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A contribuição da psicologia à Justiça

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31 
 
Barbarói, Santa Cruz do Sul, v.36, ed. esp., p.31-41, jan./jun. 2012 
 
A MEDIAÇÃO E A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA À JUSTIÇA 
 

Marcelo Spalding Verdi 
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Rio Grande do Sul - Brasil 

 
Resumo 
Desde seus primeiros passos como ciência, a Psicologia tem sido requisitada a 
colaborar com a Justiça. Sob o paradigma positivista, a interlocução entre a Psicologia e o 
Direito desenvolveu-se simultaneamente às importantes mudanças na subjetividade e nas 
estruturas sociais que transformaram a sociedade ao longo do século XX. Diante da crescente 
demanda por compreensão da conduta humana em uma sociedade cada vez mais complexa, a 
Psicologia respondeu à altura e conquistou, pela via pericial, um lugar de destaque entre as 
disciplinas auxiliares da Justiça. No entanto, inserida na lógica adversarial do processo 
judicial e com uma função meramente avaliativa, esse tipo de contribuição logo demonstrou 
significativas limitações. Para superar as limitações da perícia psicológica e prestar auxílio 
efetivo às pessoas na solução dos conflitos nos quais se envolvem, ativando a 
responsabilidade nas pessoas e combatendo a tendência à judicialização da vida, a Psicologia 
deverá tomar a Mediação como referência na busca de qualificação de sua contribuição à 
Justiça. 
Palavras-chave: Psicologia e Justiça. Mediação. Responsabilidade. 
Introdução 
Numa quarta-feira de dezembro, poucos dias antes do Natal, Ana procurou a 
Defensoria Pública em Porto Alegre com a pretensão de levar a juízo um pedido de guarda de 
sua filha Paula, 8 anos de idade. A menina morava com a mãe, mas, no domingo anterior, seu 
pai a levara para passar o dia com ele e decidira não devolver mais, alegando que a mãe a 
houvera agredido. 
Ana, 36, vivera com o pai da menina, Paulo, 42, durante seis anos e estava dele 
separada havia cinco. Paula, filha única do casal, residia na casa materna. O pai visitava a 
menina eventualmente e contribuía no seu sustento. 
32 
 
Barbarói, Santa Cruz do Sul, v.36, ed. esp., p.31-41, jan./jun. 2012 
 
Ana contou, na Defensoria Pública, que estava, ultimamente, com dificuldades para 
lidar com a filha, que se sentia sem autoridade e que estava precisando de maior participação 
do ex-companheiro, mas, segundo ela, a acusação de agressão, que o ex-companheiro havia 
levado, inclusive, ao Conselho Tutelar e à Delegacia da Criança e da Adolescência, era um 
exagero. 
Ouvida, inicialmente, por uma Defensora Pública, Ana foi encaminhada ao Gabinete 
de Psicologia da Defensoria, para que sua demanda fosse atendida por meio de Mediação: ela 
havia concordado em tratar do assunto juntamente com o ex-companheiro, em busca de uma 
solução consensual. 
Uma semana depois, poucos dias antes do final do ano, Ana e Paulo fizeram a 
primeira entrevista de Mediação, durante a qual conversaram sobre as necessidades da filha, 
sobre o atendimento que vinham proporcionando e, até mesmo, sobre a história de seu 
relacionamento desde a convivência até o momento da entrevista. Antes de terminar o 
encontro, fizeram combinações a respeito dos cuidados à filha e agendaram nova sessão para 
o final do verão. 
Na data marcada, no término do mês de fevereiro, Ana e Paulo fizeram a segunda 
entrevista de Mediação. Ao final da mesma, entraram em acordo quanto à residência onde a 
menina seguiria morando, aos seus períodos de convivência com cada um deles e à 
participação financeira de um e outro no sustento da filha. Considerando a possibilidade de 
retornar diante de um futuro desentendimento, julgaram desnecessário tanto levar a juízo o 
acordo construído quanto firmar termo extrajudicial. 
Ana e Paulo tiveram, desse modo, num intervalo de 60 dias, a oportunidade de 
tratar, de forma responsável e consequente, de um tema que, no âmbito judicial levaria, via de 
regra, não menos do que o dobro do tempo para começar a ser tratado. Levando-se em conta a 
alta probabilidade de que fosse determinada, em juízo, a realização de perícias sociais e 
psicológicas para que se averiguasse qual dos genitores apresentaria melhores condições para 
ter a guarda da filha, e de que o processo se estendesse em sucessivas contestações 
desencadeadas pelo incremento da litigiosidade entre as partes, o tempo decorrido poderia ser 
bem maior e, mais importante, a eficiência, no sentido de que restassem contemplados os 
melhores interesses da criança envolvida, bem menor. 
Esse caso foi atendido na Defensoria Pública do Estado, em Porto Alegre, assim 
como poderia ter sido em algum outro dentre os diversos serviços de Mediação que, 
atualmente, se encontram à disposição da população em centros comunitários, universidades, 
ongs, instituições de formação de mediadores, órgãos governamentais, etc. No entanto, apesar 
33 
 
