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HISTÓRIA DAS RELIGIÕES Professor Dr. Fábio Augusto Darius Professor Me. Augusto João Moretti Junior Professora Me. Veroni Friedrich GRADUAÇÃO Unicesumar Acesse o seu livro também disponível na versão digital. https://appgame.unicesumar.edu.br/API/public/getlinkidapp/3/141 C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; DARIUS, Fábio Augusto; JUNIOR, Augusto João Moretti; FRIEDRICH, Veroni. História das Religiões. Fábio Augusto Darius; Augusto João Moretti Junior; Veroni Friedrich. Maringá-Pr.: Unicesumar, 2019. Reimpressão 2021. 248 p. “Graduação - EaD”. 1. História. 2. Religião. 3. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-1708-3 CDD - 22 ed. 201.9 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Diretoria Executiva Chrystiano Minco� James Prestes Tiago Stachon Diretoria de Graduação Kátia Coelho Diretoria de Pós-graduação Bruno do Val Jorge Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Débora Leite Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas Gerência de de Contratos e Operações Jislaine Cristina da Silva Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisora de Projetos Especiais Yasminn Talyta Tavares Zagonel Coordenador de Conteúdo Priscilla Campiolo Manesco Paixão Designer Educacional Hellyery Agda Gonçalves da Silva Lilian Vespa da Silva Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Ilustração Capa Bruno Pardinho Editoração Victor Augusto Thomazini Qualidade Textual Silvia Caroline Gonçalves Ilustração Bruno Pardinho Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não somen- te para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pi- lares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educa- dores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a quali- dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis- cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. CU RR ÍC U LO Professor Dr. Fábio Augusto Darius Doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo, na área “Teologia e História” (2014/1) e pesquisador de História da Igreja. Possui mestrado nessa mesma instituição (2010/1) e graduação em História pela Fundação Universidade Regional de Blumenau FURB (2006/2). Docente no Centro Universitário Adventista de São Paulo, campus Engenheiro Coelho, no Mestrado Profissional em Educação, Faculdade Adventista de Teologia (FAT) e Licenciatura em História. Link: <http://lattes.cnpq.br/6296009029079452> Professor Me. Augusto João Moretti Junior Doutorando em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em História das Ideias e das Instituições (2015) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Possui graduação em História pela mesma universidade. Membro do Laboratório de Estudos Medievais (LEM). Professor de História do Colégio Santa Cruz, professor de História na Faculdade Santa Maria da Glória e do curso de História no Ensino a Distância na Unicesumar. Link: <http://lattes.cnpq.br/1242626722779768> Professora Me. Veroni Friedrich Mestre em História com concentração no tema “Patrimônio Cultural”. Graduada em História pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista em História e Ensino das Religiões e Religiosidades. Docente da Educação Básica do Estado do Paraná e da Instituição Unicesumar (Maringá-PR). Estuda os temas: Patrimônio Cultural, Ensino de História e Religiões. É membro do grupo de pesquisa “Grupo de apoio à docência e pesquisa em História”. Link: <http://lattes.cnpq.br/9372802268982053> SEJA BEM-VINDO(A)! Olá, caro(a) acadêmico(a) de História. É com muita satisfação e alegria que apresento a vocês o livro de História das Religiões da Unicesumar. Antes de mais nada, gostaria de lembrar que esse livro foi escrito por três professores, na busca constante por apresen- tar-lhes o melhor material possível, capaz de ajudá-lo nessa desafiadora jornada que é a graduação em História. O nosso livro é dividido em cinco unidades e cada uma delas busca uma abordagem de religiões distintas, importantes para a sua formação enquan- to Historiador. Sendo assim, nossa Unidade I é de extrema importância, pois fornecerá as bases teóricas e metodológicas, analisaremos o que realmente é a História das Religi- ões e quais são as possíveis formas científicas de analisá-la. Feita esta contextualização teórica, a Unidade II é encarregada de explicar a vocêo sur- gimento das grandes tradições religiosas mundiais, a saber o hinduísmo, o budismo, o judaísmo e, por fim, islamismo. Devido ao caráter protagonista que o cristianismo exer- ceu em todo o ocidente a partir da crise do Império Romano do Ocidente, achamos melhor o desenvolvimento de uma unidade inteira acerca dessa religião, a Unidade III, contemplando o seu surgimento, desenvolvimento ao longo de toda Idade Média, pas- sando pela Reforma Protestante até as características dela no período contemporâneo. Feito a abordagem desses sistemas religiosos, preparamos para você uma unidade es- pecífica acerca das religiões brasileiras, como as tradições indígenas, as religiões de raiz africana, como o Candomblé e Umbanda, bem como o surgimento e desenvolvimento do espiritismo moderno. Essa unidade tem o objetivo de desmistificar uma série de pre- conceitos existentes. Por fim, preparamos para você uma unidade sobre o Ensino Religioso, na qual são apre- sentadas e analisadas todas as informações necessárias para que você possua as condi- ções necessárias de ocupar o cargo de professor(a) de Ensino Religioso em sua escola. Dito isso, convido você para iniciarmos os nossos estudos acerca desse tema tão impor- tante e fascinante. Forte abraço e bons estudos! APRESENTAÇÃO HISTÓRIA DAS RELIGIÕES SUMÁRIO 09 UNIDADE I HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA 15 Introdução 16 História da Religião: Um Domínio da Ciência Humana 19 Religião Como Instituição 21 Origens e Desenvolvimento da História das Religiões 31 A Fenomenologia e a História das Religiões 37 A Escola Italiana de História das Religiões 41 História da Religião e a Filosofia Existencialista 53 Considerações Finais 61 Referências 63 Gabarito UNIDADE II NASCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DE GRANDES TRADIÇÕES RELIGIOSAS: HINDUÍSMO, BUDISMO, JUDAÍSMO E ISLAMISMO 67 Introdução 68 O Hinduísmo e a Busca por Elevação Pessoal 76 O Budismo: A Busca e o Encontro do “Caminho do Meio” 82 A História do Judaísmo 90 Maomé e a Impossibilidade de Compreensão de Deus 96 Considerações Finais 105 Referências 106 Gabarito SUMÁRIO 10 UNIDADE III BREVE HISTÓRIA DO CRISTIANISMO: NASCIMENTO, DESENVOLVIMENTO E TRANSFORMAÇÕES 109 Introdução 110 Nascimento do Cristianismo Enquanto Religião Institucionalizada 118 A Igreja Católica na Idade Média; a Patrística e a Escolástica: o Desenvolvimento da Filosofia Cristã Medieval 131 Reforma Protestante: Nascimento e Consolidação de Novas Vertentes Cristãs; os Pré-Reformistas e Martinho Lutero 143 A Igreja Católica Frente à Modernidade e à Contemporaneidade 148 Considerações Finais 159 Referências 160 Gabarito SUMÁRIO 11 UNIDADE IV RELIGIÕES INDÍGENAS, AFRO-BRASILEIRAS E O ESPIRITISMO 163 Introdução 164 A Religião e os Povos Indígenas Brasileiros 171 Antecedentes Africanos da Religiosidade Brasileira 175 Religiões Afro-Brasileiras: Candomblé e Umbanda 181 Os Espíritos do Espiritismo e o Nascimento da “Religião da Razão” 189 Considerações Finais 200 Referências 202 Gabarito SUMÁRIO 12 UNIDADE V O SAGRADO EM SALA DE AULA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A DISCIPLINA ENSINO RELIGIOSO 205 Introdução 206 Ensino Religioso: O que é, Aspectos Organizacionais, Fundamentos e Alguns Desafios Desta Disciplina 218 A Disciplina Ensino Religioso: Um Caminho Para a Promoção da Alteridade 227 Metodologias e Recursos Pedagógicos à Docência em Ensino Religioso 238 Considerações Finais 244 Referências 247 Gabarito 248 CONCLUSÃO U N ID A D E I Professor Dr. Fábio Augusto Darius Professor Me. Augusto João Moretti Junior HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Objetivos de Aprendizagem ■ Compreender a História das Religiões como uma ciência humana. ■ Analisar a origem e o desenvolvimento da disciplina de História das Religiões no séculos XIX e XX. ■ Identificar e compreender a diversidade de interpretações, de abordagens e de escolhas teórico-metodológicas na produção de conhecimento em História. ■ Definir e analisar a vertente fenomenológica e sua importância para o estudo da História das Religiões. ■ Compreender a visão histórica da Escola Italiana de História das Religiões ■ Analisar a relação entre a necessidade de se estudar a História da Religião para compreender a crise existencialista humana. