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Introdução A Ecologia Ecologia I 1. Introdução Acredito que todos já tenham ouvido, lido e até mesmo pronunciado a palavra “ecologia” em diferentes contextos. A palavra ecologia e suas derivações (e.g., ecológico, ecologicamente) têm sido comumente empregadas para agregar valor econômico a produtos diversos e popularmente utilizadas para expressar estilos de vida e, até mesmo, valores morais e éticos. É comum os alunos imaginarem que, na ecologia, ouvirão falar das belezas da natureza e dos problemas ambientais, mas não é bem assim. Também é comum se surpreenderem com a necessidade de entender, pelo menos um pouco, de física, bioquímica e matemática. Então, o que é ecologia enquanto ciência? Ecologia é a ciência que estuda as interações entre os organismos e o efeito dessas interações na distribuição e na abundância desses organismos. Ou seja, pela ecologia, buscamos entender por que cada espécie vive onde vive e o porquê da quantidade de indivíduos de cada espécie nos diferentes locais onde ocorre. A palavra ecologia tem origem no grego. O prefixo “eco” veio da palavra grega oikos e significa “casa”, significando o meio ambiente ao redor de cada indivíduo; e a palavra “logos” significa estudo. Portanto, Ecologia é o “estudo da casa”. Damos mais ênfase ao “ambiente circunvizinho” no significado de “eco”, porque estamos considerando as interações diretas e as indiretas mais próximas de cada indivíduo, ou seja, aquelas interações que geram consequências para vida dos indivíduos e que, de alguma forma, nós conseguimos mensurar (medir). No entanto, se considerarmos as interações indiretas mais distantes ou mesmo em grandes escalas temporais, e também considerarmos que todos os ecossistemas estão direta ou indiretamente interligados, o significado “casa” também pode ter a dimensão de um ecossistema ou mesmo da biosfera. Na literatura, você encontrará diferentes maneiras de explicar o que é ecologia. Por exemplo: “Ecologia é a ciência através da qual estudamos como os organismos interagem entre si e com o mundo natural” (RICKLEFS, 2010). “Ecologia é o estudo científico da distribuição e abundância dos organismos e das interações que determinam sua distribuição e abundância” (BEGON et al., 2007). Se você procurar na literatura científica ou na internet o significado de ecologia, encontrará outras maneiras de definir esta ciência. Independente da definição que você considerar, todas incluem o significado do prefixo eco (do grego oikos, significando “casa”) e a existência de interações entre os organismos. “Diferentemente de algumas outras ciências, o objeto de estudos da ecologia é evidente para todos: a maioria das pessoas observa e se interessa pela natureza e, de certa forma, todos somos um pouco ecólogos. Porém, a ecologia não é uma ciência fácil” Vamos considerar as dimensões que podemos ter tanto no significado de “casa” quanto de “interações” no conceito de ecologia. Nesse sentido, podemos estudar a ecologia em três níveis de hierarquia: 1. Organismos; 2. Populações de organismos; 3. Comunidades de populações. Para fins didáticos e de distribuição do conteúdo, estudaremos cada um dos níveis hierárquicos “isoladamente”. No entanto, devemos sempre lembrar que todos esses níveis se formam e se mantêm pelas interações ecológicas entre os organismos. Ou seja, a base do raciocínio ecológico inclui as interações entre os organismos e as consequências dessas interações para os próprios organismos e para o meio ambiente. Porém, vamos lembrar aqui que esperamos que você entenda que a ecologia é uma ciência transversal na área das Ciências Ambientais, Agrárias e Biomédicas. Como podemos mostrar isto com base nos conceitos e no conteúdo teórico que iremos estudar? O estudo da ecologia envolve todos os aspectos que contribuem para o sucesso dos organismos. O sucesso de um organismo está relacionado a sua capacidade de obter energia suficiente para sua manutenção, crescimento e reprodução. Assim, analisamos sua fisiologia, seu comportamento, suas características genéticas e sua história evolutiva. Também analisamos todos os aspectos físicos e químicos do