Barbarói, Santa Cruz do Sul, v.36, ed. esp., p.31-41, jan./jun. 2012 
 
da relativa profusão de ofertas, essa opção para lidar com conflitos é, ainda, uma novidade
1
 no 
campo da Justiça e, na medida em que compartilha com as práticas psicológicas uma série de 
pressupostos, técnicas e objetivos, anuncia-se como um farol a apontar os rumos a serem 
seguidos pela Psicologia em suas relações com a Justiça. 
Desde uma perspectiva histórica, a colaboração advinda dos campos de 
conhecimento psi, relativamente à multimilenar história do Direito, é recente. A primeira 
contribuição das ciências psi ao campo da Justiça ocorreu na área do crime e derivou das 
pesquisas sobre doença mental e delinquência empreendidas no final do século XVIII na 
França (GOMES; GARCIA-PABLO DE MOLINA, 2008). Realizador eminente desses 
estudos, o médico Phillip Pinel (1745-1826), considerado fundador da Psiquiatria, publicou, 
em 1798, a obra “Nosographie philosophique”, por meio da qual estabeleceu as bases de uma 
psicopatologia ao mesmo tempo científica e humanitária. 
Nessa época, o debate a respeito dos motivos pelos quais alguém comete um crime 
era influenciado pela concepção do livre-arbítrio, mas os novos conhecimentos sobre a 
loucura passaram a indicar que o ser humano nem sempre é dono de sua razão e pode não 
entender a completa dimensão de suas atitudes. Mais adiante, novas pesquisas, desta vez 
sobre o funcionamento normal da mente humana, resultaram em novas possibilidades de 
colaboração à Justiça. Wilhelm Wundt (1832-1920) criara, em 1879, o primeiro laboratório de 
psicologia experimental, tomando os processos básicos da consciência como objeto de 
investigação (ARAÚJO, 2007) e abrindo caminho para os estudos sobre percepção, memória 
e inteligência que proporcionariam, na sequência, o advento da Psicologia do Testemunho. Já 
não se tratava de examinar apenas o criminoso, mas também as testemunhas, para que fosse 
verificada a veracidade de seus relatos (JACÓ-VILELA, 1999). 
No início do Século XX, o surgimento da Psicanálise também produziu efeitos no 
campo jurídico. No ano de 1906, Freud iniciou com as seguintes palavras uma palestra que 
fora convidado a fazer na Faculdade de Direito de Viena: 
Senhores, estamos cada vez mais convictos da falta de fidedignidade das declarações 
feitas por testemunhas, sobre as quais, entretanto, se apóiam tantas condenações nos 
tribunais. Esse fato levou-os, futuros juízes e defensores, a se interessar por um novo 
método de investigação, que se propõe a induzir o próprio réu a estabelecer sua 
culpa ou inocência por meio de sinais objetivos. Esse método consiste numa 
experiência psicológica e se baseia em pesquisas da mesma ordem. Está 
estreitamente ligado a certas concepções que só muito recentemente chegaram ao 
conhecimento da psicologia médica. Sei que os senhores, por meio do que 
poderíamos chamar de ‘exercíciossimulados’, já se ocupam em testar as 
possibilidades e a utilização desse novo método, e aceitei com prazer o convite do 
professor Löffler, que preside este seminário, para explicar-lhes de forma completa a 
relação entre esse método e a psicologia (1986 [1906], p. 95) 
34 
 