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ História da Religião: um domínio da ciência humana ■ Religião como Instituição ■ Origens e desenvolvimento da História das Religiões ■ A Fenomenologia e a História das Religiões ■ A Escola Italiana de História das Religiões ■ História da Religião e a Filosofia Existencialista INTRODUÇÃO Olá, querido(a) aluno(a). Seja bem-vindo(a) à primeira unidade de nosso livro de História das Religiões. Nesta unidade, estudaremos um assunto que é de fundamental importância para qualquer estudante de História: Teoria e Metodologia. Perceberemos, ao longo dessa unidade, que a disciplina de História das Religiões difere-se em alguns elementos das outras disciplinas estudadas no curso de História. Ao contrário de áreas como História Antiga, Medieval ou Contemporânea, que situam o estudo da História em um espa- ço-tempo, a disciplina de História das Religiões, na verdade, é um domínio específico da História. Sendo assim, caro(a) aluno(a), é necessário que se faça nessa Unidade I uma contextualização teórica e metodológica desse domínio para que, assim, sejamos capazes de compreender as diversas particularidades que fazem essa disciplina única. Por motivos didáticos, decidimos dividir essa unidade em seis tópicos. Inicialmente, discutiremos a importância de compreender a História como uma ciência, em suas variadas metodologias e teorias, que fazem dessa ciência (História) uma das mais complexas e, ao mesmo tempo, interessante e aberta área do conhecimento humano. Busca-se nesse início compreender por que a História das Religiões configura-se como um domínio específico da História. No segundo momento, de forma sucinta, explicaremos como é possível a aná- lise de uma religião por meio de uma abordagem institucionalista, ao mesmo tempo em que diferenciamos os conceitos de religião e de seita. No terceiro momento analisamos todo o percurso científico iniciado no século XIX, que propiciou a criação da Ciência das Religiões e da História das Religiões. A partir dessa busca pelas suas origens, abordaremos no quarto e quinto tópico metodologias e teorias científicas específicas para o estudo das reli- giões. Por fim, fechamos o nosso texto, contemplando a relação entre a religião e a filosofia existencialista que tenta atenuar as angústias do homem moderno. Acompanhe-nos nessa busca pelo conhecimento! Sapere Aude! Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 HISTÓRIA DA RELIGIÃO: UM DOMÍNIO DA CIÊNCIA HUMANA Caro(a) aluno(a), iniciamos nossa unidade com uma ideia fundamental para as nos- sas discussões e, em consequência, para a sua formação enquanto historiador: “Não se pode improvisar historiadores!” Essa frase tem como intuito alertar aos estudan- tes de História sobre a importância das considerações teóricas e metodológicas que comprovam o caráter científico da disciplina. Se quisermos realmente fazer e compre- ender o conhecimento histórico é necessário estudá-la enquanto uma ciência que é. Você provavelmente está se perguntando como é possível realizar tal feito. Nesse quesito, caro(a) aluno(a), posso lhe afirmar com a mais absoluta certeza de que não existe outro caminho a não ser o conhecimento adequado acerca das metodologias e teorias históricas. A partir da fundamentação teórica você serácapaz de entender e, até mesmo, aplicar essa cientificidade à disciplina. Sabe-se que o caráter teórico das disciplinas de História é a parte mais com- plexa de ser compreendida. Todavia, peço a você que se dedique intensamente nessa unidade, pois trataremos dessas questões da forma mais didática possível. Volto a afirmar: não se pode apreender ou escrever História sem os aportes teóri- cos e metodológicos corretos e necessários. Afinal, são esses suportes estruturais que diferenciam a História da estória, ou ainda o que os ingleses sabiamente dife- renciam em sua língua, history e story. História da Religião: Um Domínio da Ciência Humana Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 De acordo com Paul Veyne (1983), a narração e a compreensão não bastam para o historiador, é necessário a criação de uma inteligibilidade científica. Na História, é preciso determinar as constantes para poder explicá-la “cientificamente ao invés de restringir-se a narrá-la superficial e ilusoriamente” (1983, p. 20). As constantes teóricas permitem escrever a História à luz das ciências dos homens. Nesse momento, você pode estar se perguntando por que teremos uma uni- dade relativa à teoria no livro de História das Religiões. Uma dúvida plausível, todavia, a explicação é bastante simples. Quando estudamos as disciplinas de História Antiga, História Medieval, História Moderna, História Contemporânea, etc., nós analisamos um período específico e dentro deles é possível estudar os mais diversos domínios da História. Entre esses domínios da História podemos citar a História Econômica, História Social, História das Ideias, História Cultural, História das Religiões e das Religiosidades etc. Perceba, caro(a) aluno(a), que essa disciplina trabalha um domínio da História específico ao longo dos séculos e, como um domínio, ela possui seus próprios modelos teórico-metodológicos específicos para ser analisada; entre eles, podemos elencar a Fenomenologia, a Escola Italiana de História das Religiões e o método comparativo, a História das ideias ou, ainda, a História das instituições. Por conseguinte, essa unidade teórica é fundamental para o desenvolvimento e compreensão da disciplina de História das Religiões. Durante o século XX, a História, enquanto ciência, passou por uma crise dos seus paradigmas e seu caráter científico foi questionado em relação à sua capacidade de atingir a realidade. Questionou-se a diferença da História e das narrativas literárias. Procuramos responder a essa pergunta da forma mais simples possível. De acordo com Paul Ricouer (2007), um primeiro ele- mento que diferencia a História da ficção é o “pacto” implícito realizado en- tre escritor e leitor – diferente da narrativa de ficção, o leitor de uma obra histórica espera um discurso plausível, honesto e verídico. Um segundo ele- mento, apontado por Roger Chartier (2002), é a dependência do Historiador com os arquivos, os documentos, os critérios da cientificidade e operações técnicas – teoria e metodologia – que são próprias do ofício do historiador. Fonte: os autores. HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 Antes de adentrarmos nessa discussão teórica a respeito da disciplina de História das Religiões, é importante que façamos a seguinte pergunta: o que sig- nifica o termo/conceito religião? De acordo com Jacques Derrida (2000), definir a palavra religião etimologi- camente não é uma tarefa fácil, pois, nem sempre houve, e ainda nos dias atuais também não há: “algo, uma coisa una e identificável, idêntica a si mesma que leve religiosos e/ou irreligiosos a ficar de acordo para lhe atribuir o nome de ‘religião’” (DERRIDA; VATTIMO, 2000, p. 52). O autor explica que nos povos indo-eu- ropeus não há um termo comum para o que atualmente chamamos de religião. Isso ocorre porque os povos indo-europeus não concebiam a “religião” como uma instituição à parte, ela seria algo presente em toda vida, logo, não poderia ser designada por um termo específico. Todavia, o termo atual foi formulado a partir da língua latina e dois termos teriam dado origem à palavra religião com o sentido que temos hoje. O primeiro seria o conceito de Cícero relegere, e o segundo de Lactâncio e Tertuliano, religare. De acordo com Jacques Derrida, são conceitos de etimologia “inventada pelos cristãos”, e que liga a religião precisamente ao ligamento do “dever e obrigação dos homens entre si ou entre estes e Deus” (DERRIDA, VATTIMO, 2000, p. 53). Se tivéssemos que definir religião de uma forma mais clara e objetiva, tería- mos que dividir essa compreensão em duas partes, uma em sentido real objetivo e outra de sentido real subjetivo. De acordo com Irineu Wilges (1994, p.15): Em sentido real objetivo, religião é o conjunto de crenças, leis e ritos que visam um poder que o homem, atualmente, considera supremo, do qual se julga dependente, com o qual pode entrar em relação pes- soal e do qual pode obter favores. Em sentido real subjetivo, religião é o reconhecimento pelo homem de sua dependência de um ser supre- mo pessoal, pela aceitação de várias crenças e observância de várias leis e ritos atinentes a esse ser. De acordo com Waldomiro Piazza (1983), não se pode falar de religião como se houvesse apenas uma, de sentido universal e que evoluiu desde o início da humanidade até os nossos dias. O correto é falar em religiões no plural, que desempenharam ou desempenham um papel marcante na humanidade. Todavia, não podemos negar que as religiões, por mais diferentes que sejam, possuem ele- mentos em comuns bem definidos. Religião Como Instituição Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 RELIGIÃO COMO INSTITUIÇÃO Propomos nessa unidade uma análise da História das Religiões enquanto uma ciência histórica. Todavia, antes de adentrarmos à aná- lise sobre a formação desse domínio da História, gostaríamos de explicar a nossa concepção das religiões enquanto uma instituição. Concepção essa utilizada em nossas aulas como forma de compreender a História. A pesquisa histórica a partir do estudo das instituições se justifica, porque estas repre- sentam as mais variadas relações com os contextos históricos em que foram produzidas. Entendidas como órgãos ou práticas sociais, as instituições oferecem uma gama muito variada de pesquisa. Nesse