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Como Surgiu a Terapia Cognitivo Comporta- mental 02 1. Introdução 4 2. Histórico 9 3. Objetivos 13 Conceitos 14 4. Fundamentos: 18 5. Em que se Baseia a Terapia Cognitivo Comportamental: 24 6. Terapia Cognitivo 29 Princípios Básicos da TCC 30 7. Fundamentos da Terapia Cognitiva 34 8. Modelo Cognitivo: 44 Acontecimentos > Processamento > Afetos e Ambientais Cognitivo Comportamentos 44 9. Referências Bibliográficas 48 03 4 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 1. Introdução Fonte: super.abril.com.br1 clínica atualmente tem de- monstrado necessidade de pes- quisas e desenvolvimento de técni- cas de intervenção eficazes para aqueles que procuram atendimento psicológico (Paulo, 2006). Em razão disso, com as contribuições advin- das de diversos estudos na área nas últimas décadas, é possível notar uma evolução no processo psicodi- agnóstico. Desde que foi introduzido na prática psicológica, há aproxima- damente 40 anos, o campo da tera- pia cognitivo-comportamental tem se desenvolvido: Hoje existem diver- sos modelos de terapia cognitiva comprovadamente eficazes (Knapp, 2004). É notável que este modelo te- rapêutico está crescendo, com as re- centes tendências em favor de tera- pias empiricamente comprovadas. 1 Retirado em super.abril.com.br Muitos sistemas de saúde no mundo se esforçam para conter cus- tos e melhorar a relação custo-bene- fício dos tratamentos de saúde men- tal. Dessa forma, na última década, a terapia cognitiva teve um enorme impacto sobre o campo da saúde mental, como resultado de sua eficá- cia evidenciada na compreensão e no tratamento de uma ampla gama de distúrbios emocionais e compor- tamentais (Dattílio & Freeman, 1998b). A quantidade crescente de trabalhos que mostram sua eficiên- cia constitui uma explicação para o fato de que esta abordagem ser con- siderada a que mais obteve popula- ridade nas últimas décadas (Rangé, 2001). Por apresentar interfaces en- tre a psiquiatria e abordagens da psi- cologia, além de ser voltada para a A 5 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL resolução de problemas com objeti- vidade e eficiência, de forma estru- turada, validando cientificamente suas ferramentas e resultados psico- terápicos, num curto espaço de tempo e com baixo índice de recaí- das, a terapia cognitivo-comporta- mental tem apresentado franca de- manda por sua utilização e ensino. A terapia cognitiva de Beck é considerada por muitos a principal abordagem cognitiva de hoje. Em seus trabalhos iniciais so- bre a depressão, ele constatou que as avaliações e os pensamentos negati- vos, comumente encontrados em pacientes com depressão, não cons- tituem um sintoma somente, mas são fatores que estão na manutenção deste transtorno (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997). Na atualidade, dis- põe de uma ampla gama de trata- mentos para os diversos transtornos psiquiátricos. As terapias cognitivo- comportamentais denominam-se assim por constituírem uma integra- ção de conceitos e técnicas cogniti- vas e comportamentais, e se diferen- ciam umas das outras de acordo com o enfoque predominante, cognitivo ou comportamental. Pesquisas na área e a prática da TCC vêm mos- trando que, apesar das diferenças entre as abordagens, sua integração vem apresentando resultados satis- fatórios e demonstrando sua viabili- dade. O crescimento das terapias cognitivas vem trazendo consigo evoluções no sentido de manter re- novada a teoria cognitiva da prática clínica, tanto em termos da teoria e da técnica, quanto em termos das concepções filosóficas, epistemoló- gicas e científicas. Entre as evolu- ções, a aproximação com as neuroci- ências e com os fundamentos da psi- cologia cognitiva experimental, traz como consequência positiva explica- ções etiológicas mais integrativas dos transtornos psicológicos e uma prática muito mais objetiva e agre- gada à farmacoterapia, no intento de aumentar a qualidade de vida dos pacientes. Com uma mudança da lei brasileira permitiu ao psicólogo, en- quanto profissional da saúde, emitir atestados psicológicos para efeito de licença-saúde (Manual do Conselho Regional de Psicologia, 1997, Reso- lução CFP n.° 007/94 de 28/10/94 e Resolução CRP-06 n.° 008/94 de 08/08/94, pp. 86 e 99). Tal exigência traz à discussão a questão fundamental do referencial teórico a ser utilizado. Com efeito, o texto da lei indica a Classificação de Transtornos Mentais e de Compor- tamento da CID (Classificação Esta- tística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Décima revisão, 1993) como fonte de enquadramento de diagnósticos. 