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Dia-Logos ___________________________________________________ REVISTA DOS ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Nº 6 | OUTUBRO DE 2012 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Reitor Ricardo Vieiralves de Castro Vice-Reitora Maria Christina Paixão Maioli Sub-Reitoria de Graduação Lená Medeiros de Menezes Sub-Reitoria de Graduação e Pesquisa Monica da Costa Pereira Lavalle Heilbron Sub-Reitoria de Extensão e Cultura Regina Lúcia Monteiro Henriques Diretor do Centro de Ciências Sociais Domênico Mandarino Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Dirce Eleonora Solis Coordenadora Geral do Programa de Pós-Graduação em História Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/ REDE SIRIUS/ CCS/ A ____________________________________________________ D536 Dia-Logos - RJ. - vol.1 nº1 (2004) - .- Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2004 – v. Anual Dia-Logos - Revista dos alunos de Pós-Graduação em História da UERJ, nº6, 2012. ISSN 1414-9109 1. História - Periódicos. I. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. CDU: 981 (05) Dia-Logos ___________________________________________________ REVISTA DOS ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Nº 6 | OUTUBRO DE 2012 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Conselho Consultivo (UERJ) Carlos Alvarez Maia; Edgar Leite Ferreira Neto; Edna Maria dos Santos; Eliane Garcindo de Sá; Lená Medeiros de Menezes; Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves; Lúcia Maria Paschoal Guimarães; Márcia de Almeida Gonçalves; Maria do Carmo Parente; Maria Emília da Costa Prado; Maria Regina Cândido; Maria Teresa Toríbio Brittes Lemos; Marilene Rosa Nogueira da Silva; Ricardo Antônio Souza Mendes; Tânia Maria T. Bessone da Cruz Ferreira. Conselho Consultivo (professores convidados) Álvaro de Oliveira Senra (CEFET/RJ); Beatriz Vieira (UERJ); Laura Nery (UERJ); Lúcia Grinberg (UNIRIO); Márcia Regina Romeiro Chuva (UNIRIO); Maria Letícia Corrêa (UERJ/FFP); Maria Regina Celestino de Almeida (UFF); Patrícia Wolley Cardoso Lins Alves (FIS/UVA); Paulo Henrique da Silva Pacheco (UERJ); Pedro Spinola Pereira Caldas (UNIRIO); Rafael Ale Rocha (UFF); Rebeca Gontijo Teixeira (UFRRJ); Sheila de Castro Farias (UFF); Silvia Carla Pereira Brito Fonseca (UFRRJ); Surama Conde Sá Pinto (UFRRJ); Vágner Camilo Alves (ICFH-UFF). Conselho Editorial Beatriz Piva Momesso, Carlos Eduardo da Costa Campos, Manuela Brêtas Medina, Sheila Conceição Silva Lima. Projeto gráfico editorial Tricia Magalhães Carnevale Desenho de capa Gabriel Costa Labanca Revisão Sheila Conceição Silva Lima Correspondência Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F - 9º andar - sala 9037 Maracanã - Rio de Janeiro - RJ - CEP 20550-013 Tel./Fax.: 21 2334-0678 - e-mail: rev.dialogos@gmail.com Todos os textos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a posição da editoria ou da instituição responsável por esta publicação. A professora Doutora Marilene Rosa Nogueira da Silva participou como parecerista da 5ª edição da Revista Discente Dia-Logos, publicada em Outubro de 2011. ÍNDICE 7 Apresentação 9 Editorial 11 Em torno da lei de 1773: petições de pardos e crioulos ao Conselho Ultramarino (Minas Gerais, 1750-1808) Daniel Precioso Universidade Federal Fluminense 23 Disputas políticas pelo controle da distribuição da imprensa no Rio de Janeiro Gabriel Costa Labanca Universidade do Estado do Rio de Janeiro 35 A Aurora Fluminense e o combate ao despotismo (1827-1831) Janaína de Carvalho Silva Universidade Federal de São João del-Rei 47 O “herói Marc Bloch”: breves reflexões acerca de uma memória construída Jougi Guimarães Yamashita Universidade do Estado do Rio de Janeiro 59 A luta dos sovietes e o vislumbrar da anarquia: a repercussão da Revolução Russa na imprensa operária anarquista brasileira (1917-1922) Leandro Ribeiro Gomes Universidade Estadual Paulista 71 Fazenda das Limeiras: um estudo de caso para as tramas e tensões familiares vivenciadas no cativeiro. Distrito de Pouso Alegre –MG, século XIX Leonara Lacerda Delfino Universidade Federal de Juiz de Fora 79 Joaquim José Rodrigues Torres e a Escola Normal da província do Rio de Janeiro (1834-1836) Lívia Beatriz da Conceição Universidade Federal do Rio de Janeiro 91 Ferro, fogo e ideais: a Liga Brasileira pelos Aliados e o debate sobre a Primeira Guerra Mundial na imprensa fluminense Lívia Claro Pires Universidade do Estado do Rio de Janeiro 101 Uma análise dos Parâmetros Curriculares de História para o Ensino Fundamental: propostas e possibilidades Luciana Velloso Universidade do Estado do Rio de Janeiro 113 A atuação de João Batista da Costa na aplicação do Diretório no Rio de Janeiro: interações entre a política indígena e a indigenista ( 1767-79) Luís Rafael Araújo Corrêa Universidade Federal Fluminense 125 Banda de Música e participação política na Primeira República (Mariana, 1901-1930) Manuela Areias Costa Universidade Federal Fluminense 137 As apoteoses de Napoleão III: um estudo sobre imagem e poder Paulo Debom Universidade do Estado do Rio de Janeiro 149 “Fordismo acadêmico”: características e tendências produtivas na área de História (1985-2009) Renata Regina Gouvêa Barbatho Universidade Federal do Rio de Janeiro 159 Notas sobre o aristotelismo alemão de J. G. Droysen Renata Sammer Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 169 Musseques Luandenses: o estar vulnerável Rogério da Silva Guimarães Universidade Federal do Rio de Janeiro 181 Resumos | Abstract 197 Normas Editoriais Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 7 APRESENTAÇÃO Produzir uma revista acadêmica pode parecer uma tarefa fácil ao se considerar o número de textos que são produzidos por diversos cursos de Pós-graduação no Brasil, com crescente número de alunos nos programas de Mestrado e Doutorado, apenas para fazer um recorte. No caso da revista Dia-logos esta tarefa de selecionar textos, obter pareceres e sistematizar mais um número, representa muito mais. O destaque que quero dar se prende ao fato de que ela é toda planejada por alunos do curso de Pós-Graduação em História do IFCH/UERJ. Certamente há a facilidade de captação de textos, uma vez que o periódico é sempre organizado a partir de trabalhos mais relevantes anualmente apresentados na Semana de História Política, também promovida pelos discentes e que tem tido um relevante êxito, a se considerar a presença de pesquisadores de vários estados brasileiros, e o número ascendente de inscrições de propostas. O cuidado com os textos e a atenção com o leitor transparecem, destacando-se neste número trabalhos sobre impressos, imprensa, o mundo dos livros e suas representações, o registro escrito e suas diversas funções, além de abordagens de questões teóricas e metodológicas de valor para os estudos historiográficos. Quer sob a forma de análise de periódicos, sua distribuição ou na apresentação de estudos com viés temáticos mais específicos, a seleção de 15 textos deste número, representa abordagens propostas por diversos estudiosos de temas inseridos nas vertentesmais contemporâneas de história política. Textos muito bem elaborados, sumário bem organizado, tanto na escolha dos artigos, quanto na sua articulação dão um estofo considerável à publicação. Ao trazer à luz temas diversos, mas entrecruzados, Dia-logos incorpora conceitos e permite a discussão entre autores e leitores, contrapondo novos temas, novas abordagens, como também o uso de fontes de maneira a apresentar a riqueza que os estudos históricos têm produzido no Brasil ao formar estes novos historiadores. Outro aspecto a destacar fundamenta-se na originalidade dos temas que pela sua diversidade permitem novas possibilidades de estudos, a divulgação de ideias exploradas de forma pertinente, e a apresentação de bibliografia rica e diversificada. Artigos que retomam Apresentação 8 ISSN 1414-9109 alguns clássicos da historiografia ou realizados a partir de concepções mais recentes entre historiadores, contribuem para demonstrar o mosaico de temas em estudo nos últimos anos. Reflexões sobre a produção científica na área de história na contemporaneidade, o ensino e seus desdobramentos em diversos períodos da História do Brasil, a luta pela saída do cativeiro a partir de iniciativas do uso do judiciário pela população escrava, a presença da imprensa como fonte privilegiada para compreensão do poder e das representações, todas estas vertentes temáticas encontram-se entre os artigos englobados pela comissão científica para este número da revista. A história política dialoga aqui com as novas tendências da história cultural de maneira bastante sólida e inovadora. Portanto, coube à Coordenação do PPGH esta singela apresentação do potencial historiográfico encontrado nas páginas da revista Dia-logos do qual este número é mais uma demonstração a ser apreciada. Parabéns aos autores, aos organizadores, e boa leitura a todos. Tania Bessone, pela Coordenação do PPGH/UERJ Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 9 EDITORIAL É hora de mais uma edição da Revista Dia-Logos. A cada ano reafirmamos nosso compromisso de divulgarmos as produções inéditas dos pesquisadores de todo o país. Dessa forma, consolidamos nossa posição e estilo junto aos grandes periódicos acadêmicos do Brasil! Dessa forma, nos alegramos por poder divulgar a excelência de nosso Programa de Pós- Graduação em História Política da UERJ. Esse esforço se deve ao trabalho voluntário e árduo de