sentido, a História das instituições possibilita não só o entendimento de estruturas políticas ou religiosas, mas tam- bém de conjuntos de pensamentos, que agem na História em períodos de curta, média ou longa duração, atuando em processos de mudanças ou permanências. Você sabe o que significa uma História de curta, média ou longa duração? Tenta- mos, rapidamente, explicar-lhe. Esse tema foi debatido pelo importante Historia- dor Fernand Braudel, que explicava que um fato não poderia ser compreendido de forma isolada, mas sim de forma múltipla e simultânea, ou seja, levando o his- toriador a se voltar para todo contexto em torno do fato. Para explicar sua teoria, Braudel formulou os conceitos de curta, média e longa duração. A curta duração seria o fato em si, ou tempo que este fato durou. No caso de uma guerra, por exemplo, seria o tempo de sua duração. A média duração seria o contexto que envolveu esse fato, as últimas décadas chegando a mais ou menos meio século antes do fato em si. Quanto à longa duração, a análise se voltaria a tempos mais longínquos, buscando compreender assuntos que ultrapassam a guerra, mas que a influenciaram de forma indireta por meio da cultura daquela sociedade. Fonte: os autores. HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D AD E20 Figura 1 - Basílica de São Pedro - Vaticano, Roma Fonte: arquivo pessoal. Não consideramos as instituições apenas como algo burocrático e físico, como os templos religiosos, mas sim toda forma organizada e coerente de pensa- mento, mesmo sem ser formalizada burocraticamente e sem possuir estruturas materiais fixas. Assim, compreendemos as religiões como instituições, pois são formas organizadas de pensamento, ritos e ideias que se propagam ao longo dos séculos, sofrendo alterações maiores ou menores dependendo do contexto no qual estão inseridas. Você sabe a diferença entre os conceitos de religião e seita? De acordo com o Léxico das Religiões de Franz König e Hans Waldenfels, o termo seita vem do latim secta, de seguir. De acordo com os autores, “ele espelha o confron- to de igrejas e religiões como minorias dissidentes, que são julgadas como heréticas e ilegítimas e, por sua vez frequentemente negam legitimidade às organizações mães”. Fonte: Wandenfels (1995). Origens e Desenvolvimento da História das Religiões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DA HISTÓRIA DAS RELIGIÕES Caro(a) aluno(a), como foi indicado anteriormente, a História das Religiões e Religiosidades constitui-se como um domínio específico da História. Todavia, nós, enquanto historiadores, precisamos estar cientes de que nem sempre foi assim. Esse campo teórico-metodológico é relativamente recente, sendo que os esfor- ços para tornar os estudos acerca da religião uma ciência iniciaram-se apenas no século XIX, com outras disciplinas que não eram necessariamente a História. Nesse momento, é importante compreendermos a trajetória realizada pela nossa disciplina na formação de seus objetos e metodologias próprios. Inicialmente, faremos uma análise dos primeiros esforços, passando pelas suas fases iniciais e as contribuições de outras áreas, como a sociologia. Como explica José Severino Croatto (2001), o fato religioso pode ser estudado por todas as ciências humanas ou sociais, sendo que cada uma delas possui um olhar particular. Sabe-se que desde o fim da Idade Média, no século XV, a intelectuali- dade europeia iniciou um processo de racionalização da compreensão da sociedade e, de forma mais abrangente, do mundo como um todo. Com o passar dos séculos e o fortalecimento do movimento Iluminista no século HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 XVIII, cada vez mais a razão ganhou destaque para explicar os fenômenos naturais e sociais que estavam e até hoje estão presentes no nosso dia a dia. A formação da disciplina de História das Religiões foi resultado desse con- texto do século XIX, período no qual a sociedade europeia vivia um processo de dessacralização e racionalização. De acordo com Giovanni Filoramo e Carlo Prandi (1999), as ciências vol- tadas para o estudo da religião tiveram início no século XIX, período no qual tanto as ciências humanas quanto as ciências naturais passavam por um pro- cesso de ramificação, uma consequência direta das transformações pelas quais o ocidente europeu passava, das quais podemos citar: a Revolução Industrial e o Imperialismo. Somadas, essas mudanças proporcionaram ao europeu o con- tato com diversas culturas diferentes ao redor de todo mundo, exigindo assim, novas ferramentas de análises socioculturais para compreender por exemplo, as diferentes religiões das quais estavam entrando em contato naquele momento. Somava-se à dessacralização da sociedade europeia o declínio da hege- monia cristã, o contato com as novas religiões e a ânsia de compreendê-las. O homem do século XIX buscava compreender não somente uma religião específica, mas também a religiosidade do homem e o fenômeno religioso em si. Esses diversos elementos contribuíram para o advento no século XIX de uma nova disciplina, a História das Religiões que inicialmente fazia parte ainda, da(s) Ciência(s) da Religião. Caro(a) aluno(a), antes de adentrarmos especificamente na formação da dis- ciplina de História das Religiões, é de extrema importância compreendermos o papel que outras disciplinas tiveram na formação das ciência das religiões e, consequentemente, no domínio histórico trabalhado nesse livro. A historiogra- fia, que realiza um resgate da origem da História das Religiões ou da Ciência da Religião, em algum momento apresenta a importância da Sociologia para os estudos iniciais desse nosso campo de estudo. Sendo assim, acreditamos que seja fundamental para a sua formação um breve conhecimento acerca dos estudos sociológicos, que foram pioneiros nos estudos da religião enquanto uma ciência. No século XIX, boa parte dos sociólogos foram influenciados pelo positivismo e evolucionismo. Por meio dessas teorias, buscavam compreender o desenvolvi- mento ou mesmo a “evolução” religiosa da humanidade. Ou seja, inicialmente os Origens e Desenvolvimento da História das Religiões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 estudos sociológicos da religião foram realizados com o objetivo de demonstrar a evolução das religiões e a sua ligação com as estruturas sociais, buscava-se nas religiões ditas mais “primitivas” os elementos iniciais das sociedades religiosas. Pois, compreendendo as características iniciais entenderia-se o desenvolvimento necessário para alcançar o que eles denominavam de uma religião mais desen- volvida, como o caso apontado por Max Weber do protestantismo. Para a sua melhor compreensão do tema, façamos uma breve recuperação acerca dessas análises que privilegiavam o papel social da religião e ajudaram a consolidar um novo campo do conhecimento, que se estrutura no século XIX e início do XX: a Sociologia. Como apresentado anteriormente, durante o século XIX, devido ao Imperialismo, os europeus entraram em contato com outras culturas e povos de uma forma mais frequente e ativa. Esse contato fez com que diversas teorias criassem uma hierarquia política e cultural entre os povos; entre essas teorias devemos dar destaque ao discurso positivista e evolucionista, que analisou os diferentes sistemas religiosos encontrados naquele século. O positivismo foi baseado nas ideias de Auguste Comte (1798-1857) e sua teoria dos três Estados, que, segundo Jacqueline Hermann (1997), era consti- tuída por três fases, estados ou atitudes mentais: o teológico, o metafísico e o positivo – uma fase final que superaria as hipóteses religiosas e metafísicas, e as substituiria pelas explicações científicas. Logo, caro(a) aluno(a), como podemos perceber, a teoria positivista pregava por um contínuo progresso da sociedade, fosse ele político, tecnológico, cultural e, também, religioso. A teoria sociológica positivista de Comte, aliada à teoria evolucionista de H. Spencer (1820-1903), também do século XIX, influenciou os estudiosos das ciências das religiões daquele período. Entre eles, podemos citar Edward Burnett. B. Tylor (1832-1917), que, acreditando nesse progresso das religiões, desenvol- veu teorias a respeito das culturas e religiões primitivas em sua obra Primitive Culture (1871). De acordo com Mircea Eliade: O livro de E.B. Tylor, Primitive Culture, que fez época ao lançar uma nova moda, a do animismo: para o homem primitivo, tudo é dotado de uma alma, e essa crença, fundamental e universal não só explicaria o culto dos mortos e dos antepassados, mas também o nascimento dos deuses (ELIADE, 1992, p. 11). HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 Desta forma, o animismo para Tylor era a característica original da criação reli- giosa, a qual, por meio de um processo evolutivo,chegaria ao politeísmo e, em seguida, ao monoteísmo. Outro pensador que propagou esses mesmos ideais evolucionistas da religião foi Sir James George Frazer (1854-1941), na obra The Golden Bough (O Ramo de Ouro), de 1890. De acordo com Filoramo e Prandi (1999, p. 28), os trabalhos de E. B. Tylor