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Matriz psicanalítica de Freud APRESENTAÇÃO Sigmund Freud foi um médico e psicanalista que revolucionou a maneira de compreender a pers onalidade humana. Ele é conhecido por ser o criador da psicanálise, um método de cura por mei o da escuta clínica. Segundo a teoria psicanalítica de Freud, a constituição da personalidade é m arcada por uma experiência traumática relacionada à sexualidade humana. Freud ocasionou outra mudança radical na maneira de compreender a subjetividade humana ao e laborar uma teoria sobre o inconsciente. Até então a ideia do que era ser humano estava relacion ada à consciência do ser. Freud pensava o contrário, o que o ser humano é de verdade reside no i nconsciente. O desenvolvimento dos seus estudos sobre a sexualidade e sobre o inconsciente foi bastante imp actante para a época, o final do século XIX. São ideias fundamentais para entender os traumas e sofrimentos humanos até os dias de hoje. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar a matriz psicanalítica de Freud a partir dos co nceitos relacionados às duas ideias fundamentais da psicanálise: a sexualidade humana e o incon sciente. Vai estudar os aspectos estruturais e dinâmicos da personalidade por meio das teorias do consciente, pré-consciente e inconsciente, assim como do id, ego e superego (a primeira e a segu nda tópicas freudianas). Também vai aprender sobre os outros processos relacionados ao incons ciente freudiano: identificação, mecanismos dos sonhos e mecanismos de defesa do ego. Por fi m, você vai conhecer os estágios do desenvolvimento da personalidade a partir da teoria da sexu alidade de Freud. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Apresentar Sigmund Freud e seus principais pressupostos sobre a natureza humana.• Explicar a estrutura e a dinâmica da personalidade.• Caracterizar os estágios de desenvolvimento da personalidade em Freud. • DESAFIO De acordo com a matriz psicanalítica, o desenvolvimento da personalidade é concomitante ao de senvolvimento psicossexual dos indivíduos. Isso significa que a personalidade resulta das transf ormações do psiquismo e do corpo sexualizado. Desde os primeiros dias de vida até aproximadamente os 6 anos de idade, a sexualidade infantil está em constante transformação. Depois dos 6 anos até a adolescência, o desenvolvimento sexu al é colocado em segundo plano pelo desenvolvimento dos valores morais e sociais. É nesse perí odo que a criança começa a frequentar outras esferas sociais além da família. Por isso mesmo é comum que conflitos relacionados ao comportamento sejam frequentes. Nesse momento, o pape l da psicoterapia é mediar esse conflito, contribuindo para que o paciente crie saídas para a const ituição do laço social sem danos. Tendo isso em vista, considere a seguinte situação: Nessa situação, responda: A) Quais informações seriam importantes passar para a mãe da criança a fim de deixá-la inform ada sobre aspectos da formação da personalidade nessa faixa etária? B) Como profissional, como você deve mediar os conflitos existentes nessa fase do desenvolvim ento da personalidade no atendimento da criança? INFOGRÁFICO De acordo com a psicanálise de Freud, a constituição da personalidade se dá com o desenvolvim ento psicossexual, que acontece como parte de um mesmo processo que se estende ao longo da vida. Segundo o pensamento de Freud, todo ser humano possui um corpo sexualizado desde os primei ros momentos de sua vida. Isso quer dizer que algumas partes do corpo são extremamente sensív eis aos estímulos tanto do próprio corpo como do mundo externo. Esses estímulos ocasionam ex periências de satisfação que o indivíduo busca desenvolver ao longo do tempo. Veja, neste Infográfico, uma descrição dos principais aspectos das fases do desenvolvimento psi cossexual da teoria freudiana. CONTEÚDO DO LIVRO O surgimento da psicanálise se dá na passagem do século XIX para o século XX. Freud substitui o método de hipnose na escuta das histéricas pela associação livre. É a descoberta desse método que funda uma nova teoria para entender o psiquismo chamada psicanálise. O desenvolvimento da matriz psicanalítica de Freud é marcado pela constituição de suas duas tó picas: o inconsciente, pré-consciente e consciente como as instâncias psíquicas da primeira tópic a, e o id, ego e o superego como as instâncias da segunda. Essas tópicas explicam a formação da personalidade a partir da psicanálise. Outra teoria criada por Freud também é a da sexualidade, q ue explica o desenvolvimento da personalidade por meio das fases do desenvolvimento psicosse xual. No capítulo Matriz psicanalítica de Freud, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer a teoria psicanalítica de Freud, entendendo melhor o surgimento da psicanálise e c omo é possível articular a sua teoria com a constituição da personalidade. Boa leitura. TEORIA DA PERSONALIDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Apresentar Sigmund Freud e seus principais pressupostos sobre a natureza humana. > Explicar a estrutura e a dinâmica da personalidade. > Caracterizar os estágios de desenvolvimento da personalidade em Freud. Introdução A psicanálise, teoria desenvolvida por Freud no final do século XIX e início do século XX, revolucionou os estudos sobre a personalidade humana e é estudada e praticada até os dias atuais. Essa teoria apresentou duas grandes mudanças na compreensão da subjetividade humana. A primeira está relacionada à causalidade dos traumas. Para Freud, os nossos traumas estão relacionados com alguma experiência sexual no período de desenvolvimento da nossa subjetividade. A segunda descoberta que transformou nossa compreensão sobre a personalidade humana é o inconsciente, então compreendido como o oposto da consciência, ou seja, um conteúdo que não tem relação com a personalidade do indivíduo. Antes de Freud, a definição de ser humano estava relacionada com a consciência. Para Freud, é no inconsciente que está a verdade sobre o que nós somos. Essas duas ideias gerais — a sexualidade e o inconsciente freudiano — acompanham a des- coberta de vários outros conceitos da psicanálise, tais como a pulsão, a neurose, o narcisismo, entre outros. Neste capítulo, você vai estudar o desenvolvimento das principais ideias da teoria psicanalítica. Abordaremos inicialmente o contexto do surgimento da Matriz psicanalítica de Freud Inácio Antonio Silva de Mariz psicanálise e as mudanças que ela promoveu na concepção sobre a natureza humana. Para entendermos a estrutura e a dinâmica da personalidade, também vamos refletir sobre o