenciar tais contatos (art. 5º, LXIII, da CF/88). DIREITO-IMUNIDADE: Consiste na autorização dada por uma norma a uma determinada pessoa, impedindo que outra interfira de qualquer modo. Assim, uma pessoa é imune à prisão, a não ser em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar (art. 5º, LVI, da CF/88), o que impede que outros agentes públicos (como, por exemplo, agentes policiais) possam alterar a posição da pessoa em relação à prisão. Sentido Como visto os direitos humanos compreendem um rol mínimo de direitos do ser humano, derivados da soberania da vontade popular e são importantes na medida em que sua finalidade compreende duas funções. Explica-se: uma das funções dos direitos humanos é limitar a atuação e os abusos de poder por parte dos governantes, quando estes devem obedecer, por exemplo, a dignidade da pessoa humana e a liberdade da pessoa humana (competência negativa do Estado). Têm sua importância na relação que estabelece entre o homem e seus governantes. Tem, ainda, importância o tema em função da liberdade positiva que expressam esses direitos, isto é, são direitos fundamentais que o ser humano pode exercer e exigir respeito, por tratarem sobre a dignidade do indivíduo em sentido amplo. 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 3 Evolução histórica dos Direitos Humanos A evolução dos Direitos Humanos está intrinsecamente ligada a questões sociais, econômicas e culturais, moldando-se de acordo com a mobilização social para garantir que suas demandas possam ser atendidas. Difícil traçar um marco cronológico para a evolução dos direitos humanos, haja vista a complexidade dos fatos e a identificação de pontos aleatórios para traçar tal análise2. Contudo, através do estudo do Direito Natural é possível identificar que os direitos humanos existem desde os primórdios dos tempos. O Direito Natural é o conjunto dos direitos à vida, à segurança pessoal, à liberdade e à igualdade, pois são inerentes ao indivíduo desde o seu nascimento, sendo, portanto, justo por natureza. No início da História, o direito teve raízes fincadas na dinâmica da natureza, porque o homem era movido pelas leis naturais da sobrevivência. Tales de Mileto, nascido por volta do ano 600 a.C., é considerado o mais antigo filósofo ocidental. Fundou a Escola de Mileto, cujos principais pensadores foram Anaximandro e Anaxímenes. A Escola de Mileto postulava que os elementos da natureza (physis), especificamente água, ar, fogo e terra, eram os condicionantes da vida humana. Como nada escreveram, essa teoria chegou até nós por meio dos filósofos que vieram depois de Sócrates. Segundo ela, o destino dos homens era regido por fenômenos naturais, principalmente aqueles ocasionados pela água, que seria o princípio de todas as coisas e estava em todas as coisas. Por isso, Tales de Mileto e seus seguidores eram chamados de filósofos naturalistas. Esse pensamento, baseado no bom senso e na equidade (segundo definição dada por Aurélio Buarque de Holanda), inspirou o Direito Natural. As primeiras noções do Direito Natural surgem principalmente com os estudos do filósofo Aristóteles, que definiu duas concepções complementares: o justo legal (díkaion nomikón) e o justo natural (díkaion physikón). O Direito Natural também é chamado Jusnaturalismo. Antonio Fernández-Galiano, no artigo “El jusnaturalismo”, inserido no livro Lecciones de teoría del derecho y derecho natural, de Benito de Castro Cid (1999 – p. 419-420), diz o seguinte: ... o jusnaturalismo afirma a existência de uma ordem preceptiva de caráter objetivo, imutável e derivada da natureza, que não pode contrariar os mandamentos dos homens e na qual encontra esse direito humano sua fonte e fundamento. Mas o entendimento da noção do que seja o jusnaturalismo modificou-se ao longo dos tempos.”3 O primeiro conceito de jusnaturalismo, foi o Jusnaturalismo clássico, que trazia em sua essência a ideia de que o fundamento do direito é a natureza das coisas, ou seja, a ordem natural da natureza, que deve ser seguida, pois, segundo Aristóteles, por exemplo, o que é natural é bom e justo. Esta primeira ideia de jusnaturalismo acredita-se que adveio com a Antígona, de Sófocles, onde há a invocação de leis divinas para justificar a desobediência às ordens dadas pelos rei. Com o passar do tempo o direito passou a ser considerado uma herança divina, momento no qual surgiu o Jusnaturalismo Teológico, tendo como fundamento as leis concedias por Deus. Referida posição imperou até a Idade Média, até onde prevaleceu as convicções religiosas. Um dos primeiros pensadores desse tipo de naturalismo foi Heráclito, que defendia a ideia de que o Universo era governado por uma lei divina. Posteriormente, surgiu o jusnaturalismo escolástico (ou tomista), onde acreditavam que o direito tinha como base os mandamentos divinos, advindos da “lei eterna”. Para estes pensadores cristãos, como São Tomás de Aquino, dentro desses mandamentos haviam as leis naturais e as leis humanas e que a lei natural estabelece hierarquia entre as criaturas, mas que só é justa se baseada na lei eterna, na qual Deus é o fundamento de todas as coisas. Um dos primeiros pensadores do jusnaturalismo racional foi o holandês Hugo Grotius. Ele o definiu desta maneira: “Ditame da justa razão, destinado a mostrar que um ato é moralmente torpe ou moralmente necessário segundo seja ou não conforme a própria natureza racional do homem, e a mostrar que tal ato é, em consequência disto, vetado ou comandado por Deus, enquanto autor da natureza”. Este trecho está no livro de Norberto Bobbio, O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito.4 Para este pensador, o fundamento do direito é o homem, que analisa as leis da natureza e as aplica. A base desse pensamento foi elaborada por Zenon e os estoicos, mas a essência já estava em Protágoras, cuja célebre fórmula determinava que o homem é a medida de todas as coisas. O jusnaturalismo racional foi, mais tarde, adotado pelos romanos, mas profundamente modificado nos séculos XVII e XVIII, quando se 2 AGRA. Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Ed. Forense. 2010 3 Sinopses Jurídicas. Direitos Humanos. Ricardo Castilho. Editora Saraiva. 2011 4 Idem 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 4 passou a atribuir à razão, por meio das ciências, o descobrimento da verdade, e não mais à entidade divina. Surgia, então, uma nova conceituação para o Direito Natural.5 Nos séculos XIX e XX surgiu o jusnaturalismo contemporâneo, considerando que o direito precisade um fundamento ético justo, ou seja, o direito precisa ser analisado de acordo com o plano histórico e social, considerando a variação da justiça no tempo e no espaço. Um dos pensadores desse jusnaturalismo foi Joaquín Herrera Flores. Importante ressaltar o contraponto do Direito Natural, qual seja, o Direito Positivo. O direito positivo, também chamado de juspositivismo que direito é somente o conjunto de leis postas pelo Estado, que define o que é justo por convenção ou justo por lei. “O pensador Thomas Hobbes, no livro Leviatã (publicado em 1651) analisou cuidadosamente as leis da natureza e chegou à conclusão de que elas somente funcionariam se fossem respeitadas por todos. Mas considerou impossível essa obediência, porque achava que os homens são egoístas e somente poderiam viver em harmonia se estivessem subordinados a uma autoridade que fiscalizasse o cumprimento das leis naturais. Numa análise que considerava realista, definiu que havia grande perigo na falta de uma autoridade central, porque os homens em situação de igualdade tinham o mesmo direito a todas as coisas; o que ocorreria quando duas pessoas desejassem a mesma coisa e se considerassem donas dessa coisa? Cada uma tentaria tomar posse do objeto à força e acabariam deflagrando guerras generalizadas. Nessas guerras, nem sempre valeria a lei do mais forte, porque mesmo o fraco poderia lançar mão de recursos e desenvolver armas para vencer o oponente teoricamente mais poderoso. Por isso, Hobbes desenvolveu a teoria em que defendia o absolutismo, ou seja, o poder absoluto ao rei, ao governante que representava o Estado. Haveria entre os cidadãos e a autoridade um “pacto social”, pelo qual os homens abriam mão de parte de sua liberdade, para permitir que o rei (o Estado) cuidasse de todos, garantindo direitos e cobrando obrigações. Essa era a teoria, mas na prática sabemos que o absolutismo levou os reis a pensarem que eram donos dos destinos dos súditos. Houve até a publicação de obras de filosofia que demonstravam