alunos, professores e servidores do supracitado programa, como a colaboração de docentes de outras instituições que nos privilegiam com sua presença e participação. Essa trajetória de sucesso tem início na Semana de História Política/ Seminário Nacional de História dos alunos do PPGH/UERJ, que, a cada ano, abrange um número expressivo de participantes de todos os Estados do Brasil. Esse processo tem beneficiado professores e jovens pesquisadores, que tem a oportunidade de dialogar com seus pares e o público em geral, acerca de suas pesquisas e sobre a produção histórica. O resultado desse debate se expressa nessa sexta edição de nosso periódico. Desde a última edição, a revista conta com mais cinco artigos, proporcionando a publicação de um número maior de trabalhos de excelência. Estamos primando pela qualidade e respeito aos artigos dos proponentes que, a cada ano, vem depositando sua confiança em nosso trabalho. Artigos de excelência envolvendo um profundo diálogo com a História Política, o que muito nos tem feito avançar enquanto Programa e espaço de difusão, discussão e consolidação de novos pesquisadores. É importante ressaltar, que essas variedades de proposições contribuem diretamente para o aprimoramento das trocas intelectuais, feitas no Seminário, o que influencia diretamente na qualidade da Revista Dia-Logos. Como revista discente, a Dia-Logos cumpre o papel de difundir alguns dos melhores trabalhos historiográficos, sendo assim, não se delimita temáticas para esse periódico. A nós cabe o papel de promover o conhecimento dos novos trabalhos que se desenvolvem na academia, as mais interessantes pesquisas desenvolvidas por jovens talentos, da mais variada gama de assuntos, de acordo com os pareceres de especialistas nos mesmos temas. Sendo assim, a Dia-Logos comporta artigos que tratam da abordagem da História Política, como dos demais domínios da História. E nessa edição é importante destacar que, entre as temáticas tradicionais da História Política, esse lançamento nos brinda com discussões acerca da sociedade musical enquanto espaço de manifestação cultural e política, a importante discussão acerca do ensino de história na Educação Básica, num diálogo entre a academia e a sociedade. As propostas de trabalho com a imagem e o poder, os movimentos sociais e suas interfaces com a política, assim como nos oferece a discussão das questões indígenas no Brasil. Editorial 10 ISSN 1414-9109 Imprimir uma revista acadêmica no mundo virtual de hoje pode parecer ultrapassado. Contudo, sem nostalgias e retrocessos, queremos resguardar a história como há milênios os papiros do Egito e do mar Morto se conservam. Apesar da importância do aparato tecnológico, o livro ainda guarda todo o seu encanto e permanece como o maior suporte de memórias. No entanto, também não queremos nos afastar do processo da internet, pelo contrário. Nossa revista já se encontra indexada no Qualis/CAPES, contando com a avaliação B5. Iniciamos o processo de indexação da revista ao portal da UERJ, promovendo a revista à categoria de periódico eletrônico, uma das exigências para maior pontuação junto a CAPES. Com todo esse movimento ainda nos é muito importante imprimir, anualmente esse periódico, difusor de novas pesquisas e pesquisadores, e distribuí-lo entre os principais programas de pós-graduação em História do país e quiçá do exterior. Esperamos que apreciem a revista e mais uma vez agradecemos a todos que participaram desse imenso e árduo trabalho, mas de grande importância para a divulgação da pesquisa científica no Brasil. Boa Leitura! Conselho Editorial 11 Em torno da lei 1773 - Petições de pardos e crioulos ao Conselho Ultramarino (Minas Gerais, 1750-1808) Daniel Precioso A partir do período pombalino, a política discriminativa adotada pela Coroa portuguesa em seus domínios territoriais foi parcialmente revogada. Diversas leis foram promulgadas no sentido de incorporar categorias de pessoas não brancas de diversas partes do império à condição de vassalos da monarquia portuguesa. Assim, uma série de decretos reais foi aprovada por Pombal entre 1775 e 1777, regulando a secularização das aldeias indígenas e a entrega destas aos seus habitantes,1 a concessão de direitos de nobreza a comerciantes2 e a abolição da antiga distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos.3 Neste sentido, “[...] as diferenças de raça e de etnia não seriam barreiras para se manter um cargo ou uma promoção, e a participação no governo local era encorajada”.4 Em relação ao princípio de liberdade adotado no reformismo ilustrado de Pombal, e à progressiva abolição, na letra da lei, dos critérios de “pureza de sangue”, “[...] verificamos sua aplicação a propósito de duas situações distintas: os índios no Brasil e os negros em Portugal”.5 No segundo caso, a lei de 1773 libertou filhos e netos de escravos em Portugal.6 Porém, em relação à América portuguesa, “[...] essa incorporação não incluiu, certamente, os negros e os mulatos”,7 provavelmente porque, aqui, a escravidão presidia a ordem social e era maciçamente africana. É preciso ressaltar que a sociedade brasileira, entre o século XVI e o XIX, estava assentada na escravidão. Como observou Rafael de Bivar Marquese, a longevidade do sistema escravistabrasileiro residiu na articulação de dois fatores fundamentais: a importação massiva de africanos e a incorporação paulatina de seus descendentes à sociedade colonial.8 Sob essa óptica, a alforria desempenhava um papel central, pois tornava a escravidão legítima perante os próprios escravos, já que lhes abria um horizonte de expectativa de liberdade. Na visão de Marquese, o “enigma” da não ocorrência de outros Palmares na história do Brasil é explicado justamente pelo funcionamento do mecanismo da alforria. A manumissão de descendentes de cativos funcionaria, então, como uma forma de amortecer as tensões advindas de uma sociedade que fincou as suas bases na escravidão. Em perspectiva análoga, Sheila Faria assinalou que o ataque ao tráfico atlântico de africanos, ocorrido em 1831 e, sobretudo, em 1850, fez ruir um sistema de sucesso, qual seja, o da articulação entre a importação de africanos e Daniel Precioso 12 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 a incorporação progressiva de seus descendentes através da alforria.9 Diante disso, é possível atribuir a não extensão ao Brasil das leis pombalinas que aboliram paulatinamente a escravidão em Portugal, precisamente, ao caráter estrutural que essa instituição desempenhava entre nós e ao sucesso de um mecanismo costumeiro e secular que garantia a continuidade da exploração da mão-de-obra africana: a alforria. Essa lógica, certamente, servia às elites econômicas e governativas do império colonial português, mas não aos escravos e aos seus descendentes. Assim, a promulgação de leis que libertavam filhos de escravos e que garantiram à Irmandade do Rosário de Lisboa o direito de alforriar seus irmãos mediante pagamento, sensibilizou as populações “de cor” na outra margem do Atlântico. Escravos e libertos passaram a questionar por que essas medidas não foram dilatadas em contexto ultramarino, já que as causas que estiveram na base de suas promulgações para o Reino também estavam presentes nas conquistas. Embora o mecanismo da alforria permanecesse em pleno funcionamento durante a segunda metade do Dezoito, garantindo, assim, a continuidade do sistema de exploração da mão-de-obra escrava africana, crioulos e pardos, sobretudo, aliados a advogados influenciados pelas teses do Direito Natural, passaram a questionar a escravidão e a exercer pressão política para que a alforria pudesse ser adquirida mediante pagamento, independentemente da vontade senhorial.10 Doravante, passaremos a analisar o teor de cartas endereçadas por crioulos e pardos, escravos, forros e livres, ao Conselho Ultramarino, questionando a escravidão e peticionando o direito de suas irmandades alforriarem seus confrades escravos. Escravidão e alforria em debate: cartas de pardos e crioulos ao Conselho Ultramarino O preconceito de “qualidade” que recaía sobre os negros e os mulatos permaneceu ativo nas décadas finais do Setecentos.11 Porém, os crioulos e os pardos, cientes de sua expressividade numérica e do poder de barganha de que gozavam para pressionar as autoridades, passaram a encaminhar temas como os da abolição das restrições – não apenas de “sangue” (mouro, judeu e africano), mas também de “qualidade” (negros, mulatos e carijós) –12 para a ocupação de assentos em Conselhos Municipais e Ordens Terceiras. Os missivistas pardos e crioulos arrogavam a si o título de “bons e leais vassalos” em virtude dos “reais serviços” que prestavam à Coroa, peticionando a extensão das medidas relativas à liberdade de cativos no Reino para a conquista.13 Justificavam seus privilégios Em torno da Lei 1773 ISSN 1414-9109 13 frente aos “pretos”14 por serem “legítimos vassalos” e “nacionais do domínio”, isto é, nascidos no Brasil. Em sua defesa, os segmentos sociais aludidos usavam as tópicas da utilidade de seu trabalho à Coroa e ao bem comum, assinalando que combatiam os quilombos e os índios hostis e realizavam achados de metais preciosos. A partir da década de 1760, sobretudo, crioulos e pardos, de condição legal escrava, forra e livre, identificando-se individualmente ou coletivamente, passaram a vociferar suas aspirações aos conselheiros reais. Justamente no período em que a sociedade mineira parecia estar se consolidando e se tornando um pouco mais estável, constituiu-se uma ampla camada de