e James Frazer: Propunha-se evidenciar os tipos recorrentes de crenças e rituais reli- giosos, estabelecer sua ordem evolutiva, de modo que permite que se respondesse à pergunta fundamental que dominava todas as pesquisas da época: qual a origem da religião? É importante lembrarmos que os povos de religião animista analisados por Tylor e Frazer eram tribos da Austrália, da Malásia, entre outras. No animismo dessas populações, as práticas religiosas são atreladas à necessidade de superação de suas dificuldades materiais imediatas; assim, a religião possuía para esses povos um sentido pragmático. O professor de História das Religiões da Universidade de São Paulo (USP), Adone Agnolin, realiza uma advertência acerca do sistema desenvolvido por E. Tylor e J. Frazer. De acordo com Agnolin (2008), na teoria animista, as religiões não eram analisadas de acordo com suas dimensões históricas, sendo resumi- das a mero sistema classificatório, não analisando de fato aquela religião e suas particularidades. De acordo com Eliade (1992), outros movimentos surgiram durante o século XIX que, assim como Tylor e Frazer, buscavam explicar as origens das religiões. Entre eles Émile Durkheim (1858-1917) que, a partir da análise da vida religiosa dos aborígenes australianos, afirmou ser o totemismo a explicação sociológica da religião, podendo ser considerada a primeira forma religiosa e não o animismo apontado por Tylor (ELIADE, 1992). Acerca das ideias religiosas de Émile Durkheim, em sua obra As formas elementares da vida religiosa (1912), o sociólogo estabeleceu a religião como uma forma de coesão social. Durkheim estruturava a sociologia como uma disciplina positiva e objetiva, absorvendo a base evolucionista comteana. Origens e Desenvolvimento da História das Religiões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 Tentou desenvolver um sistema metodológico que fosse capaz de identificar as leis de funcionamento das sociedades e dos diferentes grupos que a com- põe. Jacqueline Hermann explica que Durkheim analisava os casos religiosos mais simples, totemismo, e ia para os mais complexos, que seria a sociedade européia de seu tempo. O sociólogo buscava compreender a leis que regiam o funcionamento das sociedades (HERMANN, 1997). Todavia o já citado Frazer demonstrou em seus trabalhos que o totemismo não se difundiu por todo mundo, desta forma não poderia ser considerado a forma de religião mais antiga. Caro(a) aluno(a), não se esqueça que a sociologia buscava estruturas sociais que pudessem explicar o processo de desenvolvimento, ou mesmo, de evolução das religiões. Por isso, essa busca pelas características que seriam a origem das religiões, como vimos o animismo, de E. Tylor, e o tote- mismo, de E. Durkheim, foram ideias que justificavam os europeus enquanto sociedades superiores, já que em suas teorias, o cristianismo que eles viviam era a religião mais desenvolvida, que significava o ápice do desenvolvimento religioso de uma sociedade. Como explica Adone Agnolin (2008, p. 17): Durkheim realmente tenta fundar a sua análise sobre dados históricos. O problema, todavia, permanece na medida em que esse resultado é al- cançado com a redução do conceito de religião a uma “lei” sociológica que, de fato e mais uma vez, a des-historifica, da mesma forma em que a atenta análise do “totem” na sociedade australiana é des-historificada quando se torna o signo distintivo da sacralidade do social nas socieda- des “simples” consideradas em seu conjunto. Ou seja, quando Durkheim adotou os preceitos evolucionistas do positivismo, reforçou, segundo Hermann (1997), o etnocentrismo das observações europeias sobre as sociedades primitivas. De acordo com a autora, o maior entrave do tra- balho de Durkheim para a [...] elaboração de uma história das religiões seja o fato do autor traba- lhar com a idéia de uma sociedade modelo e imutável, organizada por leis rígidas e imunes às transformações da vida em sociedade, imunes portanto ao tempo e à história (HERMANN, 1997, p. 333). HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 Por fim, chegamos a outro importante sociólogo, que teve um papel fundamental no desenvolvimento das ciências das religiões e, consequentemente, na História das Religiões: Max Weber. De acordo com Jacqueline Hermann (1997), Max Weber foi o sociólogo responsável por consolidar a relação entre a sociologia do conhecimento e a sociologia da religião. A partir de sua obra é possível diferen- ciar a sociologia da História. De acordo com Hermann, a sociologia weberiana [...] teria por objetivo a construção de “conceitos-tipos”, propondo-se a encontrar as regras gerais dos fenômenos sociais, ao contrário da se- gunda (história), cuja preocupação seria a análise e a explicação causal de estruturas e ações individuais, consideradas culturalmente impor- tantes (HERMANN, 1997, p. 333). Um dos principais avanços realizados por Max Weber foi compreender que as ações realizadas por motivos religiosos ou mágicos são ações racionais. Outro foi a sua capacidade de sistematizar conceitos que foram fundamentais para o posterior estudo da História das Religiões. Todavia, assim como explicamos Animismo: E. B. Tylor o usou para dar um nome a sua teoria da origem da religião: “[...] era a crença de que a cultura humana teria se desenvolvido de modo retilíneo da idade da pedra até a era moderna, se bem que com velocidade diferente em raças diferentes. Ao mesmo tempo, [...] trata-se da crença em seres espirituais, que teria desenvolvido desde almas de pessoas falecidas, passando por outros espíritos [...]. Daí os primitivos teriam depre- endido a ideia de uma alma (anima) desligada do corpo. Eles teriam expli- cado para si seu ambiente com a ajuda dessa ideia. Teriam ‘animado’ monta- nhas, plantas, rios, animais e objetos” (WALDENFELS, 1995, p. 36). Totem/Totemismo: sistema religioso baseado no culto a um animal, vege- tal ou qualquer outro objeto que possa ser considerado como ancestral ou símbolo de uma coletividade (tribo, clã). Ao consagrar o totem no sacrifício, os homens entravam em contato vital com ele, robustecendo o parentesco a fim de por meio dele participar da vida divina. Durkheim acreditava não só estar diante da forma mais elementar de crença religiosa, como ter en- contrado a explicação sociológica da religião (SCHLESINGER, 1995, p. 2536). Fonte: Waldenfels (1995, p. 36) e Schlesinger (1995, p. 2536). Origens e Desenvolvimento da História das Religiões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 anteriormente em relação ao pensamento de Émile Durkheim, a obra de Max Weber também buscou formular regras gerais que orientassem as religiões, seu trabalho também hierarquizava as religiões de acordo com a sua capacidade de se tornarem universais, como ocorreu com o islamismo e o cristianismo. Uma vez mais nos utilizamos das palavras de Jacqueline Hermann para compreender essa hierarquização weberiana das religiões: Para ilustrar a lógica do pensamento weberiano, basta lembrar a relação que o autor faz entre a reforma protestante e o “espírito do capitalismo”, procurando demonstrar como a religião considerada mais racionaliza- da atuou na criação de uma sociedade mais avançada política e econo- micamente [...] Weber manteve uma leitura etnocentrista, evolucionis- ta e mesmo idealista da história das religiões, contribuiu imensamentepara lançar a temática das religiões no campo das reflexões conceituais, indispensáveis para sua estruturação e sistematização como disciplina (HERMANN, 1997, p. 334-335). De maneira concomitante a esse desenvolvimento de uma sociologia religiosa, de autores como Tylor, Frazer, Durkheim e Weber, desenvolvia-se um novo campo do conhecimento, que tinha como objetivo fazer um estudo comparado das dife- rentes tradições religiosas conhecidas até então (devido ao Imperialismo) para assim, reconstruir a História da religião. De acordo com Mircea Eliade (1992), o primeiro autor a utilizar a expressão “ciência das religiões” ou ciência compa- rada das religiões” foi Max Müller, em 1867. Pouco a pouco, a História ou ciência das religiões foi tornando-se presente no campo acadêmico, tendo obtido a pri- meira cátedra universitária em 1873 na Universidade de Genebra, seguida em 1876 por mais quatro cátedras na Holanda. De acordo com Eliade, em 1879, o Collége de France, em Paris, também criou uma cátedra para a disciplina, e assim também o fez a École des Hautes Études da Sorbonne em 1885 (ELIADE, 1992). Por conseguinte, na segunda metade do século XIX, desenvolveu-se a ciência das religiões no campo acadêmico. De acordo com Jacqueline Hermann (1997), essa nova área do conhecimento possuía como objeto a “análise dos elementos comuns às diversas religiões, suas leis evolutivas e a forma primeira da religião” (HERMANN, 1997, p. 335). Nesse período, ainda era comum uma confusão entre os termos ciência das religiões e História das religiões, já que nesse momento ocorria uma separação lógica entre os estudos científicos da religião da teologia. HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 A autora explica que a ciência das