que os reis tinham poder originado dos deuses. Uma dessas obras foi A Política tirada da Sagrada Escritura, de Jacques Bossuet, publicada em 1701, da qual o rei Luís XIV, da França, lançou mão para justificar suas decisões totalitárias. É famosa uma frase de Luís XIV: “L’Etat c’est moi” (“O Estado sou eu”). “Curiosamente, nessa época, a Inglaterra já havia abandonado os princípios da doutrina do direito divino dos reis, desde a Revolução Gloriosa de 1688, que expulsou os católicos do poder.”6 Augusto Comte é considerado o pai do positivismo sociológico, porque sistematizou a doutrina, em obras que publicou a partir de 1816. Mas o conceito já existia em Roma, quando o imperador Justiniano criou um código legislativo para regular os povos conquistados e que firmou a base do Direito Romano. O conceito juspositivista também estava incluído em obras de autores como Descartes, Humes e Kant, que publicaram livros por volta de 1750. E é preciso considerar também o Código Napoleônico (também conhecido como Código Civil Francês), já em 1804, na Idade Moderna, fortemente influenciado pelo Direito Romano. Sua aceitação foi ampla em razão de a França ter sido berço da revolução que brandiu os conceitos básicos dos direitos humanos modernos: liberdade, igualdade e fraternidade. O avanço principal do Código Napoleônico foi a noção da separação dos poderes. No livro Memorial de Santa Helena, escrito em 1817 por Emmanuel Les Cases, Napoleão Bonaparte incluiu a seguinte reflexão: Minha verdadeira glória não foi ter vencido quarenta batalhas; Waterloo apagará a lembrança de tantas vitórias; o que ninguém conseguirá apagar, aquilo que viverá eternamente, é o meu Código Civil”. O Código de Napoleão deu origem a chamada Escola Exegética, que determinava que o juiz deve julgar estritamente de acordo com a lei criada pelo poder legislativo. Referido Código reconhece o direito natural, mas privilegia o direito positivo como forma de atuação do Estado, aplicando-se o Direito Natural apenas nos casos em que haja conformidade. Referido código foi fundamental para o desenvolvimento do direito no mundo ocidental contemporâneo, já que foi a primeira codificação do direito e fundamental para o direito atual. Em resumo, o Direito Positivo é norteado estritamente nas leis impostas pelo homem, havendo punição real e concreta pelo seu descumprimento. Já o Direito Natural, se baseia no que é justo por natureza, tempo como fonte a ordem natural das coisas, a moral, a justiça, não havendo, portanto, punição no plano concreto, mas apenas no plano moral. Apesar de tais diferenças, e do fato do Direito contemporâneo ser baseado no Direito Positivo, não é possível excluir o direito natural na interpretação das leis, do contrário, haveria o risco de grandes injustiças, apoiado em leis frias, não interpretadas de acordo com a moral e a ética, aplicadas no caso concreto. Além disso, o risco do legislador tornar-se totalitário seria enorme. 5 Idem 6 Ibidem 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 5 O Direito Positivo, orientado também pelo Direito Natural, auxilia na correta distribuição da Justiça e ordem social. Ademais, para preservar os direitos humanos é preciso levar em conta que o direito muda ao longo do tempo, tendo em vista que os valores mudam, os costumes mudam, e por isso a interpretação das leis também é modificada com o tempo. Em termos contemporâneos, temos que a Magna Carta de 1215, é o primeiro documento escrito que consagra os direitos humanos, assinado obrigatoriamente pelo rei da Inglaterra, João Sem-Terra. Neste documento, pela primeira vez na história foram listados os direitos das pessoas em relação ao poder da autoridade e é a base das Constituições Modernas. “A história começa quando o rei Ricardo da Inglaterra, conhecido como Coração de Leão, seguiu para o Oriente, para combater nas cruzadas. Seu irmão, o príncipe João, assume o trono e estabelece para si mesmo prerrogativas que desagradaram profundamente os seus aliados, principalmente os barões. Entre essas prerrogativas estava o Direito de Nomeação, segundo o qual o soberano podia nomear bispos, abades e funcionários eclesiásticos, e o Direito de Veto, segundo o qual o soberano podia excluir pessoas de determinadas funções ou impedir que tomassem posse. Quando foi escolhido para a função de arcebispo o religioso Stephen Langton, o rei João não o aceitou e usou contra ele o Direito de Veto. O arcebispo Langton tinha sido escolhido pelo próprio papa Inocêncio III, e a posição do rei iniciou uma grande revolta da Igreja. Aproveitando-se da situação, os barões que formavam a corte real apoiaram o pontífice, exigindo que o rei renunciasse a direitos que consideravam exagerados. O movimento revoltoso ganhou força, e foram levadas ao rei duas exigências: que prometesse respeitar a lei e que admitisse que a vontade do rei não era mais forte do que a lei. Os barões queriam um documento escrito, com essas promessas, e para consegui-lo ameaçaram liderar os aldeões medievais, no seu legítimo direito de rebelar-se, previsto no pactum subjectionis. No início do século XVIII, os cidadãos não aceitavam mais a tese do absolutismo dos reis nem o pretexto de que o poder dos soberanos provinha dos deuses. A própria palavra de São Paulo (omnis potestas a Deo = todo poder vem de Deus) começava a ser questionada. Entrava em cena a ideologia revolucionária chamada liberalismo, que defendia a liberdade individual. A partir desse pensamento, a sociedade política da época fez um acordo de convivência com a autoridade real, o pactum subjectionis (pacto de sujeição), que funcionava assim: os aldeões, religiosos e nobres concordavam em subordinar-se a um senhor que, em troca, cuidaria de manter o país protegido pelo exército, organizar a produção agrícola e pecuária, cuidar do comércio e guardar as fronteiras. Nesse pacto estavaprevisto que, se os cidadãos não concordassem com as decisões do rei, tinham o direito de rebelar-se. No entanto, era um acordo tácito. Não havia documento escrito que o legitimasse. Por isso mesmo os barões da Inglaterra queriam que João Sem-Terra assinasse um documento que tornasse oficial a sua promessa de respeitar as liberdades individuais.”7 A partir da Magna Carta foi implementada a monarquia constitucional inglesa, imitada mais tarde pelo mundo ocidental, apesar de em 1215 ter sido criada apenas para controlar o comportamento tirano do rei João Sem- Terra. A cláusula mais conhecida da Magna Carta é a 39, que contém em seu texto o seguinte: Nenhum homem livre será preso, encarcerado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora da lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra. Em síntese, a Magna Carta foi o primeiro documento escrito a resguardar direitos humanos, criada para limitar o comportamento tirano do rei João Sem-Terra da Inglaterra, que foi forçado a assinar o documento, sob ameaça dos barões de liderarem uma revolta dos aldeões. Além disso, referido documento foi a base para a as constituições modernas, notadamente com observância ao artigo 40: “A ninguém venderemos, nem a ninguém recusaremos ou atrasaremos o direito ou a justiça”. Em 1789, a Assembleia Nacional da França votou a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, importante documento para mudança das relações entre Direitos humanos e Estado, positivando as prerrogativas do homem e obrigando os entes estatais a respeitá-los e garanti-los. Referida Declaração tinha o objetivo de levar a ideia de liberdade a todos os povos e a todos os tempos, tendo, portanto, caráter universal. A Carta dos Direitos dos Estados Unidos ou Declaração dos Direitos dos Cidadãos dos Estados Unidos (em inglês: United States Bill of Rights) é o nome pelo qual as dez primeiras emendas à 7 Sinopses Jurídicas. Direitos Humanos. Ricardo Castilho. Editora Saraiva. 