crioulos e de pardos15 comprometidos com a construção de sua identidade e mais conscientes das formas de angariar forças na luta cotidiana que empreendiam em torno da estratificação social. Na década de 1790, os homens crioulos e pardos passaram a defender o fim de formas arraigadas de segregação mais deliberadamente e com melhor fundamentação, inclusive com atenção às contradições existentes em leis sobre as “gentes de cor”. Teriam eles contado com a ajuda de bacharéis, pois o uso de teses jurídicas nas petições sugere a sua participação. Crioulos e pardos corporificados em tropas e irmandades puderam, assim, disponibilizar parcela de seus parcos recursos financeiros para o pagamento de advogados e para a tramitação de suas missivas. Sem dúvida, a “mudança do tom” do discurso oficial relativo aos africanos e aos seus descendentes, em fins do século XVIII, resultou do “acúmulo de forças no debate político das décadas anteriores”.16 As cartas que a população “de cor” da América portuguesa enviou ao Conselho Ultramarino, que compõem nossa amostragem, podem ser divididas em, pelo menos, dois tipos: as petições e os requerimentos. As primeiras eram geralmente apelos extrajudiciais de escravos em torno da causa da liberdade; e os últimos consistiram em pedidos individuais de confirmação de privilégios obtidos na América ou em solicitações coletivas de direitos em benefício de associados em irmandades leigas. Em relação ao primeiro tipo de missiva, deparamo-nos com uma modalidade particular de tentativa de aquisição da alforria, praticamente desconhecida até pouco tempo atrás: os apelos extrajudiciais. No rol de apelos judiciais conduzidos pelos escravos para atingir o forro partido e garantir certos direitos adquiridos pelos costumes,17 a liberdade adquirida pelos apelos extrajudiciais foi individualizada e parcamente difundida. Como demonstrou Russell- Wood, poucas eram as chances dos escravos obterem sentença favorável na justiça local, o que impelia alguns deles a suplicar a liberdade diretamente ao soberano.18 Não obstante os alertas dos Daniel Precioso 14 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 administradores do Brasil acerca dos perigos de abrir precedentes, “a Coroa mostrou ser extraordinariamente sensível aos apelos pessoais à graça régia”.19 Mas, se a concessão desses apelos poderia minar a autoridade dos membros da magistratura e das autoridades, e mesmo a própria letra da lei, a “compaixão” do rei em relação aos apelos extrajudiciais jamais extrapolava o âmbito individual, isto é, não abarcava apelos de caráter coletivo ou corporativo. Aliás, mesmo nos apelos individuais, a “benevolência” régia nem sempre ocorria, ou era obstruída por pareceres desfavoráveis emitidos de antemão pelos conselheiros reais. Nesses casos, podemos supor que os apelos nem mesmo chegavam ao conhecimento do soberano. No governo de Bernardo José Maria Lorena e Silveira (1797- 1804), por exemplo, Francisco Cipriano, homem pardo, escravo de António Caetano de Almeida Vilas Boas, vigário colado da Igreja de Nossa Senhora do Pilar da Vila de São João del Rey, enviou um pedido ao Conselho Ultramarino para que desse a conta ao ouvidor daquela Comarca das sevícias praticadas pelo seu senhor, e interpusesse a sua informação a fim de recorrer na causa da liberdade. No requerimento, Francisco contestou a legitimidade do seu cativeiro, argumentando que [...]apesar de ter servido com obediência e fidelidade a mais de 20 anos ao dito seu senhor, este antepondo à satisfação do seu gênio cruel e violento [...] trata ao suplicante e aos mais escravos com estranha tirania, praticando severos e desumanos castigos, de sorte que repetidas e seqüentes vezes tem conservado ao suplicante pelo longo tempo de seis meses em cárceres, carregado de ferro, procedendo e acumulando altas crueldades, sanguinários assaltos e outros tormentos, umas vezes executados por si e outras por pessoas da sua amizade e confidência.20 Vale notar que Francisco embasou sua fala em leis. Segundo o pardo cativo, o procedimento de seu senhor não ofendia apenas “as saudáveis máximas do cristianismo e deveres de brandura e caridade”, mas também “as sábias e providentes leis desta Monarquia, as quais tolerando cativeiro nos domínios ultramarinos, quartão (sic) os efeitos do poder dominical, proibindo aos senhores com severas penas o uso de cárcere privado”. Francisco delatava que, sob o pretexto de instruírem seus escravos nos preceitos da Igreja, religiosos cometiam “delitos graves”, cuja “punição dos quais deve ser regulada pela utilidade publica, a fim de se evitar a injustiça e abusos de Direito,” concluindo que, nos termos das referidas leis, “o fato de sevícias induz necessariamente a perda do domínio da parte dos senhores, e constitui um dos legítimos modos por que os escravos adquirem a sua liberdade”. Quer em razão da sua pobreza, Em torno da Lei 1773 ISSN 1414-9109 15 “tão inerente à sua infeliz condição de cativo” e que o impossibilitava de “lutar com tanta desproporção de forças com o dito vigário”, quer pela falta de um bom protetor, seu requerimento foi negado em primeira instância e, possivelmente pela falta de recursos financeiros para dar continuidade ao trâmite jurídico, ficou inconcluso. Assim, embora tenha apelado diretamente ao Rei, Francisco não obteve a mercê suplicada, talvez por negligência dos conselheiros, que provavelmente sentenciaram o seu pedido sem a consulta do soberano. Os requerimentos enviados ao Conselho Ultramarino, assinados por corporações ou por indivíduos que intercederam em causas coletivas, apresentam informações mais relevantes para a reflexão que propomos nesse estudo, pois apresentam referências às “leis abolicionistas” que o ministério pombalino aprovou para o Reino. Em 22 de agosto de 1786, a Irmandade de São Gonçalo Garcia de São João del Rey enviou um requerimento ao Conselho Ultramarino, solicitando o direito de libertar seus irmãos escravos, que constituíam uma “grande parte” das “mulheres, e homens pardos” que a corporação integrava. Os peticionários colocaram na “real presença” que “querendo dar muitos escravos o seu valor, caiam sem redenção em duro cativeiro, ao mesmo tempo que grande parte destes deviam ser compreendidos na lei de 16 de Janeiro de 1773, por serem escravos já desde o terceiro, quarto e quinto avó, não lhe saindo o indulto da mesma lei por ser nestas infelicíssimas capitanias interpretada por homens cheios de ambição, ricos, poderosos, que ocupam os cargos públicos e da Justiça, os quais querem e decidem que só para os Algarves se publicou a referida lei, como se a razão dela não fosse idêntica nas Províncias de Portugal e nas Capitanias da América”. A resolução dos conselheiros reais foi desfavorável, pois concluíram que a concessão da “faculdade” de libertar confrades cativos à irmandades poderia incorrer em “inquietações e prejuízos”.21 Assim, embora as demandas dos cativos tivessem maiores chances de serem acolhidas pela Justiça régia caso fossem enviadas coletivamente e por membros de uma irmandade, como sugeriram Marcos Magalhães de Aguiar e Larissa Moreira Viana,22 essa premissa não valia para toda e qualquer causa pleiteada. Em se tratando da alforria, a hipótese de Russell-Wood parece ser mais plausível, já que os apelos extrajudiciais em torno da liberdade eram atendidos apenas quando pleiteados individualmente, e não coletivamente. A concessão de um direito dessa natureza aos irmãos de S. Gonçalo Garcia poderia abrir precedentes para que outras corporações religiosas requeressem a mesma mercê, o que colocaria em xeque o direito costumeiro da “dádiva” da alforria, prerrogativa Daniel Precioso 16 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 senhorial, não obstante o escravo pudesse obtê-la através de ações de liberdades e apelos extrajudiciais. Em alguns casos, demandas de escravos e libertos foram suplicadas em uma só carta. Como já observamos, na década final do século XVIII, pardos e crioulos passaram a combater mais acirradamente os impedimentos de qualidade para a ocupação dos principais cargos da República e para o ingresso em Misericórdias e Ordens Terceiras. Nesse contexto, a escravidão não ficou incólume. Em 1796, o capitão Miguel Ferreira de Souza enviou uma carta à D. Maria I em nome dos “homens pardos e pretos libertos” da Capitania de Minas.23 Afirmava ele o “zelo” e a “prontidão” dos “pardos e pretos livres” integrados em terços e tropas auxiliares de pedestres no combate a quilombolas e índios hostis, no policiamento dos caminhos, no ataque ao contrabando, nos achados de metais e pedras preciosas, o que realizavam com “menos custo” que os brancos de tropas de cavalaria. O capitão aludia ainda à “obediência” e ao “respeito” que os “homens pardos e pretos” despendiam ao soberano e a todos os seus “superiores”, queixando-se de que se armavam às “suas custas” e os “prêmios” que recebiam era o “desprezo”, não os admitindo “em ocupação alguma honrosa da República, nem concedem no Tribunal da Junta da Real Fazenda, nem encargos ou outro qualquer ofício público do Serviço de Vossa Majestade.”24 O peticionário reclamava, também, “que nem se pagam salários pelos seus trabalhos” e que, apesar de cumprirem “as ordens de Vossa Majestade”, não eram reconhecidos, “vindo a maior parte deles pobres e miseráveis”, sendo preteridos pelos “homens brancos” nas “concessões de terras de plantas e minerais para cultivarem e trabalharem”. O debate em torno das leis publicadas durante a segunda metade do século XVIII também se