ambiente (fatores abióticos) que influenciam os organismos. A ecologia trata das inter- relações entre todos esses fatores bióticos e abióticos. Se refletirmos bem, para entendermos bem a ecologia precisamos entender, pelo menos, um pouco de zoologia e botânica, bioquímica, física e biofísica, genética, microbiologia, paleontologia, climatologia, geologia, entre outras áreas do conhecimento. Ter uma boa base em matemática também é importante para o entendimento da teoria ecológica. Em 1973, o biólogo Theodosius H. Dobzhansky publicou um artigo intitulado “Em biologia nada faz sentido exceto à luz da evolução”. Essa frase tem um amplo significado e tornou-se um conceito unificador nas ciências biológicas. Begon et al. (2007) fizeram uma análise dessa frase escrita por Dobzhansky e escreveram no prefácio de seu livro: “ [...]na evolução e, portanto, na biologia como um todo, poucas coisas têm sentido, exceto à luz da ecologia”. Essa afirmação feita por Michael Begon e colaboradores mostra a dimensão da Ecologia enquanto ciência. Mas, hoje, diante de tantos problemas ambientais, podemos pensar que o conhecimento da ecologia só fará sentido se for aplicado à solução dos problemas ambientais. Novamente, Begon et al. (2007) anteciparam esse questionamento e escreveram: “[...]permanecemos convictos de que a ação ambiental só pode ter consistência quando baseada em princípios ecológicos”. Analisando essa frase, podemos entender que o sucesso de toda ação de conservação e manejo da natureza, seja para exploração de um recurso natural ou para solucionar um problema ambiental, depende do entendimento da teoria ecológica. Nessa frase, também já podemos ver que Ecologia e Biologia da Conservação abordam conteúdos distintos. Existe uma linha tênue entre a Ecologia, a Zoologia e a Botânica, e entre Ecologia e Biologia da Conservação. A ecologia se sobrepõe consideravelmente com a zoologia e a botânica, mas há uma diferença básica: na ecologia, o interesse maior é direcionado aos processos ecológicos e, na botânica e zoologia, o foco é maior no grupo taxonômico de interesse do pesquisador. A biologia da conservação é uma ciência multidisciplinar que inclui a teoria ecológica aplicada à solução de problemas ambientais, mas também precisa considerar as questões econômicas, culturais e sociais. Já a medicina da conservação estuda as doenças infecciosas dentro do seu contexto eco- epidemiológico, portanto, também é baseada na ecologia. Assim, naturalmente, um ecólogo “navega” entre a zoologia, a botânica, a biologia da conservação e em outras disciplinas da área das Ciências Biológicas (por exemplo, genética, bioquímica, morfologia) para entender a história de vida dos organismos. Quando digo que o interesse dos ecólogos é nos “processos ecológicos”, estou usando esse termo de maneira mais ampla, ou seja, considerando os processos de produção (fotossíntese), decomposição, fluxo de energia, mas também as relações de predação, parasitismo, mutualismo, entre outras. Mas, lembre-se: essas três disciplinas se sobrepõem e podemos até considerar que a abordagem ecológica forma um elo entre a zoologia, botânica, biologia e medicina da conservação, e também com outras disciplinas. Por isso, digo a você que ecologia é uma disciplina transversal nos cursos das áreas biológicas, agrárias e médicas, uma disciplina que interage com todas as outras disciplinas. 2. Conceitos Básicos Agora, quero mostrar a você alguns conceitos básicos em ecologia. Como dito antes, podemos estudar a ecologia nos níveis hierárquicos de organismos, populações e comunidades. A relação de interdependência desses níveis hierárquicos e seus ambientes forma as dimensões dos sistemas ecológicos. Basicamente, vamos entender o que significa biosfera, ecossistema, comunidade, população e organismo. Ao longo do estudo da ecologia, iremos nos aprofundar no estudo de cada um desses conceitos, mas,neste momento, precisamos entender o que cada uma dessas palavras significa para darmos prosseguimento na transmissão da teoria ecológica. Biosfera: região do planeta que inclui todos os organismos e ambientes sobre a crosta da Terra. Todas as partes da biosfera estão