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Com grande expectativa a respeito das ciências da mente, o Direito interessava-se 
pelos estudos com associação livre em busca de soluções definitivas para suas tarefas de 
desvendamento da verdade, mas Freud não alimentou as esperanças, alertando que a verdade 
do inconsciente não é a mesma verdade dos fatos. Ainda que, nessa ocasião, tenha ficado 
praticamente decretada a impropriedade do método de associação livre para investigação 
criminal, a Psicanálise, ao longo dos anos seguintes, ao lançar luzes sobre as motivações 
inconscientes e sobre o papel da infância na formação do sujeito, consolidou-se como 
referência para a compreensão da conduta humana e passou a ser cada vez mais requisitada a 
participar dos debates jurídicos. 
Mas a Psicologia, como ciência autônoma, só veio a obter efetivo reconhecimento 
do campo da Justiça a partir da sétima década do século XX (HUSS, 2011), e o modelo da 
interlocução que então se estabeleceu correspondia à hegemonia que a orientação positivista 
exercia no âmbito da pesquisa. De fato, a engenhosidade demonstrada pelos psicólogos 
experimentais e cognitivos, a partir da metade do século passado, em estudos a respeito de 
desenvolvimento infantil, personalidade, aptidões, processos cognitivos, tendências, perfis, 
relacionamentos, assim como na elaboração de testes, escalas e instrumentos de pesquisa e 
avaliação, resultou em um conjunto amplo e consistente de conhecimentos, habilitando a 
Psicologia a responder, com a pretensão de uma ciência exata, aos mais diversos 
questionamentos advindos do campo judicial. Como efeito, os psicólogos tornaram-se aptos a 
emitir opiniões técnicas, conforme fossem requisitados, para auxiliar a tomada de decisões na 
Justiça. No trâmite processual, essa colaboração chama-se perícia psicológica e no meio 
acadêmico, Psicologia aplicada ao Direito. 
Atualmente, perícias psicológicas costumam ser solicitadas em disputas de guarda 
de crianças, em estudos criminológicos para progressão de pena, em suspeitas de abuso 
sexual, em avaliações de capacidade civil, em processos de adoção, entre outras situações. No 
entanto, é sabido que a ciência psicológica ainda apresenta importantes limitações em sua 
capacidade de compreender e prognosticar condutas. Isso não chega a inviabilizar o modelo 
pericial, de modo geral, pois o simples reconhecimento dessas limitações e a explicitação da 
falta de respostas para determinado caso específico já são suficientes para garantir sua 
utilização responsável. O que tem colocado o modelo pericial em cheque, ultimamente, 
refere-se mais à limitação de sua função no processo: embora avalie, não auxilia na obtenção 
de uma solução ao conflito, embora lide com as partes em conflito, não intervém para que se 
produza uma solução eficaz (SHINE, 2003). A perícia apenas auxilia a decisão judicial, 
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mesmo em matéria que, sabidamente, justo por causa de seus aspectos psicológicos, a decisão 
judicial não conseguirá pacificar. 
Uma disputa judicial de guarda é emblemática neste sentido. Diante de um 
desacordo entre os genitores não conviventes a respeito da casa onde o filho pequeno deverá 
morar, o psicólogo pode ser chamado para auxiliar o juiz a decidir, em nome dos melhores 
interesses da criança, qual dos dois genitores apresenta melhores condições para atender o 
filho em termos de afetividade, saúde, segurança e educação, conforme preconizam o Estatuto 
de Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) e o Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002). 
Entretanto, não há com garantir que identificar o melhor genitor e designá-lo guardião vá 
resultar, na prática, na pretendida proteção à criança. Embora não conviventes, quer sejam 
carinhosos ou distantes, cuidadosos ou negligentes, compreensivos ou disciplinadores, ambos 
os pais seguirão ocupando um lugar decisivo no mundo afetivo do filho. Não se deveria levar 
em consideração que, mesmo que o filho resida com o genitor que lhe proporcione melhores 
cuidados, o outro seguirá exercendo influência tanto pelo que fizer quanto pelo que não fizer? 
Não se deveria levar em consideração, ainda mais seriamente, o fato de que grande parte das 
disputas de guarda não resulta das discordâncias entre os genitores a respeito do que seria 
melhor para o filho, mas dos ressentimentos sobreviventes à convivência e ao desenlace 