fez presente no requerimento. Manuel Ferreira de Souza juntou à sua carta o “alvará com força de lei” promulgado por D. José que previa admitir os pardos e pretos libertos do Reino “como vassalos leais de Vossa Majestade em todos os empregos”, a qual não era cumprida nas Minas em virtude deles “não serem admitidos nos empregos na forma da lei, chegando a tal miséria a sua desgraça [que] nem sequer os admitem nas Ordens Terceiras e Irmandades, de saírem a outros por modo de desprezo e mal permitem a que os ditos tenham alguma Irmandade separado”, pois muitos homens brancos, com o pretexto de as regerem e administrarem, guardavam o dinheiro delas com ingerência das contas, ficando “as Irmandades perdendo”.25 Para sanar o problema da ignorância e inobservância da lei pedia a sua publicação “para que chegue a notícia de todos” e de “que todos os tribunais respectivos, certifiquem a Vossa Majestade que se deu cumprimento a tudo”. Em torno da Lei 1773 ISSN 1414-9109 17 O Conselho Ultramarino não apresentou, contudo, uma resolução sobre o pedido do capitão do Regimento dos Pardos. Descontente com o ocorrido, Manuel Ferreira passou a disseminar discórdias em Mariana divulgando, em 1798, a falsa notícia de que o governador da capitania havia recebido uma ordem régia “para que os pardos cativos [fossem] forros e igualmente tudo o mais, até os próprios negros depois de haverem servido dez anos”. Proclamou, ainda, que “brevemente os pardos haviam de servir nas Câmaras e nas Irmandades do Sacramentoe Ordens Terceiras”.26 As autoridades locais, temerosas com as perturbações que tais calúnias poderiam gerar entre os homens de cor, abriram uma devassa para averiguar o ocorrido e garantir o “sossego dos vassalos”. O processo sugere que Manuel, “homem pacífico, mas falador”, não tendo o seu requerimento atendido, falseou uma resolução favorável para as suas súplicas, prometendo tratar da liberdade de negros e mulatos em troca de ouro, algodão ou “até mesmo galinhas”. As pregações de Manuel, aclamado “redentor” dos mulatos e negros, caíram nas graças dos escravos, que se dirigiram à Mariana a fim de assistir a um ato público que outorgasse seus anseios de “liberdade”. Observa-se, portanto, que Manuel, vendo esgotados os caminhos legítimos de negociação com a Coroa – já que o seu apelo extrajudicial foi ignorado –, passou a incitar uma comoção entre os vassalos. Assim, a estratégia do capitão para pressionar as autoridades locais passou da negociação ao conflito, pois dando vazão ao desejo de liberdade alimentado pelos cativos da região, terminou por lançá-los contra as autoridades e elites governativas. * * * Entre as cartas examinadas, todas foram reprovadas. No entanto, os pedidos de pardos libertos arregimentados em tropas – examinados em outro estudo –,27 demonstram que ser provido com patente militar, pertencer a irmandades leigas, ter bons protetores e, sobretudo, ser de condição forra ou livre perfazia as melhores características para se obter mais estima perante os conselheiros e, conseqüentemente, obter a mercê suplicada. Tendo em vista o teor das cartas analisadas, que questionavam diretamente alguns privilégios das elites e a própria escravidão, não surpreende a recusa de seus pedidos e requerimentos. Por fim, apesar de pretos, crioulos e pardos, escravos, forros e livres, nutrirem tensões e antagonismos entre eles, não raro, assinavam conjuntamente missivas endereçadas às autoridades governativas. Essa constatação nos leva a repensar a questão da formação de identidades para além dos filtros de “raça”, “qualidade” e Daniel Precioso 18 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 condição legal, que se combinadas para a designação de um mesmo indivíduo, sobrepunha estratificações baseadas em critérios díspares.28 Considerações finais Procurou-se examinar os argumentos de pardos e crioulos relativos à política régia atinente à escravidão e à alforria. Para tanto, operacionalizou-se uma análise que relacionou leis e dinâmica social. Constatou-se que, embora as leis “abolicionistas” promulgadas em Portugal não tenham sido extensivas à América portuguesa, os habitantes “de cor” do ultramar passaram a questionar a não aplicabilidade delas nos domínios ultramarinos. Essa pressão se deu através de petições assinadas por irmandades e por líderes de milícias e apelos extrajudiciais encaminhados ao Conselho Ultramarino. Buscou-se salientar, ainda, o fato de que a legitimidade da escravidão já vinha sendo colocada em questão em fins do século XVIII, e que os próprios pardos e crioulos – categorias sociais mais beneficiadas, entre os indivíduos com ascendência africana –, com a ajuda de bacharéis e doutores em Direito que advogavam em torno do “direito natural da liberdade”, foram agentes ativos dessa pressão política. Notas de Referência Doutorando do Programa de Pós-Graduação de História Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), orientada pelo Professor Doutor Ronald Raminelli. Contato: daniel.precioso@gmail.com Bolsista CNPQ. 1 BOXER, Charles R. Relações Raciais no Império Colonial Português, 1415-1825 (trad.). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967, p. 133. 2 Citado por AZEVEDO, Lúcio de. O marquês de Pombal e a sua época, 2.ª ed. Rio de Janeiro: Annuario do Brasil; Lisboa: Seara Nova, 1922, p. 125- 6. 3 BOXER, op. cit., p. 107. 4 MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do Iluminismo (trad.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 139. 5 FALCON, Francisco José Calasans. A época pombalina: política econômica e monarquia ilustrada. São Paulo: Ática, 1982, p. 398. Essa proposição é, em parte, relativizada por Larissa Viana, para quem a legislação aprovada no período pombalino “[...] serve ao propósito de evidenciar a mudança na forma como o mulato se faz presente no pensamento legal da Coroa entre o final do século XVII e meados do XVIII.” VIANA, Larissa Moreira. O Idioma da Mestiçagem: as irmandades Em torno da Lei 1773 ISSN 1414-9109 19 de pardos na América portuguesa. Campinas (SP): Ed. UNICAMP, 2007, p. 80. 6 LARA, Silvia Hunold. Fragmentos Setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 268. 7 Ibid., p. 268-9; BOXER, 1967, p. 134. 8 MARQUESE, Rafael de Bivar. “A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência escrava, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX”. Novos Estudos. CEBRAP. São Paulo, v. 4, 2006, p. 118. 9 FARIA, Sheila de Castro. “A riqueza dos libertos: os alforriados no Brasil escravista”. In: CHAVES, Cláudia Maria das Graças, SILVEIRA, Marco Antonio (orgs.). Território, Conflito e Identidade. Belo Horizonte: Argvmentvum, 2007, p. 22. 10 A prerrogativa de alforriar sempre partia do senhor, que detinha o domínio sobre o escravo, sua propriedade. Como observou Manuela Carneiro da Cunha, não havia leis que obrigassem os senhores a alforriar seus escravos, sendo a concessão da liberdade a um cativo de alçada particular. Cf. CUNHA, Manuela Carneiro da. “Sobre os silêncios da lei: lei costumeira e positiva nas alforrias de escravos no Brasil do século XIX”. In: Antropologia do Brasil: mito, história, etnicidade. São Paulo: Brasiliense/EDUSP, 1987, p. 123-44. No entanto, em alguns casos, que não preponderaram numericamente, a alforria poderia ser atingida à revelia da vontade senhorial, mediante ações de liberdades perpetradas por escravos em diferentes instâncias de justiça. Cf. GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambigüidade. As ações de Liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume- Dumará, 1994. Os estudos de Maria Beatriz Nizza da Silva e de John Russell-Wood demonstraram que governadores e ouvidores poderiam concorrer, pressionando os senhores, para a liberdade de escravos, bem como que o forro partido poderia ser atingido por meio de pedidos extrajudiciais que os escravos enviavam diretamente ao monarca. Cf., respectivamente, SILVA, Maria Beatriz Nizza da. “A Luta pela Alforria”. In: Brasil. Colonização e Escravidão. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000, p. 298-307 e RUSSELL-WOOD, A. J. R. “Vassalo e Soberano: apelos extrajudiciais de africanos e de indivíduos de origem africana na América portuguesa”. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.). Cultura Portuguesa na Terra de Santa Cruz. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, p. 215-33. 11 No entanto, a turbulência política ocorrida nas Américas – com a rebelião dos escravos nas Antilhas e com a conspiração baiana (1798) –, aliou-se a aspectos exógenos, como as idéias ilustradas, o antiescravismo e a independência da América inglesa, sem falar nas mudanças ocorridas na legislação portuguesa a partir do ministério pombalino, fatores que adicionaram novos ingredientes para o debate da velha questão de como acomodar negros e mulatos forros. Daniel Precioso 20 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 12 Sobre a diferença entre impedimento de “sangue” e de “qualidade”, Cf. DUTRA, Francis. “Ser mulato nos primórdios da modernidade portuguesa”. Tempo, 30: 101-114, 2011. 13 SILVEIRA, op.cit., p. 137. 14 No período colonial, “preto” era sinônimo de escravo africano. Já o vocábulo “negro” aludiaà condição de cativo e não à “cor”: “negros da terra”, por exemplo, era uma expressão usada para caracterizar indígenas escravizados. 