funcionamento do psiquismo, a partir da primeira tópica de Freud (consciente, pré-consciente e inconsciente), e sobre identificação e mecanismos de defesa, partindo da segunda tópica freudiana (id, ego e supe- rego). Por fim, você poderá compreender o desenvolvimento da personalidade a partir da teoria da sexualidade de Freud, também conhecida como “teoria do desenvolvimento psicossexual”. Surgimento da psicanálise e seus pressupostos sobre a natureza humana A psicanálise surgiu na passagem do século XIX para o século XX, a partir do tratamento da histeria pelo médico Sigmund Freud. Desde então, a teoria desenvolvida por Freud, pautada em descobertas sobre a sexualidade infantil e o inconsciente, ganhou adeptos no mundo inteiro e se mantém como uma das mais importantes teorias para explicar a constituição da personalidade. Nascido em 1856, na região onde atualmente está localizada a República Tcheca, Sigmund Freud mudou-se para Viena ainda criança e lá viveu quase toda a sua vida e deu início a seus estudos. No curso de medicina, ele ganhou notoriedade por ser um aluno brilhante. É durante o seu período de estudos no Instituto de Fisiologia da Universidade de Viena que Freud conhece o renomado professor Josef Breuer, com quem publica os primeiros trabalhos sobre a histeria e a hipnose. Esses textos são consideradospré-psicanalíticos, pois descrevem o processo em que Freud abandona a prática da hipnose para se dedicar ao tratamento por meio da psicanálise (ONS, 2018). Breuer era conhecido pelo seu trabalho com psicologia e hipnose, temas que também interessavam a Freud, que então passa a, juntamente de Breuer, atender pacientes que sofriam de distúrbios psíquicos. A maioria desses pacientes eram mulheres da alta sociedade, acometidas de uma doença que se tornava muito comum na época, a histeria (MEZAN, 2006). Mesmo se tornando cada vez mais comum, a histeria era vista com maus olhos pelos médicos da época, que entendiam ser necessário um componente orgânico em desarranjo para que as doenças se manifestassem — o que não era o caso da histeria. As mulheres acometidas relatavam cegueira, dores na garganta, perda da fala, perda dos movimentos nas pernas, entre outros sintomas da histeria na época. Essas queixas não eram levadas a sério pe- Matriz psicanalítica de Freud2 los médicos, que julgavam se tratar de encenações de pacientes loucas ou mentirosas (MEZAN, 2006). Nesse mesmo período, por volta de 1880, os estudos sobre a histeria ganham outro nome de destaque: o médico neurologista Jean-Martin Char- cot. Conhecido pelo seu trabalho no Hospital da Salpêtrière, em Paris, ele também utilizava a hipnose como método de tratamento, e então Freud decide realizar, no inverno de 1885, um estágio com o médico parisiense (GARCIA-ROZA, 2009). Na França, Freud acompanhou as aulas expositivas de Charcot para uma plateia de médicos, nas quais ele hipnotizava pacientes histéricas e as mostrava curadas depois de sua sugestão para que os sintomas desaparecessem (MEZAN, 2006). Após seu estágio em Paris, Freud retorna a Viena e segue seu trabalho ao lado de Breuer, atendendo pacientes histéricas. Tanto Breuer quanto Charcot estudavam a histeria e praticavam a hipnose, mas tinham entendimentos diferentes em relação ao sintoma neurótico. Charcot partia da premissa de que a hipnose acessava as memórias e as emoções que ficavam no inconsciente e causavam os sintomas histéricos; então, por meio da sugestão, ele levava as pacientes a interpretar esses sintomas de outra maneira para, com isso, curá-las. Breuer, por sua vez, lançava mão de um método que também era usado por Freud: o chamado “método catártico”, que não visava ao desapa- recimento do sintoma, mas à investigação de sua causalidade, fazendo as pacientes recordarem da experiência traumática que deu origem ao sofrimento (GARCIA-ROZA, 2009). A primeira grande descoberta de Freud sobre a causalidade dos sintomas veio da sua experiência clínica, especificamente o tratamento de Bertha Pappenheim, que ficou famosa pelo pseudônimo Anna O. Tratada inicialmente por Breuer, essa paciente apresentava sintomas como alucinações, paralisias, fobias, entre outros. Em determinado momento, ela elaborou a ideia histérica de que estava grávida de seu médico, Breuer, e então seu caso acabou sendo assumido por Freud (GARCIA-ROZA, 2009). As pesquisas de Freud já o orientavam para uma hipótese sobre a causa- lidade dos sintomas: ele observou que suas pacientes rememoravam uma ideia traumática e a representavam como um sintoma no corpo. Em suas primeiras publicações sobre a histeria, Freud suspeitava que essas ideias traumáticas eram marcadas por um afeto sexual (FREUD, 1996). O caso de Anna O. comprovou a hipótese freudiana de que havia um componente sexual na situação traumática que era a causalidade do sintoma de suas pacientes histéricas. Para Freud, os sintomas histéricos e neuróticos eram formados a partir de experiências sexuais do passado. Diante da situação envolvendo Matriz psicanalítica de Freud 3 a sexualidade e a repressão, as pacientes se afetavam de tal maneira que, no futuro, o que havia sido reprimido voltava na forma de sintoma (GARCIA- -ROZA, 2009). Em determinado momento, Freud decide abandonar a hipnose, sobretudo por duas razões. A primeira delas está relacionada ao fato de nem todas as pessoas serem hipnotizáveis, o que limitava a abrangência do tratamento. A segunda razão é a constatação de que a hipnose proporcionava um alívio apenas pontual dos sintomas, que acabavam voltando a se manifestar com o passar do tempo. Então, Freud desenvolve seu próprio método de escuta das histéricas, que tem relação direta com a fundação da psicanálise: o método da associação livre (GARCIA-ROZA, 2009). O nascimento desse método tem relação com uma experiência clínica em particular. Em uma sessão de hipnose, a paciente conhecida pelo pseudônimo Emmy Von N. passou a responder de forma inusitada às sugestões de Freud, pedindo diversas vezes a ele que ficasse calado para que ela pudesse falar sobre seus sintomas (FREUD, 1996). Então, Freud percebeu que, quando a pa- ciente rememorava e falava sobre seus sintomas, as associações aconteciam livremente, sem que a hipnose e as sugestões do terapeuta fossem necessárias para orientar a fala. Freud apenas escutava a paciente e percebia que certos momentos de suas narrativas traziam elementos marcantes da situação traumática, ainda que a paciente não percebesse isso (GARCIA-ROZA, 2009). Assim, surge definitivamente a psicanálise, uma prática clínica orientada pelo método da associação livre, que consiste basicamente em deixar que o