interligadas pelas trocas de energia e matéria (nutrientes) entre os diferentes ecossistemas e, nesta escala, estudamos os processos globais (RICKLEFS, 2010). Ecossistema: os ecossistemas são formados pelos componentes físicos, químicos e biológicos interagindo. Na abordagem de ecossistemas, estudaremos o fluxo de energia e o ciclo dos elementos químicos (RICKLEFS, 2010). Comunidade: o conceito de comunidade considera as populações de todas as espécies que vivem em um determinado lugar e que, direta ou indiretamente, interagem entre si. De acordo com Ricklefs (2010), a comunidade é a unidade da biodiversidade. Na ecologia de comunidades, podemos estudar a composição e a estrutura da comunidade biológica (TOWNSEND et al., 2010). População: conjunto de indivíduos de uma mesma espécie vivendo juntos. A população é a unidade da evolução (RICKLEFS, 2010). O estudo das populações busca explicações a respeito da distribuição e abundância das espécies de interesse e como o número de indivíduos flutua ao longo do tempo. Organismo: é cada indivíduo que existe. Segundo Ricklefs (2010), o organismo “é a unidade mais fundamental da Ecologia, o sistema ecológico elementar”, sendo a unidade da seleção natural. Estudamos os organismos para entendermos os efeitos do meio ambiente sobre os organismos e desses organismos sobre o meio ambiente (TOWNSEND et al., 2010). “Um sistema ecológico pode ser um organismo, uma população, um conjunto de populações vivendo juntas (frequentemente, chamado de comunidade), um ecossistema ou toda a biosfera. Cada sistema ecológico menor é um subconjunto de um próximo maior e, assim, os diferentes tipos de sistemas ecológicos formam uma hierarquia” Esses conceitos que abordamos serão utilizados ao longo de todo o estudo da ecologia e, à medida que nos aprofundarmos, iremos estudar com mais detalhes cada um deles. Um ecólogo pode estudar desde um organismo até a biosfera como um todo. Assim, a dimensão de um sistema ecológico pode variar desde um único indivíduo até a biosfera, sendo todos submetidos às leis da termodinâmica e à possibilidade de mudarem ao longo do tempo pelo processo da evolução (Figura 1). Uma vez que a luz do sol é a maior fonte de energia para os sistemas ecológicos, todos os ecólogos, de certa forma, estudam como a energia do sol chega à Terra, fornece energia para os sistemas físicos termodinâmicos, entra nos sistemas biológicos pelo processo da fotossíntese realizada pelos organismos autotróficos (exemplo: plantas e algas) e disponibiliza essa energia para todos os organismos heterotróficos (exemplo: animais, bactérias e fungos). Ou seja, o ecólogo estuda o fluxo da energia proveniente do sol nas interações dentro dos sistemas biológicos e desses com o sistema físico termodinâmico (Figura 2). Vetor exemplificando as dimensões de um sistema ecológico que pode ser desde um organismo até a biosfera. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2020/06/aula_ecolog_top01_img01V2-768x1003.jpg Outros dois conceitos importantes de abordarmos aqui são os significados de “habitat” e de “nicho ecológico”. O termo habitat é utilizado para definir o lugar onde os organismos vivem e, normalmente, são classificados pelas suas características físicas mais evidentes. Desta forma, podemos considerar os habitats aquáticos e os terrestres, os habitats de floresta e os campestres, entre outros (Figura 3). Os diversos tipos de habitats existentes na Terra realçam a variedade de condições nas quais os diferentes organismos vivem (RICKLEFS, 2010). O nicho ecológico representa um resumo das tolerâncias e necessidades de um organismo (BEGON et al., 2007). Diferentemente do habitat, o nicho não é um local, mas expressa a função de cada organismo nos sistemas ecológicos. Assim, em um mesmo habitat, há diversos nichos ecológicos distintos. Fotos exemplificando as dimensões das abordagens ecológicas e evidenciando que a luz do sol é a maior fonte de energia para os sistemas ecológicos e, também, é a fonte de energia do sistema físico termodinâmico. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2020/06/aula_ecolog_top01_img02v2-768x768.jpg Fotos exemplificando diferentes tipos de habitats. A) floresta (Amazônia); B) savana tropical (Cerrado); C) deserto (deserto de Atacama) e; D) recife de coral (Mar Vermelho). 3. Escala De Tempo E Espaço As variações espaciais e temporais são relativas para cada espécie. A passagem de uma frente fria na região litorânea pode provocar tempo chuvoso por um período de sete dias ou mais. Esse evento pode ter pouca relevância na vida de um mamífero de grande porte, mas pode ser altamente significativo para uma mosca-da-fruta que vive, aproximadamente, 20 dias. Da mesma maneira, a variação de um metro pode não ter diferença para um grande mamífero herbívoro pastando em um campo e andando centenas de metros para suprir suas demandas diárias de alimento. Por outro lado, percorrer essa mesma distância pode representar um gasto energético imenso para um caramujo de alguns milímetros de tamanho. Portanto, as respostas dos diferentes tipos de organismos às mudanças espaciais e temporais dependem da magnitude e da frequência destas mudanças e do tipo de organismo que as experimentam. “O grau de heterogeneidade de um ambiente depende da escala do organismo que o percebe. Para uma semente de mostarda, um grão de solo é uma montanha; para uma lagarta, uma folha pode representar uma dieta inteira. ... Ao observador humano, o que aparece como um ambiente homogêneo, para um organismo dentro dele pode ser um mosaico do intolerável e do adequado” https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2020/06/aula_ecolog_top01_img03-768x538.jpg A ecologia pode ser estudada em escalas espaciais que variam desde dimensões microscópicas a globais. Por exemplo: as atividades de um parasito intracelular ou de uma alga unicelular são realizadas em dimensões microscópicas. Por outro lado, o efeito acumulado da atividade desse parasita pode alcançar a dimensão do corpo de um mamífero de grande porte (exemplo, o homem) e, até mesmo, de uma população inteira. Da mesma maneia, as atividades de algas unicelulares podem influenciar as características físico-químicas de um grande lago. Também precisamos considerar a dinâmica temporal relacionada às interações entre os organismos e desses com o meio ambiente físico-químico. Tanto os organismos quanto o meio ambiente mudam ao longo do tempo e, embora os organismos possam se mover no espaço, não é possível se moverem no tempo. Portanto, todo organismo está submetido às condições ambientais do tempo presente de sua existência. Para espécies com tempo de vida longo, alguns dias nublados podem não ter grande influência no seu sucesso enquanto entidade ecológica. Por outro lado, para um microrganismo autotrófico, que vive apenas alguns dias, isto pode representar uma queda considerável na sua taxa de produtividade ao longo de sua existência. 4. Princípios Gerais Da Ecologia Há quatro princípios básicos pelos quais os sistemas ecológicos são governados. São eles: 1. “Sistemas ecológicos obedecem às leis da física” (RICKLEFS, 2010). Isto significa que o funcionamento dos sistemas ecológicos está submetido às leis da termodinâmica. 2. “Os sistemas ecológicos existem em estados dinâmicos” (RICKLEFS, 2010). Esse princípio mostra que os sistemas ecológicos são dissipativos, ou seja, há troca de energia entre os sistemas ecológicos e isto acontece tanto entre organismos como entre os subsistemas da biosfera com um todo. De acordo com as leis da termodinâmica, podemos considerar que todo sistema ecológico tende ao equilíbrio. No entanto, os organismos podem seguir caminhos alternativos. Por exemplo: todo corpo tende a equilibrar sua temperatura coma do meio circundante. No entanto, um animal homeotérmico pode manter sua temperatura corporal constante em um ambiente com temperatura variante, mas isto tem um custo para esse animal. Ou seja, esse animal terá que gastar energia para “driblar” a pressão das leis da física. 