conjugal? Qual o sentido de se proceder a comparação entre os pais se o conflito é de outra 
ordem? Pode a identificação do melhor genitor e sua designação como guardião proteger o 
filho dos efeitos nocivos dos ressentimentos não resolvidos entre seus pais? Manifestando-se 
como subparticipação do genitor não guardião ou por meio de algum surto vingativo que se 
volte contra o filho em um momento fugaz ou, mesmo, na forma da corriqueira guerra de 
guerrilha que mantém o filho acuado entre provocações explícitas e manobras dissimuladas, a 
parentalidade afetada negativamente pelos conflitos pós-conjugais prejudica os filhos 
independentemente da casa onde morem (CUMMINGS; DAVIES, 2002; HUSS, 2011; 
VILLAS BOAS; DESSEN; MELCHIORI, 2010). 
Não há que se hesitar quanto à prioridade dos melhores interesses das crianças nos 
temas da família (BAPTISTA, 2000; ESTROUGO, 2004; GUIMARÃES; GUIMARÃES, 
2004). O direito personalíssimo dos indivíduos de manter e alimentar desavenças relacionais 
não deve se sobrepor aos interesses dos filhos. Portanto, o objetivo da Justiça não pode ser 
apenas o de identificar o melhor genitor para conceder-lhe o direito de passar mais tempo do 
que o outro genitor ao lado do filho ou para designá-lo responsável pelos cuidados à criança 
durante a maior parte da semana, enquanto ao outro genitor caberá conviver e responsabilizar-
se durante períodos mais curtos; a questão é mais complexa. Essa é a limitação a que a perícia 
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psicológica fica submetida: mesmo que bem feita, ela pode não ajudar a fazer justiça, ainda 
que auxilie a tomada de decisão judicial. Não haveria outro modo de os conhecimentos 
psicológicos auxiliarem a Justiça a atingir, efetivamente, seu objetivo de garantir a proteção 
das crianças? 
Se os próprios conhecimentos psicológicos sustentam que o melhor para os filhos de 
pais que não moram juntos é o mesmo que para os filhos de pais que moram juntos, ou seja, 
que ambos os pais participem e se responsabilizem por seus cuidados, não necessariamente 
em perfeita harmonia, mas com respeito, cooperação e cumplicidade (DOLTO, 1898; 
SANDERS; NICHOLSON; FLOYD, 1997; VERDI, 2004), não seria o caso de se trabalhar 
nessa direção? No momento em que se apresenta à Justiça uma disputa entre duas pessoas 
pela guarda de seus filhos, por que não empreender esforços para proporcionar que essas 
pessoas superem o litígio e desenvolvam cooperação em vez de proceder a avaliação 
psicológica comparativa? O tempo e a dedicação dos psicólogos requisitados a fazer as 
avaliações dos litigantes não poderia ser usado em procedimentos voltados para proporcionar 
a superação do conflito e o estabelecimento de cooperação no cuidado aos filhos? 
Evidenciadas as limitações da lógica adversarial intrínseca ao processo judicial e da 
intervenção psicológica pericial para dar conta da complexidade das dimensões envolvidas 
nas disputasfamiliares, a Mediação passou, a partir do final do século XX, a conquistar 
espaço no âmbito jurídico. Resgatada pela pesquisa de caráter interdisciplinar, a Mediação 
preconiza uma nova abordagem aos conflitos. O mediador não representa o saber específico 
de uma ciência especializada, e os litigantes não são tomados como objetos de investigação. A 
Mediação é uma intervenção direta junto às partes, voltada para ativar a responsabilidade e a 
autoridade das mesmas com relação às situações de suas vidas (GROENINGA; BARBOSA; 
TARTUCE, 2010). Na mediação, os litigantes são sujeitos em um processo que, do início ao 
fim, os considera protagonistas em suas histórias. Não se trata de substituí-los na tarefa de 
tomar decisões sobre a própria vida; ao contrário, trata-se de desfazer a expectativa de que a 
solução seja responsabilidade de um poder situado fora deles mesmos. 
Pode haver, nos casos das disputas de guarda, intenção mais apropriada do que 
auxiliar os pais a assumir a responsabilidade pelas decisões a respeito dos filhos? E se a 
Mediação dispõe de recursos para ativar a responsabilidade e a autoridade das pessoas quanto 
aos rumos da própria vida, sua relevância no mundo extrapola a esfera familiar, haja vista a 
judicialização da vida que tem se revelado tendência contemporânea. 
Nesse sentido, retomar a perspectiva histórica apresentada acima com foco na 
evolução das ideias pode ser esclarecedor. O surgimento das ciências, da pesquisa positivista 
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Barbarói, Santa Cruz do Sul, v.36, ed. esp., p.31-41, jan./jun. 2012 
 