15 A despeito do discurso desabonador dos mistos de branco e preto, bastante ativo ainda na segunda metade do século XVIII, a “freqüência com que o termo pardo começou a despontar nas fontes oficiais sugere que a conotação pejorativa sintetizada na palavra mulato vinha sendo posta à prova”. SILVEIRA, op.cit., p. 136; PRECIOSO, Daniel. Legítimos Vassalos: pardos livres e forros na Vila Rica colonial (1750-1803). Franca, SP: Dissertação (Mestrado em História) - FHDSS/UNESP, 2010. 16 Ibid., p. 149. 17 Cf. LARA, Sílvia Hunold. Campos de violência; escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro (1750-1808). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988; CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; GRINBERG, 1994; DAMÁSIO, Adauto. Alforrias e ações de liberdade em Campinas na primeira metade do século XIX. Campinas, SP: Dissertação (Mestrado em História) - IFCH/UNICAMP, 1995; RUSSELL-WOOD, 1995; SILVA, 2000; PAIVA, Eduardo França. Revandications de droits coutumiers et actions en justice des esclaves dans les Minas Gerais du XVIIIe siècle. Cahiers du Brésil Contemporain. Paris, 2004. 18 Segundo Russell-Wood, africanos e indivíduos de origem africana acreditavam na existência de um “contrato social” entre o soberano e os vassalos, ou seja, percebiam o monarca como um “árbitro imparcial na justiça”. Neste sentido, alguns indivíduos pertencentes a esses segmentos sociais teriam recorrido diretamente ao monarca diante da dificuldade de serem ouvidos na periferia do império. Cf. RUSSELL- WOOD, op.cit., p. 216. 19 Idem, p. 218. 20 Requerimento de Francisco Cipriano, homem pardo, escravo do reverendo António Caetano de Almeida Vilas Boas, vigário colado da Igreja de Nossa Senhora do Pilar da Vila de São João Del Rei, pedindo para que o ouvidor daquela Comarca conheça com imparcialidade as sevícias praticadas com ele e interponha a sua informação, a fim de recorrer na causa da liberdade (09.04.1802). AHU/MG, Cx. 162, Doc. 37. 21 Representação da corporação da Irmandade de São Gonçalo Garcia, ereta pelos pardos da Vila de São João Del Rei, solicitando a D. Maria I a mercê de conceder a referida Irmandade o poder de libertar os seus irmãos e irmãs que fossem escravos, pagando uma indenização a seus donos (22.08.1786). AHU/MG, Cx. 125, Doc. 20. Em 1761, o crioulo Em torno da Lei 1773 ISSN 1414-9109 21 alfabetizado José Inácio Marçal Coutinho enviou um requerimento ao Conselho Ultramarino no qual peticionou, em nome das Irmandades de Nossa Senhora das Mercês da Redenção dos Cativos sediadas em Vila Rica, Sabará, São José e São João del Rey, que a elas fosse concedidos os mesmos privilégios gozados pelos pretos de Nossa Senhora do Rosário em Lisboa, que podiam libertar seus irmãos escravos sem prejuízos de terceiros. Cf. Requerimento dos crioulos pretos e mestiços forros, moradores em Minas, pedindo a D. José I a concessão de privilégios vários, dentre eles o de poderem ser arregimentados e gozarem do tratamento e honra de que gozam os homens pretos de Pernambuco, Bahia e São Tomé. AHU, Cx. 69, Doc. 5 (01.07.1756). 22 AGUIAR, Marcos Magalhães de. Negras Minas Gerais: uma história da diáspora africana no Brasil colonial. São Paulo: Tese (Doutorado em História) - FFLCH/USP, 1999; VIANA, op.cit., p. 158. 23 Esse requerimento sintetiza os principais tópicos das petições e dos requerimentos enviados pelos crioulos e pardos durante a segunda metade do século XVIII. Cf. PRECIOSO, op.cit., p. 82-94. 24 Carta de Miguel Ferreira de Sousa, morador na cidade de Mariana, expondo a D. Maria I a situação dos homens pardos e pretos libertos (19.06.1796). AHU/MG, Cx. 142, Doc. 23. 25 Idem. Já em 1755, os “homens crioulos, pretos e mestiços” moradores em Sabará, Vila Rica, São José del Rey, São João del Rey e na Comarca do Serro Frio requereram – contra o “dolo e a calúnia” cometidos pelos brancos em negociações os envolvendo – que “naquelas vilas e continentes onde há justiças se dê aos suplicantes um homem ágil, pratico e judicial, de que ha muitos crioulos e pardos que vivem em muitos auditórios e com boa notícia de muitos daqueles termos, que lhes sirva de seu agente e procurador dos forros, para na pessoa do tal, serem citados e requeridos civilmente e assistir-lhes a seus assinados termos judiciais e extrajudiciais, ao qual se dê o juramento para bem servir a dita ocupação, requerendo pelos suplicantes toda a sua justiça com o advogado que o dito aprovar, pois deferindo-lhes Vossa Majestade a esta súplica faz serviço a Deus, aos suplicantes honra e esmola, por ser certo e infalível os muitos maus e ambiciosos desacertos que cometem naquele Império contra os pobres suplicantes. [...] Esperam da benigna piedade de Vossa Majestade, lhes defira com a justiça que costuma a seus pobres pretos, crioulos e mestiços de um e outro sexo por mercê do seu Real Decreto ou Alvará, no qual confiados, esperam. Requerimento dos crioulos pretos das minas de Vila Real do Sabará, Vila Rica, Serro do Frio, São José e São João do Rio das Mortes, pedindo que se lhes nomeie um procurador para os defender das violências de que são vítimas (14.10.1755). AHU/MG, Cx. 68, Doc. 66. 26 APM, SG, Cx. 40, Doc. 52. Apud. SOUZA, Laura de Mello e. Coartação – Problemática e episódios referentes a Minas Gerais no século XVIII. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org.). Brasil. Colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 279. Daniel Precioso 22 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 27 Cf. Carta de Bernardo José de Lorena sobre a apresentação do capitão Isidoro de Amorim Pereira, o “pardo” (15.07.1799). AHU/MG, Cx. 149, Doc. 5; Requerimento dos homens pardos da Confraria de São José de Vila Rica das Minas, solicitando o direito de usar espadim à cinta (06.03.1758). AHU, Cx. 73, Doc. 20. 28 Apesar das cizânias existentes entre os vários grupos, nas petições enviadas ao Conselho Ultramarino, “de um lado, as identidades forra e escrava apareciam acima das diferenças de qualidade e, de outro, a identidade devocional era colocada acima das próprias diferenças de condição”. SILVEIRA, op.cit., p. 146. 23 Disputas políticas pelo controle da distribuição da imprensa no Rio de Janeiro Gabriel Costa Labanca A Societá Em outubro de 1906, no centro do Rio de Janeiro, 78 italianos distribuidores e vendedores de jornal e revista fundaram a Societá di Beneficenza e Mutuo Soccorso degli Ausiliari della Stampa1. Liderados por Gaetano Segreto, os imigrantes reunidos no Theatro Maison Moderne criaram mais que uma associação mutualista para oferecer pensões, indenizações, enterros, remédios e atendimento hospitalar aos seus membros.2 A Societá controlaria toda a distribuição e venda de periódicos na então capital do Brasil, além de outras localidades, pelo menos durante as primeiras três primeiras décadas do século XX. Gaetano Segreto, assim como seu irmão Paschoal, apesar de um início de vida tumultuado3, tinha conquistado grande prestígio e poder dentro da comunidade italiana fluminense desde a sua chegada ao país em 1883. Embora sempre juntos na maioria dos negócios, Paschoale tornou-se um dos maiores empresários do ramo entretenimento, enquanto Gaetano voltou-se para a distribuição e publicação de periódicos, como Il Diritto e Il Bersagliere4, jornais da comunidade italiana do Rio de Janeiro. Dentre os periódicos que distribuía, Gaetano era responsável pela circulação de A Notícia que, comparado aos vespertinos da cidade na virada para o século XX, era “o mais simpático, o mais lido e o de maiortiragem”.5 Desde finais do século XIX, imigrantes italianos estavam envolvidos com a venda de periódicos no Rio de Janeiro. Não se tratava de uma característica cultural dos italianos, mas de uma das estratégias de sobrevivência das parcelas urbanas dos imigrantes no novo país. Sem capital ou capacitação, os italianos tiveram que se voltar para a demanda de pequenos e desvalorizados serviços urbanos na cidade carioca: “Eram os mascates, artesãos e pequenos comerciantes; motorneiros de bonde e motoristas de táxi; vendedores de frutas e verduras, tanto como ambulantes, como em mercados; garçons em restaurantes, bares e cafés; engraxates, vendedores de bilhetes de loteria e jornaleiros.”6 Não por acaso, em romances mais realistas de finais do século XIX, como O Cortiço, de Aluísio de Azevedo7, os italianos são normalmente caracterizados como mascates, função de pouco ou nenhum prestígio na sociedade. É nesse contexto que é criada a Stampa para “organizar a classe”8 de jornaleiros e distribuidores. Segundo um Memorandum Gabriel Costa Labanca 24 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 em italiano produzido pela própria Sociedade na década de 1940, no começo de suas atividades houve grande disputa entre dissidentes, empresas jornalísticas e a Societá. Mas devido às ações enérgicas empreendidas pelos sócios beneméritos9, aos poucos a associação se afirmou, disciplinando a classe e harmonizando as divergências com a imprensa.10 Em 1927, o distribuidor Annibale Nicodemo prestará um relato semelhante ao revelar que o intuito da criação da sociedade era unir, confraternizar e disciplinar os elementos que trabalhavam nesse ramo de comércio.11 Nesse sentido, a criação da Stampa veio suprir uma necessidade de organização e manutenção da dominação dos italianos sobre a circulação da imprensa periódica no Rio de Janeiro. Já que a disputa pela ocupação dos pontos de venda de jornal na cidade causava até mesmo disputas violentas, seja entre os italianos e brasileiros, ou mesmo entre os próprios imigrantes.12 A virada para o século XX marca o início da estruturação de maiores e estáveis empresas jornalísticas no Brasil, em sua maioria localizadas na capital, bem diferentes do