3. “Sistemas vivos devem gastar energia para se manter” (RICKLEFS, 2010). Este princípio já pode ser percebido pelo exemplo dos organismos homeotérmicos dado acima. Isto significa que todo organismo precisa obter energia para realizar trabalho e para compensar suas perdas de energia para o meio. 4. “Os sistemas ecológicos evoluem com o tempo” (RICKLEFS, 2010). Embora as leis da física sejam imutáveis, os sistemas ecológicos estão sempre se transformando. A força que promove a transformação dos sistemas ecológicos é composta, parcialmente, pelas pressões do meio ambiente físico-químico sobre os organismos e, parcialmente, pelas interações que ocorrem entre os organismos. Esse processo se autopromove, ou seja, os organismos se adaptam ao seu ambiente e, com isto, surgem novas possibilidades de interações e respostas adaptativas a essas interações. Esses princípios ecológicos norteiam o raciocínio da abordagem ecológica em todos os seus níveis, dos indivíduos aos ecossistemas. Observamos nesses princípios que todo o processo de funcionamento e transformação dos sistemas ecológicos ocorre por uma correspondência entre os organismos e seus ambientes (RICKLEFS, 2010). Essa correspondência promove a evolução, que tem como base o princípio da seleção natural descrito pelo naturalista Charles Darwin. 5. Cenário Evolutivo: Adaptação, Seleção Natural E Especiação Considerando que você já está compreendendo o “rumo” do raciocínio aplicado à abordagem ecológica, já somos capazes de ver que a história da vida na Terra nos mostra que as características da estrutura (morfologia) e do funcionamento (fisiologia, comportamento) dos organismos mudam ao longo das gerações. Essas características de estrutura e funcionamento que ajustam o organismo às suas condições ambientais são as adaptações. No entanto, adaptar não significa que houve uma intenção dos organismos em se ajustar às condições atuais de vida. “Os organismos não foram planejados ou moldados para o presente: eles foram moldados (por seleção natural) por ambientes passados. Suas características refletem os sucessos e as falhas de ancestrais” O ecólogo Michael Begon e seus colaboradores escreveram que “adaptação significa que ocorreu mudança genética” (BEGON et al., 2007). Isto quer dizer que as adaptações são o resultado da seleção de características que afetam o sucesso do indivíduo, ou seja, que influenciam a chance individual de sobreviver e reproduzir. Assim, os indivíduos com maiores chances de sobrevivência e reprodução tendem a deixar mais descendentes e, com isto, a frequência de suas características aumenta na população. Isto ocorre porque essas características estão associadas aos alelos que são transmitidos dos pais para filhos. A diferença na chance de sobrevivência e reprodução entre os indivíduos implica que os atributos dos indivíduos que geram mais descendentes são selecionados pelo processo denominado pelo naturalista Charles Darwin como seleção natural. A seleção natural expressa três propriedades básicas da relação dos indivíduos com o meio ambiente: 1. variação genética entre os indivíduos de uma população; 2. hereditariedade; 3. fitness individual (valor adaptativo). A variação genética está relacionada ao fato de haver diferenças entre os indivíduos, ou seja, há diferenças em um atributo específico que muda entre os indivíduos de uma população. Por exemplo: todos os seres humanos possuem orelhas e há um padrão que caracteriza essa estrutura, mas há variações no formato das orelhas de indivíduos distintos. Essas diferenças formam um fundamento básico para haver seleção, pois só é possível selecionar o “melhor” se houver diferenças que atribuem maior ou menor eficiência entre os indivíduos. A hereditariedade significa que há herança dos atributos dos pais pela reprodução, representando que as características de um indivíduo são determinadas pelos genes herdados dos seus pais. Assim, podemos afirmar que pelo menos parte da variação existente nos organismos é hereditária (BEGON et al., 2007). O fitness individual expressa o fato de alguns indivíduos serem mais eficientes para “jogar o jogo da vida” do que outros. O uso da palavra “fitness” em ecologia pode ser entendido como “valor adaptativo” ou “ajustamento evolutivo”, ou mesmo “eficácia ecológica”, e pode ser medido pelo número de descentes gerados por um indivíduo. Essa eficácia ecológica é relativa, ou seja, significa que os indivíduos mais eficazes deixam mais descendentes do que os menos