2011 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 6 Constituição dos Estados Unidos são conhecidas. Elas foram introduzidas por James Madison para o Primeiro Congresso dos Estados Unidos em 1789 como uma série de artigos e entrou em vigor em 15 de dezembro de 1791, quando tinha sido ratificada por 3/4 (três quartos) dos estados. Thomas Jefferson era um defensor da Bill of Rights. Com o Bill of Rights há um maior desenvolvimento dos direitos fundamentais, ocorrendo a positivação dos direitos imprescindíveis ao desenvolvimento humano. Ele foi importante pela afirmação de que os homens possuem direitos que são inerentes a sua própria natureza, de acordo com os ideais jusnaturalistas; e por asseverar que todos são livres e iguais, sem distinção de qualquer natureza, no que contribuiu para sepultar a ideia de superioridade da realeza e da nobreza advindas da idade média.8 Outro documento importante para evolução dos Direitos Humanos foi a Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, a primeira a defender a doção de direitos sociais, garantindo prestações mínimas que deveriam ser providas pelos entes estatais. Tal declaração surgiu em decorrência da Revolução Bolchevique de 1917 e conferiu direitos as mulheres, restringiu a propriedade privada, expandiu as liberdades associativas e colocou, em nível teórico, os trabalhadores como classe dominante da sociedade. Um marco muito importante para a evolução do conceito de Direitos que conhecemos atualmente foi a Segunda Guerra Mundial, na qual ocorreram incontáveis atrocidades, como, por exemplo, a morte de milhões de judeus. Com o fim dessa Guerra, em 1945 foi assinada a Carta de Organização das Nações Unidas, que tem por fundamento o princípio da igualdade soberana de todos os Estados que buscam a paz e, em 10 de dezembro de 1948 a ONU elaborou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Alexandre de Moraes9 lembra que a Declaração dos Direitos Humanos foi a mais importante conquista no âmbito dos direitos humanos fundamentais em nível internacional, muito embora o instrumento adotado tenha sido uma resolução, não constituindo seus dispositivos obrigações jurídicas dos Estados que a compõem. O fato é que desse documento se originam muitos outros, nos âmbitos nacional e internacional, sendo que dois deles praticamente repetem e pormenorizam o seu conteúdo, quais sejam: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966. Posteriormente, surgiram muitos outros pactos importantes para o desenvolvimento dos direitos humanos, como: Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, Convenção sobre os Direitos da Criança, Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Convenção contra a Tortura, etc. Além do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, surgiram os sistemas regionais, que buscam internacionalizar os direitos humanos no plano regional, em especial na Europa, na América e na África10. Desse Sistema Regional surgiu em 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Em âmbito nacional, destaca-se a Constituição Federal, que positivou direitos humanos e conforme explica Lafer11, a afirmação do jusnaturalismo moderno de um direito racional, universalmente válido, gerou implicações relevantes na teoria constitucional e influenciou o processo de codificação a partir de então. Embora muitos direitos humanos também se encontrem nos textos constitucionais, aqueles não positivados na Carta Magna também possuem proteção porque o fato de este direito não estar assegurado constitucionalmente e uma ofensa à ordem pública internacional, ferindo o princípio da dignidade humana. Questões 01. (SEGEP/MA - Agente Penitenciário – FUNCAB/2016). Acerca do conceito e estrutura dos direitos humanos, assinale a assertiva correta. (A) Os direitos humanos têm estrutura variada, podendo ser: direito-pretensão, direito-liberdade, direito-poder e, finalmente, direito-imunidade. (B) Os direitos humanos são os essenciais e dispensáveis à vida digna. (C) O direito-pretensão consiste na autorização dada por uma norma a uma determinada pessoa, impedindo que outra interfira de qualquer modo. (D) O direito-liberdade implica uma relação de poder de uma pessoa de exigir determinada sujeição do Estado ou de outra pessoa. (E) O direito-poder consiste na busca de algo, gerando a contrapartida de outrem do dever de prestar. 8 AGRA. Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Ed. Forense. 2010 9 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Ed. Atlas. São Paulo. 1997. 10 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9 ed. São Paulo. Saraiva.2008. 11 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: Cia. Das letras. São Paulo. 2009 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 7 02. (MPE/SC - Promotor de Justiça - MPE/SC/2016) Julgue o item a seguir: Conceitualmente, os direitos humanos são os direitos protegidos pela ordem internacional contra as violações e arbitrariedades que um Estado possa cometer às pessoas sujeitas à sua jurisdição. Por sua vez, os direitos fundamentais são afetos à proteção interna dos direitos dos cidadãos, os quais encontram- se positivados nos textos constitucionais contemporâneos. ( ) Certo ( ) Errado 03. (PC/SP - Atendente de Necrotério Policia – VUNESP) Assinale a alternativa correta com relação ao conceito de direitos humanos. (A) Direitos humanos é uma forma sintética de se referir a direitos fundamentais da pessoa humana,aqueles que são essenciais à pessoa humana, que precisa ser respeitada pela dignidade que lhe é inerente. (B) Direitos humanos são aqueles que estão previstos de forma expressa em uma Constituição e que se referem somente a direitos das pessoas que respondem a um inquérito ou a um processo penal. (C) Como os direitos humanos são inerentes à natureza humana, somente derivam do espírito humano e não devem ser positivados nas leis. (D) No âmbito da filosofia, a expressão direitos humanos significa a independência do ser humano, tratando exclusivamente do direito de liberdade. (E) Considerando o que prevê a Constituição de 1988, os direitos humanos se dão por meio da propriedade, que se impõe como um valor incondicional e insubstituível, que não admite equivalente. 04. (MPT - Procurador do Trabalho - MPT) Sobre a evolução histórica dos direitos humanos, assinale a alternativa CORRETA: (A) O Bill of Rights dos Estados Unidos da América consiste em um rol de direitos fundamentais inserido na Declaração de Independência proclamada por Thomas Jefferson em 1776, posteriormente incorporado aos Artigos da Confederação. (B) O Bill of Rights dos Estados Unidos da América constitui-se de normas originárias constantes da Constituição aprovada na Convenção da Filadélfia em 1787. (C) O Bill of Rights dos Estados Unidos da América foi inserido somente em 1791 na Constituição americana, sob a forma de emendas constitucionais. (D) O Bill of Rights formalmente não é uma norma federal nos Estados Unidos da América, mas sim uma interpretação extensiva da Declaração de Direitos da Virginia promovida pela jurisprudência da Suprema Corte americana. (E) Não respondida. 05. (PC/SP - Investigador de Polícia – VUNESP) O ano de 1948 representou um marco histórico mundial no tocante aos direitos humanos, pois foi nesse ano que: (A) foi criada a Corte Internacional dos Direitos Humanos. (B) aconteceu a Independência dos Estados Unidos da América (C) eclodiu a Revolução Francesa, trazendo os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade (D) foi outorgada a Carta Magna na Inglaterra (E) foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos do Homem. 06. (DPE/PI – Defensor– CESPE) A respeito do desenvolvimento histórico dos direitos humanos e seus marcos fundamentais, assinale a opção correta. (A) Os direitos fundamentais surgem todos de uma vez, não se originam de processo histórico paulatino. (B) Não há uma correlação entre o surgimento do cristianismo e o respeito à dignidade da pessoa humana. (C) As gerações de direitos humanos mais recentes substituem as gerações de direitos fundamentais mais antigas. (D) A proteção dos direitos fundamentais é objeto também do direito internacional. (E) A ONU é o órgão responsável pela UDHR e pela Declaração Americana de Direitos. 07. (DPE/MS – Defensor– VUNESP) Quando se fala em Direitos Humanos, considerando sua historiciedade, é correto dizer que 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 8 (A) somente passam a existir com as Declarações de Direitos elaboradas a partir da Revolução Gloriosa Inglesa de 1688. (B) foram estabelecidos, pela primeira vez, por meio da Carta Magna de 1215, que é a expressão maior da proteção dos Direitos do Homem em âmbito universal. (C) a concepção contemporânea de Direitos Humanos foi introduzida, em 1789, pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto da Revolução Francesa. (D) a internacionalização dos Direitos Humanos surge a partir do Pós-Guerra, como resposta às atrocidades cometidas durante o nazismo. 