tipo de imprensa feita no século anterior. Das disputas políticas pelo fim da monarquia e debates sobre temas polêmicos, como a abolição da escravidão e a instauração da república, emergiram diversas folhas de vida efêmera e pasquins incendiários que marcaram todo o período do Império brasileiro, principalmente as últimas décadas do segundo reinado.13 Cientes do perigo da circulação de ideias através dos periódicos, elemento de peso na derrubada da monarquia brasileira, os republicanos, quase que imediatamente após a tomada do poder em 1889, decretaram a censura à imprensa.14 Era uma situação paradoxalmente contrastante com a do período imperial, tempos em que a imprensa gozou de ampla liberdade. Se “os netos do imperador publicavam um jornal abolicionista dentro do palácio de São Cristóvão. Seria inimaginável pensar num jornal anarquista saindo de dentro do Palácio do Catete”.15 Talvez por isso, os poucos jornais sobreviventes, temerosos com a coerção empreendida pelo novo regime, tenham procurado o caminho da profissionalização, modernizando seus quadros de acordo com o ritmo dos novos tempos. Era o começo do que Sodré chamou, com certo exagero, de “grande imprensa”.16 A força dos Distribuidores No caso da Ausiliari della Stampa, entretanto, havia a princípio uma certa peculiaridade em sua organização que não nos permite enquadra-la num tipo ideal de mutual. Em primeiro lugar, existia clara distinção hierárquica entre distribuidores e jornaleiros. Apesar de Disputas políticas pelo controle da distribuição da imprensa ISSN 1414-9109 25 ambos serem reconhecidamente “auxiliares da imprensa”, os distribuidores tinham um grau de influência muito superior aos jornaleiros, atuando muitas vezes como patrões desses.17 O distribuidor era, geralmente, um antigo jornaleiro que obteve junto a certo jornal o privilégio de estruturar toda a sua circulação. Em suma, através de uma loja própria próxima ou no mesmo local de impressão do periódico que representava, o distribuidor era o responsável por intermediar a entrega das folhas aos revendedores, determinando inclusive a quantidade recebida por cada sociedade de jornaleiros. Para realizar essa mediação, os distribuidores recebiam, em média, de 30% a 40% do preço do jornal, dos quais repassavam 25% a 30% para os jornaleiros. Os jornaleiros, por sua vez, estavam organizados num tipo específico de sociedade conhecidas como “capatazias”. Nome tomado emprestado do capataz, sócio eleito pelos outros membros da sociedade para assumir o papel de liderança, negociando diretamente com os ditribuidores e repartindo os lucros obtidos entre os outros jornaleiros da sociedade. Espalhadas por toda a cidade do Rio de Janeiro, essas sociedades ocupavam zonas demarcadas, limitando o campo de atuação dos jornaleiros para que um não invadisse a “freguesia” do outro. As bancas, como as conhecemos hoje, ainda estavam longe de aparecer. Os jornaleiros vendiam seus produtos no chão ou trabalhavam como “pregões”: transitavam nas ruas com uma volumosa resma de jornais às costas, ou sob o braço, apregoando as notícias do dia aos berros. Além desses, também era comum ver garotos, geralmente chamados de “gazeteiros”, que pulavam bondes e enfrentavam outros riscos para chegar onde outros jornaleiros não conseguiam.18 Portanto, é clara a posição de destaque e liderança dos distribuidores na associação. De fato, foram os distribuidores, a começar pela figura central de Gaetano Segreto, que se mobilizaram para impedir que a circulação de jornais e revistas saísse do controle dos italianos com a modernização das empresas jornalísticas. Para que essa situação não se transformasse, era não só imprescindível que a classe estivesse unida como pacificada e organizada para atender à crescente demanda de leitores e editores do então Distrito Federal. Daí as sucessivas acusações de monopólio feitas, durante toda a primeira metade do século XX, por alguns meios de comunicação, por jornaleiros brasileiros que se sentiam prejudicados com a dominação dos italianos ou pelos próprios jornaleiros italianos contra o poderio dos distribuidores.19 Dentre os membros de maior destaque do quadro de fundadores da Societá, citaremos o nome de Vicenzo Perrotta (aportuguesado para José Vicente Perrota) como exemplo do prestígio e influência dos distribuidores sobre a sua associação de Gabriel Costa Labanca 26 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 classe, empresas jornalísticas e a própria sociedade brasileira. Tendo sido distribuidor dos jornais A Manhã, A Esquerda, A Noite, O Globo, dentre outros, assim como as revistas publicadas pelas mesmas empresas, Perrotta tinha grande reputação no meio jornalístico. “Homem polido e de boas maneiras num setor onde predominavam a grosseria e a falta de educação, fora batizado de Conde por Mário Rodrigues, nos tempos da Crítica. O apelido pegou, acompanhando-o pelo resto da vida”.20 Outro testemunho lisonjeiro sobre o distribuidor pode ser encontrado no livro de memórias do célebre jornalista Edmar Morel, para quem Perrotta era um “gentleman”. Segundo Morel, “na época, todos os distribuidores de jornais eram italianos que, na hora do aperto, emprestavam dinheiro à gerência de alguns jornais, pagando os vales dados aos redatores. Figura singular era a do distribuidor italiano Vicente Perrota, que acabou Conde Papal”.21 Como se vê, a importância do distribuidor era de tamanha grandiosidade que por vezes poderia financiar a produção de um jornal.Em outros casos, o distribuidor poderia ser peça fundamental no lançamento de um novo periódico, como foi Perrotta para a fundação de Mundo Esportivo. Jornal inovador, para uma época na qual os esportes não tinham caráter de massa no Brasil, foi formado inicialmente por Mario Filho e seus irmãos, Pandiá Pires, Cristóvão de Alencar Duque, Mário Martins e o próprio Perrotta. O distribuidor havia sido convencido por Martins a investir na aventura. “Ele adiantou algum numerário e, em troca, ficou com a exclusividade da distribuição do Mundo Esportivo”.22 Enquanto alguns prestavam homenagens aos distribuidores, outros tinham verdadeira ojeriza pela função que exerciam no mundo da imprensa. Num artigo de 1939, ao invés de Conde, Perrotta será transformado “numa espécie de Duce da distribuição, marcando, pelo seu cronômetro, a hora dos relógios dos colegas, e dizem que fazendo a ‘eminence grise’ no 3º andar do edifício do Jornal do Commercio, onde funciona o Sindicato dos Distribuidores”.23 Era, portanto, no seio da Societá através do intermédio de um Conselho Administrativo formado sempre por distribuidores e jornaleiros de maior prestígio, que as divergências da classe tinham de ser resolvidas. Da mesma maneira, ali dentro se discutiam as falhas reclamadas pela imprensa na circulação de suas folhas, assim como eram negociados pontos de vendas, bancas, comissões e outras questões trabalhistas. Tudo sem documentação escrita, apenas a palavra como garantia. Exemplo desse procedimento pode ser verificado no Largo da Carioca, local dos mais concorridos no centro do Rio de Janeiro: Disputas políticas pelo controle da distribuição da imprensa ISSN 1414-9109 27 Está aquele largo dividido por algumas faixas brancas, que figuraram com grande sucesso na encenação da Semana do Transito. Mas há outras divisões, mais profundas, e por isso mesmo, talvez, menos percebidas, traçadas pelo pessoal da Aussiliari della Stampa. O Largo da Carioca, do ponto de vista da distribuição e venda de jornais e revistas, esta dividido em 13 partes, avaliadas de 30 contos cada uma. A Aussiliari della Stampa avaliou em 390 contos o conjunto. As 13 partes são arrendáveis, vendáveis, retalháveis, disponíveis, desde que a operação tenha o beneplácito da Aussiliari, isto é, do Sindicato. Faltando este, tudo falta.24 Tudo isso nos coloca diante da hipótese de que a associação funcionava em moldes semelhantes aos de uma organização mafiosa, já que nesse tipo de estrutura que atua paralela à legislação estatal, “a única obrigação que ele [o mafioso] reconhece é a do código de honra”.25 Dentre os mais de 500 sócios que a Societá possuía em 1927, apenas 140, segundo o estatuto de 1945, possuíam o título de fundadores ou beneméritos, embora grande parte já tivesse falecido logo nas primeiras décadas do novo século. A grande maioria dos sócios se enquadrava na categoria Contribuinte, ou seja, aqueles que simplesmente pagavam a mensalidade e possivelmente não tinham qualquer poder de decisão dentro da associação, apenas os benefícios previdenciários comuns às mutuais. Disputas políticas no seio da Societá Contudo, apesar do aparente estado de tranqüilidade reinante na Ausiliari della Stampa, também existiam divergências dentro do órgão. Uma delas ocorreu no início de 1928, em função do pleito para a escolha da nova diretoria da associação. Na ocasião, Vicenzo Perrotta lançou uma chapa dos “independentes”, feito aparentemente incomum, para concorrer contra o candidato à presidência Enrico Tocci, distribuidor dos jornais A Noite e Correio do Povo. Nesse contexto, um clima de intenso debate foi promovido pelos candidatos, no qual cada um se utilizava dos periódicos que distribuía para fazer acusações contra o adversário. Fato que pode demonstrar tanto a influência dos distribuidores sobre a imprensa, quanto o interesse dos jornais em ter seu distribuidor no comando da Stampa. Mário Rodrigues, por exemplo, célebre editor de jornais como A Manhã e Crítica, cuja distribuição era feita por Perrotta, chegou a publicar um editorial extenso