paciente fale à vontade o que vier à sua cabeça. As descobertas de Freud já demonstravam que sua teoria apresentava uma visão muito particular sobre o que chamamos de “natureza humana”, uma condição comum para todos. Para Freud, os traumas surgiam de uma experiência sexual, e as pacientes eram capazes de relatar esses traumas apenas rememorando suas vivências. Essas duas descobertas são sustenta- das por uma concepção que revolucionou a maneira como se compreendem a natureza e a personalidade humanas até os dias de hoje: o inconsciente (GARCIA-ROZA, 2009). Para a psicanálise, a natureza humana é inconsciente A descoberta de Freud sobre a relação entre sexualidade, sintoma e associação livre está ligada a uma questão em particular: a fantasia, isto é, a capacidade que todo ser humano tem de fantasiar. Para Freud, os sintomas se formavam justamente porque, diante de uma situação sexual, as pacientes fantasiavam Matriz psicanalítica de Freud4 que estavam sendo seduzidas. Freud chamou essa teoria de “teoria da sedu- ção” (FREUD, 2014). Mas essa cena de sedução não era real. Era a forma como a criança, ainda não tendo formação cognitiva para interpretar a realidade à sua volta, interpretava a situação. Essa cena de sedução poderia ser um simples estímulo, como uma carícia, um afago, um cheiro, um beijo, etc. Ou seja, tal interpretação era uma tentativa de dar sentido a uma sensação nova para a criança (GARCIA-ROZA, 2009). Segundo essa teoria, fantasia e realidade podem fazer parte de uma mesma representação. E a interpretação que damos para uma situação pode ser apenas uma realidade psíquica, diferente da realidade do mundo real. Quando fez essa descoberta, Freud quis demonstrar também que o psiquismo é muito complexo, não se resumindo apenas à consciência. Esta corresponde somente à capacidade que o indivíduo tem de atribuir sentido ao que acontece ao seu redor, e esse sentido pode estar de acordo com a realidade ou não. Há um exemplo disso na própria teoria da sedução de Freud, segundo a qual o psiquismo infantil pode interpretar uma experiência que é estimulada como uma experiência de sedução. Algumas fobias adquiridas nos primeiros anos de vida também podem estar relacionadas com a maneira como o psiquismo humano elaborou uma determinada situação e criou uma fantasia na cons- ciência em desacordo com a realidade (MEZAN, 2006). Esse desacordo entre o psiquismo e o mundo real existe porque existe um conflito psíquico que funda a subjetividade humana. Tal conflito se refere a uma clivagem, ou seja, uma separação entre o material psíquico que chega à nossa consciência e outra parte do material que continua indefinidae inacessível ao pensamento consciente. Foi a todo esse conteúdo que Freud deu o nome de inconsciente (FREUD, 2015). O conceito de inconsciente se tornou central no desenvolvimento da teoria de Freud, para quem o inconsciente não é um lugar anatômico, mas um lugar psíquico com conteúdos das memórias que os sujeitos rejeitam em tornar consciente. Assim, a psicanálise é conhecida como a clínica do inconsciente, que só se manifesta em vestígios, lapsos, atos falhos e, principalmente, sonhos. São essas manifestações que mais dizem sobre os sujeitos, pois, de acordo com a teoria de Freud, os atos conscientes estão relacionados apenas com a experiência imediata, ou seja, são atos que respondem de forma espontânea às experiências do mundo real. No inconsciente, por sua vez, fica a maior parte de todo o material psíquico relacionado com o que se pode chamar “verdade dos indivíduos”, isto é, a sua natureza humana (GARCIA-ROZA, 2009). Matriz psicanalítica de Freud 5 O inconsciente não pode ser representado pelos sentidos que o paciente cria. O paciente vai expressar seu inconsciente por meio de formações do inconsciente, que consistem em atos falhos na linguagem, como, por exemplo, errar o nome de uma pessoa ou trocar o nome do lugar para onde se está viajando; chistes, isto é, tiradas de humor, piadas; e sonhos, que são as principais formações do inconsciente (FREUD, 2017). No livro A interpretação dos sonhos, originalmente publicado em 1900, Freud (1980) buscou provar a existência do inconsciente, demonstrando como ele se estrutura e o seu funcionamento. Freud conclui que o inconsciente tem a estrutura dos sonhos. Estes são elementos que sempre chegam à psicoterapia dos pacientes, e a sua interpretação deve ser orientada pela teoria dos sonhos de Freud e pelo contexto da experiência clínica de cada um. A descoberta do inconsciente revelou que a subjetividade não está re- lacionada apenas com as representações conscientes e racionais da mente. O psiquismo humano é bem mais complexo, sendo constituído por outras instâncias psíquicas além do consciente. A principal delas, de acordo com Freud, é o inconsciente. Para desenvolver melhor seu pensamento sobre o psiquismo, Freud elaborou a ideia de aparelho psíquico, em que ele localiza duas tópicas, ou seja, dois sistemas em que instâncias psíquicas relacionam-se entre si. Vamos conhecer essas duas tópicas nas seções seguintes. Primeira e segunda tópicas freudianas: dos meandros do psiquismo à identificação As descobertas de Freud mostram que o psiquismo é complexo e que a per- sonalidade humana e os processos de identificação são resultados de uma parte menor dos processos psíquicos. Para explicar melhor o psiquismo, Freud desenvolveu a noção de aparelho psíquico. Esse aparelho não existe de fato; ele é apenas um trabalho figurativo feito por Freud para melhor explicar as forças, as energias e as trocas psíquicas (GARCIA-ROZA, 2009). Para tanto, Freud desenvolveu duas tópicas que, segundo ele, são instâncias psíquicas que fazem parte desse aparelho. A primeira tópica é formada por consciente, pré-consciente e inconsciente; e a segunda, por id, ego e superego. Essas tópicas são instâncias psíquicas que mantêm relação entre si nos processos psíquicos de constituição da personalidade. Tal divisão do aparelho recebeu o nome de “tópicas” porque, segundo Freud (2010b), essas instâncias ocupam um determinado lugar na dinâmica do psiquismo — “tópica” é um termo derivado da palavra grega τόπος (tópos), que significa “lugar”. Matriz psicanalítica de Freud6 Primeira tópica freudiana A seguir serão descritos os elementos que constituem a primeira tópica freudiana: o consciente, o pré-consciente e o inconsciente. Consciente Antes da psicanálise, o consciente era compreendido como a totalidade do psiquismo (FREUD, 2010b; GARCIA-ROZA, 2009; ONS, 2018). Essa concepção mudou totalmente com Freud, quando o consciente passou a ser apenas a camada mais superficial do