08. (PC/SP - Delegado - PC/SP) Quando, no final do século XVIII, foram declarados os direitos fundamentais, eram encarados essencialmente como (A) interesses coletivos não individualizáveis (B) proliferação dos direitos naturais e objetivos (C) expressões da liberdade humana em face do Poder (D) objetivos políticos efetivamente protegidos (E) vulgarização e trivialização dos direitos naturais Respostas 01. Resposta: A Em geral, todo direito exprime a faculdade de exigir de terceiro, que pode ser o Estado ou mesmo um particular, determinada obrigação. Por isso, os direitos humanos têm estrutura variada, podendo ser: direito-pretensão, direito-liberdade, direito-poder e direito-imunidade. 02. Resposta: Certo De acordo com que dispõe a doutrina aponta certa distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, sustentando que os direitos humanos são a concretização das exigências de liberdade, igualdade e dignidade humana, as quais devem ser reconhecidas nos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais, em cada momento histórico. E que quando esses direitos são reconhecidos positivamente pela ordem jurídica são considerados direitos fundamentais. Assim, é possível notar que os direitos fundamentais são direitos humanos positivados no ordenamento jurídico. 03. Resposta: A Direitos Humanos é a concretização das exigências de liberdade, igualdade e dignidade humana, as quais devem ser reconhecidas nos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais, em cada momento histórico. Direitos fundamentais são os direitos humanos reconhecidos positivamente pela ordem constitucional. 04. Resposta: C A Carta dos Direitos dos Estados Unidos ou Declaração dos Direitos dos Cidadãos dos Estados Unidos (em inglês: United States Bill of Rights) é o nome pelo qual as dez primeiras emendas à Constituição dos Estados Unidos são conhecidas. Elas foram introduzidas por James Madison para o Primeiro Congresso dos Estados Unidos em 1789 como uma série de artigos e entrou em vigor em 15 de dezembro de 1791. 05. Resposta: E O ano de 1948 representou um marco histórico mundial no tocante aos direitos humanos, pois foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, após a Segunda Guerra Mundial, na qual ocorreram incontáveis atrocidades, como, por exemplo, a morte de milhões de judeus. Com o fim dessa Guerra, em 1945 foi assinada a Carta de Organização das Nações Unidas, que tem por fundamento o princípio da igualdade soberana de todos os Estados que buscam a paz e, em 10 de dezembro de 1948 a ONU elaborou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ou do homem). 06. Resposta: D. A proteção dos direitos fundamentais pela Constituição Federal não exclui outros adquiridos por meio do direito internacional. É o que dispõe o art. 5º, § 2º, CF: os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 9 07. Resposta: D. Conforme ensina Flávia Piovesan, “(...) internacionalização dos direitos humanos, que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo a partir do Pós-Guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo”. 08. Resposta: C. O direito à Liberdade pertence aos direitos de 1ª dimensão. Possui como marco histórico a Revolução Francesa e a Revolução norte-americana, ocorridas no final do século XVIII. É a busca pela não intervenção do Estado, tratado assim como direito negativo, por afastar o Estado do indivíduo. Para melhor entendimento do tema, vamos realizar a leitura de parte do texto: “Fundamentos dos Direitos Humanos”, escrito por Marconi Pequeno12: Os direitos humanos são aqueles princípios ou valores que permitem a uma pessoa afirmar sua condição humana e participar plenamente da vida. Tais direitos fazem com que o indivíduo possa vivenciar plenamente sua condição biológica, psicológica, econômica, social cultural e política. Os direitos humanos se aplicam a todos os homens e servem para proteger a pessoa de tudo que possa negar sua condição humana. Com isso, eles aparecem como um instrumento de proteção do sujeito contra todo tipo de violência. Pretende-se,com isso, afirmar que eles têm, pelo menos teoricamente, um valor universal, ou seja, devem ser reconhecidos e respeitados por todos os homens, em todos os tempos e sociedades. Os direitos humanos servem, assim, para assegurar ao homem o exercício da liberdade, a preservação da dignidade e a proteção da sua existência. Trata-se, portanto, daqueles direitos considerados fundamentais que tornam os homens iguais independentemente do sexo, nacionalidade, etnia, classe social, profissão, opção política, crença religiosa ou convicção moral. Eles são essenciais à conquista de uma vida digna, daí serem considerados fundamentais à nossa existência. Uma vez que já sabemos o que são os direitos humanos fundamentais, cabe-nos agora encontrar o sentido daquilo que chamamos de fundamento de tais direitos. Quando falamos em fundamento dos direitos humanos, estamos nos referindo à sua natureza ou ainda à sua razão de ser. Mas qual a razão de ser desses direitos? Uma resposta possível seria: eles existem para zelar, proteger ou promover a humanidade que há em todos nós, fazendo com que o ser humano não seja reduzido a uma coisa, a um objeto qualquer do mundo. O fundamento pode também ser concebido como fonte ou origem de algo. Nesse sentido, a ideia de fundamento serve também para justificar a importância, o valor e a necessidade desses direitos. Ainda que não se possa afirmar a existência de um fundamento absoluto que possa garantir a efetivação dos direitos humanos – já que a noção do que vem a ser dignidade pode mudar no tempo e no espaço – é possível considerar que haverá sempre uma ideia, um valor ou um princípio que servirá para definir a natureza própria do homem. Uma vez que o fundamento é, como vimos, aquilo que representa a causa ou razão de ser de um fato, situação ou fenômeno, pode-se considerar o fundamento dos direitos humanos como a essência que torna humano o nosso ser. É certo que o problema do fundamento dos direitos humanos não parece ser algo prioritário nas discussões e estudos elaborados sobre o tema. Alguns autores consideram até mesmo impossível que a definição de um fundamento único seja capaz de nos fazer superar os desafios representados pela diversidade de culturas, hábitos, costumes, convenções e comportamentos próprios às inúmeras sociedades. Além do que, a determinação de apenas um fundamento seria incapaz de refletir as múltiplas noções do que vem a ser o homem, sua natureza e constituição. Nesse caso, teríamos que reconhecer que cada cultura poderia definir, a partir de seus próprios valores ou hábitos, aquilo que melhor pode definir a essência do homem. Com isso, poderíamos pensar como Bobbio (1982, p. 25) para quem “o problema grave do nosso tempo, com relação aos direitos humanos, não é mais o de fundamentá-los e sim o de protegê-los”. Talvez seja correto considerar que a grande questão que nos desafia não é de caráter filosófico, histórico ou jurídico, mas sim político. O problema político se revela do seguinte modo: como evitar que os direitos humanos sejam violados, negados, ignorados. Ora, os direitos humanos somente adquirem 12 Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/edh/redh/01/02_marconi_pequeno_fundamento_dh.pdf. Acessado em: 10.07.2017. Os fundamentos filosóficos dos Direitos Humanos. 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 10 existência efetiva quando são vivenciados. Eis por que precisamos criar os meios que tornem possível a sua realização. Afinal, quando falamos na necessidade de que esses direitos sejam praticados, isso já supõe que os mesmos têm uma causa ou razão de ser. Mas será que o problema referente à fundamentação dos direitos humanos está mesmo resolvido? Trata-se de uma questão com a qual nós não deveríamos mais nos preocupar? A resposta é: nem o problema foi resolvido, nem essa questão deixou de ter importância, como indicam as múltiplas concepções do tema ao longo do tempo. No transcorrer da história do pensamento, muitas foram as tentativas de justificar a existência dos direitos humanos e de fundamentá-los. Uma delas já se anuncia no século XVII com a ideia de que o homem naturalmente tem direito à vida e à igualdade de oportunidades (Locke, 1978). Este preceito é seguido pela noção de que todos os homens nascem livres e iguais (Rousseau, 1985) ou ainda pela afirmação de que os indivíduos possuem direitos inatos e indispensáveis à preservação de sua existência. Os homens teriam, assim, direitos decorrentes de sua própria natureza. A atribuição de direitos naturais ao indivíduo se inspira na ideia de que o homem é um ser provido de sensibilidade e razão, capaz de se relacionar com o seu semelhante e de constituir as bases do seu próprio viver. Além disso, ele é também