6 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL Cabe perguntar sobre as possibilida- des de coincidência entre tal classifi- cação e as concepções de doença mental em uso pelos profissionais de psicologia. Em algumas abordagens, os psicólogos têm seguido as classi- ficações psiquiátricas. Todavia, o critério classificatório é tomado, muitas vezes, como um guia com- preensivo de um quadro psicopato- lógico, com a finalidade de se man- ter uma comunicação entre profissi- onais, sobretudo entre psicólogos e médicos psiquiatras. A prática do psicodiagnóstico nosológico possibi- lita um espaço de diálogo entre pro- fissionais, um código que permite que diferentes profissionais, inde- pendentemente da abordagem, se comuniquem sem que os vários ter- mos referentes ao diagnóstico (cada abordagem teórica apresenta seus próprios termos) interfiram negati- vamente na compreensão entre eles. O surgimento e crescimento das Terapias Cognitivas (TC) resul- taram da evolução de um conjunto de influências de naturezas diversas. As terapias cognitivas surgem em meados da década de 1950, como re- sultado de uma multiplicidade de fa- tores históricos e contextuais: um movimento de insatisfação com os modelos estritamente comporta- mentais, que não reconheciam a im- portância dos processos cognitivos mediando o comportamento; a rejei- ção aos modelos psicodinâmicos e o questionamento quanto à sua eficá- cia; a crescente atenção dada aos as- pectos cognitivos do funcionamento humano na psicologia geral, sendo os modelos de processamento de in- formação cada vez mais aplicados em construtos clínicos; e a crescente adesão explícita de diversos tera- peutas e teóricos a abordagem. As- sumiram-se como terapeutas cogni- tivo-comportamentais, - alguns dos proponentes iniciais mais importan- tes como, por exemplo, Beck, Ellis, Cautela, Meichenbaum e Mahoney, contribuindo para o crescimento do campo da terapia cognitiva (Beck, 1997; Knapp & Beck, 2008; Falcone, 17 2007; Rangé, Falcone e Sardinha, 2007; Rondina, 2006; Dobson &Scherrer, 2004; Spinillo&Roazzi, 1989; Kerbauy, 1983; Padesky, 2010). Na década de 1960, surge os primeiros textos acerca do tema, embora os textos centrais sobre mo- dificação cognitiva tenham apare- cido somente na década de 1970 (Knapp & Beck, 2008, Dobson & Do- zois, 2006, Beck, 1970). Diferentes teóricos e profissio- nais introduziram seus próprios in- teresses e perspectivas sobre os pro- blemas, propondo, consequente- mente, um grande número de mode- los de mudança cognitiva e compor- 7 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL tamental, juntamente com a amplia- ção da quantidade de técnicas clíni- cas, foi acrescentado ao repertório clínico. A literatura sugere que o que hoje se compreende por “terapias em abordagem cognitivo-comporta- mental” (TCC) representa um amplo espectro, composto por dezenas de tipos de terapias diferentes (Dobson & Dozois, 2006; Dobson & Scherrer, 2004; Borba, 2005, Kerbauy, 1983; Knapp & Beck, 2008). As duas mo- dalidadesmais influentes nas últi- mas décadas foram a Terapia Cogni- tiva (TC), formulada por Aaron Beck e a Terapia Racional – Emotivo - Comportamental (TREC), formu- lada por Albert Ellis (Dobson & Scherrer, 2004; Dobson, Beck & Beck, 2005). A terapia cognitiva teve como precursora a terapia de Ellis, porém Beck foi o primeiro a utilizar o termo “cognitiva” para designar um tipo de psicoterapia, além de di- fundir a manualização do trata- mento psicoterapêutico (Dobson & Dozois, 2006; Dobson & Scherrer, 2004; Dobson, Beck& Beck, 2005; Borba, 2005, Kerbauy, 1983; Knapp & Beck, 2008, Beck, 1970). Os termos Terapia Cognitiva (TC) e o termo genérico Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) frequentemente são utilizados como sinônimos para descrever psicotera- pias baseadas no modelo cognitivo. O termo TCC também se refere a um grupo de técnicas que integram tanto a abordagem cognitiva quanto procedimentos comportamentais. Embora seja possível ainda encon- trar alguns puristas que 18 argu- mentem sobre a importância da uti- lização de uma abordagem cognitiva ou comportamental isolada, tera- peutas mais pragmáticos conside- ram que a junção ou integração, tanto teórica quanto técnica de mé- todos cognitivos e comportamen- tais, seja mais eficaz para o trata- mento dos transtornos psicológicos (Beck, 2000; Dobson, Beck & Beck, 2005; Knapp & Beck, 2008; Wright, Basco & Thase, 2008; Baptista, 1988). No Brasil, mais especifica- mente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, o movimento cogni- tivo-comportamental começa a ga- nhar espaço somente na década de 1980, a partir do interesse de estu- dar o modelo cognitivo do trans- torno de ansiedade. As vertentes construtivista e cognitivo-compor- tamental parecem ter sido mais pre- dominantes em São Paulo, enquanto no Rio de Janeiro os modelos de es- colha foram os de reestruturação cognitiva e cognitivo-comportamen- tal (Neufeld, Xavier & Stockmann; Rangé, Falcone & Sardinha, 2007). 