e, consequentemente, do exame pericial corresponde ao advento da concepção a respeito do 
homem que caracterizou a Era Moderna. Deus fora destituído da posição de referência 
absoluta, e a organização da sociedade passara a ser determinada pela racionalidade humana. 
O saber científico habilitara-se a substituir a revelação divina, e a sociedade alimentou as 
expectativas de domínio completo sobre a natureza e de soluções técnicas para todos os 
problemas da sociedade. 
Ao deslocar Deus, a sociedade moderna estava pondo em movimento um processo 
de destituição gradativa do poder de todas as figuras anteriormente representativas de alguma 
forma de autoridade: do sacerdote ao governante, do policial ao professor. Diante da 
constatação de que o que vinha sendo fragilizado era o lugar simbólico ocupado pelo pai na 
psiquismo do homem moderno, os psicanalistas nomearam tal fenômeno como declínio da 
função paterna (LEBRUN, 2010; MELMAN, 2003). O progresso científico sustentava a 
promessa redentora pela via da técnica e, simultaneamente, desautorizava toda a forma de 
saber e poder que não tivesse decorrido de seu método. O caso da educação dos filhos é 
emblemático: quanto mais os psicólogos obtiveram reconhecimento como possuidores da 
verdade sobre o desenvolvimento infantil, mais os pais tornaram-se inseguros para educar 
seus filhos. A transmissão geracional deixou de ser suficiente para autorizar os adultos a guiar 
suas crianças. Como disse Guilhon de Albuquerque, quando um campo de saber se estabelece, 
instala-se, concomitantemente, o não-saber em seu entorno (BAREMBLITT, 1984). Por todos 
os lados, o declínio da função paterna mostrava seus efeitos revolucionários. A sociedade 
tornava-se mais complexa, descentralizada, horizontal. Porém, chegou o momento em que a 
ciência passou a perder parte de seu encanto: mostrou suas falhas na forma de aberrações 
políticas, como foram os regimes autoritários alemão e soviético, e experimentais, como 
foram as experiências nazistas com humanos e a prática da lobotomia; revelou-se incapaz de 
evitar novos flagelos e mostrou-se vulnerável ao jogo de interesses do neoliberalismo. 
Se o declínio da função paterna havia permanecido, até aqui, despercebido para 
muitos graças à incipiência da democracia e à força das ideologias políticas, passou, a partir 
dessa virada, a apresentar-se como ameaça de desamparo e de ruptura do laço social. A busca 
por orientações religiosas fortemente restritivas, o discurso nostálgico relativo a um suposto 
passado de respeito e disciplina, o clamor da mídia pela instalação de um poder punitivo e 
ordenador e diversas outras manifestações contemporâneas denunciam a angústia gerada pela 
falta do Pai. Para alguns, a ausência de protocolo a orientar as condutas, o relativismo dos 
valores, a multiplicidade das referências, a impermanência dos sólidos
2
 e a fluidez dos 
38 
 