caracterizado pela sua tendência à sociabilidade, autonomia da vontade, capacidade de dominar os instintos e de seguir normas de conduta moral. Todos esses elementos caracterizam a sua humanidade e servem para justificar aquilo que marca a sua essência fundamental: a dignidade. O fundamento dos direitos humanos está baseado na ideia de dignidade. A dignidade é a qualidade que define a essência da pessoa humana, ou ainda é o valor que confere humanidade ao sujeito. Trata- se daquilo que existe no ser humano pelo simples fato de ele ser humano. Cada homem traz consigo a forma inteira da condição humana, afirmava o filósofo francês Montaigne (2000), ao se referir a esse elemento que nos define em nossa condição própria de ser. A ideia de dignidade deve, pois, garantir a liberdade e a autonomia do sujeito. Tal noção nos permite afirmar que todo ser humano tem um valor primordial, independentemente de sua vida particular ou de sua posição social. Eis por que o homem deve ser considerado como um fim em si mesmo, jamais como um meio ou instrumento para a realização de algo (Kant, 1980). O homem é um ser cuja existência constitui um valor absoluto, ou seja, nada do que existe no mundo lhe é superior ou equivalente. A dignidade é um valor incondicional (ela deve existir independentemente de qualquer coisa), incomensurável (não se pode medir ou avaliar sua extensão), insubstituível (nada pode ocupar seu lugar de importância na nossa vida), e não admite equivalente (ela está acima de qualquer outro princípio ou ideia). Trata-se de algo que possui uma dimensão qualitativa, jamais quantitativa. A dignidade possui um valor intrínseco, por isso uma pessoa não pode ter mais dignidade do que outra. Apesar de sua indiscutível importância, parece claro que nem sempre podemos dizer com segurança o que significa essa noção. Não é fácil definir de maneira ampla, satisfatória e inquestionável, o que vem a ser dignidade humana. Assim como também acontece com alguns fenômenos como o tempo, o amor ou a felicidade, por exemplo, podemos até saber o que significa a dignidade, porém nem sempre somos capazes de explicá-la. Todavia, ainda que esta noção pareça confusa, complexa ou imprecisa, sempre é possível perceber quando ela, a dignidade, é negada, violada, esquecida. De fato, não precisamos saber definir dignidade humana para reconhecer que ela existe como uma marca fundamental do sujeito. Por isso, não é necessário compreender o que este termo significa para proteger os que têm sua dignidade ameaçada. Defender, zelar, promover a dignidade do homem já parece ser o bastante para tornar nossa vida social menos injusta e violenta. Portanto, mesmo que esse termo se revele pouco claro ou mesmo indefinível, parece evidente que somos capazes de reconhecer um comportamento ou uma situação em que a dignidade é atingida. Assim é o que acontece, por exemplo, quando constatamos o sofrimento de pacientes em filas de hospitais públicos, a condição de exclusão a que são submetidos os mendigos e crianças em situação de risco, o drama dos desempregados e outros marginalizados sociais. Quando defendemos os direitos desses indivíduos,nós o fazemos sempre em nome de uma dignidade que foi negada, esquecida, violada. Desse modo, os direitos humanos são considerados fundamentais porque são indispensáveis para que a pessoa possa viver com dignidade. Mas, convém saber, em que se baseia essa ideia de dignidade. Durante muito tempo a ideia de dignidade estava baseada exclusivamente na crença da criação divina, isto é, na afirmação de que a essência do homem residia no fato de ele ter sido criado à imagem e semelhança de Deus. Ainda que essa noção continue a ser defendida por muitos, há ainda os que concebem a dignidade não como produto da ordem divina, mas da natureza racional do homem. O homem seria detentor de uma faculdade superior que o torna essencialmente único e, portanto, diferente dos demais seres. Assim, de posse da razão, o homem teria criado o mundo da cultura, o universo da moral e do direito e até mesmo a ideia de 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 11 dignidade que lhe serve de fundamento. Assim, enquanto atributo essencial do homem, a dignidade é frequentemente justificada pelo fato de que o homem goza de uma qualidade especial que o difere dos demais seres: a razão. É esta faculdade que funda a autonomia da sua vontade e a liberdade que orienta sua ação no mundo. Mas sabemos que a dignidade do ser humano não pode ser definida apenas pela racionalidade que caracteriza o sujeito. O homem é um ser dotado de razão, mas também de emoção, isto é, de sensações que o permitem se indignar, sentir vergonha, remorso, compaixão, culpa. O homem não seria um animal racional se ele também não fosse um animal afetivo. Pode-se afirmar que nos tornamos diferentes dos outros animais porque, dentre outras capacidades, usamos nossos sentimentos em prol dos nossos semelhantes e da conquista de uma vida social mais justa e harmoniosa. Portanto, o ser humano também tem sua dignidade extraída desses elementos que o tornam capaz de agir com autonomia, liberdade e responsabilidade. O homem é concebido como o único ser dotado de vontade, ou seja, ele é capaz de agir de forma livre e de controlar os apetites, desejos e inclinações determinados pelos seus instintos. Essa capacidade de escolher e de elaborar suas próprias normas de conduta faz com que o homem se diferencie dos outros animais. Com isso, ele constrói as bases do mundo social com base nos valores de bem e mal, justiça e injustiça, vício e virtude. O homem é um ser moral e político e essas características revelam que ele não é um simples produto das forças da natureza. Ele constrói seu próprio viver a partir de suas decisões e escolhas, de modo que as suas criações culturais fazem com que ele não seja apenas determinado por fatores genéticos ou hereditários. Por isso, ninguém nasce bom, mal, justo ou injusto. A pessoa se torna injusta ou bondosa, egoísta ou generosa, por força de suas ações, por isso é que sua existência é sempre produto de suas escolhas, decisões, condutas. Apesar de ser definido como um animal racional, é possível afirmar que o homem jamais está livre de agir movido por inclinações naturais. Há, na conduta humana, comportamentos ora ditados pela liberdade, ora determinados pelos instintos. A conclusão de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, não evita que os homens continuem a sofrer violências e discriminações por motivos sociais, culturais, políticos, étnicos, religiosos, dentre outros. Por isso, falar em dignidade universal pode parecer uma ideia vaga, já que uma vida verdadeiramente digna é reservada apenas a certas classes de indivíduos, ou seja, àqueles que pertencem a determinados grupos sociais. O respeito, a garantia e a promoção da dignidade é um processo que envolve avanços e conquistas, mas também está sujeito a recuos e fracassos. Por isso, é necessário que o tema da dignidade humana esteja sempre presente no cotidiano das pessoas, seja como objeto de reflexão e discussão, seja como motivo para uma prática de respeito ao direito alheio. O homem é um ser em construção que pode ser melhorado. Sua existência é resultado dessa busca de aperfeiçoamento e da sua capacidade de superar os instintos egoístas e nocivos à vida em sociedade. Por isso, é possível defender e promover a dignidade do indivíduo mediante meios educativos apropriados, como é o caso de uma educação voltada para os direitos humanos. Esta deve, pois, preparar o sujeito para o exercício da cidadania e, sobretudo, para o reconhecimento da dignidade que define sua natureza e condição. O processo educacional pode fornecer ao homem os instrumentos necessários para que ele possa constituir as bases de um viver compartilhado e baseado nos valores de solidariedade, justiça, respeito mútuo, liberdade e responsabilidade. A realização desses valores o torna mais apto a viver com dignidade. Porém, sem eles o homem se revela destituído de sua essência fundamental, ou seja, ele perde aquilo que define o seu ser: a sua humanidade. A educação em direitos humanos é, pois, uma forma de o sujeito reconhecer a importância da dignidade e, sobretudo, agir visando a conquista, a preservação e a promoção de uma vida digna. O relativismo cultural e o universalismo Para os adeptos do relativismo cultural é impossível afirmar que os assim denominados “direitos humanos” tenham uma conotação unívoca e universal para todos os povos e em todas as localidades do planeta. O primeiro