religiões ou a História das religiões possuía um foco específico, que era a “origem das religiões, de um lado, e a essência da vida e do homem religioso, do outro” (HERMANN, 1997, p. 335). Tanto a filosofia quanto a teologia foram retiradas do Congrès d’Histoire des Religions que ocorreu em Paris em 1890, o que quer dizer que foi retirada dos estudos ditos “científicos” da religião. A busca por essa cientificidade no estudo das religiões e religiosidades fez com que os pesquisadores abandonassem a filo- sofia e a teologia, para utilizarem-se de disciplinas como a História, sociologia, antropologia, linguística e psicologia. A utilização de diversos campos do conhecimento para analisar as religi- ões, como citado no parágrafo anterior, nos leva uma reflexão acerca de seu campo disciplinar. De acordo com Filoramo e Prandi (1999), as pessoas ten- dem a analisar a ciência da religião como uma disciplina que possui um único método científico assim como, apenas um objeto unitário. Todavia, de acordo com os autores, seria correto falar em ciência(s) das religiões, já que é uma área do conhecimento que possui um pluralismo metodológico, assim como um plu- ralismo de objetos. De acordo com os autores: As ciências das religiões não constituem uma disciplina à parte, fundada, como gostaria a tradição hermenêutica orientada, na unidade do objeto e a unidade do método. Antes, ela é um campo disciplinar e, como tal, uma estrutura aberta e dinâmica (FILORAMO; PRANDI, 1999, p. 13). Sendo uma estrutura aberta e dinâmica, cabe a nós que estudamos História das religiões delimitar os nossos objetos e metodologias dentro das ciências das reli- giões de forma histórica. Todavia realizar essa análise histórica aberta e dinâmica possui uma série de dificuldades, entre elas o fato de que a História e as religiões estão sempre em transformação. Filoramo e Prandi (1999) explicam que o historiador das religiões deve estar atento não apenas ao momento diacrônico do acontecimento religioso, mas também o sincrônico, principalmente na História comparada das religiões, ou nos estudos dos fenômenos religiosos. Deve-se estar atento não somente à gênese, desenvolvimento e fim da religião ou de um fenômeno religioso, mas também aos elementos relativos à duração, aos modelos e às estruturas (FILORAMO; PRANDI, 1999). Essas dificuldades geraram uma série de críticas à História da Religião. Origens e Desenvolvimento da História das Religiões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 Em 1970, Angelo Brelich publicou um artigo na Revista de História das Religiões: as religiões antigas I - utilizamos aqui uma tradução do texto para o espanhol publicada em 1979 - intitulado “Prolégomènes à une histoire des reli- gions”, que foi capaz de rebater uma série dessas críticas que foram realizadas contra a disciplina de História das Religiões enquanto uma ciência. Analisamos alguns pontos importantes estudados por Brelich (1970), e uma das críticas realizadas no período afirmava que não podia existir uma História das religiões devido à grande quantidade de religiões existentes e do longo período que já existem. Logo, seria impossível ao historiador ter conhe- cimento sobre elas para poder analisar a religião como um todo. Todavia, Brelich explica que a disciplina de História das Religiões não se diferencia das outras disciplinas da área como História da Arte. Também é impossível que um historiador conheça a fundo as artes de todas as épocas e de todos os povos. Sendo assim, pouco importa se os historiadores e investigadores dominam a totalidade da história humana. Na verdade, é importante que o historiador limite seus estudos a setores restritos, pois, segundo o autor, o que é realmente importante para a constituição da História é a utilização do método que a disciplina exige, a História depende da metodologia particular de cada disciplina (BRELICH, 1979). Neste momento, caro(a) aluno(a), após essa fala de Brelich acerca da importância da metodologia, você deve estar se perguntando: que meto- dologia é essa? Felizmente, essa não é uma pergunta com resposta simples. Talvez, a melhor resposta seria: Depende. Isso mesmo, como você pôde aprender na disciplina de Teorias da História existem n tipos de metodolo- gias passíveis de serem utilizadas na pesquisa histórica. Para amenizar um pouco a sua dúvida, apresentamos a metodologia que Angelo Brelich afirma ser a melhor para o estudo histórico das religiões. Contudo, nos subitens seguintes deste capítulo, apresentaremos outras metodologias e teorias que podem ser utilizadas na História das Religiões. Agora vamos analisar a proposta metodológica de Angelo Brelich. De acordo com o historiador das religiões, o “método comparativo é o único que pode iluminar a História das Religiões” (BRELICH, 1979, p. 95). A compara- ção histórica proposta aqui é diferente da comparação fenomenológica e da HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 evolucionista de Tylor e Frazer, que tinham como objetivo compreender a ori- ginalidade de cada religião. Por meio da comparação histórica, Brelich afirma ser possível ao historiador descobrir a essência das religiões e entender as for- mas a partir das quais o homem manifesta seu modo de ser, que consiste em criar, em viver historicamente. A seguir, apresentamos um excerto do autor que resume bem a sua ideia acerca da História das Religiões e sua metodologia: O que sim é importante é que estude dita religião no marco da História das Religiões e não no da história de tal civilização; que sua problemá- tica e seu método sejam o da história das religiões; método que como já vimos, é essencialmente comparativo, ainda que a comparação de cada estudioso deva remeter-se as investigações de seus colegas especializa- dos em outros setores históricos e filológicos [...] (BRELICH, 1979, p. 97, tradução nossa). Ainda que seu trabalho tenha sido de grande importânciapara o desenvolvi- mento da História das Religiões como disciplina científica, Jacqueline Hermann (1997) apresenta alguns elementos que devem ser levados em consideração ao analisarmos a obra de Brelich. De acordo com a autora, a proposta de Angelo Brelich acrescenta pouco à História comparada formulada por Müller, pois ela ainda teria a função de descobrir a religião “primordial”, que, segundo a autora, é historicamente impossível de ser alcançada. O fato que devemos estar atentos é que a disciplina de História das religiões se consolidou como uma disciplina ou domínio, específico da História, e possuí em seu seio diversas possibilidades teórico-metodológicas. Os temas tam- bém são variados, os quais Hermann aponta: História das Doutrinas; História Eclesiástica; História das Crenças: mentalidades e História das crenças: circula- ridades e hibridismos culturais. Para José Severino Croatto (2001), a História das religiões tem como objeto material os fatos religiosos em si mesmo, uma análise isolada, ou de forma comparada com outras religiões. Por isso, o método utilizado na História das religiões pode ser: “descritivo, analítico ou comparativo” (CROATTO, 2001, p. 18). Nesse capítulo introdutório acerca de teorias da História das Religiões, privilegiamos duas linhas específicas de pesquisa: a fenomenolo- gia e a Escola Italiana de História das Religiões. De acordo com Mircea Eliade A Fenomenologia e a História das Religiões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 (1992), os historiadores da religião estariam divididos entre essas duas orien- tações metodológicas, as quais, apesar de divergentes, complementam-se. A Fenomenologia, segundo o autor, concentra seus esforços para compreender as estruturas específicas dos fenômenos religiosos, enquanto a outra dá prefe- rência ao contexto histórico desses fenômenos: “os primeiros esforçam-se por compreender a essência da religião, os outros trabalham por decifrar e apre- sentar sua História” (ELIADE, 1992, p. 11). Analisamos a seguir essas duas orientações teórico-metodológicas da História das Religiões. A FENOMENOLOGIA E A HISTÓRIA DAS RELIGIÕES Caro(a) aluno(a), neste item temos como intenção explicar e definir, da forma mais simples possível, o que é o estudo fenomenológico da religião, o seu desen- volvimento, suas principais ideias e representantes. FENOMENOLOGIA: DEFINIÇÃO Existem várias definições para fenomenologia religiosa; para José Croatto (2001), é uma ciência que estuda os fenômenos religiosos a partir das suas expressões e busca a intenção e origem des- ses fenômenos. É uma análise que vai dos testemunhos (os fenômenos religiosos) até a sua fonte geradora (CROATTO, 2001). A fenomenologia não estuda os fatos religiosos em si mesmo, mas a sua intencio- nalidade, essência e estruturas. HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 Para Angelo Brelich, um dos integrantes da Escola Italiana de História das Religiões – Escola teórico-metodológica que analisaremos no item poste- rior – , a fenomenologia se apresenta como uma alternativa metodológica ao método histórico. De acordo com Brelich (1979), a utilidade da fenomenolo- gia consiste em: fazer compreender aos especialistas de