9 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 2. Histórico Fonte: www.psicologo.com.br2 Terapia Cognitiva surgiu na década de 1950, a partir de uma pesquisa realizada pelo psiqui- atra e psicanalista Aaron Beck, que realizou um estudo onde buscava ex- plicar os processos psicológicos na depressão, em uma tentativa de pro- var a teoria freudiana de depressão como hostilidade retrofletida repri- mida. Após análises em pacientes deprimidos, Beck propôs em seus estudos que os sintomas observados poderiam ser explicados em termos 2 Retirado em www.psicologo.com.br cognitivos, considerando que as in- terpretações das situações vivencia- das poderiam ser tendenciosas, de- vido estarem sendo atribuídas à ati- vação de representações negativas que possuíam de si mesmo, do seu mundo e da sua imagem do futuro (KNAPP & BECK, 2008). A Terapia cognitiva Compor- tamental está fundamentada nos princípios filosóficos do raciona- lismo de Karl Popper e no construti- vismo. A 10 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL Estas teorias defendem a ideia que o sujeito tem uma participação ativa no processo de interação e co- nhecimento do mundo, e a partir daí constrói hipóteses e teorias do mundo, das situações e das coisas. Com isso, a proposta positivista do construtivismo indica que a reali- dade que o homem tem do mundo provém dos erros, das hipóteses. As- sim, as representações formuladas pelo homem não seriam determina- das pelo objetivo, mas seriam cons- truídas por ele mesmo a partir das hipóteses (BAHLS, 2003). Outra premissa apresentada pela proposta cognitivista é como a relevância das crenças e do pensa- mento podem determinar a emoção e bem estar. Nessa perspectiva, os pensamentos têm a capacidade de influenciar as emoções e, de modo contínuo, as emoções influenciam os pensamentos. Baseados nessa tese ratifica-se que as emoções e compor- tamentos são influenciados pela forma de processamento. A partir do processamento, o significado que se atribui à situação ou objeto seria fruto da percepção particular, indi- vidual da pessoa. Assim, a interven- ção do cognitivismo seria para tra- balhar com as emoções e comporta- mentos (HAWTON et al., 1997). Na prática clínica não há fron- teira entre terapia e psicodiagnós- tico. As entrevistas diagnósticas se assemelham às sessões de terapia, não somente pela interpretação que se faz, mas também pelas interven- ções inerentes a essas situações. O psicodiagnóstico ocupa um lugar de destaque entre as opções nos servi- ços de psicologia, independente do motivo que leva o paciente a procu- rar a instituição. Ele deve ser utili- zado como dispositivo para planejar, guiar e avaliar a escolha e indicação terapêutica fundamentada (Noro- nha e cols., 2003). A terapia cognitiva surgiu há poucas décadas, e nesse curto tempo tornou-se o mais validado e mais re- conhecido sistema de psicoterapia, e a abordagem de escolha ao redor do mundo para uma ampla gama de transtornos psicológicos, visto que se mostra eficaz para diferentes po- pulações, independentemente de cultura e níveis socioeconômico e educacional. O foco no problema re- flete o desejo constante por parte dos profissionais de documentar os efeitos terapêuticos, e pode possibi- litar a seleção da terapia mais eficaz para determinado problema (Cami- nha e cols, 2007). A originalidade e o valor das idéias iniciais de Beck foram refor- çados e expandidos através de um volume respeitável de estudos e pu- blicações, refletindo hoje o que há de melhor no estágio atual do pensa- mento e da prática psicoterápica. A 11 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL efetividade desta psicoterapia tem sido objeto de inúmeros estudos ci- entíficos e os resultados mais atuali- zados apontam para sua indiscutível eficácia (Rangé, 1998). O modelo de terapia cognitiva proposta por Aaron Beck (Beck, 1997) encontra-se em constante evo- lução e aperfeiçoamento, tanto com contribuições do próprio Beck como de seus colaboradores e, recente- mente, dos novos terapeutas que se- guem o mesmo modelo. Cabe aos profissionais continuar buscando aprimorar o conhecimento, mesmo porque, o humano está em constante construção, com suas possibilida- des, suas potencialidades e sensibili- dades, o que é o grande motivador na continuidade da busca por atuali- zação e aprimoramento profissional. Recentemente, parece existir uma tendência à integração de di- versos pontos de vista em atendi- mentos psicológicos