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Sociologia Brasileira Prof. Mestre Paulino Peres Reitor Prof. Ms. Gilmar de Oliveira Diretor de Ensino Prof. Ms. Daniel de Lima Diretor Financeiro Prof. Eduardo Luiz Campano Santini Diretor Administrativo Prof. Ms. Renato Valença Correia Secretário Acadêmico Tiago Pereira da Silva Coord. de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONPEX Prof. Dr. Hudson Sérgio de Souza Coordenação Adjunta de Ensino Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araújo Coordenação Adjunta de Pesquisa Prof. Dr. Flávio Ricardo Guilherme Coordenação Adjunta de Extensão Prof. Esp. Heider Jeferson Gonçalves Coordenador NEAD - Núcleo de Educação à Distância Prof. Me. Jorge Luiz Garcia Van Dal Web Designer Thiago Azenha Revisão Textual Beatriz Longen Rohling Caroline da Silva Marques Carolayne Beatriz da Silva Cavalcante Geovane Vinícius da Broi Maciel Jéssica Eugênio Azevedo Kauê Berto Projeto Gráfico, Design e Diagramação André Dudatt Carlos Firmino de Oliveira 2021 by Editora Edufatecie Copyright do Texto C 2021 Os autores Copyright C Edição 2021 Editora Edufatecie O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correçao e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Editora Edufatecie. Permi- tidoo download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP P437s Peres, Paulino Augusto Sociologia brasileira / Paulino Augusto Peres. Paranavaí: EduFatecie, 2021. 73 p.: il. Color. 1. Sociologia. 2. Sociologia – História - Brasil. I. Centro Universitário UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância. III. Título. CDD: 23 ed. 301.0981 Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577 UNIFATECIE Unidade 1 Rua Getúlio Vargas, 333 Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 UNIFATECIE Unidade 2 Rua Cândido Bertier Fortes, 2178, Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 UNIFATECIE Unidade 3 Rodovia BR - 376, KM 102, nº 1000 - Chácara Jaraguá , Paranavaí, PR (44) 3045-9898 www.unifatecie.edu.br/site As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site Shutterstock. AUTOR Prof. Mestre Paulino Augusto Peres ● Graduado em História pela UNESPAR (Universidade Estadual do Paraná) Campus de Paranavaí/PR. ● Especialista em Didática e Tecnologia na Educação pela FATECIE (Faculdade de Ciências e Tecnologia do Norte do Paraná). ● Mestre em Ensino Profissionalizante de História pela UNESPAR - Campo Mourão/PR. ● Professor na Escola Fatecie Max (séries finais do Ensino Fundamental). ● Professor no Colégio Fatecie Premium (Ensino Médio). ● Professor de filosofia, sociologia e ética no Ensino Superior. CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/0165285728983866 APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Seja muito bem-vindo (a). A disciplina de sociologia brasileira é importante para que você entenda o que os pensadores entendem sobre o nosso país, nossa cultura, economia e sociedade. O Brasil é um país amplo e com diferenças regionais, ao mesmo tempo que demonstramos semelhanças. A intelectualidade brasileira afirma que o Brasil foi construído a partir das relações sociais presentes na colônia e que se estendem até os dias de hoje. Na unidade I vamos conhecer o pioneiro sobre estudos sociológicos a respeito da origem do povo brasileiro, Gilberto Freyre. Focados em sua principal e mais célebre obra Casa Grande & Senzala (1933) veremos como o autor desenvolve seu pensamento sobre a importância da miscigenação racial entre indígenas, brancos e africanos para a formação do Brasil. Para ele as relações socioculturais presentes na Casa grande e nas senzalas foram fundamentais para explicar o brasileiro de sua época. Já na unidade II você irá conhecer o contraponto de Freyre, Sergio Buarque de Holanda. Holanda realiza um esforço semelhante ao de Freyre de tentar explicar o Brasil e seu povo, além disso, também compartilha com o autor de Casa Grande & Senzala a ideia de que é possível explicar o brasileiro a partir de suas relações culturais. Mas, diferente de Freyre, Buarque de Holanda em sua obra Raízes do Brasil (1936), vê na colonização portuguesa não uma dádiva, mas uma maldição. Suas críticas são extensas à colonização portuguesa, o que para ele nos influenciou até seus dias. Na sequência veremos uma visão também totalizadora da explicação socio-histórica do Brasil em Caio Prado Junior, sobretudo em sua obra Formação do Brasil contemporâneo (1944). Prado Junior, ao contrário de seus antecessores, não traz explicações culturais, mas, materialista-dialético, entende a formação do Brasil à partir de suas relações econômicas. Para ele, o Brasil do século XX, não à toa, tem sua economia baseada na produção agrícola latifundiária e por isso mesmo, a classe política era quase totalmente formada por essa elite. As escolhas econômicas de Portugal dentro da colônia teriam determinado nossa formação. Em nossa unidade IV, vamos finalizar o conteúdo dessa disciplina analisando três autores. O primeiro deles é Raymundo Faoro, baseado no conceito de patrimonialismo de sua obra Os Donos do Poder (1958) e poderemos vislumbrar suas críticas à colonização portuguesa ao mesmo tempo que tenta explicar as indigestas relações políticas do Brasil. Após teremos contato com um sociólogo contemporâneo, Jessé Souza e sua análise sobre a Elite do Atraso (2017) e como ela se apropriou dos conceitos de patrimonialismo (Raymundo Faoro) e de homem cordial (Sergio Buarque) para justificar seus interesses inconfessáveis e sair invisível e impune. Por fim, analisaremos as relações raciais no Brasil através do Pequeno Manual Antirracista (2020) de Djamila Ribeiro para percebermos que o racismo é uma herança histórica e que ainda permanece presente na sociedade e como a sociedade brasileira tenta esconder esse racismo. Espero que seu horizonte de expectativas seja transformado, uma vez que todos nós, brasileiros, somos fruto de uma herança multiétnica, e que para entendermos nosso país, primeiro é necessário entender a nossa história e nossas relações sociais. SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 4 Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre UNIDADE II ................................................................................................... 21 Sociologia Brasileira: Sergio Buarque de Holanda UNIDADE III .................................................................................................. 37 Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior UNIDADE IV .................................................................................................. 55 Sociologia Brasileira: Raymundo Faoro, Jessé Souza e Djamila Ribeiro 4 Plano de Estudo: ● Gilberto Freyre e seus esforços para compreender o brasileiro; ● Hibridismo: as relações durante a colonização; ● O papel dos indígenas na formação do Brasil; ● Jesuíticas, africanos e portugueses. Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender a formação do Brasil a partir de suas relações coloniais; ● Entender a relação entre os três povos formadores do Brasil e como os três contribuíram para o que somos hoje; ● Analisar como Gilberto Freyre estabeleceu uma explicação totalizante do Brasil; ● Compreender o conceito de democracia racial e sua importância para a sociologia brasileira. UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre Prof. Mestre Paulino Peres 5UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre INTRODUÇÃO O Brasil precisa ser compreendido através de suas relações sociais. Foi isso que pensou Gilberto Freyre quando escreveu Casa Grande & Senzala em 1933. Um dos maiores intelectuaisde nossa história explicou o Brasil tentando trazer o que há de melhor na cultura indígena, europeia e africana. Ele viu a influência destas etnias como positivas para o Brasil. Nesta unidade levantaremos os principais conceitos de Gilberto Freyre presentes em sua obra Casa Grande & Senzala para compreender como este autor compreende o Brasil e o brasileiro. Os conceitos de democracia racial, hibridismo, miscibilidade e adaptabilidade serão analisados e como eles contribuem para a formação do Brasil. Veremos a importância desse autor não só para o Brasil e sua compreensão, mas também para a popularização da sociologia brasileira. 6UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 1. GILBERTO FREYRE E SEUS ESFORÇOS PARA COMPREENDER O BRASILEIRO Desde o século XIX que pretendia-se no Brasil a criação de uma teoria generalizadora da nação para explicar o Brasil através da relações entre as três etnias existentes nestas terras: indígenas, europeus e africanos. Na primeira metade do século XX Gilberto Freyre foi o responsável por colocar no papel essa ideia em seu célebre livro, Casa Grande & Senzala. Freyre e suas teorias sobre o Brasil se tornaram famosas dentro e fora do país. Freyre entrou para a história da história e sociologia do Brasil, mas não sem críticas. Em Casa Grande & Senzala, Freyre analisa a colonização do Brasil e América apresentando a origem do povo brasileiro, sua cultura, formação social, étnica e econômica. Analisando a mistura das três etnias para a formação do Brasil se pergunta: quem é o povo brasileiro? Ao analisar a colonização nos Estados Unidos percebe semelhanças no regime patriarcal estadunidense com o brasileiro: grandes fazendas agrícolas, elite branca liderada pelo senhor de escravos, exploração da mão de obra escravizada, violência psicológica e física, papel secundário da mulher. Também destaca suas diferenças: no Brasil, segundo ele, o senhor de escravos era menos dado aos castigos corporais para evitar rebeliões, revoltas ou fugas, gerando assim um melhor convívio entre as etnias possibilitando uma construção nacional baseada na mistura das “raças”. 7UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre Freyre acreditava que fatores genéticos, sociais e econômicos formavam a sociedade brasileira. Nessa sociedade o poder econômico do homem branco, através da monocultura latifundiária (sobretudo durante os ciclos do açúcar e café) dominava as demais etnias. O senhor de engenho através de suas riquezas possuía dominação plena sobre africanos e indígenas, considerando-se superiores e, portanto, achavam-se no direito de escravizar indígenas, primeiro, e africanos, depois. A primeira forma de escravidão usada no Brasil foi a indígena. O indígena resistiu à escravidão e, por conhecer o território onde morava, ao fugir, era mais dificilmente encontrado pelo colonizados branco. Além disso, a comunicação entre os indígenas era mais fácil, pois durante a colonização portuguesa, durante muito tempo ocupando apenas as áreas próximas à costa, as populações indígenas eram do tronco tupi-Guarani, isto é, os vários povos que ali viviam, tinham um idioma semelhante e se entendiam. Em uma fuga da escravidão, o conhecimento do território e do idioma facilitou as fugas e dificultou a vida dos colonizadores, pois a fuga era o maior dos seus problemas em escravizar a mão-de-obra nativa. Não demorou para que os portugueses colocassem a alcunha de preguiçosos nos indígenas, alcunha que ainda hoje permanece em solo brasileiro. É preciso destacar o esforço de Freyre para valorizar a contribuição das etnias indígena e africana para a formação do brasileiro. O autor tenta recuperar positivamente as contribuições oferecidas pelas diversas culturas para a formação da nossa nacionalidade. Em relação aos africanos, acreditava que depois de um século de contato dos portugueses com a África durante as grandes navegações, já havia uma mistura entre esses povos de forma que não poderia considerá-los “puros” etnicamente. Ao contrário dos indígenas, pois para eles tudo era novidade, portanto, Freyre os considerava etnicamente puros. Sobre os portugueses, o sociólogo destaca que foi a virtude da mobilidade que proporcionou aos portugueses a capacidade de conhecer e se integrar a outros povos: A mobilidade foi um dos segredos da vitória portuguesa; sem ela não se explicaria ter um Portugal quase sem gente (...) conseguindo salpicar virilmente do seu resto de sangue e de cultura populações tão diversas e tão grandes em distância uma das outras (FREYRE, 2005, p. 70). virtude importante e vantajosa aos portugueses seria a miscibilidade, pois para Freyre, ninguém como os portugueses teria se misturado tanto com as mulheres negras nas américas e gerado tantos filhos. Acreditava que essa mistura teria contribuído para um bom relacionamento entre as etnias. 8UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre Uma vez que teriam vindo apenas homens para colonizar o Brasil, a falta de mulheres brancas teria sido suprida com as mulheres negras. Isso se deu de forma violenta, através da violência sexual. A mulher negra foi reduzida à condição de objeto sexual e repercutiu na inveja da mulher branca loira. Assim, atitude da mulher branca foi ligar a cor da pele preta à feiura, ao mesmo tempo em que eram as preferidas dos portugueses assediadores: branca para casar, mulata para [manter relações sexuais], negra para trabalhar (FREYRE, 2005, p. 72). A mulher mestiça, chamada à época de mulata era a preferida do assédio dos portugueses. Até hoje a mulher mestiça (ainda muito chamada de mulata) é símbolo de sexualidade, até mesmo chamada de “a cor do pecado”. A sexualização da mulher mestiça que se inicia na colônia se estende até o século XXI. De acordo com Freyre (2005, p. 110): Costuma dizer-se que a civilização e a sifilização andam juntas. O Brasil, entretanto, parece ter-se sifilizado antes de se haver civilizado. A contaminação da sífilis em massa ocorreria nas senzalas, mas não que o negro já viesse contaminado. Foram os senhores das casas-grandes que contaminaram as negras das senzalas. Por muito tempo dominou no Brasil a crença de que para um sifilítico não há melhor depurativo que uma negrinha virgem. As várias epidemias de sífilis (doença trazida pelos portugueses) foi apenas mais um retrato da violência. De fato, a violência contra a mulher preta colaborou com o aumento populacional da colônia. Assim, com essa mistura, Freyre aponta a influência da cultura africana sobre a europeia. Cultura que atinge a alimentação, a vida sexual, a religião e a vida doméstica. Ou seja, as relações durante a colonização proporcionaram um hubridismo cultural. 9UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 2. HIBRIDISMO: AS RELAÇÕES DURANTE A COLONIZAÇÃO A cultura europeia dominou a africana após os conflitos existentes entre povos dos dois continentes o que resultou na escravização daqueles que perderam. Com a escravidão africana a questão racial passou a fazer parte do cotidiano da Colônia, se estendeu pelo Império e República e faz parte do nosso presente. A supremacia da raça branca, desde aquela época, tenta impor-se num jogo de identidades, na narração da nação brasileira: “o fortalecimento de indentidades locais pode ser visto na forte reação defensiva daqueles membros dos grupos étnicos dominantes que se sentem ameaçados pela presença de outras culturas” (HALL, 2006, p. 50). A colonização aconteceu em um processo de equilíbrio e antagonismos regionais dentro de uma só nação e o povo era ligado à obediência às elites devido ao fato da classe dominante ser portuguesa ou descendente de portugueses e obedeciam os interesses da metrópole. A chegada dos portugueses ao Brasil arruinou toda a estrutura social e econômica antes aqui predominante. As várias etnias indígenas foram dizimadas e o comunismo primitivo foi deixando de existir. Mas, para Freyre,algo de muito bom surgiu aqui após todo tipo de violência, a Democracia Racial, resultado da relação entre brancos, pretos e indígenas. Para isso, é necessário entender que a Casa-grande era o lugar de excelência da manifestação do caráter brasileiro. Ela, a Casa-grande era residência quase feudal de poder. Ou seja, os brancos dominam. 10UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre Já os indígenas eram considerados atrasados, sem desenvolvimento técnico ou militar e os comparava a crianças sem maturidade: Para Freyre, “[...] não houve da parte dele [o indígena brasileiro] capacidade técnica ou política de reação que excitasse no branco a política do extermínio seguida pelos espanhóis no México e no Peru [...]” (FREYRE, 2005, p. 158). Para o autor, o processo de colonização portuguesa, foi mais brando que o espanhol. Esse sim considerado genocidade por Freyre. O processo de colonização do Brasil não teria se dado através do extermínio, mas pela união, desde o escambo até os casamentos. Híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da América a que se constituiu mais harmoniosamente quanto às relações de raça: dentro de um ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo de apro- veitamento dos valores e experiências dos povos atrasados pelo adiantado; no máximo de contemporização da cultura adventícia com a nativa, a do con- quistador com a do conquistado. Organizou-se uma sociedade cristã na su- perestrutura, com a mulher indígena, recém-batizada, por esposa e mãe de família; e servindo-se em sua economia e vida doméstica de muitas das tradi- ções, experiências e utensílios da gente autóctone (FREYRE, 2005, p. 160). O fragmento acima explicita a democracia racial. Mas, ao mesmo tempo em que reconhece a influência indígena, o faz sob a visão do colonizador. A cultura nativa foi absorvida pela dominante. 11UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 3. O PAPEL DOS INDÍGENAS NA FORMAÇÃO DO BRASIL Freyre destaca também a importância dos indígenas para a construção da identidade brasileira. Para ele homens, mulheres e crianças indígenas contribuíram de diferentes formas para o Brasil. Sua análise é criticada por alguns autores pois consideram que a tentar valorizar as nações indígenas os coloca em um patamar inferior aos portugueses. Outros irão valorizar suas análises pois compreendem que, o autor, pelo menos se esforça para demonstrar a importância destes povos para o país. Mas o que diz Freyre? Para ele a mulher indígena serviu aos portugueses para a geração e formação de família. Através dela enriqueceu-se a vida no Brasil, pois essa mulher teria trazido uma série de alimentos ainda hoje em uso, remédios, o desenvolvimento da criança, utensílios de cozinha, de higiene, etc. Freyre atrela a cultura familiar brasileira que envolve o cuidado materno, muito à influência da mulher indígena. Afirmava ainda que essas indígenas andavam nuas e se ofereciam aos portugueses recém-chegados. O que não é uma mentira, mas é necessário lembrar que o homem branco foi, inicialmente, relacionado aos deuses e manter relação com um Deus seria uma obrigação. No início por iniciativa das próprias indígenas e depois através da violência, a mulher indígena, elas supriram o grande problema da colonização: a falta de mulheres brancas. Assim, a indígena se torna a base da família brasileira. Portanto, a ocupação do território ocorre em parte, devido às crenças das mulheres indígenas, mas principalmente através da violência sexual imposta a elas. 12UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre Da união das mulheres indígenas com o homem branco português surge o caboclo, o primeiro com características que viriam a ser uma representação do brasileiro nortista. A influência indígena sobre norte e nordeste ainda é forte desde os nomes de estados como Maranhão, Piauí, Roraima, passando pela culinária onde a macaxeira/aipim e o tacacá, tucupi e açaí são