psiquismo (FREUD, 2010b). Isso porque o consciente seria responsável pela representação dos impulsos advindos dos meandros do psiquismo (NASIO, 1999). Como parte da primeira tópica freudiana, o consciente tem a função de reunir estímulos do mundo externo e excitações internas no psiquismo e transformar esses estímulos e excitações em ideias, pensamentos, juízos de valor e de moral, ações motoras, etc. Dessa forma, a função do consciente está relacionada com parte da formação do eu e com a maneira como expres- samos nossa personalidade nas relações do mundo externo. O consciente está relacionado, assim, com as funções de cognição, de percepção e motoras de cada indivíduo. No entanto, do ponto de vista do aparelho psíquico, ele tem importância menor em relação aos processos psíquicos internos, já que comporta apenas uma pequena parte de todo o conteúdo psíquico que passa pela censura do pré-consciente até chegar à consciência (FREUD, 2010b). Pré-consciente O pré-consciente é a instância que seleciona o que passa do inconsciente para o consciente. Ele tem a função de barrar os conteúdos reprimidos, impedindo-os de chegar à nossa consciência. Esses conteúdos reprimidos são aqueles provenientes da situação traumática que dão origem aos sintomas (FREUD, 2010b). O pré-consciente é a ligação entre o inconsciente e o consciente, mas é distinto dos dois. Isso porque o conteúdo pré-consciente tem sua origem no inconsciente, mas se transforma ao se submeter à censura, e só então chega como conteúdo transformado ao consciente. Sem a instância pré-consciente, a consciência não seria capaz de representar o material inconsciente, pois o trabalho de censura realizado pelo pré-consciente retira os conteúdos inconscientes que precisam ser reprimidos, pois representam um estímulo excessivo que pode causar angústia. Isso porque esses conteúdos que saem Matriz psicanalítica de Freud 7 do inconsciente estão carregados de impulsos psíquicos tão fortes e incon- troláveis que podem causar uma insuportável sensação de desprazer. O pré-consciente tem a função de retirar parte da quantidade desses impulsos (FREUD, 2010b). Inconsciente Para Freud, o inconsciente é a instância mais antiga do psiquismo. É nessa instância que fica a maior parte de nossas ideias e excitações, pois tudo que não é consciente ou pré-consciente está no inconsciente. O inconsciente não é algo organizado, como é o caso do consciente. No inconsciente, tudo ainda é impulso, força, energia e excitação, e ele trabalha constantemente, sem nenhum tipo de distinção sobre as regras, as normas e as narrativas que são impostas pela realidade. O funcionamento do inconsciente pode ser explicado como puro estímulo de cargas psíquicas, produzindo prazer e desprazer sem limites. É por isso que seu material precisa passar pelo pré-consciente para chegar à consciência, uma vez que a consciência não suportaria a intensidade dessas cargas e seria incapaz de elaborar uma representação adequada para a realidade (FREUD, 2010b). Como parte do aparelho psíquico, a função do inconsciente é guardar o material reprimido, que é aquele material recusado tanto pelo pré-consciente quanto pelo consciente. Esse material é apenas uma parte de tudo que com- porta o inconsciente, junto com as excitações, as forças, as energias e os traços do psiquismo. Sendo assim, é impossível representar o inconsciente. Ele pode manifestar apenas uma pequena parte de tudo aquilo que comporta e que ganha um correspondente representativo na maneira como a consciência expressa parte desse conteúdo na realidade por meio de sonhos, lapsos, atos falhos, entre outros equívocos da linguagem (FREUD, 2010b). A primeira tópica freudiana é frequentemente representada por um iceberg (Figura 1). A menor parte do iceberg, que é sua porção visível, corresponde ao consciente. Por sua vez, o espelho d’água, que divide o que está submerso da superfície, corresponde ao pré-consciente. O inconsciente, por fim, é representadopela maior parte do iceberg, que está submersa. Matriz psicanalítica de Freud8 Figura 1. Representação da primeira tópica freudiana. Fonte: Adaptada de Freud (2010b) e Madartzgraphics/Pixabay.com. Consciente Pré-consciente Inconsciente Segunda tópica freudiana Avançando em suas pesquisas sobre o desenvolvimento da personalidade humana, Freud (2010a) elabora a sua segunda tópica. Dessa vez, a tópica é formada por id, ego e superego. O motivo da elaboração de uma segunda tópica é que, nesse estágio do desenvolvimento do seu pensamento, Freud está interessado em analisar a questão da constituição do psiquismo por outro ponto de vista, a partir da relação do conflito psíquico interno com o mundo externo, ou seja, a maneira como a cultura influencia o processo de constituição da subjetividade (GARCIA-ROZA, 2009). Id, ou isso O id se refere aos materiais inconscientes que chegam do interior do psi- quismo. O próprio Freud (2010a) relacionava o id à ideia de inconsciente. Freud (2010a) distingue o id do ego de maneira simplista, dizendo que, ao passo que o ego corresponde ao senso comum e à razão, o id se refere às paixões. O material psíquico que corresponde ao id é aquele passado pela condição hereditária de nossa espécie, como se fosse uma marca psíquica que todo indivíduo tem. É por isso que falamos de instinto humano. Freud utilizou outra palavra para se referir ao instinto humano e diferenciá-lo do instinto animal: a pulsão (GARCIA-ROZA, 2009). A pulsão é uma condição psíquica de todos os indivíduos para criar a própria vida. Assim como demonstra o id, esse estímulo para a criação da vida existe apenas como excitação ou traços psíquicos que precisam ser or- ganizados em uma representação na forma de um ego. Apenas uma parte do Matriz psicanalítica de Freud 9 material correspondente ao id chega ao ego e é representado por ele. Outra parte segue inata como componente da pura pulsão (GARCIA-ROZA, 2009). Ego, ou eu O ego pode ser definido como uma instância adaptativa, e sua principal atividade é mediar os processos de identificação com o mundo, controlando as exigências internas do id e as exigências vindas da realidade por meio do superego. O ego está, dessa maneira, relacionado com a necessidade de criar identificações com o mundo externo (GARCIA-ROZA, 2009). O ego é a mais importante das três instâncias. Ele é tido como o conflito inicial de fundação do psiquismo. Isto é, o ego é o lugar onde está parte do excesso da energia psíquica. A função do ego é conter parte dessa energia, para que seja possível torná-la uma representação da personalidade (FREUD, 2010a). É com o desenvolvimento da