pedindo votos para o Conde: Se elegerdes, porém, vosso presidente o nosso Perrotta, encontrareis patrocínio desvellado no homem limpo, no estheta que sae incolume Gabriel Costa Labanca 28 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 do contacto da tinta das rotativas, do “gentleman” que soffre com o vosso soffrimento […] Elegei-o vosso presidente, companheiros. Elle é o mais digno para a dignidade de vosso “leader”. Elle vos honrará. Elle vos exalçará. Elle vos servirá, pelo brio da consciencia humana que a causa delle representa, sobrelevando-se a mesquinhas e insultuosas conspirações politicas aleatorias, estranhas ao vosso estatuto.26 Simpatizante comunista, Perrotta denunciava a intervenção de forças políticas italianas, através de seu embaixador Bernardo Attolico, no processo eleitoral da sociedade. A mando do Primeiro Ministro italiano, o “Duce” Benito Mussolini, apoiou a chapa de Enrico Tocci, que também editava um jornal fascista no Rio de Janeiro. Através de uma estratégia de intimidação dos jornaleiros, pela negação de passaporte, perda de cidadania e confisco de bens, a representação diplomática da Itália conseguiu angariar uma quantidade de 118 votos para Tocci contra os 83 de Perrotta. O resultado final das eleições foi assim noticiado pelo jornal A Esquerda: Nas eleições de hontem para a directoria da ‘Societá Auxiliare della Stampa’, o fascismo interviu desmascaradamente. Constituiu uma chapa e essa chapa acaba de ser imposta. A surpresa foi tão ostensiva à intervenção do fascio, que o embaixador Attolico enviou à ‘Stampa’ um esquadrão fascista commandado pelo sr. Pacilei, funccionario da embaixada!27 No entanto, enquanto jornais como A Esquerda, O Globo e A Manhã, davam o devido suporte à chapa dos “Independentes”, A Noite, Vanguarda e A Notícia, distribuídos por membros da chapa vitoriosa, anunciavam que a eleição havia ocorrido “animada e em ordem”28 e que não era verídico o que “se divulgou sobre a intervenção ou coacção das autoridades diplomáticas italianas a favor da vitória da chapa da maioria”.29 De fato havia qualquer conflito ideológico digno de investigação nessa disputa e episódios como esse pleito certamente também expõe a luta pela dominação do campo da opinião pública através da Stampa. As relações dos imigrantes italianos e seus descendentes com seu país de origem parece sofrer um brusco abalo com a ascensão de Getúlio Vargas à presidência da República em 1930. Com as políticas nacionalistas e centralizadoras empreendidas pelo novo governo, ganham força as vozes contrárias ao suposto monopólio dos italianos na distribuição e venda de periódicos. Preocupados com as crescentes reações contrárias aos negócios de seus sócios, os diretores da Stampa decidem se adequar aos novos tempos e nacionalizam a organização. Em 15 de novembro de 1931, com apenas um voto Disputas políticas pelo controle da distribuição da imprensa ISSN 1414-9109 29 contrário, a Societá transformou-se em Sociedade de Beneficencia e Socorros Mutuos dos Auxiliares da Imprensa. A mudança de nome, entretanto, não impediu que fosse aprovada uma proposta do secretário Ottaviano Provenzano, para que a sociedade, em respeito às tradições de sua origem, mantivesse sempre uma ótima relação de amizade e respeito com a autoridade oficial da Itália. A Societá contra a sociedade A nova denominação também não impediu que a Sociedade sofresse dura investida contra a dominação que exercia sobre a circulação dos jornais e revistas no Rio de Janeiro. Embora, num discurso feito na comemoração do 30ºaniversário da associação, o presidente Luigi Falbo tenha destacado que a entidade “não nasceu com caráter de resistência, não trazia, propriamente, um programa de reivindicações”30, essa imagem não condiz com sua trajetória. Em pesquisa ainda superficial, verificam-se regulares queixas da Sociedade, tanto em relação ao valor das comissões cedidas pelas empresas jornalísticas quanto por decisões governamentais que pudessem prejudicar o negócio dos jornaleiros, como a concessão de instalação de novos kiosques na cidade. A entidade, portanto, tinha como função primordial a defesa dos interesses dos auxiliares da imprensa. Mais do que simples assistencialismo, seus membros ganhavam proteção contra eventuais ameaças ao seu meio de subsistência. No início dos anos 1930, a firma João Copello & Cia. recebeu parecer favorável de alguns políticos sobre um pedido de licença para a exploração de pontos de venda de revistas e jornais na capital carioca por mais de 20 anos, o que causou grande comoção entre os membros da Sociedade. O decreto municipal 4.826, de 12 de outubro de 1942, segundo o qual o jornaleiro italiano só poderia permanecer em seu negócio desde que transferisse sua licença ou contratos a brasileiros natos também foi motivo de protestos por parte da associação. Tratava-se de tentativas explícitas de derrubar o rentável monopólio dos distribuidores italianos sobre a venda de periódicos que, por vezes, chegava às vias da violência.31 “De fato, a tônica das reportagens publicadas na época é a denúncia de que os italianos impediam trabalhadores nacionais de ingressarem no comércio de jornais e revistas, além de serem exploradores do trabalho de menores brasileiros”.32 Tanto que bandeirinhas do Brasil passaram a ser expostas nas bancas da Cia. Brasileira de Jornais no intuito de estimular certo boicote e constrangimento aos italianos. Atitude reprovada por certos jornais da época, que a consideravam como “nacionalismo mercantil”, ou seja, empresas que se utilizam do Gabriel Costa Labanca 30 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 simbolismo nacional para auferir lucros imediatos, levando vantagens sobre seus concorrentes.33 Nessa época, contudo, os distribuidores já haviam criado seu sindicato, que pouco se diferenciava da Sociedade de Beneficencia e Socorros Mutuos dos Auxiliares da Imprensa. A fundação da nova entidade de classe, em 1932, foi precedida por um dos momentos de maior instabilidade da Societá. A crise aconteceu em 1932, quando um grupo de jornaleiros, alias bastante numeroso, filiou-se à antiga União dos Trabalhadores Graphicos. Era uma reação dos jornaleiros, digamos nacionalista, contra o lucro absorvente dos distribuidores, digamos italianos. […] Por sua vez, os jornaleiros se incorporam, com a fusão havida nos meios graphicos e de jornalistas, à União dos Trabalhadores do Livro e do Jornal. Mas já então a Aussiliari della Stampa, traduzida, fazia-se reconhecer pelo Ministério do Trabalho com o nome de Sindicato dos Distribuidores e Vendedores de Jornais e Revistas.34 Para conseguir tamanha façanha em tão pouco tempo, não foi apenas necessário que os distribuidores tivessem realizada uma campanha bem sucedida de filiação junto aos jornaleiros, mas que também gozassem de regalias junto ao governo. E com boas relações no Ministério do Trabalho, provavelmente através do advogado da sociedade Evaristo de Moraes, que agora compunha a equipe ministerial formuladora da lei de sindicalização, o sindicato foi rapidamente reconhecido. Naquele contexto, isso significava a oficialização do Sindicato dos Distribuidores e Vendedores de Jornais e Revistas, sob o comando dos tradicionais distribuidores, em detrimento das outras associações que almejavam representar a classe. A lei de sindicalização de Vargas determinava a existência de apenas uma associação para cada profissão e, como somente os trabalhadores afiliados ao sindicato oficial poderiam gozar dos benefícios da legislação social35, não havia escapatória para os jornaleiros a não ser se submeterem aos distribuidores. A partir desse período, parece ocorrer aos poucos um certo esvaziamento das atividades da Sociedade, tornando-se o Sindicato o lugar privilegiado das decisões da classe distribuidora e jornaleira. Ao mesmo tempo, o poder dos distribuidores tradicionais parece diminuir à medida que outros agentes interessados em disputar aquele nicho comercial tentam se impor no mercado de distribuição a partir de meados dos Novecentos. Disputas políticas pelo controle da distribuição da imprensa ISSN 1414-9109 31 Notas de Referência Doutorando do Programa de Pós-Graduação de História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), orientado pelo Professor Doutor Marcos Bretas. Contato: gabriellabanca@yahoo.com.br. 1 A quantidade de sócios fundadores aqui exposta foi retirada de um relato do distribuidor Annibal Nicodemo (Correio da Manhã. O inestimável concurso que a Societá Ausiliari della Stampa presta à imprensa e ao público. 23 fev. 1927). No entanto, esse número varia de um estatuto para outro da associação. No estatuto de 1908 constam 104 fundadores, no de 1910 são 94, no de 1917, 1920 e 1945 são 140. 2 VISCARDI, Cláudia M. R; JESUS, Ronaldo Pereira de. A Experiência Mutualista e a Formação da Classe Trabalhadora no Brasil. In: Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis. (Org.). A História das Esquerdas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 26. 3 “Paschoal foi preso treze vezes enquanto Gaetano, nove” (MARTINS, W. S. N. Paschoal Segreto, “Ministro das diversões do Rio de Janeiro” (1883 - 1920). Revista Cidade Nova, v. 1, p. 83-96, 2007. p. 84). 4 “Este jornal gozou de grande prestígio no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no exterior”. Dirigido em sua primeira fase por Giuseppe Magrini e depois por Antonio Grandis, a partir de 1894, era um diário de “linha política e pugnava pelos interesses dos trabalhadores”. Em 1899, voltou a circular sob o comando de Gaetano Segreto e de Mario Gambarone depois (VANNI, Júlio Cezar. Italianos no Rio de Janeiro - A história do desenvolvimento do Brasil partindo da Influencia dos italianos na capital do Império. Rio de Janeiro: Comunità, 2000. p. 68). 