bem presentes no dia-a-dia. Os indígenas ainda, destaca o autor, colaboraram com as bandeiras, mas minimiza sua importância. Para ele a contribuição indígena: “[...] foi formidável: mas só na obra de devastação e de conquista dos sertões, de que ele o guia, o canoeiro, o guerreiro, o caçador e pescador [...]” (FREYRE, 2005, p. 163). Em outras palavras o indígena teria sido importante, mas somente para trabalhos braçais e sensoriais dentro da mata. Essa ideia de que os reais desbravadores do sertão são os bandeirantes ainda é usada, sobretudo, na educação no estado de São Paulo que ensinam aos seus alunos que os bandeirantes foram desbravadores, conquistadores e responsáveis pela interiorização e expansão territorial brasileira. Nos últimos anos as práticas escravocratas e os massacres bandeirantes também estão sendo destacados, assim como a importância indígena neste processo de interiorização do território. Ainda de forma tímida, mas estão dando ao indígena o destaque que realmente teve nesse processo. Para além desses pontos, também identificou uma manifestação religiosa totêmica, a cor vermelha como protetiva contra os espíritos maus, amuletos da sorte e plantas medicinais. Sendo o totem objeto de adoração a religiosidade entre as nações indígenas era totêmica. Símbolos eram presentes em seus rituais desde suas pinturas a objetos. É importante ainda destacar que Freyre realiza uma análise geral e não tem como objetivo em sua obra Casa Grande & Senzala, dar destaque às diferenças culturais existentes entre as centenas de nações indígenas. Os laços matrimoniais também tinham destaque entre os indígenas. A exogamia era frequente para realização de laços entre nações indígenas. Era comum que nações indígenas entrassem em disputas territoriais entre si e uma forma que encontraram de colocar fim às suas guerras foi a prática da exogamia, que consistia em enlaces matrimoniais entre indígenas de nações étnicas diferentes para que deixassem suas rivalidades e formassem uma aliança. Outra prática bastante comum foi a poligamia e foi uma das práticas mais combatidas pelos padres jesuítas. Uma das grandes características do cristianismo e de sua herança judaica é a pauta moral envolvendo a sexualidade. 13UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre Os jesuítas utilizavam textos bíblicos que condenavam o relacionamento sexual com mais de uma pessoa e prezavam pelo casamento monogâmico, portanto a poligamia entre indígenas era vista como uma influência demoníaca e portanto, reprovada. Em outras palavras, essas rivalidades culturais entre portugueses e indígenas demonstram que os povos nativos sofreram com a imposição cultural portuguesa. Até mesmo a obrigação do uso das roupas foi uma atitude que tira o indígena de seu estado de normalidade e o põe em estado de desconforto. O uso das roupas afetou suas tradições de moral e higiene. Eles usavam a roupa europeia e a descartavam apenas quando estava muito suja ou podre. Eles não sabiam como lidar com essa imposição: são povos de um asseio corporal e moral sexual diferentes dos portugueses. As imposições culturais aos indígenas fracassaram com o passar do tempo, pois a maioria resistia em permanecer com as roupas, rejeitavam a divindade cristã, insistiam com a poligamia. A solução acabou sendo o ensino da cultura e língua portuguesa às crianças indígenas, os curumins. Sob uma prática efetiva de controle e vigilância, os portugueses utilizaram os pequenos indígenas para levar os costumes ensinados pelos padres jesuítas para dentro das habitações indígenas. Portanto, o curumim teve papel preponderante no processo de “civilização” do gentio (não cristão). Conforme os curumins iam crescendo, a cultura cristã europeia ia se solidificando. Ao chegarem à fase adulta e terem filhos, estes eram uma nova geração de indígenas sendo ensinada pelos padres jesuítas. A cultura portuguesa se espalhou pela Colônia mais facilmente após o usodessa estratégia. Outro ponto, que segundo Freyre teríamos herdado dos indígenas é o apreço pelo misticismo. Acredita ele que os medos presentes no imaginário brasileiro têm origem dentro da floresta. O povo teria herdado dos indígenas a superstição. A ideia de chás milagrosos, simpatias para resolução de problemas variados, para Freyre, essas práticas são práticas místicas herdadas da religiosidade indígena. Gilberto Freyre, em sua análise sobre os indigenas traz uma enorme inovação, a da valorização de povos não europeus. Neste período a intelectualidade europeia, exportadora de ideias, criou teorias que afirmavam que a superioridade europeia em detrimento de outros povos. Dessa forma a intelectualidade local, inferiorizav os povos nativos e enaltecia os colonizadores brancos. Quando Freyre escreve na década de 1930, o darwinismo social e teorias eugenistas ainda eram muito populares. A obra de Freyre e seu desaque ao indígena é uma rebelião intelecual contra essas teses vindas da Europa. 14UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 4. JESUÍTICAS, AFRICANOS E PORTUGUESES A Reforma Protestante (1517) tornou-se um grande problema para a Igreja Católica, pois teria tirado da Igreja Romana pelo menos 40% de seus fiéis. Primeiro nos reinos germânicos com influência de Lutero, depois na Suíça sob a liderança de João Calvino e após na Grã-Bretanha após a revolta do Rei Henrique VIII. Aos poucos os senhores feudais foram abandonando a fé católica com interesses não apenas religiosos e se juntaram ao protestantismo. Os influentes senhores feudais obrigaram seus servos a também aderirem a nova fé. A igreja Católica, nesse ponto, não tinha apenas menos fiéis, mas também menos receitas, portanto, precisava resistir ao avanço protestante para que sua própria existência, como instituição, fosse garantida. A contrarreforma foi organizada no Concílio de Trento (1545-1563). Várias estratégias foram elaboradas para limitar o avanço do protestantismo: moralidade do episcopado; criação do índex (lista de livros proibidos); estabelecimento dos Tribunais do Santo Ofício (Inquisição); oficialização da prática da tortura; criação da Companhia de Jesus (jesuísmo). A Companhia de Jesus, criado por Ignácio de Loyola, tinha como objetivo as “almas” do “Novo Mundo”. Uma vez que a quantidade de católicos teria sido reduzida na Europa, nas Américas haviam milhões de “almas pecadoras” a serem convertidas. Os jesuítas foram os escolhidos pela Coroa portuguesa para a catequização das almas “selvagens” do Novo Mundo. O indígena, que teve sua humanidade questionada por diversos clérigos da Igreja Católica, teve sua humanidade garantida através da Sublimes Deus, Bula Papal escrita em 1537 pelo Papa Paulo III. 15UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre Nela, é reconhecida a humanidade indígena, os nativos do continente americano, finalmente puderam ter garantida a existência de suas almas e, portanto, poderiam ser catequisados e suas almas salvas através da fé católica. Após o reconhecimento da existência da alma dos nativos, os jesuítas vieram às Américas “direcionar essas almas aos céus”. Rapidamente esses jesuítas aprenderam o Tupi, enfrentaram os escravistas e desafiavam a Coroa portuguesa. Apesar dos pontos positivos nesses padres jesuítas, essa catequização também envolveu violência cultural, pois os padres não aceitavam os padrões culturais indígenas e os assimilavam ao culto aos demônios. Não aceitavam as religiões indígenas, nem seus idiomas e tão pouco suas práticas matrimoniais. Assim eram obrigados a abandonarem sua cultura. Para Freyre, a cultura portuguesa dominante sobre a indígena teria sido benéfica na construção do brasileiro, mas também valoriza diversos pontos da cultura indígena. Para além desta questão cultural, economicamente, os portugueses aqui estabeleceram uma colônia de exploração e uma das obrigações dos donatários das capitanias hereditárias era produzir açúcar, isto é, a fundação da colônia do Brasil foi estabelecida na economia agrária que dominará o cenário brasileiro até nossos dias. Quando Freyre escreve sua obra, (década de 1930) o país havia acabado de sair da chamada República do Café com Leite, que foi o nome dado ao esquema de poder orquestrado pela elite agrária brasileira, sobretudo as de São Paulo e Minas Gerais, ou seja, Freyre se dedicava a compreender o Brasil que vivia e percebeu a influência portuguesa colonial nesse processo. Essa colonização com base em uma economia de exploração agrária teve como mão-de-obra o trabalho escravo. Os africanos, trazidos à revelia para o Brasil, segundo Freyre, lançaram as bases da nossa economia. Foi o trabalho escravizado que possibilitou a formação da Colônia Brasil e que sustentaria nossa economia por séculos. A presença de africanos e africanas no país gerou o relacionamento com portugueses e indígenas hibridizando ainda mais a nossa sociedade. Para ele, essa miscigenação é a grande característica de nosso povo. A colonização portuguesa, portanto, formou um Brasil de sociedade agrária, escravocrata e híbrida. Autor ainda, destaca pontos da cultura portuguesa que foram inseridos em nosso país. Os portugueses seriam mais unidos para Freyre, pois foram o primeiro povo europeu a constituir uma nação (1385), os primeiros a se lançarem ao grande mar (século XIV) e por isso mesmo, esse exemplo da união territorial de Portugal nos ajudou a manter as fronteiras do Brasil que permaneceram até os dias de hoje. Uma união vista entre os portugueses, mas não entre os europeus, que se dividiram em vários países. 16UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre Outra característica que Gilberto Freyre destaca é a mobilidade, pois portugueses ao iniciarem as Grandes Navegações se provaram ser uma nação disposta a se deslocar para crescer e conquistas, esta mobilidade portuguesa também seria vista entre os padres jesuítas de Portugal, que se deslocaram até a Colônia para levar a fé católica. Os portugueses após unificarem o território tinham a Espanha como adversária e única fronteira, ou seja, a única forma de driblar seus rivais seria via mar. As rotas comerciais mais importantes passavam pelo mediterrâneo, mas os muitos intermediários encareciam os produtos vindos do oriente, a solução era encontrar uma nova rota pelo Atlântico que contornasse o continente africano. Os portugueses se lançaram ao grande mar para solucionar suas dificuldades e, com essa ousadia, elogiada por Freyre, conseguiu tornar um pequeno país em uma grande potência. Além da unidade territorial e mobilidade, a miscibilidade portuguesa, teria sido, para Freyre, a qualidade mais importante para a formação do Brasil, pois teria sido ela que uniu os povos que colonizaram essa terra, teria sido a miscibilidade que colaborou para um Brasil livre de racismo e fundado, no que chamou de Democracia Racial. Essa miscibilidade viria acompanhada de uma capacidade de assimilação sem igual entre os povos europeus. Para ele os portugueses assimilariam mais facilmente outras culturas podendo conviver com elas. Freyre aqui despreza o fato de que a suposta miscibilidade e assimilação na verdade foi feita através do extermínio de povos indígenas e suas culturas. Essa miscibilidade ao estabelecer a democracia racial lança a ideia de que indígenas, brancos e negros viviam harmoniosamente no território o que proporcionou o sucesso dessa colonização e impôs limites às práticas racistas. Lembrando que as práticas racistas no Brasil, negadas por Freyre, se direcionavam a africanos e indígenas. Em sua tentativa de elogiar a cultura indígena, acabou por perpetuar a ideia de que o indígena seria preguiçoso, pois teria pouca disposição para o trabalho agrícola. Também os classificou como os que teriam facilitado o intercurso sexual responsável pelo aumento demográfico da Colônia. E ainda afirmou que ofereceram pouca resistênciaà colonização e imposição religiosa. Apesar de tudo, sempre considerou os indígenas como a raça formadora do povo brasileiro. Já o africano teria sido o grande responsável pelo desenvolvimento econômico da Colônia. Imprescindível às atividades econômicas e seria a raça “forte” na formação do brasileiro. 17UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre SAIBA MAIS Gilberto de Mello Freyre. Nasceu em Recife, a 15 de março de 1900, e, nesta mesma cidade, faleceu a 18 de julho de 1987. Gilberto Freyre foi um polímata brasileiro. Como escritor, dedicou-se à ensaística da interpretação do Brasil sob ângulos da sociologia, antropologia e história. Foi também autor de ficção, jornalista, poeta e pintor. É considerado um dos mais importantes sociólogos do século XX. Recebeu da Rainha Elizabeth II o título de "Sir", sendo um dos poucos brasileiros detentores desta alta honraria da coroa britânica. Sobre Freyre, falou Monteiro Lobato: "O Brasil do futuro não vai ser o que os velhos historiadores disserem e os de hoje repetem. Vai ser o que Gilberto Freyre disser. Freyre é um dos gênios de palheta mais rica e iluminante que estas terras antárticas ainda produziram". Fonte: FRAZÃO, D. Biografia de Gilberto Freyre. 2021. Disponível em: https://www.ebiografia.com/ gilberto_freyre/. Acesso em: 04 ago. 2022. REFLITA “Freyre procurou e conseguiu criar um sentimento de identidade nacional brasileiro que permitisse algum ‘orgulho nacional’ como fonte de solidariedade interna”. Fonte: Souza (2017). https://www.ebiografia.com/gilberto_freyre/ https://www.ebiografia.com/gilberto_freyre/ 18UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre CONSIDERAÇÕES FINAIS É inegável a importância de Gilberto Freyre para a intelectualidade brasileira. Suas obras ainda são obrigatórias para quem pretende compreender o Brasil. Seus escritos ainda são analisados vastamente no Brasil e no mundo. Sua contribuição é notória, tanto para simpatizantes quanto para críticos. Percebemos que a contribuição de Freyre para a explicação do Brasil passa, primeiramente, pelas relações culturais entre povos indígenas, europeus e africanos. Em toda a sua obra, se esforça para construir uma narrativa intelectual que apresentasse esses povos como importantes para a construção do Brasil. No período em que escreve, a contribuição indígena e africana era negada, mas Freyre as vê como importantes e valoriza sua participação. Em sua análise, apesar do destaque dado a participação portuguesa, Freyre consegue trazer uma nova análise que tem mais a ver com a brasilidade. Sua obra não pode ser reduzida ao seu conceito mais famoso “democracia racial”. Este conceito, muito atacado, onde Freyre afirma que existe uma harmonia na miscigenação do país e acaba por minimizar toda a violência colonizadora e o racismo herdado após o fim da escravidão. Apesar de ter valorizado demasiadamente o caráter positivo desse caráter híbrido de nossa composição social, ele alcança seu objetivo, trazer uma história e sociologia do Brasil que traz para o centro da discussão, indígenas e africanos. 19UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre LEITURA COMPLEMENTAR Na obra na cita você terá contato com a obra de Freyre utilizada neste capítulo, através do artigo de Silva. Casa Grande & Senzala é uma das obras mais importantes da intelectualidade brasileira. O mito da democracia racial ainda é muito estudado e é necessário que seja compreendido. Fonte: SILVA. M. L. A. M. Casa Grande & Senzala e o mito da democracia racial. Revista brasileira de ciências sociais, São Paulo, v. 39, n. 39, 2017. 20UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Casa Grande & Senzala Autor: Gilberto Freyre. Editora: Global. Sinopse: Em 1933, após exaustiva pesquisa, Gilberto Freyre publica “Casa Grande & Senzala”, livro que revoluciona os estudos no Brasil, tanto pela novidade dos conceitos quanto pela qualidade literária. É considerado o livro capital da cultura brasileira. Passados quase 90 anos, continua sendo um clássico da nossa literatura, mostrando, com beleza e vigor, a formação do povo brasileiro pela mistura de raças e culturas. A atual edição possui introdução de Fernando Henrique Cardos. FILME/VÍDEO Título: Terra Vermelha Ano: 2008. Sinopse: Um grupo de indígenas vivem em uma fazenda trabalhando como escravos e ganham alguns trocados para posarem como atração turística. Eles decidem reivindicar suas terras e de seus ancestrais, começando um grande conflito com os fazendeiros. Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=nOCFZWF_Wb4 21 Plano de Estudo: ● Sergio Buarque, o oposto de Gilberto Freyre; ● Sergio Buarque e a culpa dos portugueses; ● Sergio Buarque e o Homem Cordial; ● Sergio Buarque, o homem cordial e a política brasileira Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender a origem e formação do Brasil à partir da colonização portuguesas e suas consequências; ● Entender os aspectos culturais dos portugueses e sua herança deixa a nós, brasileiros; ● Analisar como Sergio Buarque construiu uma explicação totalizante do Brasil; ● Compreender o conceito de homem cordial e sua importância para a sociologia brasileira. UNIDADE II Sociologia Brasileira: Sergio Buarque de Holanda Prof. Mestre Paulino Peres 22UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 22UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda INTRODUÇÃO Sergio Buarque de Holanda, assim como Gilberto Freyre, constrói uma narrativa a partir da análise das relações culturais do Brasil colonial presentes na relação entre os portugueses dominantes e indígenas e africanos dominados. Mas ao contrário de Freyre, Holanda vê a influência portuguesa no Brasil como algo negativo e duradouro em nosso comportamento. Na unidade II levantaremos os principais conceitos de Sergio Buarque utilizados em seu mais famoso livro, Raízes do Brasil, escrito em 1936, para compreender o brasileiro. Vamos buscar compreender porque o autor entende a influência da colonização portuguesa como negativa, a partir da análise sobre a suporta desorganização, falta de planejamento dos portugueses. Entenderemos também porque coloca a alcunha de aventureiro aos portugueses e como toda essa construção teórica ajuda a desenvolver o conceito de homem cordial e como esse conceito, para ele, representa bem o povo brasileiro. 23UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 23UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda 1. SERGIO BUARQUE, O OPOSTO DE GILBERTO FREYRE Sergio Buarque com certeza é um dos maiores pensadores do Brasil e do que é o brasileiro, e assim como Gilberto Freyre, propuseram uma teoria geral da formação do nosso povo. Ambos de fato contribuíram muito para nossa formação teórica. A Holanda é dado os louros por ter uma visão teórica altamente eficiente sobre a nossa formação, já a Freyre resta a minimização de sua teoria a um único conceito, o de Democracia racial. Pensar Holanda e Freyre desta forma é uma maneira injusta de pensar a sociologia brasileira. Recentemente muitos autores vem elaborando críticas a Holanda. Críticas que demoraram a ganhar força na Academia, enquanto que Freyre vem sofrido duras críticas a décadas. E isso levando em consideração que ambos escreveram suas principais obras na década de 1930. Casa Grande e Senzala, de Freyre, ganhou o Brasil e o mundo, não à toa esse autor é um dos principais do país até hoje. Seu famoso e controverso conceito de democracia racial que afirma que indígenas, portugueses e africanos criaram um Brasil livre de preconceitos raciais foi levado a sério por muito tempo pela intelectualidade mundial. Com o tempo esta teoria se mostrou falha, visto que o Brasil possui um racismo estrutural significativo. Apesar deste conceito não ter aprovação na Academia, é necessário lembrar que Freyre, ao construir sua teoria, levou em consideração a importância de africanos eindígenas na construção do povo brasileiro. 24UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 24UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda Valorizou diversas características destes dois povos. Portanto, a obra de Freyre é um esforço para apontar as qualidades do povo brasileiro. Dito isto, pode-se afirmar que Sergio Buarque faz o inverso. O autor tem uma visão mais pessimista sobre o nosso povo, ele aponta diversos problemas em nossa construção, se esforçando sempre em tentar provar que o brasileiro, em sua construção, deu errado. Claro, Holanda não quer dizer que o brasileiro não tem jeito ou ainda que isso signifique que por aqui não existam qualidades, mas Holanda parece se incomodar com a visão otimista de Freyre. É importante lembrar que Sergio Buarque viveu em um momento da história bra- sileira onde a pobreza, desigualdade, miséria, analfabetismo eram grandes no país, muito mais que no século XXI. Apesar de ser um membro da elite carioca e morar no Leblon, se comovia com as massas desprezadas pelos presidentes da República do Café com Leite, representantes de uma elite agrária e indiferentes às mazelas do povo brasileiro. A sua principal obra, Raízes do Brasil, é uma denúncia a um país que não estava no caminho certo. Na tentativa de denunciar e explicar porque o Brasil não trilhava o rumo certo, acabou, sem intenção, inferiorizando o brasileiro ainda mais. Seu conceito de Homem Cordial mostra um brasileiro avesso há tudo aquilo que seria bom para a construção de um povo e de uma sociedade. Sergio Buarque de Holanda, portanto, seria o oposto de Gilberto Freyre. Freyre é otimista, Holanda, pessimista. Freyre ainda acreditava, Holanda, parece não alimentar muitas esperanças. Freyre acreditava que os portugueses colaboraram positivamente para a nossa colonização, já Sergio Buarque os culpa por todas as nossas mazelas. Realmente, são pessoas bem diferentes explicando um mesmo povo. 25UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 25UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda 2. SERGIO BUARQUE E A CULPA DOS PORTUGUESES Para Sergio Buarque de Holanda a colonização portuguesa trouxe ao Brasil a cultura da personalidade, isto é, o apego ao prestígio pessoal que resultou na ausência de uma moral de culto ao trabalho. Portanto, logo de início Holanda realiza sua primeira crítica aos portugueses. Para ele, o desenvolvimento da Península Ibérica não foi o mesmo que o de outros países europeus. De Portugal teria vindo as fraquezas das instituições e falta de organização social, ideia que futuramente seria mais explorada por um seguidor de Holanda, Raymundo Faoro em Os donos do poder. Mas mesmo entre os ibéricos existiam diferenças e desenvolveu a ideia de dois tipos de explorador no Brasil colonial, o trabalhador e o aventureiro. O trabalhador teria um olhar mais restrito, cuidadoso e direcionado, já o aventureiro possuía um olhar mais amplo e de esforço persistente. Acreditava que espanhóis se adequavam ao tipo ideal do trabalhador enquanto que os portugueses ao de aventureiro. Isso, para ele, teria gerado uma colônia mal organizada, sem planos a longo prazo, com cidades irregulares e com governos fracos e corruptos. Para realizar sua Colônia na América os portugueses utilizaram a escravidão como mão-de-obra e assim supria o que faltava em sua economia. Primeiro escravizaram os indígenas e após os africanos. O indígena não se adaptou a escravidão, no olhar europeu, e por isso mesmo os substituíram pelos africanos. 26UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 26UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda É importante destacar que a população africana no Brasil também não se adaptou a essa condição, porém, a diferença entre africanos e indígenas é que os nativos conheciam essa terra e após fugirem era quase impossível os recapturarem. Já os africanos, por desconhecer o Brasil, eram mais facilmente capturados e as diferenças de idioma também dificultavam a união entre eles, problema que quase não existia entre os indígenas, uma vez que a maioria dos escravizados eram de um mesmo tronco linguístico, o Tupi-guarani. Além disso, existia uma pressão católica pelo fim da escravização indígena. Os africanos no Brasil eram trazidos de diversas regiões da África e eram muito diferentes entre si. A aposta dos portugueses era que reunissem em uma mesma senzala diversos africanos em que a maioria desconhecia a cultura do outro. Assim, aqueles homens e mulheres escravizadas não sentiam proximidade com os outros e não conseguiam se comunicar. Com os indígenas usar esta estratégia era mais difícil. Para Sergio Buarque, como os portugueses já tinham contato com povos não europeus, através de suas navegações pioneiras em torno da África, conseguiram facilmente dominar os nativos e através da Companhia de Jesus possuíam uma forma de se comunicar muito mais simpática que a protestante. Os jesuítas, em suas missões reuniam os indígenas e os protegiam do ataque dos colonizadores e dos bandeirantes fazendo com que fossem vistos por muitas nações indígenas como protetores. A construção econômica do Brasil baseado na escravidão fez o colono branco acreditar que o trabalho físico não dignificava o homem, mas sim o trabalho intelectual o que gerou uma dicotomia entre o mundo rural e urbano, pois o rural era considerado tradicional, atrasado e palco do trabalho braçal, enquanto que o urbano era o mundo dos valores modernos, avançados e o lugar do trabalho intelectual. Sergio Buarque de Holanda elabora vários conceitos que opõe tipos ideais. É clara a influência da sociologia de Max Weber em Buarque de Holanda. Recorrendo à sociologia de Weber, Sergio Buarque identifica entre os ocupantes do continente americano os “tipos ideais” que nomeou de semeador e ladrilhador. O ladrilhador seria o colonizador espanhol e estaria associado às cidades e a racionalidade. As cidades espanholas e suas colônias nas Américas são planejadas, desenhadas em linhas retas. A cidade, portanto, seria a empresa da razão, contrária à ordem natural, pois previa rigorosamente o plano para a existência das próprias cidades. Já o semeador, que representa os portugueses, associou ao litoral e a cidades irregulares, sem planejamento. 27UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 27UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda Para ele os portugueses não entraram no interior do país nos primeiros 200 anos pois não tinham planos a longo prazo, por isso construíram suas cidades no litoral, não à toa receberam o apelido de “caranguejos arranhadores da Costa”. As cidades, nascidas e crescidas sem o mínimo de planejamento tinham o objetivo de fazer fortuna rápida, dispensando um trabalho e organização regular. Para além disso, ainda irá responsabilizar os portugueses pela forma de agir em sociedade dos brasileiros. Para ele, os brasileiros herdaram dos portugueses hábitos no cotidiano que atrapalham o desenvolvimento do país, entre eles a corrupção como a pior delas. Segundo ele tudo isso teria origem no intimismo de nossas relações, ou seja, no Brasil existiria o predomínio de relações humanas simples e diretas que rejeitam a polidez e a padronização, características da civilidade. Aqui percebe-se como Holanda acreditava que o brasileiro não possui comportamento civilizado, e responsabiliza os portugueses por trazerem em suas caravelas os responsáveis por nos deixaram essa terrível herança. Vai além, afirma que existe uma relação íntima entre a vida pública e privada que atrasou o desenvolvimento do país, fazendo com que nós, ao nos tornarmos independentes, rejeitássemos a tendência em todo o continente em se tornar uma República e formássemos um Império nas Américas e, claro trazendo desconfiança de todos os nossos vizinhos sobre nossas reais intenções. Ainda seria esse intimismo em nosso povo que fez denós o último país do continente a libertar os escravos. Ainda teria sido graças a esse nosso jeito de ser que mesmo se tornando uma República desde 1989 continuássemos a desprezar nosso povo. A esse comportamento brasileiro, Sergio Buarque nomeia de Homem Cordial. 28UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 28UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda 3. SERGIO BUARQUE E O HOMEM CORDIAL O homem cordial é, talvez, um dos mais famosos conceitos da sociologia brasileira. Presente nos livros acadêmicos e tido como um conceito-chave para a compreensão de Brasil, promove uma visão psicológica e cultural de nosso povo. Sergio Buarque elabora este conceito partindo do princípio que o brasileiro herdou práticas portuguesas e as incorporou a sua conduta, conforme, cita abaixo: A lhaneza no trato, a hospitalidade, e generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Na civilidade há qualquer coisa de coercitivo – ela pode exprimir-se em mandamentos e sentença (HO- LANDA, 1999, p. 141). Sergio Buarque tenta definir, mas não de forma absoluta, a identidade nacional brasileira através do conceito de homem cordial onde a nossa cordialidade enfatiza o predomínio de relações humanas baseadas nas emoções. Este aspecto de nossa cordialidade estaria presente, por exemplo, no excesso de diminutivos como expressão de afeto: o “Joãozinho”, a “Terezinha”, o “bonitinho” expressam bem, segundo ele, nosso caráter emocional. Cordial então, não está ligado à forma como se entende no dia-a-dia, como alguém que é educada com a outra, mas está relacionado diretamente à origem desta palavra “cor” que é a mesma origem de palavras como “coração” e “cardíaco”. 29UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 29UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda O conceito “cordial”, portanto, representa a metáfora que a sociedade deu ao coração, isto é, aos sentimentos. Em outras palavras, o homem cordial é o homem que age motivado por suas emoções, sendo assim, pouco racional. O homem cordial seria, portanto, emotivo, superficial, intimista, familiar, sem coesão social, avesso às regras, pouco polido, não suportando viver consigo e por isso mesmo vivia nos outros, ou seja, pouco racionais. Esta é a característica que Sergio Buarque alcunha aos brasileiros, uma alcunha que acaba minimizando as práticas de relacionamento social entre os brasileiros. Essa cordialidade em nossas relações teria, inclusive, nos trazido dificuldades na Constituição de um Estado brasileiro, pois o Estado tornou-se um prolongamento da família. O homem cordial não conseguiria, segundo ele, separar o público do privado. O rigor da lei é afrouxado e todos são amigos em todos os lugares. O Estado é dominado por uma elite que faria do Estado um “puxadinho” de sua família e assim o nepotismo se tornaria uma marca no poder político brasileiro. O Estado brasileiro seria propriedade da família, onde laços sentimentais e familiares são transportados para o ambiente do Estado. A cordialidade do brasileiro se apresenta de diversas formas, desde um motorista tentando convencer o policial a não o multar, até uma “carteirada” de um juiz a ser parado em uma blitz. Em ambos os exemplos, vemos o desprezo pela formalidade ética, no primeiro caso o conhecido “jeitinho brasileiro”, no segundo o “você sabe com quem está falando?” Percebe-se, portanto, como Sergio Buarque entende o brasileiro e o Brasil. Vê o Brasil como um país agrícola, rural e pouco desenvolvido. Para ele a política brasileira de sua época era extremamente corrupta assim como o povo brasileiro. Não demonstra grandes expectativas se o perfil do brasileiro continuasse sendo este. Evidentemente que o autor vive em período da história do Brasil onde realmente o Brasil não apresentava grandes mudanças e isso pode ter minado suas esperanças. Em 1936 quando publica Raízes do Brasil algumas mudanças apontavam no horizonte. A elite agrária havia sido enxotada do poder (1930), uma nova Constituição havia sido escrita (1934) e um governo democrático parecia que poderia trazer mudanças, mas em 1937 um golpe de Estado liderado por Getúlio Vargas, com inspiração fascista se concretizou no país, e as características cordiais envolvendo a política nacional se mostraram tão evidentes quanto antes. A realidade brasileira, evidentemente alvo de críticas de Sergio Buarque, o motivou a pensar que o brasileiro era levado a esses tipos de relações cordiais como forma de driblar seus problemas. 30UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 30UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda Também é importante lembrar que o autor jamais afirmou que nós, brasileiros seríamos os criadores de tal comportamento, mas que havíamos herdado de nossos colonizadores portugueses tal prática inspirados na desorganização do Estado português e seu plano colonial imediatista. As críticas mais recentes ao autor estão direcionadas exatamente sobre a forma como classifica os brasileiros, mas o mesmo o faz culpando os portugueses e nos coloca, na verdade, como vítimas de uma colonização cruel, desorganizada, exploratória, intimista e corrupta que geraria uma desenfreada rede de ligações familiares com o poder político. 31UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 31UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda 4. SERGIO BUARQUE, O HOMEM CORDIAL E A POLÍTICA BRASILEIRA A cordialidade brasileira afetou a nação de diversas formas, mas foi na política que mais teve visibilidade e gerou consequências. Para ele, a democracia foi sempre um mal-entendido no Brasil e não somente porque no período imperial (1822-1889) apenas pessoas ricas pudessem votar. Não somente porque durante a República Velha (1989-1930) pessoas não alfabetizadas eram excluídas do voto, o que fazia que quase a totalidade da população não votasse. Holanda afirma que a democracia não se consolidava no país, pois os grandes movimentos sociais e políticos vieram de cima para baixo, fazendo com que o povo sempre ficasse indiferente a tudo. No Brasil, durante o Império, apesar do imperador não ser elegível, os cargos do legislativo eram, entretanto, a estrutura de poder brasileira que beneficiava a elite agrária do país criou o voto censitário que excluía do direito ao voto aqueles que não provassem que possuíam renda anual mínima de 100 mil réis. Uma lei claramente com o objetivo de excluir os mais pobres, negando a eles o direto à participação. Essa exclusão proporcionada pela elite e a classe política contribuiu para a manutenção da pobreza e gigantesca desigualdade social. Com a chegada da República houve uma certa esperança de rompimento de práticas elitistas na política nacional. Este otimismo se mostrou ingênuo, uma vez que os militares ao assumirem o poder em 1889 organizam uma Constituição (1891) que manteve a exclusão dos mais pobres através da proibição do voto dos não alfabetizados. Apenas houve a substituição do voto censitário pelo voto restrito aos alfabetizados. 32UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 32UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda Ambas as manobras políticas possuem o mesmo objetivo, a exclusão dos mais pobres. Sergio Buarque percebe que essas manobras demonstram não somente a sagacidade da classe política, mas as relações culturais que estão por trás delas. Relações baseadas na captura do Estado por uma pequena elite indiferente ao Estado Brasileiro e que privilegiavam seus negócios pessoaise que faziam do Estado uma parte de suas próprias práticas econômicas. Além das questões políticas que envolvem os abusos da elite, Sergio Buarque aponta para uma herança entre a população em geral que envolve a estrutura cultural portuguesa e seu caráter autoritário e desorganizado. Seu diagnóstico sobre nós mesmos, apontou o autoritarismo, a ausência de uma ética do trabalho, o gosto pelo ócio que se traduziam naquilo que aponta como nossa reduzida capacidade de organização social e uma inclinação à anarquia e a desordem. Portanto, a forma com que o Brasil poderia trilhar um rumo democrático, civilizado, desenvolvido seria realizar uma ruptura com o homem cordial, ou seja, deixarmos de ser cordiais, afetivos, intimistas, avesso às regras, etc. Assim, acreditava ele que o brasileiro jamais faria uma Revolução visto que nossa cordialidade não é compatível com rupturas, pois: No Brasil, sempre foi uma camada miúda exígua que decidiu. O povo sempre está inteiramente fora disso. As lutas, ou mudanças são executadas por essa elite e em benefício dela, é óbvio. A grande massa navega adormecida, num estado letárgico, mas em certos momentos, de repente, pode irromper brutalmente (HOLANDA, 1999, p. 98). Uma denúncia importante de Sergio Buarque. Ao afirmar que o poder político, através de relações cordiais, está nas mãos de um pequeno grupo, exclui o povo brasileiro. Apesar de sua dura afirmação sobre nosso povo ser demasiadamente cordial, demasiadamente afetivo e pouco racional, não poupou a elite brasileira dessa alcunha. Para ele a elite brasileira é tão cordial quanto as massas. Assim sendo, acreditava que apenas uma revolução poderia apagar no brasileiro os resquícios de nossa história colonial influenciada pelos portugueses e começar a traçar uma história nossa, diferente e particular. Entretanto, Sergio Buarque não acredita realmente que o brasileiro pudesse fazer uma revolução, pois considera nosso povo passivo e distante de grandes mudanças sociais. Alguns descordaram de Holanda, pois afirmam que o mesmo desconsiderou as revoltas de escravos, a formação de quilombos, revoltas como a Conjuração Baiana, Revolta dos Malês, além das revoltas regenciais como balaiada e cabanagem ou ainda os dois anos de guerra pela independência localizadas na província da Bahia. 33UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 33UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda Na república diversas revoltas tenentistas, movimentos de banditismo agrário, greves urbanas ou até mesmo a Coluna Prestes. Todos esses exemplos mostram que o brasileiro também exerce papel ativo nas relações políticas do Brasil, mesmo sendo limitados pelas manobras políticas. Sendo assim, para Sergio Buarque, as relações políticas brasileiras são permeadas pelo clássico comportamento cordial presente em todas as relações sociais brasileiras, sendo herança portuguesa. Assim, a corrupção e desorganização de nossa política seria tão presente devido à essa cordialidade, a esse relacionamento intimista que faz do Estado uma continuação da família, e assim, sem qualquer remorso os políticos fazem dos cargos públicos uma esfera da vida privada. Irmãos, primos, tios e amigos, para além da esfera íntima, são também, presentes na esfera pública. Isso só acontece, segundo ele, graças a existência do homem cordial brasileiro. SAIBA MAIS Sérgio Buarque de Holanda foi casado com a intelectual e escritora Maria Amélia de Holanda, apelidada Memélia. Com Maria Amélia, Sérgio teve sete filhos, entre os quais: o músico, cantor e compositor Chico Buarque de Holanda; a cantora e compositora Miúcha; a cantora, compositora, atriz, dramaturga e produtora Ana de Holanda; e a cantora e compositora Cristina Buarque. Miúcha, filha já falecida de Sérgio, era mãe da cantora, compositora e produtora Bebel Gilberto, cujo pai era o cantor e compositor João Gilberto. Fonte: PORFIRIO, F. Sergio Buarque de Holanda. s/d. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/ sociologia/sergio-buarque-de-holanda.htm. Acesso em: 18 jun. 2022. REFLITA “A inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, visto que uma e outra nascem do coração” Fonte: Holanda (1995, p. 107). https://mundoeducacao.uol.com.br/sociologia/sergio-buarque-de-holanda.htm https://mundoeducacao.uol.com.br/sociologia/sergio-buarque-de-holanda.htm 34UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 34UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda CONSIDERAÇÕES FINAIS Sergio Buarque, assim como Gilberto Freyre escreveu na década de 1930 e ambos tentaram construir uma explicação total do Brasil a partir de suas origens miscigenadas. Apesar serem membros da elite brasileira, serem intelectuais de destaque, de se esforçarem intelectualmente com o mesmo propósito, tiveram conclusões diferentes sobre o Brasil. Buarque de Holanda dispende esforços para mostrar porque o Brasil não deu certo. Ele em sua obra demonstra insatisfação com a herança cultural herdada dos portugueses, ao qual considerava afetivos e desorganizados. Holanda encontra seu bode expiatório, a colonização portuguesa e a partir dos hábitos coloniais destes constrói a ideia do brasileiro de sua época, o brasileiro cordial. O homem cordial demonstra que ele não vê a população do país de forma positiva, muito pelo contrário, ele afirma que nossos hábitos, aparentemente benignos, na realidade são o nosso grande problema. Nossas relações intimistas e familiares foram estendidas para espaços onde nunca deveriam ter entrado, sobretudo o espaço público, sendo assim, o brasileiro cordial fez do espaço público extensão de sua própria casa. Essas relações cordiais, emotivas, segundo Holanda, deveriam ser superadas para que o Brasil pudesse avançar como civilização. Somente uma revolução poderia nos tirar do legado português e nos deixaria livres para a construção de uma história brasileira. Sergio Buarque, apesar de mostrar-se negativo em relação ao nosso passado e presente, apresentava certo otimismo quando falava em revolução. Via no Brasil potencial para que pudéssemos superar nossos problemas e deixar de ser uma nação desorganizada, corrupta e frágil. As recentes críticas intelectuais ao seu conceito de homem cordial vão em direção à ideia de que ele não acreditava no país e que inferiorizava o povo brasileiro. O conceito de Holanda realmente é bem duro em relação ao comportamento brasileiro, entretanto não o liga ao futuro do Brasil, mas ao seu passado e sua herança patrimonialista portuguesa. Portanto injusto é dizer que Holanda não possuía uma visão otimista do Brasil, muito pelo contrário, quando afirma que devemos realizar uma ruptura com nosso passado colonial, está afirmando seu otimismo em relação a nós mesmos. Sua expectativa por uma revolução, parece ser uma torcida fiel a um Brasil realmente livre de seu passado e com certeza, não cordial. 35UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 35UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda LEITURA COMPLEMENTAR Acesse o material abaixo do Autor Sergio Costa e realize uma leitura aprofundada: COSTA, Sergio. O Brasil de Sergio Buarque de Holanda. Scielo, São Paulo, v. 29, n. 3, p. 821-840. Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/DBbDXXxXGdQX6MMNv- 5T6Qft/?lang=pt. Acesso em: 04 ago. 2022. https://www.scielo.br/j/se/a/DBbDXXxXGdQX6MMNv5T6Qft/?lang=pt https://www.scielo.br/j/se/a/DBbDXXxXGdQX6MMNv5T6Qft/?lang=pt 36UNIDADE I Sociologia Brasileira:Gilberto Freyre 36UNIDADE II Sociologio Brasileira: Sergio Buarque de Holanda MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Raízes do Brasil Autor: Sergio Buarque de Holanda Editora: Cia. Das Letras Sinopse: Nunca será demasiado reafirmar que Raízes do Brasil inscreve-se como uma das verdadeiras obras fundadoras da moderna historiografia e ciências sociais brasileiras. Tanto no método de análise quanto no estilo da escrita, tanto na sensibilidade para a escolha dostemas quanto na erudição exposta de forma concisa, revela-se o historiador da cultura e ensaísta crítico com talentos evidentes de grande escritor. A incapacidade secular de separarmos vida pública e vida privada, entre outros temas desta obra, ajuda a entender muito de seu atual interesse. E as novas gerações de historiadores continuam encontrando, nela, uma fonte inspiradora de inesgotável vitalidade. Todas essas qualidades reunidas fizeram deste livro, com razão, no dizer de Antonio Candido, "um clássico de nascença". FILME/VÍDEO Título: Raízes do Brasil: uma cinebiografia de Sergio Buarque de Holanda Ano: 2003 Sinopse: O filme Raízes do Brasil é um documentário dirigido por Nelson Pereira dos Santos a respeito da vida e da obra do escritor e jornalista Sérgio Buarque de Holanda, autor da obra Raízes do Brasil. O lançamento do longa-metragem no Brasil, em 2004, foi uma homenagem ao centenário de nascimento de Sérgio Buarque de Holanda (1902). O documentário inclui imagens do arquivo pessoal do escritor e cenas históricas. Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=etUEsguoUx4 37 Plano de Estudo: ● Caio Prado Junior: vida e obra; ● Caio Prado Junior: um intelectual materialista; ● Caio Prado Junior: a formação étnica do Brasil contemporâneo; ● Caio Prado Junior: análise da obra Formação do Brasil contemporâneo. Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender a importância da origem do pensamento materialista dialético de Caio Prado; ● Entender sua análise como materialista e não do ponto de vista cultural como Freyre e Holanda; ● Analisar como Caio Prado Junior construiu uma explicação totalizante do Brasil; ● Compreender como a lógica econômica portuguesa determinou a lógica econômica e social na formação do Brasil. UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior Prof. Mestre Paulino Peres 38UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior INTRODUÇÃO Caio Prado Junior, ao contrário de seus antecessores, Freyre e Holanda, não realiza uma análise cultural do Brasil, mas material. Prado Junior, também retorna à colônia brasileira e percebe que os portugueses estabeleceram aqui uma colônia baseada na mão- de-obra escravizada em latifúndios de monocultura. Para ele, sua época ainda conservava essas características e que esta seria a herança deixada pelos portugueses. Nesta unidade compreenderemos os principais argumentos narrativos de Prado Junior presentes em sua obra, Formação do Brasil contemporâneo (1944) para compreensão do Brasil. Aqui investigaremos porque Prado Junior analisa o Brasil a partir da economia e não da cultura, como seus antecessores. Também analisaremos sua narrativa histórica a respeito da economia colonial de dominação branca. Ainda procuraremos esclarecer que ele percebe a lógica econômica colonial portuguesa baseada em uma economia de monocultura agrária e latifundiária e como essa prática perpeuou-se pelo Brasil. 39UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior 1. CAIO PRADO JUNIOR: VIDA E OBRA O paulista Caio Prado Junior foi mais um cientista social brasileiro que se propôs a entender o Brasil, mas não do mesmo ponto de vista de seus antecessores, Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Holanda. Os dois anteriores ao realizarem suas análises históricas e sociológicas do Brasil investiram em uma abordagem cultural. Caio Prado, marxista, fez uma análise materialista dialética. A análise da estrutura brasileira foi seu grande foco. Nasceu na capital paulista em 1907, de família aristocrática, foi ensinado em casa. Sua origem elitista contrasta com sua abordagem social materialista. Mesmo rico, sempre teve uma vida discreta e simples. Em sua infância e adolescência não conseguia compreender porque ele e sua família tinham tanto e os demais habitantes brasileiros tinham tão pouco, assim logo se interessou pelos estudos sobre o capital, pobreza, desigualdades e classes sociais. Na década de 1920 a efervescência intelectual e política reinava em São Paulo. Um período de rebeldia na capital paulista o estimulava o que o levou a militar na esquerda política brasileira desde 1928. Logo, o Brasil viveria a “Revolução de 1930”, iniciamos a Era Vargas, expansão da democracia e dos direitos para logo em seguir sofrermos um Golpe de Estado em 1937, ascensão do fascismo e início da segunda guerra mundial. Os anos 1930 foram da esperança ao fracasso e Caio Prado, durante o Estado Novo (1937-1945) escreve em 1942 sua obra mais famosa, Formação do Brasil Contemporâneo. 40UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior Caio Prado, nesta célebre obra, explica o Brasil, não mais enfatizando os heróis individuais, mas a partir da análise de conjecturas em que os grupos políticos, segmentos da raça e de classe têm um papel privilegiado na explicação da história. Até 1930 a historiografia nacional estava dominada pela presença da história política, recheada de heróis nacionais (preferencialmente republicanos) e também por preconceitos antropológicos como a “superioridade racial” do homem europeu. Formação do Brasil Contemporâneo é pioneira a utilizar uma perspectiva marxista, pois nela, vai procurar também as origens históricas do Brasil para compreender a evolução política e econômica do Brasil. Neste período, Caio Prado, além de sua influência em Marx e Engels, sobre influência interna também. Em 1922 o Brasil presencia em São Paulo a Semana de Arte Moderna que introduziu no país novas técnicas de abordagem estrangeiras. Aberto a inovações, Caio Prado aceita desafios intelectuais. Deste movimento, bebe do antropofagismo de esquerda presente no Manifesto Antropofágico do poeta Oswald de Andrade. O poeta defende a cultura brasileira, defende ainda que ela poderia ser utilizada junto às influências internacionais, sobretudo das que vinham da Europa e América do Norte (pois a maior parte da cultura presente no país, vinham destes lugares). Este nacionalismo de esquerda presente na antropofagia de Andrade e dos artistas modernistas também possuía seu contraponto, o movimento verde-amarelista liderado por Plínio Salgado do Partido Integralistas, partido autoritário de inspiração nazista dentro do Brasil. Movimento verde-amarelista esse que ganhou a admiração de Getúlio Vargas à época. O golpe de Estado dado por Vargas em 1937 teve início com o Plano Cohen, em que Vargas espalha a falsa notícia que comunistas e judeus tentavam dar um Golpe de Estado. Isso fez para que ele mesmo pudesse dar um auto-golpe. Caio Prado, militante de esquerda, filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) seria, evidentemente, perseguido pelo governo. Caio Prado havia defendido a chegada do poder de Vargas em 1930, pois era crítico ferrenho da República aristocrática do Café com Leite (1905-1930). Em 1935 cria a Aliança Nacional Libertadora (ANL) que tinha membros de toda a esquerda e não apenas comunistas. Ainda em 1935 a ANL foi enquadrada na Lei de Segurança Nacional e entrou na ilegalidade. O PCB junto a ANL tentou uma insurreição armada sem sucesso que o deixou dois anos recluso. Após sua libertação se autoexilou na França onde manteve contato frequente com o PCF (Partido Comunista Francês). Retornou ao Brasil em 1939 percebendo que as tensões europeias poderiam levar a uma nova guerra, o que de fato ocorreu. 41UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior De volta ao Brasil, Caio Prado teve dificuldades de realizar sua militância teórica e intelectual devido à forte repressão varguista. Vargas flertava com o nazi-fascismo, porém após pressão dos Estados Unidos se afasta da Alemanha nazista e das forças do Eixo. Como retaliação a Alemanha naufraga alguns navios mercantes brasileiros. Assim, o governo Vargas é pressionado pela opinião pública e se afasta ideologicamente da Alemanha e o Brasil se alia aos Aliados. Com essa guinada à ideologia democrática no governo Vargas, figuras mais liberais ganhavam destaque no Governoe assim, Caio Prado e o PCB se aproximam do Governo. Acreditavam que a união contra o nazi-fascismo ajudaria a conquistar a democracia interna. Foi com essa convicção que Caio Prado Junior, o comunista, auxilia na criação da União Democrática Nacional (UDN), partido que ficaria famoso por ser altamente conservador. Todos os problemas políticos que envolviam Caio Prado apenas o motivaram para continuar suas análises histórica e sociológicas. Quanto mais ele compreendia os desafios políticos e econômicos do Brasil mais inquieto ficava sobre as dificuldades brasileiras de superação do passado colonial. Acreditava ele que o século XX havia herdado os males do período colonial e imperial. Queria entender o sentido da colonização e sua aparente prisão sobre a produção de gêneros agrícolas. No fim do Estado Novo, Caio Prado utilizaria a sua fortuna familiar para criar a Editora Brasiliense, que foi responsável por grande produção editorial de esquerda no país. Pela editora publicou ainda História Econômica do Brasil, onde mais uma vez, analisa o Brasil através de suas relações de produção onde o historiador tratou de aspectos econômicos do Império e República a partir do tripé latifúndio, monocultura e escravidão. Foi eleito deputado estadual em 1946 pelo PCB. Seu mandato foi curto, pois o clima de Guerra Fria que atemorizava o mundo levou o PCB novamente à ilegalidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acusado de ser um partido antidemocrático e controlado por interesses externos. Novamente seria preso, desta vez por três meses. Durante a década de 1950 manteve uma alta produção intelectual na Editora Brasiliense e nos anos 1960 publica seu mais polêmico livro, A revolução brasileira, onde rompe com ideias clássicas do PCB, que defendiam o desenvolvimento democrático- burguês. Caio Prado, com certeza está em os grandes nomes das ciências sociais no Brasil. Sua análise é ampla e comparada as de Gilberto Freyre e Sergio Buarque. Outros viriam após e também entrariam nesse rol junto a esses três gigantes. A grande influência de Caio Prado é sua influência marxista que inspiraria e ainda inspira historiadores e sociólogos no Brasil. 42UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior 2. CAIO PRADO JUNIOR: UM INTELECTUAL MATERIALISTA As discussões teóricas sobre marxismo hoje são comuns na academia e fora dela o nome de Marx é utilizado com propósitos diversos. A popularidade do nome de Marx hoje nada é comparada ao marxismo do início do século XX no Brasil. As propostas socialistas já eram conhecidas nas maiores cidades em industrialização, pois imigrantes europeus as conheceram na Europa e aqui ela era estimulada. Mas ainda não tínhamos intelectuais marxistas, eram poucos e seus escritos não tinham grande circulação. Caio Prado surge um dos primeiros nomes de maior importância declaradamente marxistas na intelectualidade brasileira. Materialista-histórico-dialético, Caio Prado, dentro de um objeto de estudo escolhido, relacionava a identidade (tese) à negação desta identidade (antítese) de modo que a última substituiria a primeira formando uma nova identidade/tese (síntese). Esse processo seria, portanto, cíclico, dialético. Assim como em Marx, Caio Prado não assume a dialética (tese/antítese/síntese) como algo espiritual, como ocorria na dialética de Hegel, mas sim, material (influência do materialismo de Feuerbach). Da mesma forma que Marx, Caio Prado assume o materialismo como condições materiais e históricas da sociedade, portanto, o materialismo é o método utilizado pelos marxistas baseado nas condições materiais de uma sociedade. 43UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior Estas condições materiais também podem ser compreendidas como relações de produção ou relações de trabalho, ou seja, para os marxistas só é possível compreender a sociedade a partir de suas relações de produção, de suas relações de trabalho, de suas relações econômicas. O método materialista-histórico dialético é inovador no sentido que inverte a com- preensão da sociedade dando destaque para aqueles que estão na estrutura da sociedade, pois se uma sociedade só pode ser compreendida em suas relações de trabalho, o traba- lhador ganha destaque nesta análise, isto é, a sociedade agora seria entendida não mais a partir de seus personagens políticos, mas através de grupos que até aquele momento eram desprezados pela intelectualidade. A obra de Caio Prado demostra sua predileção em explicar o Brasil através de suas relações econômicas, como o fragmento a seguir: É, pois, sob a ação de fatores contraditórios que evoluirá a nossa economia: por um lado, assistiremos ao desenvolvimento daquele sistema (cafeeiro), que atinge então um máximo de expressão com o largo incremento, sem paralelo no passado, de umas poucas atividades de grande vulto econômico, com exclusão de tudo mais. Mas, doutro, veremos resultar daquele mesmo desenvolvimento os germes que evoluirão no sentido de comprometer a princípio, e afinal destruir (se bem que o processo não esteja ainda terminado nos dias que correm) a estrutura econômica tradicional do país (PRADO JÚNIOR, 2000, p. 214-215). O autor deixa claro sua análise econômica (materialista) sobre a sociedade brasileira e também o aspecto contraditório (dialético) de sua explicação sobre o Brasil. Caio Prado compreende o país através da produção cafeeira e da força produtiva por trás dela, a escravidão. A economia colonial baseada na monocultura latifundiária prejudicava o país, portanto, para ele, seria através da economia que o Brasil deixaria de ser um país periférico. O marxista Caio Prado, ao contrário de que desavisados ingênuos críticos do socialismo dizem não realizou em sua obra uma orientação para a formação de uma Brasil socialista, muito pelo contrário, o autor afirmava que para o Brasil fazer parte do grupo de países dominantes seria necessário o desenvolvimento das relações capitalistas de produção. Pode parecer que há aqui uma contradição, mas não, Caio Prado é um marxista fiel ao determinismo econômico de Karl Marx. Caio Prado acreditava que as relações de produção capitalistas deveriam se desenvolver até o ponto que o desenvolvimento das forças produtivas iria entrar em confronto com as relações de produção. A luta entre essas classes em um sistema de produção capitalista levaria o proletariado a uma revolução socialista. Isto é, assim como em 44UNIDADE III Sociologia Brasileira: Caio Prado Junior Marx, o autor afirma que uma sociedade socialista emergiria de uma sociedade plenamente capitalista através de uma luta de classes entre forças produtivas e donos dos meios de produção. Apesar de ver no Brasil um capitalismo ainda emergente, percebe que a colonização no Brasil só teve sentido dentro da lógica do capitalismo europeu que se desenvolvia aos poucos desde o século XV. Para ele: No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos (PRADO JÚNIOR, 2000, p. 31). Caio Prado, afirmava que o capitalismo no Brasil não havia se desenvolvido, pois seria refém do capitalismo europeu. O pacto colonial colocava a colônia brasileira totalmente submissa à sua metrópole portuguesa. Não havia qualquer tipo de liberdade econômica. Os portos estavam fechados ao mundo e nossa única alternativa econômica era Portugal. O colonialismo mercantilista intervinha de tal forma que Portugal era nosso único cliente. Mesmo que outras nações oferecessem
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