que visam au- mentar a consistência e abrangência dos tratamentos. Assim, no que se refere à conceituação cognitiva, so- mente através do desenvolvimento de uma boa formulação da situação ou problemas trazidos para terapia, é que se pode planejar procedimen- tos efetivos para alcançar as mudan- ças desejadas e, consequentemente, ficará mais fácil avaliar se um deter- minado tipo de intervenção psicoló- gica é uma terapêutica realmente eficaz ou não (Knapp, 2004). Uma boa compreensão dos fa- tores que causam e/ou mantém dis- túrbios psicológicos, permite o pla- nejamento de intervenções clínicas efetivas e individualizadas para cada sujeito, uma vez que cada um possui uma história de experiências e aprendizagens única. 13 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 3. Objetivos Fonte: fabianamedeirospsicologa.com.br3 ANGÉ, 2001) O objetivo da Te- rapia Cognitiva Comporta- mental é promover avaliações realis- tas e adaptativas dos fatos da vida em lugar de distorções cognitivas. Para tal, é utilizada uma abordagem colaborativa psico educacional de tratamento, na qual experiências de aprendizagens específicas buscam ensinaros indivíduos a monitorar seus pensamentos automáticos; re- conhecer as relações entre cognição, afeto e comportamento; testar a va- lidade dos pensamentos automáti- cos, substituir os pensamentos dis- 3 Retirado em fabianamedeirospsicologa.com.br torcidos por cognições mais realis- tas; identificar e alterar as crenças, pressupostos ou esquemas subja- centes aos padrões errôneos de pen- samentos (KNAPP & COLS, 2004). A avaliação tem como objetivo discutir com o paciente uma formu- lação dos problemas a serem trata- dos e obter informações suficiente- mente detalhadas a respeito dos fa- tores que mantêm o problema, para que se possa elaborar um plano de tratamento eficiente (Caminha e cols., 2007). Formular um caso é elaborar um modelo, uma represen- R 14 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL tação demonstrativa de como o paci- ente está funcionando, e norteia a atuação terapêutica (Rangé, 1998). O objetivo da Teoria Cognitiva é descrever a natureza de conceitos (resultados de processos cognitivos) envolvidos em determinada psico- patologia de maneira que quando ativados dentro de contextos especí- ficos podem caracterizar-se como mal adaptativos ou disfuncionais. O objetivo da terapia cognitiva seria, ainda, o de fornecer estratégias ca- pazes de corrigir estes conceitos idi- ossincrásicos (Bahls, 1999; Biggs & Rush, 1999; Beck & Alford,2000) Um dos objetivos da TCC é corrigir as distorções cognitivas que estão gerando problemas ao indiví- duo e fazer com que este desenvolva meios eficazes para enfrentá-los. Para tanto são utilizadas técnicas cognitivas que buscam identificar os pensamentos automáticos, testar es- tes pensamentos e substituir as dis- torções cognitivas. Conceitos A Terapia Cognitiva apresenta seus principais conceitos, propostos por Beck, como: esquema, crença central, crença intermediária, pen- samento automático e distorções cognitivas (BECK et al. 1979). Os esquemas são estruturas cognitivas que formam significado, a partir da experiência que nos aju- dam a interpretar o mundo. A partir dos esquemas nossas experiências são filtradas, avaliadas, codificadas, categorizadas e interpretadas. Eles se formam a partir das primeiras re- lações do indivíduo com o meio, com isto, valoriza-se a fase da infância, pois o mundo externo é apresentado logo após o nascimento (BECK & ALFORD, 2000). O conceito de “Crença Cen- tral”, também conhecido como crença nuclear, defende que este tipo crença constitui o nível mais profundo da estrutura cognitiva e são compostas por ideias rígidas, ab- solutistas e globais que o indivíduo tem sobre si mesmo. Estas crenças são formadas por ideias e 18 concei- tos a respeito de nós mesmos, das pessoas e do mundo. Elas são aceitas sem grandes questionamentos, são mantidas).As crenças centrais são ideias e conceitos mais enraizados e cristalizados acerca de nós mesmos, dos outros e do mundo. São consti- tuídas desde as nossas primeiras ex- periências na infância e se solidifi- cam ao longo da vida, moldando as- sim nosso jeito de ser e agir no mundo. Tratando-se de crenças dis- funcionais, aquilo que não é modifi- cado ou corrigido em fase desadap- tativa, pode chegar à fase adulta como verdades absolutas (KNAPP, 2004). 