eficazes, mas não significa que apenas os mais eficazes geram descendentes. Assim, o contexto ambiental que favorece maior chance de reprodução por indivíduos que possuem determinadas características também produz o aumento da frequência dessas características na geração seguinte. Essas mudanças nas características hereditárias de uma população ao longo do tempo significam que ocorreu evolução por seleção natural (Figura 4). Todos os aspectos morfológicos, fisiológicos e comportamentais são um reflexo das adaptações dos organismos ao meio ambiente e, portanto, são passíveis ao processo de seleção natural. Ilustração vetorial do processo de seleção natural descrito por Charles Darwin. Esquema exemplificando como as interações entre os diferentes organismos e desses com o meio ambiente podem influenciar as chances individuais de sobrevivência e reprodução, além de mudar as características de uma população. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2020/06/aula_ecolog_top01_img04-768x610.jpg O processo da especiação promove a geração da diversidade biológica. Especiação é o processo pelo qual uma nova espécie se forma. A “especiação ecológica” inclui os processos de especiação que levam à evolução de um isolamento reprodutivo como consequência de seleção natural divergente de características em populações ocupando ambientes distintos (SCHLUTER, 2001). Esse processo está relacionado a diversos fatores bióticos e abióticos, podendo ocorrer em alopatria ou simpatria. O cenário clássico da especiação envolve o isolamento de subpopulações em contextos ambientais distintos e, consequentemente, a mudança evolutiva independente de cada uma dessas subpopulações (Figura 5). Sabia que o ser humano começou a aplicar os princípios da seleção natural bem antes do naturalista Charles Darwin publicar a teoria da evolução por seleção natural em 1859? Sabe como isto aconteceu? Representação gráfica do cenário clássico de especiação biológica. Observe que esse processo acontece em um cenário com variação espacial (escala espacial) e temporal (escala temporal). A→B: A população de uma espécie se redistribui no espaço formando duas subpopulações; B→C: contextos ambientais distintos induzem a diferentes respostas adaptativas, diferenciando as duas subpopulações; C→D: as populações voltam a viver no mesmo espaço, mas já estão geneticamente isoladas, tornando-se espécies biológicas distintas. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2020/06/aula_ecolog_top01_img05-768x426.jpg Acesse o link e leia um artigo a respeito da “Síntese Evolutiva”. Clique aqui. 6. Conceito De Espécie O conceito de espécie ainda é motivo de muitos debates entre biólogos. Basicamente, o conceito biológico de espécie afirma que uma “espécie” representa um grupo de organismos isolados reprodutivamente de outros grupos. Esse isolamento reprodutivo pode ser pré-zigótico, ou seja, existência de mecanismos que impedem o cruzamento. Ou pós-zigóticos, representados por mecanismos que geram baixa viabilidade ou inviabilidade da prole. Na essência do conceito biológico de espécie está o isolamento reprodutivo, independentemente de ser pré ou pós-zigótico. Importante entender que o isolamento reprodutivo considerado no conceito biológicode espécie não está relacionado a um isolamento espacial que impede dos indivíduos se encontrarem e cruzarem gerando descendentes. Esse isolamento considera um fenômeno biológico que impede a reprodução. No entanto, o critério do isolamento reprodutivo não se aplica a organismos com reprodução assexuada. Assim, além do conceito biológico de espécies, também há outros conceitos de espécie, por exemplo, o “conceito evolutivo” e o “conceito filogenético” de espécie, entre outros. Alguns desses conceitos reavaliam o critério do isolamento reprodutivo. “Uma espécie de ave é um sistema de populações representando uma linhagem monofilética, geneticamente coesa e genealogicamente concordante de indivíduos que compartilham um sistema de fertilização comum através do tempo e espaço, representando uma trajetória evolutiva independente e demonstrando essencialmente, mas não necessariamente, isolamento reprodutivo