5 EDMUNDO, Luís. O Rio de Janeiro do meu tempo. Brasília: Senado Federal, 2003. p. 595. 6 GOMES, Angela de Castro. Imigrantes italianos: entre a italianità e a brasilidade. In: Ronaldo Vainfas. (Org.). 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. p. 150-178. 7 AZEVEDO, O Cortiço. Rio de Janeiro: 2000. 8 MEMORANDUM. Societá di Beneficenza e Mutuo Soccorso degli Ausiliari della Stampa 21/10/1906 – 15/11/1931. Sociedade de Beneficência e Socorros Mutuos dos Auxiliares da Imprensa 15/11/1931 – 31/05/1940. 9 Sócios Beneméritos, segundo o estatuto da Societá, são aqueles tenham feito valiosos donativos ou prestado relevantes serviços à associação. 10 “In principio si ebbe una lotta tremenda tra dissidenti, diverse imprese giornalistiche e la Società, ma dovuto all’azione feconda, energica svolta da diversi soci benemeriti, l’associazione a poco a poco si affermò, disciplinando la classe ed armonizzando tutte le diverse divergenze con le imprese giornalistiche”. 11 Contudo, “nos primeiros tempos foi preciso lutar com a indiferença da maioria da classe e até com a má vontade ou prevenção de algumas empresas jornalísticas, que atribuíram fins diversos aos intuitos da associação. Com o passar dos anos a sociedade, sempre bem dirigida e administrada, conseguindo organizar e estabelecer as normas de um Gabriel Costa Labanca 32 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 serviço de distribuição e venda de jornais e revistasbrasileiras, veio se fortalecendo cada vez mais, podendo vangloriar-se do que tem conseguido, tanto em prol da sua classe como dos sócios e até mesmo das diversas empresas jornalísticas” (CORREIO DA MANHÃ. O inestimável concurso que a Societá Ausiliari della Stampa presta à imprensa e ao público. 23 fev. 1927). 12 “A luta pelo setor de cada grupo é algo feroz e surdo, em que nem sempre faltaram tiros, e onde constantemente surgem incidentes, discussões e rosários de apostrophes a todas as Madonas peninsulares” (O OBSERVADOR ECONÔMICO E FINANCEIRO. A distribuição de jornaes. jun. 1939. p. 95-111). 13 Sobre a emergência de novas ideias políticas e a multiplicação desses impressos ainda em 1821, ver: NEVES, Lúcia M. Bastos P. Os panfletos políticos e o esboço de uma esfera pública de poder no Brasil. In: Abreu, Marcia; Schapochnik, Nelson. (Org.). Cultura Letrada no Brasil. Objetos e práticas. São Paulo/Campinas: Fapesp/Mercado de Letras/ABL, 2005. p. 399-412. 14 “Em 23 de dezembro de 1889 o Governo Provisório baixava decreto de censura à imprensa, espalhando medo. Conhecido como Decreto Rolha, previa penas militares de sedição para os que conspirassem contra o governo ‘por palavras, escritos ou atos’” (MARTINS, Ana Luiza; DE LUCA, Tânia Regina. Imprensa e cidade. São Paulo: Unesp, 2006. p. 35). 15 CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem. Teatro das Sombras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 235. 16 SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa da Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. 17 “O distribuidor recebe os jornais, mas não com ordenado ou comissões de venda própria de empregado. Cobra percentagem como um contratante de serviços e, por via do controle financeiro que exerce sobre os jornais, especialmente os mais pobres, geralmente se converte em interessado na administração do jornal. Contratante ou participante do jornal, ele age em relação ao vendedor como patrão. Para a distribuição dos matutinos, ele admite empregados: os vendedores. Para a dos vespertinos, ele admite vendedores a comissão, que, por isso mesmo, são subordinados seus. Qualquer que seja o ponto de vista por que se encare a questão, ela não muda de figura: o distribuidor é empregador e o vendedor, empregado” (O OBSERVADOR ECONÔMICO E FINANCEIRO. A distribuição de jornaes. jun. 1939. p. 95-111). 18 REBELLO, Gilson. O Rio de banca em banca. Rio de Janeiro: O Dia, 1991. 19 Uma reportagem-denúncia publicada n’O Observador Econômico e Financeiro nos dá o tom dessa insatisfação: “Dar cinco a dez por cento de venda de um jornal a um distribuidor cuja ‘função’ consiste em entregar aos seus prepostos – lucrando por aí ainda mais – a mercadoria que sai da oficina, significa uma extorsão que fere profundamente a imprensa, quer os jornais a confessem, quer prefiram encobri-la, para não incorrer Disputas políticas pelo controle da distribuição da imprensa ISSN 1414-9109 33 nas iras dos grupos que controlam a distribuição. Sim, porque ainda há o controle da distribuição pelos grupos, reunidos todos em associação para distribuir entre si os mercados. Jornais e revistas são a sua presa. […] O enredo – pois esta é uma historia de film em série – da distribuição de jornais e revistas no Brasil é mais do que simples página vergonhosa para uma imprensa que infelizmente ainda não soube, senão com raras exceções libertar-se da ‘maffia’ da distribuição. [...] O vendedor se instala, paga licença, monta a banca. E depois? Onde estão os jornais e revistas? – pergunta o jornaleiro. O distribuidor passa de longe, faz-lhe caretas, e uma que outra vez, organiza-se uma bela surra – aliás, dia a dia mais rara, à medida que certos vendedores de iniciativa ousam afrontar a cólera dos deuses da distribuição, montando banca própria e arrostando o ‘boycott’”. 20 MARTINS, Mario. Valeu a Pena: memórias de um jornalista e político de oposição que nunca foi do contra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 43. 21 MOREL, Edmar. Histórias de um repórter. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 47. 22 MARTINS, Mario. Valeu a Pena: memórias de um jornalista e político de oposição que nunca foi do contra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 43. 23 O OBSERVADOR ECONÔMICO E FINANCEIRO. A distribuição de jornaes. jun. 1939. p. 95-111. 24 O OBSERVADOR ECONÔMICO E FINANCEIRO. A distribuição de jornaes. jun. 1939. p. 95-111. 25 HOBSBAWM, Eric. Rebeldes primitivos. Estudo sobre formas arcaicas de movimentoss ociais nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. p. 49 26 RODRIGUES, Mario. À “Societá de Beneficenza Ausiliari della Stampa”. A Manhã. Rio de Janeiro. 29 jan. 1928. 27 A ESQUERDA. Como o sr. Attolico interpreta, no Rio de Janeiro, a politica de Mussolini. Rio de Janeiro. 30 jan. 1928. 28 A NOITE. S. A. Della Stampa. 30 jan. 1928. 29 VANGUARDA. Está eleita a nova directoria da “Societá Ausiliari Della Stampa”. 30 jan. 1928. 30 DIÁRIO DE NOTÍCIAS. 27 out. 1936. 31 Em fevereiro de 1933, por exemplo, bancas de italianos da Galeria Cruzeiro e do Largo da Carioca foram depredadas por gazeteiros brasileiros devido a um cartaz no qual constava que apenas estrangeiros tinham o direito de vender jornais. O apelo ao patriotismo, de carona na valorização do trabalhador nacional empreendida pelo governo Vargas, era a estratégia mais utilizada nesse conflito. 32 CHINELLI, Filipina. Folha no chão – Etnografia de uma sociedade de jornaleiros. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: Museu Nacional/UFRJ, 1977. p. 48. 33 O GLOBO. 22 jun. 1936. Gabriel Costa Labanca 34 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.6, Outubro de 2012 34 O OBSERVADOR ECONÔMICO E FINANCEIRO. A distribuição de jornaes. jun. 1939. p. 95-111. 35 GOMES, Angela de Castro. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 23-27. 35 A Aurora Fluminense e o combate ao despotismo (1827-1831) Janaína de Carvalho Silva O presente trabalho teve como objetivo analisar o pensamento e atuação política de Evaristo Ferreira da Veiga, no contexto do Primeiro Reinado, quando todo o edifício legal e político do império foram montados, as instituições se reergueram sob novos prismas e inventados outros marcos temporais1. A análise será feita por meio do periódico, Aurora Fluminense, no interregno de 1827 a 1831. A pretensão é dimensionar o papel do publicista na luta pela afirmação do liberalismo no Brasil, defendendo reformas capazes de fazer minar os resquícios de ordem política, cultural e social do Antigo Regime absolutista, tratados aqui como “despotismos diversos”. Evaristo nasceu em 1799 e era filho do português Francisco Luiz Saturnino Veiga e da brasileira Francisca Xavier de Barros. Tinha como irmãos, João Pedro da Veiga, Bernardo Jacinto da Veiga e Lourenço Xavier da Veiga. O pai exercera carreira no magistério durante dezesseis anos e Evaristo o tivera como único professor até a idade de doze anos, quando ingressou no Seminário São José. Contudo não conseguira concretizar seu projeto de estudar em Coimbra e compensara a falta de um curso universitário explorando as obras da livraria que seu pai montara após abandonar a função de mestre-escola2. Ou seja, tivera uma formação em grande parte autodidata. A partir de 1818 a família Veiga se separou. Bernardo fixara-se em Campanha da Princesa, no sul de Minas Gerais, sendo acompanhado em 1822 por Lourenço. Os dois irmãos buscavam o tratamento de males estomacais e do fígado, através do consumo das águas minerais de Águas Virtuosas da Campanha, atual cidade de Lambari e na época parte do termo de Campanha. Logo adquiriram uma destacada importância na política local e provincial e representaram tanto um capital político para a construção da hegemonia liberal moderada na
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