15 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL As Crenças intermediárias correspondem ao segundo nível de pensamento e não são diretamente relacionadas às situações, ocorrendo sob a forma de suposições ou regras. São construções cognitivas disfunci- onais, expressas em forma de regras, normas, premissas e atitudes que adotamos e que guiam a nossa con- duta. Estas crenças encontram-se presentes em inúmeras situações existenciais. Elas derivam e refor- çam as crenças centrais, pois pressu- põem que, desde que determinadas regras, normas e atitudes sejam cumpridas, não haverá problema, e o indivíduo se mantém relativa- mente estável e produtivo. Embora os indivíduos construam e mante- nham as crenças intermediárias como tentativa de lidar com suas crenças e esquemas desadaptativos, eles acabam confirmando e refor- çando (KNAPP, 2004). O conceito de “Pensamento Automático" parte da compreensão de que existem pensamentos que ocorrem espontânea e rapidamente nas fronteiras da consciência, sendo interpretações imediatas das mais variadas situações. Tais pensamen- tos são chamados de “automáticos”, pois são diferentes do fluxo normal de pensamentos observado no racio- cínio reflexivo ou na livre associa- ção. Geramente estes pensamentos são avaliados como razoáveis e são aceitos como verdadeiros (KNAPP & BECK, 2008). Conforme Beck (1997), mesmo que alguns pensamentos automáti- cos sejam verdadeiros, a maioria de- les é falsa ou trazem em seu conte- údo apenas 19 verdades parciais. As- sim, a autora descreve, na lista a se- guir, os erros típicos destes pensa- mentos disfuncionais: 1. Pensamento do tipo tudo-ou- nada (também chamado de pensa- mento preto-e-branco, polarizado ou dicotômico): Você vê uma situa- ção em apenas duas categorias em vez de em um contínuo. Exemplo: “Se eu não for um sucesso total, eu sou um fracasso”. 2. Catastrofizando (também de- nominado adivinhação): Você prevê o futuro negativamente sem consi- derar outros resultados mais prová- veis. Exemplo: “Eu ficarei tão abor- recida que não serei capaz de agir di- reito”. 3. Desqualificando ou desconsi- derando o positivo: Você irrazoavel- mente diz para si mesmo que expe- riências, atos ou qualidades positi- vos não contam. Exemplo: “Eu fiz bem aquele projeto, mas isso não significa que eu seja competente; eu apenas tive sorte”. 4. Argumentação emocional: Você pensa que algo deve ser ver- 16 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL dade porque você “sente” (em reali- dade, acredita) isso de maneira tão convincente que acaba por ignorar ou desconsiderar evidências contrá- rias. Exemplo: “Eu sei que eu faço muitas coisas certas no trabalho, mas eu ainda me sinto como se eu fosse um fracasso”. 5. Rotulando: Você coloca um ró- tulo global e fixo sobre si mesmo ou sobre os outros sem considerar que as evidências poderiam ser mais ra- zoavelmente conduzidas a uma con- clusão menos desastrosa. Exemplo: “Eu sou um perdedor. Ele não presta”. 6. Magnificação/minimização: Quando você avalia a si mesmo, ou- tra pessoa ou uma situação, você magnifica irracionalmente o nega- tivo e/ou minimiza o positivo. Exemplo: “Receber uma nota medí- ocre prova quão inadequada eu sou. Obter notas altas não significa que eu sou inteligente”. 7. Filtro mental (também deno- minado abstração seletiva): Você presta atenção indevida a um deta- lhe negativo em vez de considerar o quadro geral. Exemplo: “Porque eu tirei uma nota baixa na minha avali- ação [que também continha várias notas altas] isso significa que eu es- tou fazendo um trabalho deplorá- vel”. 8. Leitura mental: Você acha que sabe o que os outros estão pensando, falhando assim ao considerar outras possibilidades mais prováveis. Exemplo: “Ele está pensando que eu não sei nada sobre esse projeto”. 9. Super generalização: Você tira uma conclusão negativa radical que vai muito além da situação atual. Exemplo: “[Porque eu me senti des- confortável no encontro] eu não te- nho o que é necessário para fazer amigos”. 10. Personalização: Você acredita que os outros estão se comportando negativamente devido a você, sem considerar 20 explicações mais plausíveis para o seu comporta- mento. Exemplo: “O encanador foi rude comigo porque eu fiz algo er- rado”. 11. Declarações do tipo “eu deve- ria” e “eu devo” (também chama- das imperativas): Você tem uma ideia exata estabelecida de comovocê ou os outros deveriam compor- tar-se e você superestima quão ruim é que essas expectativas não sejam preenchidas. Exemplo: “É terrível que eu tenha cometido um erro. Eu deveria sempre dar o melhor de mim”. 12. Visão em túnel: Você vê ape- nas os aspectos negativos de uma si- tuação. Exemplo: “O professor do meu filho não sabe fazer nada di- reito. Ele é crítico, insensível e en- sina mal”. (BECK, 1997, p. 129-130) 17 18 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 4. Fundamentos: Fonte: fatosdesconhecidos.ig.com.br4 terapia cognitiva de Beck é considerada por muitos a principal abordagem cognitiva de hoje. Em seus trabalhos iniciais sobre a depressão, ele constatou que as avaliações e os pensamentos negativos, comumente encontrados em pacientes com depressão, não constituem um sintoma somente, mas são fatores que estão na manutenção deste transtorno (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997). Na atualidade, dispõe de uma ampla gama de tratamentos para os diversos transtornos psiquiátricos. 