cada civilização que todo fenô- meno religioso transcende seu setor de especialização e em mostrar, apresentando a ampla gama de variabilidade de cada fenômeno, que qualquer feito religioso de uma civilização não é mais que a manifes- tação específica de algo muito mais geral e muito mais vasto. [...] um fenômeno religioso - como por exemplo uma forma de oração, um tipo de mito, a veneração de uma categoria de seres sobre-humanos, certo gêneros de proibições religiosas, etc. - se manifesta em numerosas re- ligiões ainda que de formas muito variadas (BRELICH, 1979, p. 75). Em síntese, a fenomenologia das religiões analisa os fenômenos religiosos con- cretos como variantes de supostos fenômenos ditos fundamentais e que podem ser encontrados em diversas religiões. Como explica Prado e Silva Júnior (2014), a vertente fenomenológica, também chamada de essencialista, está “mais com- prometida com o passado originário comum e com a transcendentalidade fundamental das manifestações religiosas” (PRADO; SILVA JÚNIOR, 2014, p. 14). Assim, a fenomenologia estuda: 1- O sentido das expressões religiosas no seu contexto específico; 2- Sua estrutura e coerência (morfologia); 3- Sua dinâmica (desenvolvi- mento, afirmações, divisões etc.) (CROATTO, 2011, p. 27). Podemos utilizar como uma última definição o trabalho de Waldomiro Piazza (1983). Para o autor, a fenomenologia religiosa surgiu com o objetivo de cap- tar o elemento transcendente da experiência religiosa, elementos que as outras ciências da religião – História, psicologia, sociologia, teologia e antropolo- gia – não conseguiam analisar. Busca-se estudar a religião de forma objetiva e científica, analisando seu significado próprio, nas formas como se mani- festa no comportamento humano. Certamente que essa análise se apoia nas outras ciências das religião já citadas, todavia, ela possui uma perspectiva de análise diferenciada. A fenomenologia religiosa surge como uma “ciência do significado do fenômeno religioso”, ela seria o estudo sistemático do fato A Fenomenologia e a História das Religiões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 religioso nas suas manifestações e expressões sensíveis (PIAZZA, 1983). A Fenomenologia estuda o significado dos fenômenos religiosos como expres- sões do pensamento e sentimento humano: A Fenomenologia Religiosa supõe a pesquisa histórica dos fatos reli- giosos e emprega o método comparativo na classificação dos mesmos, mas vai mais a fundo, pois estuda o significado destes fenômenos como expressão do pensamento e do sentimento do homem com respeito a Deus. No entanto, ela não supõe a existência de Deus, como a teologia, nem emite um juízo de valor sobre os sistemas religiosos, como a filo- sofia. Ela é uma ciência profundamente humana (BRANDON, 1975 apud PIAZZA, 2001, p. 19). FENOMENOLOGIA: ORIGENS E DESENVOLVIMENTO Definido quais são os objetos e objetivos da Fenomenologia, analisamos agora as suas origens e desenvolvimento. De acordo com Filoramo e Prandi (1999), a expressão “fenomenologia religiosa” (FR) foi desenvolvida pelo holandês P.D. Chantepie de la Saussaye, professor de História das Religiões da Universidade de Amsterdã, a partir de 1878. Foi utilizada inicialmente para indicar o momento sistemático da disciplina, além de investigar historicamente as religiões devia-se também evidenciar os aspectos permanentes da religião. Para o cumprimento desse segundo objetivo recorreu ao já existente (e já trabalhado nesse capítulo) método comparativo, que permitiria identificar e classificar os grupos de mani- festação religiosa (FILORAMO; PRANDI, 1999). Sendo assim, Chantepie, apesar de criar essa nova expressão, não foi respon- sável por criar um novo método, somente propôs uma nova palavra de ordem para esse tipo de pesquisa sistemática no mundo das religiões. Entretanto, caro(a) aluno(a), apesar de Chantepie não ter criado um novo método, suas ideias foram um ponto de partida que levaria à “verdadeira” fenomenologia da religião cin- quenta anos depois – uma fenomenologia da religião criada por outro holandês, Gerardus van der Leeuw. Enquanto a fenomenologia de Chantepie estava presa ao positivismo evolucionista do século XIX, a de van der Leeuw foi uma reação à teoria positivista (FILORAMO; PRANDI, 1999). HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 Antes de adentrarmosà obra de van der Leeuw, é preciso que façamos uma rápida recuperação a respeito de outro importante nome para a fenomenolo- gia: Rudolf Otto. De acordo com Agnolin, a obra Das Heilige (O Sagrado, 1917) é um marco inicial da fenomenologia essencialista. Em Otto, os fenômenos e experiências religiosas não podem ser observados em si mesmas, pois as carac- terísticas do Sagrado só podem ser observadas no “sentimento que o sagrado inspira no homem religioso: é esse sentimento que permite analisar o religioso numa perspectiva declaradamente teológica” (AGNOLIN, 2008, p. 18). Devido a essa busca pelo sentimento inspirado no homem religioso, o método psico- lógico possui uma centralidade em suas obras (FILORAMO; PRANDI, 1999). Voltando a Gerardus van der Leeuw (1890-1950), esse foi professor de História das Religiões da Universidade de Groningen e se propôs a construir uma feno- menologia religiosa. Sua obra clássica é a Phänomenologie der Religion (1933) (Fenomenologia da Religião). Segundo Croatto (2001), Leeuw: entende a experiência religiosa como uma experiência do poder trans- cendente que busca sua realização. O ser humano encontra-se diante de um ser ou objeto extraordinário, revestido de poder. Ao descobrir esse poder em alguns objetos ou personagens, o ser humano considera-os sagrados: desde uma pedra até um sacerdote. O ser humano religioso é aquele que, em sua atitude e no seu comportamento, vive a ação daqui força transcendente, manifestada nas coisas ou em determinados seres (CROATTO, 2001, p. 53). Acompanhe comigo o excerto a seguir, em que o próprio Leeuw explica o seu método: Não consistia simplesmente em fazer um inventário e uma classificação dos fenômenos tais como aparecem na história, e sim uma descrição psicológica, que exigia não apenas a observação meticulosa da realida- de religiosa, mas também uma introspecção sistemática; não somente a descrição daquilo que é visível de fora, mas, sobretudo a experiência vivida daquilo que somente pode se tornar realidade depois de ter sido incorporado à vida do próprio observador (VAN DER LEEUW apud FILORAMO; PRANDI, 1999, p. 33). Sendo assim, van der Leeuw instaura uma fenomenologia que procura não ape- nas uma descrição, como analisamos em Chantepie de la Saussaye, mas também uma interpretação e uma compreensão dos fenômenos religiosos. Por isso, a A Fenomenologia e a História das Religiões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 sua obra passou a ser considerada um manifesto da corrente compreensiva. De acordo com Adone Agnolin (2008), trata-se de um primeiro esboço de uma her- menêutica da religião que servirá de base para os sucessivos desenvolvimentos da fenomenologia religiosa (AGNOLIN, 2008). O fato de van der Leeuw ter como pressuposto a autonomia absoluta da reli- gião, sua fenomenologia estava atrelada a uma particular filosofia da religião como ponto de partida, sendo que seu ponto de chegada seria uma teologia da religião. Devido à ligação a essas áreas, a obra desse autor foi criticada por ser idealista e a-histórica. A diferença de Leeuw em relação a Otto está no fato de suas análises serem mais científicas (as de Otto teológicas), por preferir estudar o comportamento (e não o sentimento) dos sujeitos religiosos. As análises de Leeuw são orientadas para uma objetivação(vidade) das experiências religiosas (PRADO; SILVA JÚNIOR, 2014). Um dos principais estudiosos das religiões do século XX e da fenomeno- logia foi o cientista da religião romeno Mircea Eliade (1907-1986). Este foi importante para a valorização da dimensão histórica das religiões. Em seu tra- balho encontra-se uma busca pela essencialidade da vida religiosa, uma busca para compreender o sagrado. Em sua obra o Sagrado e o Profano, o autor explica que o mundo natural apresenta-se como o melhor local para a manifestação do sagrado (PRADO; SILVA JÚNIOR, 2014, p. 14). De acordo com Eliade (1992, p.13) os fatos sagrados, ou fenômenos, pode se manifestar num objeto qualquer como uma pedra ou uma árvore, todavia, não se venera a pedra como pedra, ou a árvore pela árvore, mas sim por que são hierofanias que revelam algo que é sagrado. De acordo com Jacqueline Hermann (1997) Eliade preocupou-se em suas mais diversas obras em compreender a essência das religiões, dando prioridade para a compreensão das estruturas do fenômeno religioso. Busca-se nas sua obras a compreensão da essência dos fenômenos religiosos e não decifrar a sua história. O autor faz uma oposição entre o sagrado e o profano e localiza nas socie- dades tradicionais a existência do homo religious, que, de acordo com Hermann, seria aquele que possui todos os atributos necessários para entender a impor- tância e o sentido do sagrado na sua vida social. Na busca por compreender