argumento que reforça essa tese é o do caráter filosófico, segundo o qual a noção dos direitos humanos está embasada na visão antropocêntrica do mundo, o que acarreta a negação da visão cosmoteológica predominante em algumas culturas. Desta forma, a definição do arcabouço normativo- valorativo dos direitos humanos deve espelhar as identidades locais de cada sociedade. De certo, ao constatar a multiplicidade cultural, como algo inerente às nações do mundo, torna-se impensável, a vista deste argumento, a defesa de uma moral universal. Por exemplo, citam-se as diferenças conceituais que 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 12 o espectro dos direitos humanos assume na análise dos standards morais e culturais dos Estados- membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné- Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor Leste). Para ilustrar melhor, mencionam-se os contornos que o direito fundamental à cultura assume, principalmente, nos países africanos da CPLP. Um segundo argumento refere-se à política imperialista cultural ocidental que procura impor seus valores aos povos do oriente, numa relação top down. Este questionamento foi aventado em virtude de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 fora adota pela ONU sem voto em sentido contrário, e com 8 abstenções (Bielorússia, Checoslováquia, Polônia, União Soviética, Ucrânia Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul), num foro deliberativo composto por apenas 56 países. O pequeno número de adesões numa constelação de mais ou menos 200 Estados, de fato, é pouco significativo, para uma declaração de direitos que tem pretensões de universalidade. Ademais, frisa-se que muitos dos direitos previstos nas cartas internacionais de direitos humanos são incompatíveis com várias práticas culturais orientais tradicionais como, por exemplo, o dote obrigatório das noivas, a clitoridectomia, a desigualdade entre os sexos, entre outros. O que, por si, denota a predominância do viés cultural ocidental, ao impor suas crenças aos demais povos subjugando suas práticas culturais, ao invés de procurar compatibilizá- las. Uma crítica bastante incisiva concentra-se no fator teleológico da cultura ocidental de direitos humanos. Enquanto para os povos, por exemplo, de tradição islâmica a ideia de “deveres” é o traço diretivo inspirador dos direitos humanos, em sentido diametralmente oposto, os ocidentais priorizam a vertente reducionista de atribuiçãode direitos sem a conjugação da observância de deveres. De fato, a “cultura de direitos”, pode, e tem trazido vastos malefícios para a humanidade, haja vista as preocupações ambientais atuais. Nessa perspectiva, sob o pretexto de se usufruir o direito de explorar os recursos naturais, de gerar riquezas, de se reduzir as desigualdades regionais, entre outros, hodiernamente, constata-se um sem número de problemas climáticos, físicos e geológicos que poderiam ter sido evitados, se àqueles direitos fossem impostos os respectivos deveres de cuidado, de preservação, de reflorestamento, etc. Uma quarta crítica diz respeito ao desvirtuamento da noção universalista dos direitos humanos para o uso estratégico em questões geopolíticas. Conforme RAMOS: “Vários autores desconfiam de uso do discurso de proteção de direitos humanos com um elemento da política relações exteriores de numerosos Estados, em especial dos Estados ocidentais, que se mostram incoerentes em vários casos, omitindo-se na defesa de direitos humanos na exata medida de seus interesses políticos e econômicos. Como exemplo, as relações exteriores dos Estados Unidos mostrariam que a universalidade dos direitos humanos, de acordo com essa visão, é instrumento de uso específico para o atingimento de fins econômicos e políticos, sendo descartável quando inconveniente. O caso sempre citado é o constante embargo norte-americano a Cuba, justificado por violações maciças de direitos humanos por parte do governo comunista local, e as relações amistosas dos Estados Unidos com a China comunista, sem contar o apoio explícito norte-americano a contumazes violadores de direitos humanos.” O quinto argumento em desfavor da universalidade dos direitos humanos refere-se à supervalorização do indivíduo em detrimento da comunidade. Enquanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos privilegia, quase exclusivamente, o indivíduo como o único titular de direitos a ser respaldado dentro do chamado mínimo ético irredutível, a maioria das sociedades africanas e asiáticas primam pela prevalência dos direitos e deveres dos grupos e da comunidade frente aos dos indivíduos. De fato, os ocidentais não se preocupam, via de regra, com as questões metafísicas, ao passo que, por exemplo, para os povos de tradição islâmica o ser humano só pode ser entendido como ente detentor de direitos e deveres a partir de uma visão teológica. Nesse sentido, assevera DONNELLY: “Uma das diferenças chaves entre a moderna concepção ocidental de dignidade humana e a concepção não ocidental se atém em muito ao elemento do individualismo constante da concepção ocidental. Os direitos relativos aos indivíduos tendem, obviamente, a ser mais individualísticos em sua realização e efeitos que os direitos concernentes a grupos. (..) Quando estes direitos situam-se em um nível básico, esse individualismo reflete a inexistência quase completa de reivindicações sociais (...) A concepção não ocidental também aponta essa diferença. Por exemplo, Asmaron Legesse escreve que uma diferença crítica entre a África e as tradições ocidentais refere à importância que esta última atribui aos indivíduos em si. Nas democracias liberais do mundo ocidental, o titular primeiro de direitos é a 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 13 pessoa humana. O indivíduo assume uma posição quase sagrada. Há uma perpétua e obsessiva preocupação com a dignidade do indivíduo, seu valor, autonomia e propriedade individual (...) Escrevendo a partir de uma perspectiva islâmica, no mesmo sentido, Ahmad Yamani observa que o Ocidente é extremamente zeloso na defesa de liberdades, direitos e dignidade individual, enfatizando a importância de atos exercidos por indivíduos no exercício desses direitos, de forma a pôr em risco a comunidade”. Por fim, os relativistas, ainda, destacam a questão econômica como entrave inviabilizador do caráter universal dos direitos humanos. Nesse contexto, muitos países subdesenvolvidos, principalmente, os latino-americanos justificaram a não implementação, principalmente, de direitos sociais e econômicos alegando a escassez de recursos financeiros. Dessa forma, a pretensão de universalidade seria algo irrealizável, uma vez que a consagração destes direitos estaria condicionada à existência de riquezas. Aventadas as principais críticas à universalidade dos direitos humanos, pelos adeptos do relativismo cultural, analisar-se-ão, no próximo capítulo, quais são os argumentos favoráveis à posição universalista. A Prevalência da Posição Universalista Frente à Defesa do Relativismo Cultural A concepção universalista, notadamente demarcada a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, oferece como contra-argumentos à crítica relativista, os seguintes: a) No que diz respeito ao argumento filosófico, os universalistas refutam as visões antropocêntricas e cosmoteleológicas, afirmando que os direitos expressos nas declarações de direitos humanos não têm o condão de abranger todas as nuanças da vida em sociedade. Nesse sentido completa RAMOS: “Os direitos humanos não oferecem ritos ou símbolos: são conceitos jurídicos-normativos, que estabelecem o ethos de liberdade no regramento da vida em sociedade, não competindo nem servindo como substitutos às convicções religiosas.” Ainda nesse sentido, os universalistas argumentam que é possível identificar traços comuns em qualquer sociedade, como, por exemplo, a valorização da dignidade da pessoa humana e a proteção contra opressão ou arbítrio. Nessa esteira, afirma-se a ideia de um núcleo mínimo de direitos os quais merecem a salvaguarda em nível global. b) Contra a crítica da imposição da cultura ocidental aos demais povos, como expressão imperialista, os universalistas reagem à postura relativista afirmando que vários Estados promovem graves e generalizadas violações aos direitos humanos, sob a justificativa da manutenção da identidade cultural. O discurso relativista, nesses termos, estaria impregnado de conveniência e segundas intenções, haja vista valer-se como ideologia para oprimir as populações subjugadas por essas práticas vis e inexpugnáveis, e, ao mesmo tempo, para impedir a interferência da sociedade internacional na seara dos direitos humanos. Nos dizeres de DONNELLY: “Nós não podemos passivamente assistir a atos de tortura, desaparecimento, detenção e prisão arbitrária, racismo, antissemitismo, repressão a sindicatos e Igrejas, miséria, analfabetismo e doenças em nome da diversidade ou respeito a tradições culturais. Nenhuma dessas práticas merece nosso respeito, ainda que seja considerada uma tradição”. Para reforçar essa crítica, ainda, era imprescindível refutar o argumento da falta de representatividade dos Estados na adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o que para os relativistas era um sinal da arrogância dos países ocidentais. Assim, em 1993, foi adotada a Declaração e Programa de Ação de Viena. Neste acordo internacional houve a tentativa, via normativa, de se afirmar a universalidade como característica intrínseca aos direitos humanos. Para tanto o fórum de Viena contou com a participação de 171 Estados, os quais de forma livre e consensual acordaram que, resguardadas as particularidades culturais, os direitos humanos devem possuir um caráter protetivo de cunho universal, conforme dispõe o seguinte dispositivo: “5. Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais.” Desta forma, pode-seinferir que, se a Declaração de 1948 consagrou a perspectiva ocidental da definição dos direitos humanos, foi em Viena, em 1993, que se efetivou a tese da universalidade, haja vista os amplos debates que se travaram, em uma arena política mais numerosa e representativa das 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 14 diversas perspectivas regionais e culturais, os quais repercutiram, inclusive, na modificação de algumas tradições ocidentais. c) No que concerne à crítica da supervalorização dos direitos humanos, na perspectiva individual, os universalistas explicam que, em face da fragilidade do indivíduo frente ao Estado, ao capital privado e, até mesmo, à comunidade, era necessário elencar um rol mínimo de direitos que resguardassem a dignidade humana, minimizando os aspectos negativos, inerentes a vulnerabilidade individual, em situações de opressão e desigualdade extrema. Soma-se a isso a inexistência de impedimentos normativos para assunção de deveres, isto é, os direitos consagrados nas declarações de direitos humanos podem ser implementados à luz dos deveres correlatos. Esta interpenetração, direitos-deveres, é salutar e deve ser fomentada para possibilitar uma aproximação entre as culturas, num contexto de aprendizado recíproco. d) Para refutar o argumento do direcionamento geopolítico dos direitos humanos, os universalistas reconhecem a existência desse tipo de prática instrumentalização-interesse, entretanto acentuam que tal assertiva não é, de forma alguma, exclusiva da seara humanista. Em outros termos, essa censura pode ser estendida a qualquer tema do Direito Internacional, visto que, na Sociedade internacional a correlação de forças não é isonômica, tão pouco homogênea, o que facilita a seletividade das normas internacionais de acordo com a influência política. Nesses termos, preconiza RAMOS: “A história do Direito Internacional mostra que o direito dos tratados, a teoria da responsabilidade internacional, entre outros temas, já sofreram interpretações de modo a justificar o atingimento de fins políticos e econômicos por parte de Estados (em geral, os mais poderosos), da mesma forma que o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Cite-se por exemplo, a construção norte-americana da era Reagan da doutrina da “legítima defesa preventiva e ideológica”, que ampliava o próprio conceito de legítima defesa previsto na Carta da Organização das Nações Unidas e que serviu para justificar agressões armadas durante a década de 80. Assim, a crítica deve recair não sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas sim sobre as próprias características da sociedade internacional, cujos atores principais, Estados, são, ao mesmo tempo, produtores, destinatários e aplicadores da norma internacional, podendo, então interpretá-la de modo unilateral para atingir seus fins”. Por derradeiro, rebate-se a crítica “desenvolvimentista” à perspectiva universalista dos direitos humanos, afirmando-se que a inexistência de recursos econômico-financeiros não deve servir de mote a permitir uma postergação ad infinitum do gozo destes direitos. Ademais é preciso lembrar que os direitos previstos nas declarações de direitos humanos são denominados de mínimo ético irredutível ou mínimo existencial, ou seja, compõe o rol mínimo de direitos e garantias que devem ser asseguradas para possibilitar a existência de uma vida digna. Nesse sentido, vislumbra-se que as políticas de Estado devem ser orientadas, prima facie, para a implementação fático-jurídica dos direitos humanos, os quais, em muitos casos, também são direitos fundamentais, por estarem também previstos nas diversas Constituições estatais. Além disso, é falacioso o argumento de que a existência de riquezas fomenta a implementação dos Direitos Humanos, em especial, os econômicos, sociais e culturais. A realidade dos Estados é demarcada por grandes desigualdades econômicas internas, as quais alijam a grande população do acesso a tais direitos, mantendo o status quo de seletas elites locais, como enfatiza RAMOS: “Aliás, o Brasil, como uma das maiores economias industriais do mundo, é amostra evidente que o aumento da riqueza não leva a maior proteção de direitos humanos. Muito pelo contrário: a lógica da postergação da proteção de direitos humanos e em especial dos direitos sociais faz com que o desenvolvimento econômico beneficie poucos, em geral àqueles que circundam a elite política dominante.” Questão (DPE/RS - Defensor Público - FCC/2014) Na teoria geral dos direitos humanos, um dos debates mais relevantes diz respeito ao dilema dos seus fundamentos filosóficos. Duas correntes bem distintas lideram a discussão: o relativismo cultural e o universalismo. Os adeptos da doutrina universalista defendem a visão de que 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 15 (A) não há uma moral universal, pois a história do mundo é a história de uma pluralidade de culturas. (B) na medida em que todas as culturas possuem concepções de dignidade humana, deve-se aumentar a consciência das incompletudes culturais mútuas, como pressuposto para um diálogo intercultural. (C) a noção de direitos está estritamente relacionada ao sistema político, cultural, econômico, moral e social vigente em determinada sociedade. (D) os direitos humanos decorrem da dignidade humana, na qualidade de valor intrínseco à condição humana, concebendo-se uma noção de direitos baseada em um mínimo ético irredutível. (E) a cultura é a única fonte de validade de um direito ou regra moral. Resposta: D Conforme aduz Flávia Piovesan, "(...) para os universalistas, o fundamento dos direitos humanos é a dignidade humana, como valor intrínseco à própria condição humana. Nesse sentido, qualquer afronta ao chamado mínimo ético irredutível que comprometa a dignidade humana, ainda que em nome da cultura, importará em violação a direitos humanos" (PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional Internacional. 14a ed. São Paulo: Saraiva, p. 224). REFERÊNCIAS: ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: Editora da UnB, 1992. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992. CRANSTON, Maurice. O que são os direitos humanos? Rio de Janeiro: DIFEL, 1979. HOBBES, Thomas. O Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Nova Cultura, 1998, (Coleção Os Pensadores), KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril, 1980, (Coleção Os Pensadores). _______________. Crítica da Razão Prática. Lisboa, Edições 70, 1994. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Coleção Os Pensadores). MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. Livro II. São Paulo: Martins Fontes, 2000. PEQUENO, Marconi. Ética, direitos humanos e cidadania. In Curso de Formação de Educadores em Direitos Humanos. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2001. RABENHORST, Eduardo. Dignidade humana e moralidade democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. RICOEUR, Paul. Fundamentos filosóficos de los derechos humanos: una sintesis. In: Los Fundamentos filosóficos de los derechos humanos. Barcelona: Serbal (UNESCO), 1985. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato Social. São Paulo: Abril Cultural, 1985, (Coleção Os Pensadores). PEQUENO, Marconi. Fundamentos dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/edh/redh/01/02_marconi_pequeno_fundamento_dh.pdf. Acessado em: 10.07.2017. MORAIS, André de Oliveira. O debate entre universalismo e relativismo cultural se justifica? Disponível em: http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11200&revista_caderno=16. Acessado em: 10.07.2017. Segundo resenha de Nildo Inácio,13 para a reflexão teórica dominante, os direitos “são” os direitos; quer dizer, os direitos humanos se satisfazem tendo direitos. Os direitos, então, não seriammais que uma plataforma para se obter mais direitos. Nessa perspectiva tradicional, a ideia do “que” são os direitos se reduz à extensão e à generalização dos direitos. A ideia que inunda todo o discurso tradicional reside na seguinte fórmula: o conteúdo básico dos direitos é o “direito a ter direitos”. Quantos direitos! E os bens que tais direitos devem garantir? E as condições materiais para exigi-los ou colocá-los em prática? E as 13 Os direitos humanos a partir da perspectiva crítica de Joaquim Herrera Flores. http://www.oab-sc.org.br/artigos/os-direitos-humanos-partir-perspectiva-critica- joaquim-herrera-flores/176 Teoria crítica dos Direitos Humanos. 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 16 lutas sociais que devem ser colocadas em prática para poder garantir um acesso mais justo a uma vida digna? Em comparação entre a perspectiva tradicional e a perspectiva crítica dos direitos humanos, fundamental diferença existe entre uma teoria e outra em relação a questão da neutralidade. A teoria tradicional dos direitos humanos, aqui considerada aquela que assume as bases de um modelo juspositivista do fenômeno jurídico internacional da dignidade da pessoa humana, pretende uma teoria pura do direito, ou seja, afastar ou, no mínimo, neutralizar o comprometimento ideológico do plano jurídico. É preciso retirar do fenômeno jurídico tudo aquilo que não seja propriamente jurídico, ou seja, retirar da produção da teoria do direito as questões políticas e sociais (KELSEN, 2003, p. 1). O que é diametralmente oposto da teoria crítica dos direitos humanos, ou seja, esta é uma teoria comprometida com os anseios sociais (HERRERA FLORES, 2001, p. 85 a 91), onde “o desafio consiste em nos defender da avalanche ideológica provocada por um neoliberalismo agressivo e destruidor das conquistas sociais” (HERRERAFLORS, 2001, p. 72) Ressalta-se que o fundamento da ‘impureza’ da teoria crítica reside justamente na alienação do real, do vivido, pela teoria tradicional (HERRERA FLORES, 2009, p. 86). Não seria engano dizer que em um aspecto ambas as perspectivas aqui discutidas dos direitos humanos concordam. Trata-se da afirmação de que os direitos humanos existem em função de uma concepção de dignidade humana. Entretanto, o significado do conceito ‘dignidade humana’ não é o mesmo para estas teorias, obviamente. As teorias tradicionais se valeram de um idealismo na construção da ideia de dignidade humana, utilizando, sobretudo, a máxima kantiana (KANT, 2008, [s.p]) de que aquilo a que não se pode ser atribuído um valor, tem dignidade. Em contrapartida, a teoria crítica propõe construir a dignidade a partir de uma perspectiva material com relação aos processo de lutas pela implementação de melhores condições de vida. Nesse sentido, a dignidade, segundo propõe Herrera Flores, deve se estruturar sob dois conceitos, quais sejam, atitudes e aptidões para lutar pelos processos de implementação de melhores condições de vida. Para compreender melhore esta ideia, vejamos o que diz o próprio autor: [...] reafirmamos o que as lutas da humanidade contra as injustiças e opressões aportaram a tradição ocidental antagonista. Assim fazemos apelando ao sufixo latino tudine, que significa “o que faz algo”. Por exemplo, multidão: o que faz muitos, o que nos une a outros. Então, das nossas lutas antagonistas, propomos uma ideia de dignidade baseada em dois conceitos que compartilham tal sufixo latino: a atitude, ou consecução de disposições para fazer algo, e a aptidão, ou aquisição do suficiente poder e capacidade para realizar o que estamos dispostos previamente a fazer. Se os direitos humanos, como produtos culturais ocidentais, facilitam e generalizam a todas e a todos ‘atitudes’ e “aptidões” para fazer, estamos diante da possibilidade de criar ‘caminhos de dignidade’ que possam ser trilhados não somente por nós, mas por todos aqueles que não se conformem com as ordens hegemônicas e queiram enfrentar as “falácias ideológicas” que bloqueiam a nossa capacidade cultural de propor alternativas (Herrera flores, 2009, p. 116). A teoria proposta por Herrera Flores, além de redefinir ou reconceitualizar os direitos humanos como processos de lutas sociais por dignidade, que adquire sentido, sobretudo, no contexto de expansão, ao nível global, da ideologia neoliberal e suas consequências, situa o objetivo desta teoria que é buscar incluir todas e todos aqueles que foram excluídos dos processos hierárquicos de acessos aos bens, com uma visão dos direitos humanos em uma perspectiva que tenha como elemento fundamental a realidade material na qual vivem as pessoas, considerando o direito como um instrumento de implementação da dignidade, e não um fim em si mesmo. As tensões da Modernidade ocidental e as tensões dos Direitos Humanos Durante muitos anos, após a Segunda Guerra Mundial, os direitos humanos foram parte integrante da política da Guerra Fria, e como tal foram considerados pela esquerda. Duplos critérios na avaliação das violações dos direitos humanos, complacência para com ditadores amigos, defesa do sacrifício dos direitos humanos em nome dos objetivos do desenvolvimento — tudo isto tornou os direitos humanos suspeitos enquanto guião emancipatório. Quer nos países centrais, quer em todo o mundo em desenvolvimento, as forças progressistas preferiram a linguagem da revolução e do socialismo para formular uma política emancipatória. E, no As tensões da Modernidade ocidental e as tensões dos Direitos Humanos: da colonialidade à descolonialidade. 1332057 E-book gerado especialmente para SAMIO DOS SANTOS SILVA . 17 entanto, perante a crise aparentemente irreversível destes projetos de emancipação, essas mesmas forças progressistas recorrem hoje aos direitos humanos para reinventar a linguagem da emancipação. É como se os direitos humanos fossem invocados para preencher o vazio deixado pelo socialismo. Devem ser compreendidas as tensões dialéticas que informam a modernidade ocidental. A crise que hoje afeta estas tensões assinala, melhor que qualquer outra coisa, os problemas que a modernidade ocidental atualmente defronta. São identificadas três tensões dialéticas. A primeira ocorre entre regulação social e emancipação social. Tenho vindo a afirmar que o paradigma da modernidade se baseia numa tensão dialética entre regulação social e emancipação social, a qual está presente, mesmo que de modo diluído, na divisa positivista "ordem e progresso". A emancipação deixou de ser o outro da regulação para se tornar no duplo da regulação. Enquanto, até finais dos anos sessenta, as crises de regulação social suscitavam o fortalecimento das políticas emancipatórias, hoje a crise da regulação social — simbolizada pela crise do Estado regulador e do Estado-Providência — e a crise da emancipação social — simbolizada pela crise da revolução social e do socialismo enquanto paradigma da transformação social radical — são simultâneas e alimentam-se uma da outra. A política dos direitos humanos, que foi simultaneamente uma política reguladora e uma política emancipadora, está armadilhada nesta dupla crise, ao mesmo tempo que é sinal do desejo de a ultrapassar. A segunda tensão dialética ocorre entre o Estado e a sociedade civil. O Estado moderno, não obstante apresentar-se como um Estado minimalista, é, potencialmente, um Estado maximalista, pois a sociedade civil, enquanto o outro do Estado, auto reproduz-se através de leis e regulações que dimanam do Estado e para as quais não parecem existir limites, desde que as regras democráticas da produção de leis sejam respeitadas. Os direitos humanos estão no cerne desta tensão: enquanto a primeira geração de direitos humanos (os direitos cívicos e políticos) foi concebida como uma luta da sociedade civil contra o Estado, considerado como o principal violador potencial dos direitos humanos, a segunda e terceira gerações
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