segunda tópica que Freud (2010a) passa a relacionar o ego com o id e o superego. Assim, o ego se torna uma instância que não pode existir sozinha. No entanto, para Freud (2010a), o ego se destaca das outras instâncias porque desempenha importantes tarefas para o indivíduo, como controlar as excita- ções do corpo e do mundo externo, “supervisionar” os processos constituintes da personalidade, reprimir conteúdos indesejáveis oriundos do psiquismo e ser a externalização de uma experiência corporal — Freud destaca que o ego é um ego corporal. No que se refere ao seu papel na segunda tópica, a relação do ego com o id e o superego acontece da seguinte maneira. Primeiramente, o ego é dependente do id, pois as exigências pela satisfação que participam da formação do ego são componentes das forças psíquicas internas trazidas pelo id. Mas o ego também precisa contornar as exigências vindas do mundo externo, que também fazem parte da sua constituição. Essas exigências do mundo externo são trazidas pelo superego (GARCIA-ROZA, 2009). Superego, ou supereu O superego é a instância que exerce um julgamento sobre o ego. Ele internaliza as exigências do mundo externo (as leis, as normas, os padrões sociais) e exige que o ego se comporte de acordo com elas. Esse julgamento que o superego exerce sobre o ego é um juízo moral, e o ego precisa escapar também das exigências desse juízo moral, pois ele teria um poder punitivo e cruel caso o ego não conseguisse contornar tais exigências (FREUD, 2010a). O papel do superego está relacionado principalmente com a vida social. Quando exige que o ego se adapte às regras do mundo real, o superego tra- Matriz psicanalítica de Freud10 balha para que a relação entre o ego e o mundo externo seja possível. Isso porque é no superego que o mundo externo encontra suas representações internalizadas no psiquismo, ou seja, é como se a severidade do pai fosse internalizada para o psiquismo por meio do superego (FREUD, 2010a). E assim acontece em relação às outras leis, normas e condutas sociais. A partir do exposto, podemos resumir a relação entre essas três instâncias (id, ego e superego) da seguinte maneira: o superego reprime as imposições do id sobre o ego, ao mesmo tempo que exige que o ego se submeta às leis que regulam a vida social. Para conhecer mais sobre os principais conceitos da psicanálise, recomendamos o livro Vocabulário contemporâneo da psicanálise, de David Zimerman (2008). A obra apresenta mais de 900 noções sobre a técnica e a prática clínicas, além de listar renomados psicanalistas contemporâneos de Freud e pós-freudianos, o que possibilita relacionar o pensamento de Freud com o trabalho teórico de outros autores e entender os desdobramentos e as modificações que a teoria sofreu em sua transmissão e com o passar do tempo. A matriz psicanalítica é de fundamental importância para pensar a for- mação da personalidade. A perspectiva do inconsciente demonstrou que a personalidade está relacionada não apenas com os processos conscientes de subjetivação, mas também com conteúdos psíquicos que ficam alojados no inconsciente. Já o ego não é uma instância unitária como costumamos imaginar. Ele precisa contornar exigências internas e do mundo real para que os processos de identificação aconteçam de maneira satisfatória. A teoria da sexualidade em Freud: o desenvolvimento da personalidade humana Certamente a sexualidade é o tema central do desenvolvimento de toda a teoria freudiana. Isso se deve ao modo como suas ideias foram recebidas em sua época e como elas se mantêm válidas até os dias de hoje. Nesta seção, vamos estudar o significado da sexualidade para a teoria psicanalítica, já que a compreensão em torno do sexual é distinta da ideia de relação sexual ou da diferença sexual entre homens e mulheres. De acordo com a matriz psicanalítica, todo indivíduo tem uma sexualidade desde que nasce, e essa sexualidade se desenvolve ao longo de sua vida. Também vamos abordar Matriz psicanalítica de Freud 11 como se dá esse desenvolvimento desde os primeiros meses de vida até a fase adulta. De acordo com Freud (2015), a sexualidade é uma condição inata que adquirimos logo que nascemos. Ou seja, para a psicanálise a sexualidade não está relacionada com os sentidos da expressão compartilhada na sociedade, pois as primeiras descobertas de Freud em torno do tema demonstraram que existe uma sexualidade infantil. O período em que Freud desenvolveu suas ideias (do final do século XIX até meados do século XX) era marcado por uma moral muito rígida. Isso se devia principalmente à forma como os discursos se organizavam em torno do cristianismo e da família burguesa como o referencial de organização social a ser reproduzida. No entanto, naquela época Freud (2015) percebeu que existia uma moral muito mais rigorosa e punitiva: a moral sexual. Em suas pesquisas e nos tratamentos com as histéricas, Freud observou que os sintomas histéricos resultavam de uma experiência traumática por um forte componente sexual. Essa observação foi fundamental para sustentar a hipótese que passou a consolidar a teoria de Freud até os dias atuais. Segundo essa teoria, todos nós já nascemos indivíduos sexuais. Em outro importante trabalho, Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna, publicado ori- ginalmente em1908, Freud conclui que todos os outros sintomas neuróticos estavam relacionados com a repressão sexual (FREUD, 2015). As ideias de Freud foram mal recebidas nessa época porque a sexualidade era unicamente relacionada à reprodução humana. Essa era uma ideia cristã que a sociedade moderna compartilhou durante muito tempo. Porém, do ponto de vista da psicanálise, a sexualidade não se reduz aos órgãos genitais nem às relações sexuais. De acordo com Freud, esses órgãos correspondem a zonas hipersensíveis do nosso corpo, as chamadas “zonas erógenas”. Como são zonas sensíveis, o mínimo estímulo que exista em torno desses órgãos é capaz de proporcionar prazer ou desprazer, que, em alguns casos, se torna até mesmo insuportável. Além disso, para a psicanálise, essas zonas erógenas hipersensíveis não se resumem apenas aos órgãos genitais. A boca e o ânus são as outras duas zonas erógenas principais do nosso corpo (FREUD, 2015). A partir dessas descobertas sobre os a moral sexual e a sexualidade na constituição dos sintomas histéricos e neuróticos, Freud (2015) elabora sua teoria sobre o desenvolvimento da personalidade humana. Matriz psicanalítica de Freud12 Na clínica da psicanálise, os indivíduos podem levar um tempo para relatar a cena traumática de componente sexual. Para que isso acon- teça, é preciso