Barbarói, Santa Cruz do Sul, v.36, ed. esp., p.31-41, jan./jun. 2012 
 
relacionamentos
3
 que caracterizam a sociedade atual tornaram a experiência da vida 
intolerável sem o suporte de um saber onipotente. 
A própria fé na ciência ainda persiste, sem dúvida. Muitos ainda apostam que 
nascerão dos ramos ultratecnológicos da neurologia e da genética as respostas para todos os 
dramas humanos. E, diante da complexidade da organização social atual, mesmo a demanda 
pelas perícias na área da família segue em alta: se fazer justiça não é mais restituir a ordem 
masculina e paterna aviltada, se todos os membros da família têm direito à dignidade, se 
nenhum poder pode se estabelecer caso represente ameaça aos direitos de outrem, é preciso 
estudar cada família em suas idiossincrasias para que a decisão judicial corresponda a suas 
necessidades. Nesse mesmo sentido, se a judicialização da vida é uma tendência nas 
sociedades ocidentais, isso ocorre porque, além da democratização do acesso à Justiça, além 
da valorização dos direitos individuais, é psicologicamente justificável que seja atribuído o 
papel de pai à Justiça, que dela se possa esperar a proteção dos problemas, o reconhecimento 
dos méritos e a indicação dos caminhos a seguir. 
Esse é um dos temas aos quais deve se dedicar a Psicologia Jurídica: a judicialização 
dos fatos da vida. Esse é o campo para a análise da busca por proteção, da colocação da 
Justiça no lugar de pai. Numa sociedade em que a autonomia é extremamente valorizada, o 
que representa delegar à Justiça decisões sobre a vida particular, como ocorre nos casos de 
família? Quais os efeitos sobre a subjetividade e sobre as relações (conjugais, familiares, 
sociais, profissionais...) da delegação à Justiça da responsabilidade pela administração de 
tarefas próprias da vida adulta que se leva em família e em sociedade? E quando essa 
demanda de proteção paterna dirigida à Justiça revelar-se frustrada, como inevitavelmente há 
de acontecer, o que restará para o indivíduo? Quais são as alternativas do sujeito numa 
sociedade sem função paterna? Que lei substituirá a lei paterna? Por esse via, novamente a 
Psicologia encontra a Mediação. 
Ana e Paulo procuraram a Defensoria Pública numa tentativa de judicializar seus 
desacordos em torno da filha; receberam, em troca, o reconhecimento de seu saber a respeito 
das necessidades da menina e retornaram a suas vidas dispensando intervenções exteriores. 
Responsabilidade e autoria, na medida em que traduzem, em cada sujeito, a relação entre um 
saber próprio e um saber externo, são temas fundamentais nas reflexões sobre subjetividade. 
Portanto, devem o ser, também, para a Psicologia, como ciência e como profissão, ainda mais 
quando se revela tarefa inevitável vislumbrar a vida numa sociedade sem Pai. Voltada para 
ativar a responsabilidade e a autoridade das pessoas com relação às situações de sua vida, a 
Mediação pode se constituir num antídoto para a tendência à judicialização e num recurso 
39 
 
Barbarói, Santa Cruz do Sul, v.36, ed. esp., p.31-41, jan./jun. 2012 
 
para a convivência quando o totem (FREUD, 1986[1913]) já não servir como referência 
hegemônica. 
 
MEDIATION AND CONTRIBUTION TO THE PSYCHOLOGY OF JUSTICE 
 
Abstract 
Since itsbeginning as a science, Psychology has been required to cooperate with the Justice. 
Under the positivist model, the dialogue between Psychology and Law developed 
simultaneously to the expressive changes in subjectivity and in social structures that 
transformed society during the 20th century. Considering the growing demand for 
understanding the human conduct in an increasingly complex society, Psychology has 
answered as was expected and it conquered, as a provider of expert opinions, a prominent 
place among the auxiliary disciplines of Justice. However, embedded in the logic of the 
adversarial judicial process and with a function only to evaluation this kind of contribution 
soon demonstrated significant limitations. To overcome the limitations of the expert 
psychological evaluation for legal purposes and provide effective help to people in solving the 
conflicts in which they engage, empowering people and combating the trend toward 
judicialization of life, Psychology should take Mediation as a reference in the search of the 
qualification of its contribution to Justice. 
Keywords: Psychology and Justice. Mediation. Responsibility. 
Referências 
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21 de novembro de 2011. 
 
Sobre o Autor: 
Marcelo Spalding Verdi é Psicólogo, Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS), Psicólogo Judiciário na 
Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail: msv.verdi@gmail.com 
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1
 Na verdade, há notícias de que a mediação foi utilizada em diversas culturas ao longo da história da civilização 
(LEVY, 2008), sendo abandonada na medida em que os sistemas jurídico-judiciais foram se organizando como 
poder de Estado. Nesse sentido, o resgate da Mediação, em pleno século XX, representa, de fato, uma inovação 
na forma como as sociedades ocidentais lidam com os conflitos. 
2
 Referência à obra “Tudo o que é sólido desmancha no ar”, na qual seu autor, Marshall Berman, tomando a 
famosa frase de Marx como mote, analisa a Era Moderna e identifica o surgimento, no século XX, de uma 
modernidade fragmentária que vários pensadores vieram a definir, depois, como pós-modernidade. 
3
 Referência às obras “Modernidade líquida” (2001) e “Amor líquido” (2004), de Zygmunt Bauman, análises do 
contemporâneo com títulos autoexplicativos.

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