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Nietzsche e Espinosa semelhanças no seu pensamento

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5 semelhanças entre Nietzsche e Espinosa
Estou totalmente estupefato, maravilhado! Tenho um precursor, e que precursor! Eu não conhecia quase nada de Espinosa: que eu seja agora impelido a ele, foi um ‘ato instintivo’. Não só sua tendência geral é a mesma que a minha – fazer do conhecimento o mais potente dos afetos -, como me reencontro em cinco pontos capitais de sua doutrina; este pensador, o mais fora da norma e solitário, é-me nesses aspectos justamente o mais próximo […] In summa: minha solidão, que, como sobre o cume de elevadas montanhas, tantas e tantas vezes tornou minha respiração difícil e me fez sangrar, é, ao menos agora, uma ‘dualidão'”
– Carta de Nietzsche a Overbeck, 30 de julho de 1881
Nietzsche e Espinosa são dois filósofos essenciais para o Razão Inadequada, seus pensamentos atravessam os textos quase que integralmente. Não diríamos que são onipresentes, mas certamente muito importantes, e por isso vale a pena investigar como seus pensamentos se relacionam. Cada um usa métodos diferentes para se expressar. Espinosa escreve de modo geométrico, procurando encontrar as essências que remetem apenas a si mesmas. Já Nietzsche utiliza o método genealógico e aforismático, perguntando pelo valor dos valores. Foi Deleuze quem mais fortemente viu estas relações, as implicações destes dois filósofos o levou a trabalhar com suas teorias.
· A grande questão é que Espinosa cola o homem novamente na imanência, suas ideias implicam abolição completa de qualquer valor superior. Com Espinosa, entramos na imanência absoluta, Deus é a natureza. 
Já Nietzsche, apesar de procurar superá-lo, elogia Espinosa como um de seus predecessores, que inocentou completamente o devir. Dentro de suas teorias, várias aproximações e afastamentos são possíveis; dentre elas, escolhemos cinco semelhanças:
1. Negação do livre-arbítrio: A ilusão da separação entre o possível e o necessário é um artigo de fé que impregnou nossa filosofia.
 Para Espinosa, somente os ignorantes acreditam no livre-arbítrio, exatamente porque ignoram as causas do seu querer. Tudo no mundo é necessário, não há distância entre o dever-ser e a realidade, portanto, entender claramente o que é necessário é o caminho para a liberdade: ontologia do necessário. O medo, a insegurança, nos levam à impotência e à superstição, quanto mais imaginamos um livre-arbítrio para escolher, mais nos escravizamos. A verdadeira liberdade é a proximidade máxima de nossa potência com nossa capacidade de acontecer. 
O livre-arbítrio foi usado desde sempre – por padres e juízes – para condenar o homem. Culpar o homem por aquilo que se é! Mas quem pode nos julgar? “Nós negamos Deus, nós negamos a responsabilidade em Deus: apenas assim redimimos o mundo” (Nietzsche). Só aquele que acha que poderia ter sido diferente perde seu tempo pensando sobre o livre-arbítrio.
2. Negação da teleologia e das causas finais: se o ser humano não possui livre-arbítrio, age necessariamente, então não podemos julgá-lo caso não se oriente para alguma finalidade. Mas há finalidade? Outra denúncia de Nietzsche e Espinosa, para quem o anti-finalismo era integral. A ignorância das causas e efeitos gera a superstição. O medo e a insegurança nos tornam cativos de entidades supra-sensíveis que supostamente regulariam o mundo. O raciocínio final e absolutamente fantasioso é este: “Deus fez os homens para servi-lo e a natureza para servir ao homem“. 
Um mundo antropocêntrico ( concepção que considera a humanidade como centro do universo )cria um Deus e uma natureza utilitaristas. A impotência busca asilo no finalismo, e o fraco espera recompensas de Deus por seu bom comportamento. Mas Deus não age por fins, age por sua própria potência que se confunde com sua essência: “Deus, ou a natureza” se misturam, os fins já se encontram nos meios, a causa se mistura com o efeito. 