4 Retirado em fatosdesconhecidos.ig.com.br As terapias cognitivo-compor- tamentais denominam-se assim por constituírem uma integração de conceitos e técnicas cognitivas e comportamentais, e se diferenciam umas das outras de acordo com o enfoque predominante, cognitivo ou comportamental. Pesquisas na área e a prática da TCC vêm mostrando que, apesar das diferenças entre as abordagens, sua integração vem apresentando resultados satisfató-rios e demons- trando sua viabilidade. O crescimento das terapias cognitivas A 19 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL trouxe consigo evoluções no sentido de manter renovada a teoria cognitiva da prática clínica, tanto em termos da teoria e da técnica, quanto em termos das concepções filosóficas, epistemoló-gicas e científicas. Entre as evoluções, a aproximação com as neurociências e com os funda-mentos da psicologia cognitiva experimental, traz como conse-quência positiva explicações etiológicas mais integrativas dos transtornos psicológicos e uma prática muito mais objetiva e agregada à farmacoterapia, no intento de aumentar a qualidade de vida dos pacientes. Uma mudança da lei brasileira permitiu ao psicólogo, enquanto profissional da saúde, emitir atestados psicológicos para efeito de licença-saúde (Manual do Conselho Regional de Psicologia, 1997, Resolução CFP n.° 007/94 de 28/10/94 e Resolução CRP-06 n.° 008/94 de 08/08/94, pp. 86 e 99). Tal exigência traz à discussão a questão fundamental do referencial teórico a ser utilizado. Com efeito, o texto da lei indica a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID (Classifi- cação Estatística Interna-cional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Décima revisão, 1993) como fonte de enquadramento de diagnósticos. Cabe perguntar sobre as possibilidades de coincidência entre tal classificação e as concepções de doença mental em uso pelos profissionais de psico- logia. Em algumas abordagens, os psicólogos têm seguido as classi- ficações psiquiátricas. Toda-via, o critério classificatório é tomado, muitas vezes, como um guia compreensivo de um quadro psicopatológico, com a finalidade de se manter uma comunicação entre profissionais, sobretudo entre psicólogos e médicos psiquiatras. A prática do psicodiagnóstico nosológico possibilita um espaço de diálogo entre profissionais, um código que permite que diferentes profissionais, independentemente da abordagem, se comuniquem sem que os vários termos referentes ao diagnóstico (cada abordagem teórica apresenta seus próprios termos) interfiram negativamente na compreensão entre eles. Atualmente a Terapia Cognitiva é uma abordagem da psicologia que se encontra em franca expansão, principalmente no conti- nente americano, recomen-dada não só para a depressão, mas também para uma infinidade de transtornos, contando com um elevado número de modalidades de aplicações. De acordo Bernard Rangé, um dos principais autores no 20 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL Brasil sobre o tema, a Terapia Cognitiva se diferencia de outras abordagens que também são amplamente utilizadas, da seguinte maneira, (RANGÉ, 2001, p.89): Distingue-se da psicanálise e da psiquiatria biológica na medida em que estes entendem que a ação de um indivíduo está baseada em um determinismo fora do seu controle, enquanto a terapia cognitiva (TC) supõe que a origem da ação encontra- se na consciência, logo sob seu poder. Em relação ao behavio- rismo, representa uma evolução na vertente metodo- lógica desta escola psicológica. Fonte: www.pedrogouvea.com A Terapia Cognitiva traz uma proposta terapêutica diferenciada das terapias anteriores a ela, como é o caso da psicanálise. Em termos de “idade” pode ser considerada uma teoria jovem em comparação a outras, pois teve início na segunda metade do século passado – diga-se de passagem, é a única abordagem, entre as mais estudadas da psicologia moderna, cujo principal fundador continua vivo (Aaron Beck possui hoje, em 2016, 93 anos de idade). Em termos de proposta terapêutica, o que a difere das demais é tanto o foco na consciência como o uso do modelo cognitivo (do qual falaremos mais adiante) e sua base na interpretação que o indivíduo faz do mundo, que, nessa abordagem, se estruturam progres- sivamente. Para falar da linha geral de raciocínio