completo de outros sistemas de populações similares” Mas, como disse a vocês, esse conceito ainda é fruto de muitos debates. Então, por enquanto, vamos ficar com o conceito biológico que já é o suficiente para o que vamos estudar nessa disciplina. Depois que nos aprofundarmos mais na teoria ecológica e estudarmos mais de genética e evolução, voltaremos a analisar o conceito de espécie. http://www.abfhib.org/FHB/FHB-01/FHB-v01-01-Aldo-Araujo.pdf Acesse os links e leia dois artigos a respeito do conceito de espécies e suas implicações para a conservação da biodiversidade. Link 1 Link 2 7. Conclusão Neste Tópico, procuramos apresentar a vocês os principais conceitos em Ecologia bem como a linha geral de raciocínio dessa ciência. Para isto, na introdução, mostramos o significado de ‘Ecologia’ enquanto ciência e os níveis hierárquicos do estudo da ecologia. Também mostramos que, embora haja semelhanças e até mesmo sobreposição, na Ecologia, a abordagem é diferente da Zoologia, da Botânica e da Biologia da Conservação, sendo uma disciplina que interage com todas as outras disciplinas da área das Ciências Biológicas, Biomédicas e Agrárias. Seguindo em frente, vimos os conceitos básicos em ecologia. Particularmente, foi apresentado o significado de Biosfera, Ecossistema, Comunidade, População e Organismo. Também vimos que a abordagem ecológica considera as escalas de tempo e espaço relativas aos diferentes tipos de organismos e às interações desses entre si e com o meio ambiente circundante. Mostramos a você os princípios gerais da abordagem ecológica e como esses princípios estão relacionados com as leis da física. Esses princípios norteiam todo o estudo da ecologia. Em seguida, você teve contato com a Ecologia Evolutiva. Fizemos isto no item “Cenário evolutivo” e, assim, apresentamos a importância da teoria ecológica para o entendimento da evolução da vida na terra. Também mostramos o conceito de espécie e o debate sobre esse conceito. Creio que o conteúdo apresentado até aqui já foi suficiente para mostrar a você o quanto o estudo da Ecologia é desafiador e, ao mesmo tempo, estimulador. A Ecologia é uma das abordagens científicas mais atuais do mundo moderno, pois envolve a análise da vida desde os primórdios do surgimento da vida na Terra até as atuais relações do ser humano moderno com todos os componentes da biosfera. Prepare-se para uma viagem em busca de uma das mais misteriosas questões que ronda a cabeça do ser humano: o que é a vida e como ela acontece? Na ecologia, você também encontrará conhecimentos valiosos para a solução dos grandes problemas ambientais que assolam o planeta e a humanidade. Mas, tenha paciência: para chegarmos a esse entendimento, precisaremos de https://repositorio.museu-goeldi.br/bitstream/mgoeldi/540/1/Megadiversidade%205%281-2%29%202009%20Aleixo.pdf http://revbrasilornitol.com.br/BJO/article/view/2914/pdf_483 disposição para estudar bem mais do que será apresentado nesta disciplina. Aqui, na teoria ecológica, você encontrará um “mapa” para caminhar em direção à resposta dessa pergunta e a solução dos problemas ambientais. Mas, lembre-se: percorrer esse mapa é passar por, se não todas, quase todas as disciplinas existentes nas Ciências Biológicas. Anime-se e vamos em frente nesta empolgante viagem! 8. Referência Aleixo, A. Conceitos de espécie e o eterno conflito entre a continuidade e a operacionalidade: uma proposta de normatização de critérios para o reconhecimento de espécies pelo Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos. Revista Brasileira de Ornitologia 15 (2): 297-310, 2007. Aleixo, A. Conceitos de espécie e suas implicações para a conservação. Megadiversidade 5 (2): 87-95, 2009. Araújo, M. A. Síntese evolutiva, contrição ou redução de teorias: há espaço para outros enfoques? Filosofia e História da Biologia 1: 5-19, 2006. Begon, M., C. R. Townsend & J. L. Harper. Ecologia: de Indivíduos a Ecossistema. 4ª Edição. Porto Alegre: Artmed, 2007. Johnson, N. K., J. V. Remsen Jr. & C. Cicero. Resolution of the debate over species concepts in ornithology: a new comprehensive biologic species concept. 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