A lógica divina, em Espinosa, confunde-se com a imanência absoluta, ou o mar de forças, de Nietzsche. Não há céu, nem inferno, nem um Deus para dizer se o que fizemos foi certo ou errado; o devir explicado por ele mesmo, como fim em si mesmo.
3. Negação da ordem moral do mundo: o poder teológico e político, acreditem ou não, até hoje se misturam; mesmo com a morte de Deus, mas o trono ainda está vago e é ocupado por toda sorte de absurdos, um deles é a moral. “A moral induz o indivíduo a tornar-se função do rebanho e a não atribuir-se valor a não ser como função […] a moralidade é o instinto de rebanho no indivíduo” (Nietzsche, Gaia Ciência, §116). 
Ordem Moral do Mundo e senso comum se misturam, é o desejo submetido à forma, é a impotência de agir que se sujeita a valores que não são seus. Soa absurdo aos ouvidos iludidos, ou falsamente abastados, que esta ordem imposta de fora para dentro possa não trazer satisfação. Mas a nós, é preciso uma transvaloração dos valores, seguir novos caminhos, não na perspectiva de uma razão reta e infalível, mas sim através da pura potência. Parar de julgar, parar de tentar controlar o devir. O homem se refugia naquilo que o limita, sua moral protege mas o enfraquece e lhe tira as intensidades! Negar a ordem moral do mundo é abrir as portas para as potências, aumentar as intensidades, habitar os devires: permitir ao homem tornar-se o que é.
4. Negação do desinteresse: as filosofias de Espinosa e Nietzsche são a mais pura das afirmações, logo conclui-se pela abolição de qualquer forma de niilismo fraco e ressentido, como o asceticismo do desinteresse. 
A rigor, o desinteresse é uma mentira, apenas se quer aquilo que está muito distante, em outro mundo, tão longe que é nada. Para Nietzsche e Espinosa, todo querer é uma força que se expressa, então afirma a si própria na expressão. Espinosa resumiu perfeitamente o argumento para negar o desinteresse ao desenvolver o conceito de conatus: “toda coisa se esforça, enquanto está em si, por perseverar no seu ser” (Ética III, prop. 6). Faz parte da essência de qualquer coisa o esforço para continuar em si, e mais, o esforço para fazer mais conexões, aumentar sua perfeição e sua potência sendo capaz de experimentar e afetar mais coisas. 
Mas o desinteresse não é egoísmo puro, passamos do “eu” ao “nós” sem nenhuma necessidade de imposição moral; a coordenação das forças com outros indivíduos que nos potencializem faz parte da ideia de afirmação. E também egoísmo e desinteresse são coisas diferentes, o Ego é fruto do poder e da sujeição; O paradoxo em Nietzsche está em afirmar um “egoísmo sem ego”; recusar o ego, a unidade, significa afirmar a pluralidade de forças que constitui o sujeito. À força, só interessa afirmar a si mesma, se tudo é força, então não há desinteresse.
5. Negação do mal: a negação do mal é a consequência da crítica da moral e dos valores. O mal seria aquilo que foge à forma, o singular que não se submete. Não existe mais bem e mal, mas isso não significa prescindir de qualquer valor. Espinosa ainda nos ensina sobre os bons e maus encontros: bom-encontro é aquilo que aumenta minha potência e minha sensação de felicidade, mau-encontro é aquilo que diminui minha potência, gerando tristeza. Não há niilismo algum, apenas os critérios de avaliação são o próprio encontro. Mal é o mau-encontro, e só. E isso da perspectiva singular do homem porque na natureza como um todo só há composição, não há maldade.Como disse Nietzsche, “para além do bem e do mal não significa para além o bom e do ruim” (Nietzsche, Genealogia da Moral); ainda se fazem valorações, mas agora sempre pensando na potência e não em um critério exterior e moral para julgar as coisas.
1. O antropocentrismo é uma concepção que considera a humanidade como centro do universo, que é avaliado de acordo com a sua relação com o ser humano.

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