da Terapia Cognitiva, citamos Cordioli e seus colabora- dores, que em seu livro Psico- terapias: abordagens atuais, (CORDIOLI et al. 2008, p.34) destacam: A terapia cognitiva tem fortes ligações com várias escolas filosóficas, como o estoicismo grego, o racionalismo, o empirismo e fenomenologia, e com escolas orientais de pensamento, como o budismo e o taoísmo. Sua premissa básica é a de que a maneira como as pessoas interpretam suas experiências determina como elas se sentem e se comportam. A afirmativa do filósofo Estóico Epictetus (60-117 d. C), de que “os homens se perturbam não pelas coisas, mas pela visão que têm delas”, expressa a ideia 21 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL central do modelo cognitivo. As referências filosóficas citadas por Cordioli et al.(2008) são narradas por Aaron Beck em sua obra Terapia Cognitiva da Depressão (1979/1993), além de comentar da herança freudiana em sua formação, e citar pensadores como Epictetus, cita também como influenciadores de sua obra, nomes como Zenão de Cítio, Crísipo, Cícero, Sêneca e o Imperador Filósofo Marco Aurélio. Nas palavras de Aaron Beck (1997) 33 As origens filosóficas da terapia cognitiva podem ser buscadas nos filósofos estoicistas, especialmente em Zenão de Cítio (século IV a.C.), Crísipo, Cícero, Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio. Epicteto escreveu, no Enchiridion: “Os homens não são perturbado pelas coisas, mas pelas visões que têm delas”. Assim como o estoicismo, filosofias orientais como o taoísmo e o budismo enfatizaram que as emoções humanas se baseiam em ideias. O controle dos sentimentos mais intensos pode ser alcançado pela modificação das ideias de uma pessoa. Esses Filósofos trazem dentro de seu sistema filosófico a noção de que o controle dos sentimentos mais intensos pode ser alcançado pela modificação das ideias do indivíduo, o que vai diretamente ao encontro das convicções de Aaron Beck (apud BECK, J., 1997, p.13) quando ele escreve no prefácio do livro Terapia Cognitiva: Teoria e Prática, livro de sua filha Judith, que: Com base em minhas observações clínicas e em alguns estudos clínicos e experimentos sistemáticos, teo- rizei que havia um trans-torno de pensamento no cerne das síndromespsiquiátricas como depressão e ansiedade. Esse transtorno estava refletido em uma tendência sistemática no modo como os pacientes interpretam experiências parti- culares. Apontando essas interpretações tendenciosas e propondo alternativas, ou seja, explicações mais prováveis, verifiquei que eu podia produzir uma redução quase imediata dos sintomas. 22 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 23 24 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 5. Em que se Baseia a Terapia Cognitivo Comporta- mental: Fonte: clinicasrecuperar.com.br5 terapia cognitiva é um sis- tema de psicoterapia que se baseia na teoria de que o modo como um indivíduo estrutura as suas ex- periências determina o modo como ele se sente e se comporta (Dattílio & Freeman, 1998a). Os sentimentos não são determinados por situações, mas pelo modo como as pessoas as interpretam. Nesta visão, os trans- tornos psicológicos decorrem de um modo distorcido ou disfuncional de 5 Retirado em clinicasrecuperar.com.br perceber os acontecimentos, influ- enciando os afetos e os comporta- mentos (Beck, 1997). Os indivíduos têm predisposição a fazerem cons- truções cognitivas falhas, o que é chamado de ‘vulnerabilidade cogni- tiva’ (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997). A emoção torna-se disfuncio- nal quando decorrente de pensa- mentos irrealistas e absolutistas, in- terferindo na capacidade da pessoa A https://loremipsum.io/ https://loremipsum.io/ 25 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL de pensar objetivamente. Isso não significa que os pensamentos cau- sam os problemas emocionais, mas sim que eles modulam e mantêm as emoções disfuncionais (Rangé, 2001). Há uma interação recíproca entre os pensamentos, os sentimen- tos e os comportamentos, fisiologia e ambiente; a mudança em qualquer um destes componentes pode iniciar modificações nos demais (Knapp, 2004). O terapeuta cognitivo busca produzir mudanças no pensamento e no sistema de crenças do cliente, com o propósito de promover mu- danças duradouras (Beck, 1997). Embora o processo terapêutico possa variar de acordo com as neces- sidades de cada paciente, existem al- guns princípios que caracterizam o procedimento clínico nesta aborda- gem de tratamento. A terapia cognitiva é baseada nos problemas do cliente e no esta- belecimento de metas específicas, através das quais são identificados os pensamentos automáticos testá- veis que impedem a