as estruturas das religiões, Eliade (1997) enumera as semelhanças existentes entre HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 os diferentes tipos de religiões existentes no mundo, e é essa busca e sistematiza- ção dos fenômenos religiosos que confere a sua obra um caráter fenomenológico. Como explica Eliane Moura da Silva (201, p. 13), a abordagem fenomenológica de Eliade busca identificar “elementos comuns que as diferentes experiências religiosas ressignificam e reinterpretam, ininterruptamente”. Devido a esses objetivos, Eliade ficou conhecido como um autor que compôs uma morfologia da religião. Filoramo e Prandi (1999) nos ajudam a compre- ender a relação entre a morfologia elidiana e a busca pela compreensão das estruturas citadas anteriormente. Os autores explicam que a morfologia criada pelo cientista romeno colaborou na forma como metodologia fenomenológica aborda o mundo dos fenômenos religiosos. Sendo assim, por meio da morfo- logia, Mircea Eliade procurou: separar aqueles fenômenos que revelam semelhanças estruturais da- queles que não as manifestam. Os primeiros se tornarão, por sua vez, objetos de uma análise mais tipicamente fenomenológica, que tem como objetivo evidenciar seus significado religioso (FILORAMO; PRANDI, 1999, p. 56). O representante da Escola Italiana de História das Religiões, Adone Agnolin, reco- nhece em sua obra (2013) a importância de Mircea Eliade para a fenomenologia. De acordo com Agnolin, Eliade foi responsável por sintetizar os pressupostos, perspectivas e os percursos já existentes da fenomenologia e isso pode levar a uma grande divulgação dessa ciência. No Brasil, por exemplo, as obras de Mircea Eliade são amplamente utilizadas no campo de estudos religiosos, inclusive no campo historiográfico de uma forma muito intensa (AGNOLIN, 2013). Nesse momento, creio que você, caro(a) aluno(a), já percebeu que as defi- nições e as abordagens fenomenológicas são variadas, sendo assim, impossível apresentar todas elas. Apesar da complexidade do assunto, é preciso termos em mente que essa corrente metodológica surgiu dentro das ciências das religiões com o objetivo de analisar os fenômenos religiosos a partir de uma perspectiva diferenciada daquela utilizada pelas outras ciências como a História, a sociolo- gia e a psicologia. Nessa disciplina de História das Religiões, é importante essa formação a respeito dessa campo teórico (fenomenológico) que tanto fez pelo desenvolvimento da cientificidade das religiões. A Escola Italiana de História das Religiões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 A ESCOLA ITALIANA DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES Caro(a) aluno(a), a partir deste subitem vamos analisar outra corrente teóri- co-metodológica ligada à História das Religiões: a Escola Italiana de História das Religiões. De acordo com Adone Agnolin (2008), essa nova escola historiográfica sur- giuem 1925 com a Revista “Studi e Materiali di Storia delle Religioniï” pela obra de Raffaelle Pettazzoni. O objetivo dessa nova escola é ressaltar a historicidade dos fatos religiosos. Sendo assim, ao contrário da linha fenomenológica que aca- bamos de estudar, essa nova metodologia acredita que cada phainomenon é um genomenon, isso quer dizer que, contrariando a linha fenomenológica, em cada fenômeno religioso é possível recuperar o momento de sua formação histórica. Dessa forma, opunha-se às indagações fenomenológicas as necessidades de uma interpretação histórica (AGNOLIN, 2008, p. 21). Na metodologia dessa escola Italiana, a compreensão de um fato cultural, como o religioso, só pode ser compreendido a partir da reconstrução da sua gênese. Raffaelle Pettazzoni reivindicava uma laicidade da pesquisa e introdu- ziu a metodologia comparativa nos estudos de História das Religiões nessa busca pela gênese das religiões. Essa perspectiva histórico-religiosa comparativa ita- liana criou em um percurso histórico específico, desenvolvendo e melhorando metodologias de análise da religião. Entre os principais nomes dessa escola his- toriográfica citamos: Raffaele Pettazzoni, Ernesto de Martino, Angelo Brelich, Vittorio Lanternari e, no Brasil, Adone Agnolin. HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 De acordo com Adone Agnolin (2008), os estudos históricos religiosos desen- volvidos por esses autores possuíam o objetivo de orientar os estudos histórico-religiosos, partindo da necessidade de ressaltar, antes de tudo, a historicidade dos fatos religiosos enquan- to produtos culturais, redutíveis em sua totalidade à razão histórica. [...] para fazer isso, encontrou-se na necessidade de ter que recolocar (con- textualizar historicamente) a própria ferramenta categorial da análise nos contextos histórico-culturais em que essa foi sendo forjada. Neste sentido, desde seu nascimento a “Escola Italiana de História das Reli- giões” encontrou-se instalada, epistemológica e historicamente, no en- trelaçamento entre as disciplinas da Antropologia e da História, tendo que encarar, conseqüentemente, a polêmica aberta e crítica com a Fi- lologia, com a Fenomenologia e com todas as outras escolas de pensa- mento que, de fato, privilegiavam abordagens não-históricas ou, quan- do pior, des-historicizantes (AGNOLIN, 2008, p. 22). Nessa busca de contextualizar historicamente e de compreender a cultura religiosa dentro de seu contexto histórico, a Escola Italiana de História das Religiões privilegia o método comparativo. Todavia a comparação utilizada por eles não tem como objetivo uma comparação estéril dos fenômenos culturais, que busca nivelar e classificar. Na realidade, é realizada uma com- paração dos processos históricos que seja capaz de diferenciar e determinar as particularidades de cada religião e cultura. Por meio dessa metodologia, torna-se possível compreender as estruturas comuns das religiões, assim como as “não repetíveis soluções criativas concretas, historicamente realiza- das” (AGNOLIN, 2008, p. 24 - 25). Neste momento, caro(a) aluno(a), você deve ter percebido que a Escola Italiana em diversos momentos se coloca de forma oposta à Escola Fenomenológica. Como explica Prado e Silva Júnior (2014), a Escola Italiana de História das Religiões surgiu com o intuito de rebater as principais escolas teorico-metodologicas que estudavam religião no início do século XX, especialmente a linha estrutural e fenomenológica, já que a Escola privilegia a historicidade dos fatos. A contraposição entre o método fenomenológico e aquele histórico da Escola Italiana consiste, justamente, no fato que o primeiro descuida da relação entre religião e cultura, enquanto, para a Escola Italiana, a cultura é um dos principais fatores a serem analisados para compreender a religião. A Escola Italiana de História das Religiões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 Adone Agnolin, em sua obra História das religiões: perspectiva histórico-compara- tiva (2013), faz uma série de críticas ao método fenomenológico e compara ao método histórico comparativo italiano. Por motivos didáticos, anexamos a seguir os quadros realizados pelo autor que facilitam a sua compreensão acerca das diferenças teórico- -metodológicas entre a Fenomenologia e a Escola Italiana de História das Religiões. Quadro 1 - Contraposições entre a Fenomenologia x Escola Italiana de História das Religiões CIÊNCIA (FENOMENOLOGIA) DA RELIGIÃO HISTÓRIA DAS RELIGIÕES Considera que uma única religião estaria na origem de todas as religiões históricas. Empreende a “desobjetivação” da “reli- gião” enquanto categoria. Considera que a religião é consubstan- cial ao homem. Considera que a religião não é con- substancial ao homem. Procura as estruturas comuns nas varie- dades dos fenômenos religiosos. Procura a constituição histórica (genô- menon) das religiões em sua diversida- de, historicamente fundada. Nega ou desvaloriza a relação entre religião e cultura. Considera que a religião como objeto de pesquisa histórica deve ser aborda- da em função de uma cultura. Estabelece uma relação analógica e ape- nas formal dos fenômenos religiosos. Estabelece uma comparação de proces- sos históricos de formações religiosas. Descontextualiza, isto é, opera contra e apesar da história. Contextualiza, isto é, faz propriamente história. Transcende a história. É imanente à história. Objetiviza o “religioso” desistoricizan- do-o. Problematiza (i.e, historiciza) a catego- ria do “religioso”. Fala em religião (descontextualizada) no singular. Pluraliza as religiões (contextualizan- do-as). É uma Ciência da Religião enquanto pressupõe uma objetivação do religio- so (quase um objeto natural) = preexis- tindo à história, mantém o pressuposto de uma unidade do religioso. É propriamente uma História das Reli- giões enquanto parte da problemática histórica das diferenças religiosas = indicação de diferentes processos de formação histórica. Chega a um “objetivismo ontológico” da sacralidade: historicamente não falsificável. Consiste em uma história das relações entre civilizações; é, portanto,cultu- ralmente subjetiva e fundada em um etnocentrismo crítico. Fonte: Adone Agnolin (2013, p. 181). HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E40 Para compreender melhor essa diferenciação metodológica realizada por Agnolin, acesse o link a seguir e assista o vídeo que explica essa diferença: <https://vimeo.com/299467665/0366ff72b6>. Quadro 2 - Instrumentos Operativos e Metodológicos CIÊNCIA (FENOMENOLOGIA) DA RELIGIÃO HISTÓRIA DAS RELIGIÕES Concebe a “religião” como um dado transcendente. Parte da consideração da “religião” enquanto fato histórico. Portanto, é-lhe impossível pensar numa historicização do conceito de “religião”. O primeiro pressuposto lhe permite uma historicização do conceito de “religião”. Consequentemente, é impossível para si historicizar seus instrumentos de análise. Consequentemente pode historicizar os próprios instrumentos da análise (historiográfica). A comparação é apenas uma compara- ção analógica. Fundamenta-se em uma comparação histórica sistemática. A partir da analogia universalista e totalizante, pretende alcançar uma essência religiosa já pressuposta no início da análise. A comparação (de contextos históri- cos-religiosos e culturais) fundamenta uma análise de processos de formação (particularidade histórica). Seu “objetivismo ontológico” da sacrali- dade é historicamente não falsificável. Seu subjetivismo histórico leva à necessária falsificabilidade dos pressu- postos da análise. Sobre o perigo de confrontar-se com uma historicização de seuspróprios instrumentos de análise. Encontra-se na necessidade de histori- cizar suas próprias categorias e instru- mentos operativos de análise. Trata-se de uma teleologia, pressupos- tamente científica (no final reencontra seus pressupostos iniciais). Trata-se de uma ciência histórica (com as incertezas próprias das Ciências Humanas). É caracterizada por uma perspectiva objetiva e totalitária. Torna-se culturalmente subjetiva (a partir do etnocentrismo crítico). Reduz os vários fenômenos religiosos ao modelo (único) de religião pré-con- cebida. Multiplica, necessariamente, as religiões (com base na comparação histórica). Fonte: Adone Agnolin (2013, p. 182). História da Religião e a Filosofia Existencialista Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 41 Apesar dessas grandes diferenças entre a fenomenologia e a História Italiana das Religiões, houve por parte do próprio Raffaele Pettazzoni uma tentativa de con- ciliar a metodologia fenomenológica com a comparada da História das Religiões. Em sua obra O método comparativo, o italiano deixou claro que pretendia superar as “posições unilaterais” da fenomenologia e do historicismo, buscando integrar essas metodologias. Essa integração potencializaria a capacidade de compreen- são dos dois métodos. O historicismo ganharia com a ideia de autonomia da religião, a compreensão das estruturas, dos sentimentos humanos, todos esses elementos auxiliam nas novas problemáticas epistemológicas das pesquisas his- tórico-religiosas contemporâneas. Todavia essa proposta conciliatória parece ter sido esquecida pelos seguidores da escola italiana. Assim, os autores já citados aqui – como Ernesto de Martino, Angelo Brelich e, como analisado, Adone Agnolin – mantiveram um posiciona- mento de luta contra o, suposto, irracionalismo fenomenológico. Por fim, iniciamos a partir de agora o último tópico de nossa unidade. Nesse momento faremos uma análise acerca da Filosofia existencialista e a importância de se estudar as religiões para melhor compreender o homem e as suas angústias modernas. HISTÓRIA DA RELIGIÃO E A FILOSOFIA EXISTENCIALISTA “Gott ist tot” (NIETZSCHE, 2001, p. 148). Eis, diante do mundo contemporâneo, o nosso mundo de incansáveis lidas, o eco daquele grito vociferado por Friedrich Nietzsche, que com sua vigorosa marreta tentou e conseguiu, com relativo sucesso, desconstruir os fundamentos da sociedade ocidental. Entretanto quando Nietzsche gritou afirmativamente constatando (no tempo presente) que “Deus está morto”, seu clamor não era o de alguém que havia encontrado um cadáver sem querer, no HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E42 meio de uma construção ou terreno baldio, tampouco era o de um assassino que acabara de cometer um crime passional. Ele confessa, sem a angústia de Rodion Românovitch Raskólnikov, o miserável protagonista de “Crime e Castigo”, de Fiódor Dostoiévski – em busca da salvação de sua alma por meio do martírio dos campos siberianos – que não apenas ele, mas você e eu matamos Deus. Seu corpo hoje se encontra perenemente sepultado nas igrejas frias e vazias. O fato de Nietzsche, nascido em 1844, encontrar a morte precisamente em 1900, ou seja, faltando um ano para o início daquele período que Allan Kardec havia chamado de “plenitude dos tempos” é emblemático. Arriscamos dizer que quase intangível foi a decepção dos entusiastas do novo mundo no que diz respeito ao engrandecimento moral dos seres humanos, principalmente pelo o que viria a seguir. O século XX, o qual, conforme o historiador Eric Hobsbawm, começou muito tardiamente, apenas em 1914, foi testemunha de um movimento indelével e extremamente significativo na História da civilização ocidental: depois de uma guerra de alcance mundial, que durou quatro anos e ceifou a vida de milhões de pessoas, incluindo, em sua maioria, Friedrich Nietzsche nasceu em um vilarejo chamado Röcken, na Prússia – uma parte da Alemanha antes de sua unificação, ocorrida nos anos 70 do século XIX – no dia 15 de outubro de 1844. Seu pai, Karl Ludwig, era pas- tor protestante luterano e sua mãe também era oriunda de uma família de pastores, sendo desejo da família que o jovem Friedrich seguisse os passos paternos. Nietzsche, ao terminar seus estudos secundários, inscreve-se na Universidade de Leipzig (onde o grande Johann Sebastian Bach, também protestante luterano, sendo a religião absolutamente importante em sua vida e obra, passou parte da vida, mais de um século antes) para cursar te- ologia. Foi grandemente influenciado por dois grandes expoentes de sua época: Arthur Schopenhauer, filósofo, e Richard Wagner, um grande com- positor, posteriormente um dos preferidos de Adolf Hitler. É um dos precur- sores do niilismo, baseado na descrença absoluta de tudo e todos, represen- tando muito bem o zeitgeist, ou espírito de sua época. Fonte: os autores. História da Religião e a Filosofia Existencialista Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 43 civis inocentes, muitos passaram a questionar, de forma séria, a amplitude e signifi- cado de algumas palavras que desde a mais tenra infância sabiam de cor... “O Senhor é o meu Pastor e nada me faltará”. Ora! Faltou o pão. Faltou o açúcar. Cortaram a água quente e, finalmente, não havia sequer uma gota de água para milhões de moribun- dos. Bombardearam cidades e acabaram com o emprego. Quantos jamais deram o derradeiro beijo em suas famílias. Deus só podia estar mesmo morto. Tão grande foi essa sensação de abandono e vazio existencial que até mesmo sacerdotes (padres e pastores) trocaram a Bíblia pelo relativismo inaugurado por Nietzsche. Assim fez Paul Tillich (1959, p. 47-50), um grande teólogo e profes- sor em Princeton, ao escrever que: Lembro-me que sentava entre as árvores das florestas francesas e lia “Assim Falou Zaratustra”, de Nietzsche, como faziam muitos outros sol- dados alemães, em contínuo estado de exaltação. Tratava-se da libera- ção definitiva da heteronomia. O niilismo europeu desfraldava o dito profético de Nietzsche, ‘Deus está morto’. Pois bem, o conceito tradicio- nal de Deus estava morto mesmo. Embora essa suposta morte de Deus possa vir a ser “o diagnóstico da ausên- cia explícita de Deus no pensamento e nas práticas do ocidente moderno” (MACHADO, 1994, p. 22), essa explicação não parece ser suficiente àque- las pessoas que tentam dar sentido à vida. Assim, a busca de sentido, para muitas pessoas, oscila entre a busca da religiosidade explícita ou a tentativa O “breve século XX” foi, para este mesmo historiador, um dos mais tristes e sangrentos de toda a História da civilização, tendo se iniciado com a Primei- ra Guerra Mundial e terminado com a queda da União Soviética. Para muito melhor contextualização e como aconselhamento bibliográfico básico para qualquer futuro historiador, recomendamos a leitura do texto completo, conforme referência a seguir: HOBSBAWM, Eric John. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. 2. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. Fonte: os autores HISTÓRIA DAS RELIGIÕES: TEORIA E METODOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E44 de respostas sob o âmbito estritamente filosófico. Experimente observar nas livrarias a seção de Espiritualidade e Autoajuda. Provavelmente você não con- seguirá acompanhar a quantidade muitíssimo grande de novos títulos que chegam praticamente a cada semana. É disso que estamos falando aqui: de um lenitivo, seja ela qual for, para superação das questões que materialmente se mostram insuperáveis. Sobre a crise existencialista humana, Mircea Eliade explica a importância do estudo da História das Religiões:
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