que se estabeleça uma transferência entre o paciente e o seu psicoterapeuta. A transferência é um tipo de laço terapêutico que o profissional da psicanálise vai estabelecendo com o passar tempo. O início de um tratamento clínico vai ser o momento de o profissional escutar mais, conhecer a história do paciente e estabelecer a transferência. Com o tempo, o profissional começa a interpretar e intervir mais na psicoterapia (ZIMERMAN, 2009). Fases do desenvolvimento da sexualidade De acordo com a teoria do desenvolvimento da sexualidade, ou teoria psicos- sexual, os impulsos sexuais provenientes do corpo se concentram em torno das zonas erógenas. Como nosso corpo é um corpo sexualizado, conforme a psicanálise, essa sexualidade vai se desenvolvendo junto com o psiquismo (FREUD, 2016). A seguir, você vai conhecer como Freud descreveu o desenvol- vimento psicossexual dos indivíduos. Fase oral — primeiros seis meses do bebê A fase oral é a primeira fase do desenvolvimento psicossexual, ocorrendo no período pré-genital. Nos primeiros dias de vida, o bebê tem zonas sensíveis aos estímulos do mundo externo. A boca é a principal zona erógena do bebê. Sendo assim, ele sente muita satisfação ao se alimentar, pois o alimento estimula as regiões supersensíveis das mucosas (FREUD, 2016). Fase anal — entre 2 e 4 anos aproximadamente A fase anal, ou anal-sádica, é a segunda fase do desenvolvimento psicos- sexual, acontecendo também no período pré-genital. Nessa fase, a região supersensível que é uma zona erógena é o ânus, e a sensação de satisfação é obtida pelo controle das fezes. A criança ainda não organiza sua sensação em torno de um saber de que as fezes são necessárias à nossa digestão. Então, elas apenas sentem a satisfação em tentar controlar as fezes ou expeli-las (FREUD, 2016). Matriz psicanalítica de Freud 13 Fase fálica — dos 3 aos 6 anos aproximadamente É na fase fálica que o impulso sexual começa a se concentrar nos órgãos genitais, que passam a se desenvolver como principais zonas de prazer. Essa fase é fundamental no reconhecimento anatômico do corpo. É nela que as crianças se olham e conseguem se perceber como um corpo formado. Também é nessa fase que os gêneros masculino e feminino começam a se diferenciar, e então as crianças começam a experimentar os primeiros conflitos em torna da diferença colocada pela sexualidade (FREUD, 2016). Período de latência Segundo Freud (2016), o desenvolvimento psicossexual fica adormecido por um período, sem que nenhuma mudança significativa aconteça com a se- xualidade do corpo. Nesse período, a formação educacional e as condutas sociais prevalecem sobre o desenvolvimento da sexualidade. Durante essa época, a criança está descobrindo as sensações mais simples (p. ex.: vergonha, ressentimento e ciúmes), além de estar conhecendo os valores éticos e as condutas sociais que vão começar a orientar suas escolhas. Fase genital — da adolescência à vida adulta A fase genital é alcançada na adolescência e segue durante toda a vida adulta. É quando a busca por prazer muda da zona erógena para o outro, para a parceria sexual. Nessa fase, cada indivíduo elege outra pessoa como objeto para a realização de sua satisfação sexual. Tal escolha é marcada justamente pela personalidade de cada um, e é nesse momento que as identificações sexuais são decididas (FREUD, 2016). Como vimos, a psicanálise mudou a forma como a sexualidade humana é compreendida. Antes, a sexualidade era vista como uma relação entre indiví- duos que privilegiava a satisfação em torno dos órgãos genitais. Além disso, deve-se a Freud a descoberta de uma sexualidade infantil — a sexualidade é algo natural a todo indivíduo, e o corpo já nasce um corpo sexualizado, que se desenvolve ao longo da vida junto com a personalidade. O Quadro 1 apresenta o desenvolvimento psicossexual dividido por fases, período de duração de cada fase e zona erógena correspondente a cada fase. Matriz psicanalítica de Freud14 Quadro 1. Fases do desenvolvimento psicossexual da personalidade Fase Período de duração Zona erógena Fase oral Primeiros seis meses de vida Boca Fase anal Dos 2 aos 4 anos (aproximadamente) Região anal Fase fálica Dos 3 aos 6 anos (aproximadamente) Órgãos genitais (início) Período de latência Da infância até a adolescência Sem zonas erógenas — prevalecem as normas sociais Fase genital Da adolescência à vida adulta Órgãos genitais (escolha definitiva) Fonte: Adaptado de Freud (2016). Uma paciente chega ao atendimento clínico reclamando por estar dormindo demais, a ponto de isso prejudicar suas relações no dia a dia. Ela reclama também de não conseguir se concentrar no trabalho e não manter uma boa relação com um dos seus colegas, que, segundo ela, está sempre a observando. Ela diz que fica imaginando o que ele pode estar pensando sobre ela. Diz que talvez ele esteja desejando-a. Com o passar do tempo, a paciente relata uma figura recorrente em seus sonhos: uma sombra que parece um homem e, por uma razão que ela não sabe explicar, esse homem se parece com o seu avô. Ela diz que só conhece o avô por fotos, não tendo convivido com ele. No entanto, ela relata que, durante a infância, nutriu imensa curiosidade sobre a figura do avô e que os pais sempre a colocavam para pegar no sono dizendo que, se ela dormisse, o avô viria visitá-la no dia seguinte — ela diz que se sentia enganada com essa promessa. Um dia, ao se referir ao colega de trabalho, cujo nome é Renato, ela o chama de Roberto e, então, lembra que esse é o nome de seu avô. Ela relata que, de alguma forma, aquilo a marcou, mas não consegue entender por quê. Outros elementos que a paciente traz ao longo do tratamento é que ela não tem uma boa relação com a mãe, tem dificuldade para obedecer às condutas sociais e tem dificuldade para se identificar com outras mulheres da mesma idade que ela. Neste capítulo, você pôde acompanhar o desenvolvimento da matriz psicanalítica freudiana. O desenvolvimento da teoria da personalidade em Matriz psicanalítica de Freud 15 Freud é marcado por mudanças significativas no entendimento sobre o psi- quismo humano, sendo as principais delas a descoberta de que a formação dos sintomas tem relação com o componente sexual de alguma situação do passado e a descoberta do inconsciente. Os desdobramentos de todo esse desenvolvimento podem ser percebidos na experiência clínica. A escuta dos pacientes é o meio que legitima as concepções de Freud. A clínica vai demonstrar primeiramente que o método da associação livre é capaz de levar os pacientes a rememorarem a história do sintoma, sem que seja necessária a sugestão pelahipnose. Nesse momento, o paciente recupera em sua história algum componente relacionado a uma questão sexual. Ainda, no que diz respeito à formação da personalidade e à identificação, esses processos se dão principalmente por meio de uma matriz psicosse- xual. Do lado do psiquismo, a formação da personalidade e a identificação relacionam-se com a maneira como as instâncias psíquicas da primeira e da segunda tópicas exercem suas funções e estão relacionadas entre si. O indi- víduo pode ter problemas com a identificação caso o ego não consiga mediar a relação entre o id e o superego. E o ego utiliza seus mecanismos de defesa para contornar a angústia. Já do ponto de vista sexual, o desenvolvimento do indivíduo se dá a partir do desenvolvimento da sexualidade ao longo da vida. Referências FREUD, S. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1980. (Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 5). FREUD, S. A moral sexual “cultural” e o nervosismo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. (Obras completas, v. 8). FREUD, S. Conferências introdutórias à psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. (Obras completas, v. 13). FREUD, S. Estudos sobre a histeria. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 2). FREUD, S. O chiste e sua relação com o inconsciente. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. (Obras completas, v. 7). FREUD, S. O eu e o id. São Paulo: Companhia das Letras, 2010a. (Obras completas, v. 16). FREUD, S. O inconsciente. São Paulo: Companhia das Letras, 2010b. (Obras completas, v. 12). FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise fragmentária de uma histeria (O caso Dora) e outros textos. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. MEZAN, R. Freud, pensador da cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. NASIO, J.-D. O prazer de ler Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. Matriz psicanalítica de Freud16 ONS, S. Tudo que você precisa saber sobre psicanálise. São Paulo: Planeta, 2018. ZIMERMAN, D. E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica, clínica — uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 2009. Leituras recomendadas ZIMERMAN, D. M. Psicanálise em perguntas e respostas: verdades, mitos e tabus. Porto Alegre: Artmed, 2007. ZIMERMAN, D. M. Vocabulário contemporâneo da Psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2008. Matriz psicanalítica de Freud 17 DICA DO PROFESSOR O ego é a mais importante instância nos processos de identificação e de constituição da personal idade. Ele nos protege dos impulsos psíquicos internos que podem causar sofrimentos como tam bém alerta sobre os perigos inesperados do mundo. Para isso existem os mecanismos de defesa. Estes são importantes para você compreender como eles auxiliam o ego na constituição da perso nalidade. Nesta Dica do Professor, você vai entender melhor o papel dos mecanismos de defesa do ego e c onhecer quais são os principais. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. EXERCÍCIOS 1) Freud começou a tratar do sofrimento psíquico antes mesmo de descobrir a psicanáli se. Ele atendia mulheres histéricas usando a hipnose. Com esse método, Freud investi gava as causas do sintoma histérico hipnotizando suas pacientes e sugerindo que elas rememorassem a cena traumática. Somente com o passar do tempo Freud desenvolve u outro método chamado associação livre, que se tornou o método da psicanálise. Em qual dessas situações a associação livre está sendo utilizada? A) Enquanto a paciente falava, a psicóloga interrompeu e pediu para que ela rememorasse alg uma situação com um componente sexual. B) Na primeira sessão de terapia, a psicóloga pediu que a paciente falasse livremente sobre tu do que viesse à mente naquele momento. C) A paciente foi hipnotizada e, depois que os seus sintomas desapareceram, ela escutou atent amente todas as considerações feitas pela psicóloga. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/3bcc966a933994a247e03fdc183f6ac6 D) A psicóloga sugeriu que a paciente falasse apenas sobre as situações recentes do sofriment o que a fizeram procurar a psicoterapia. E) A psicóloga pediu para a paciente falar dos traumas familiares da sua infância e relacioná-l os com situações recentes. 2) Para Freud, o sintoma está relacionado a um situação traumática vivida na infância e com algum componente sexual. Segundo sua teoria, nesse período de desenvolvimento do ciclo vital humano, o psiquismo ainda está em formação, e a criança não consegue interpretar a situação de acordo com a realidade. Ao ser tocada ou estimulada de alg uma forma, com um afago ou um beijo, por exemplo, a criança elabora uma fantasia inconsciente de que está sendo seduzida pelo outro. Ainda sobre a fantasia, vista do p onto de vista da psicanálise, qual das alternativas seguintes é a correta? A) Logo que o bebê nasce, o psiquismo já tem a capacidade de fantasiar diante das situações d o mundo externo e de diferenciar a fantasia dos fatos da realidade. B) A fantasia é uma capacidade de apenas alguns indivíduos, justamente aqueles que sofrem d e sintomas neuróticos no futuro, como o caso das histéricas. C) A fantasia e a realidade são muito diferentes entre si, a primeira tem relação com o inconsc iente e a segunda com o consciente. D) Fantasiar é uma capacidade inata ao psiquismo de todo indivíduo, e nessa experiência não é possível diferenciar a fantasia da realidade. E) O indivíduo começa a fantasiar numa determinada fase da vida, quando já compreende o mundo ao seu redor e diferencia a realidade da fantasia. As descobertas de Freud mudaram de maneira significativa a forma como se entende a constituição da personalidade humana. Antes da psicanálise, a personalidade huma na era compreendida como a consciência do indivíduo. Mas Freud demonstrou que o psiquismo é muito mais complexo do que a consciência era capaz de expressar. Para e xplicar melhor os meandros do psiquismo, Freud elaborou um aparelho psíquico com três instâncias psíquicas: o consciente, o pré-consciente e o inconsciente. A partir do e nunciado, analise as assertivas a seguir: I – Consciente, pré-consciente e inconsciente constituem a primeira tópica freudiana 3) e ocupam um determinado lugar no interior do aparelho psíquico, com funções e rela ções específicas. II - O consciente é responsável pela representação dos conteúdos inconscientes advin dos dos meandros do psiquismo e por isso mesmo está relacionado com parte da form ação do ego. III – O pré-consciente é uma instância secundária, pois o consciente tem a capacidade de selecionar apenas o conteúdo psíquico referente à personalidade de cada um. IV – O inconsciente é a instância mais antiga do nosso psiquismo, nele fica todo o mat erial psíquico que não está localizado nem no consciente nem no pré-consciente. Estão corretas: A) I, II e III. B) I, III e IV. C) I, II e IV. D) apenas I e II. E) apenas II e IV. 4) A segunda tópica freudiana é formada pelo id, ego e superego. Ela foi desenvolvida p ara descrever a constituição do ego e a formação da personalidade por meio dos proc essos de identificação. Antes da formulação da segunda tópica, o ego já era uma noçã o conhecida de Freud, mas era vista como uma instância independente e unitária. Co nsiderando esses aspectos da teoria de Freud, é correto dizer que: A) sem o id as relações do ego com o mundo externo seriam mais fáceis, pois apenas as exigê ncias do superego seriam capazes de mediar essa relação por meio da lei. B) o id e o superego orientam o ego para uma relação estável com o mundo externo, pois ele detém o excesso do ego na constituição da personalidade humana. C) o ego é o lugar de contenção do excesso da energia vinda do psiquismo e das exigências q ue as leis e condutas sociais impõem às relações entre os indivíduos. oego é dependente do id e do superego, por isso ele deixa de ser importante na constituiçã D) o da personalidade para se tornar uma instância secundária. E) as exigências do id e do superego precisam destituir o ego para que suas exigências passe m a formar a personalidade, tornando-as instâncias indispensáveis. De acordo com a teoria da sexualidade de Freud, todo indivíduo tem um corpo sexual izado que se desenvolve com o psiquismo em fases ao longo da vida. Cada umas dessa s fases tem características específicas. Analise as duas colunas de acordo com cada fas e do desenvolvimento psicossexual e os fatos referentes a cada uma delas. Fases do desenvolvimento psicossexual: I) Fase oral II) Fase anal III) Fase fálica IV) Período de latência V) Fase genital Fatos referentes às fases do desenvolvimento psicossexual: A) Nesse momento as questões relacionadas ao convívio social se sobrepõem sobre as questões referentes ao desenvolvimento psicossexual, e as condutas morais começam a se consolidar. B) Como forma de experimentar a satisfação, a criança volta-se para sua experiência de controle das fezes, fazendo a contenção ou expelindo para gerar satisfação na regiã o sensível do anus. C) Os laços sexuais e amorosos costumam acontecer nessa fase, quando o desenvolvi mento sexual passa por todas as fases e as relações com o mundo externo se consolida m como meio de satisfação. D) Os conflitos relativos à sexualidade que podem marcar os indivíduos pelos próxim os anos da vida se iniciam nessa fase do desenvolvimento psicossexual, quando a difer ença anatômica do sexo é marcada. E) As experiências mais simples, como ser amamentado, causam grande satisfação ne ssa fase do desenvolvimento, pois, como é uma fase pré-genital, o estímulo da mucosa 5) causa satisfação. Marque a alternativa em que cada fase do desenvolvimento psicossexual está associad a ao fato correspondente de maneira correta. A) I-E, II-B, III-C, IV-A, V-D. B) I-E, II-C, III-B, IV-A, V-D. C) I-C, II-B, III-D, IV-E, V-A. D) I-E, II-B, III-D, IV-A, V-C. E) I-B, II-E, III-D, IV-A, V-E. NA PRÁTICA A ansiedade é um dos transtornos mais comuns da atualidade relacionado com o estilo de vida e as exigências da época. Mas a ansiedade não é uma doença, ela faz parte da constituição da pers onalidade, alertando para experiências futuras e orientando na relação com o tempo. Ou seja, a a nsiedade é um componente da dinâmica da personalidade. No caso clínico apresentado neste Na Prática, você vai compreender como o transtorno de ansie dade afeta os indivíduos na descrição do seu sofrimento por meio da fala de uma paciente. A par tir desse relato também é possível elaborar algumas considerações sobre como a ansiedade pode ser explicada do ponto de vista dinâmico da constituição da personalidade. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! SAIBA + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professo r: Crônica dos afetos - a psicanálise no cotidiano Este livro traz uma leitura interessante que relaciona a psicanálise com experiências do dia a dia para facilitar ainda mais sua compreensão sobre a teoria. Estude a Parte 1, Casos clínicos e algu ma técnica, em que você vai conhecer melhor as técnica e a teoria psicanalítica a partir de caso s, exemplos e crônicas do autor. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. Psicanálise em perguntas e respostas: verdades, mitos e tabus O que você gostaria de saber sobre a psicanálise? As respostas sobre seus questionamentos, seus mitos e suas verdades são revelados neste livro escrito no modelo de perguntas e respostas para f acilitar a sua compreensão. Na Parte II, Psicanálise e Psicoterapias: Esclarecimentos, você vai conhecer o desenvolvimento da psicanálise e sua diferença das outras psicoterapias. Confira. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. Corpo e sintoma no paciente somatizador: uma visão psicodinâmica Você sabe o que significa somatizar? É quando o sintoma psíquico se manifesta no corpo. Para c ompreender melhor como o sintoma se constitui no corpo, leia este artigo. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. O transtorno de ansiedade na perspectiva da psicanálise A ansiedade é um transtorno cada vez mais comum nos dias atuais e é fundamental que você est ude como ele é interpretado do ponto de vista da psicanálise. Neste artigo, você vai entender o tr anstorno de ansiedade a partir de uma perspectiva psicanalítica. https://viewer.bibliotecaa.binpar.com/viewer/9788582712764/parte-1-casos-clinicos-e-alguma-tecnica https://viewer.bibliotecaa.binpar.com/viewer/9788536312293/59 https://www.scielo.br/j/agora/a/QFfMmgxVS4xKHRbvLtFxQLH/#:~:text=Ele%20parte%20do%20pressuposto%20de,a%20viol%C3%AAncia%20nas%20rela%C3%A7%C3%B5es%20primitivas. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. Qual é a diferença entre psicologia e psicanálise? O canal do professor Christian Dunker, um dos grandes psicanalistas do Brasil, oferece explicaç ões didáticas num tom descontraído sobre os principais conceitos da psicanálise, além de revelar várias histórias e curiosidades sobre a teoria desenvolvida por Freud. Neste vídeo, o psicanalista fala sobre uma dúvida muito comum: a diferença entre psicologia e psicanálise. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/transtorno-de-ansiedade https://www.youtube.com/embed/ewn8DBJ-Viw
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