realização des- sas metas. A validade desses pensamen- tos é avaliada em conjunto por tera- peuta e cliente. Posteriormente es- ses pensamentos serão testados por experimentos comportamentais, e utilizadas técnicas de resolução de problemas (Rangé, 2001). Na terapia cognitiva, segundo Beck (1997), três níveis de cognição serão trabalhados: pensamentos au- tomáticos, pressupostos subjacentes (crenças intermediárias) e crenças nucleares (centrais). As primeiras sessões focalizam-se na conceitua- ção, socialização e adesão ao trata- mento. Posteriormente, o foco será a modificação de pensamentos auto- máticos, bem como das emoções e dos comportamentos que mantêm o transtorno psicológico. Na medida em que evolui, o tratamento focaliza a modificação das suposições, regras e crenças centrais/esquemas (Rangé, 2001). As técnicas comportamentais são empregadas, sobretudo, para que o paciente altere algum compor- tamento de seu repertório e possa, com isso, reexaminar as crenças so- bre si mesmo e sobre os eventos, ob- ter evidências factuais para suas conclusões e reformular suas avalia- ções. Os experimentos comporta- mentais, em que o paciente é incen- tivado a modificar as contingências de seu próprio ambiente, são impor- tantes técnicas avaliativas, pois tes- tam diretamente a validade dos pen- samentos (Nabuco & Roso, 2003). Já as técnicas cognitivas têm sido aprimoradas ao longo dos anos, procurando instrumentalizar os te- rapeutas para o trabalho de identifi- cação, análise e reestruturação do 26 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL sistema de crenças do cliente. Por exemplo, ao utilizar a técnica de re- gistro de pensamentos (RPD), que deve ser precedida da compreensão da lógica do modelo cognitivo, pen- samentos relevantes a serem traba- lhados em terapia são identificados. O terapeuta cognitivo constrói hipóteses ao longo do processo tera- pêutico. Ele vai testando, reconstru- indo suas hipóteses e se aproxi- mando da estrutura cognitiva do pa- ciente. Essa construção da hipótese cognitiva global é chamada de Con- ceituação Cognitiva. A Conceituação cognitiva é uma hipótese sobre pen- samentos, suposições, emoções e crenças do paciente. A conceituação cognitiva cons- titui o arcabouço que permite ao te- rapeuta conduzir seu trabalho com objetivos e uma rota definida. Se- gundo Rangé (2001) e Caminha, Wainer, Oliveira & Piccoloto (2007), a ausência de uma conceituação cog- nitiva torna o tratamento vago e ir- relevante, mesmo que sejam usadas as técnicas cognitivas. Assim, a con- ceituação cognitiva é a habilidade clínica mais importante para o tera- peuta cognitivo.Esta requer primei- ramente uma avaliação inicial dos problemas do paciente, que deve in- cluir a identificação do problema, as circunstâncias de vida que precipita- ram o problema, a história familiar e do desenvolvimento, as medidas pa- dronizadas de ansiedade e depres- são e de transtornos específicos rela- cionados ao caso, medidas específi- cas (como diário de frequência de ataques de pânico e registro de pen- samentos disfuncionais) e a hipótese diagnóstica. A especificação de me- tas está incluída (Beck, 1997). Além de entrevistas com o pa- ciente, recursos tais como entrevis- tas com pessoas- chave, observação direta do comportamento em ambi- entes clínicos, auto monitoração e aplicação de instrumentos psicológi- cos (escalas e questionários) am- pliam a compreensão do caso, ga- rantindo uma formulação mais com- pleta (Caminha e cols., 2007). A avaliação inicial possibilita que o terapeuta levante hipóteses sobre as experiências no desenvolvi- mento do cliente que contribuíram para a construção da crença central, assim como sobre as crenças inter- mediárias e pensamentos automáti- cos relacionados à crença central, as estratégias cognitivas, afetivas e comportamentais utilizadas pelo pa- ciente para enfrentar as suas crenças disfuncionais, e os eventos estresso- res que contribuíram para a mani- festação dos problemas psicológicos (Beck, 1997). A conceituação cognitiva tem início no primeiro contato com o pa- 27 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL ciente e é aprimorada continua- mente. O objetivo principal da con- ceituação cognitiva é melhorar o re- sultado do tratamento, auxiliando o terapeuta a obter uma concepção mais ampla e profunda do paciente. Na concepção cognitiva, a psi- copatologia é considerada o resul- tado de crenças excessivamente dis- funcionais e de pensamentos dema- siadamente distorcidos que, em ati- vidade, influenciam o humor e o comportamento do indivíduo, envi- esando sua percepção da realidade. Assim, sua identificação e posterior modificação são elementos centrais para o tratamento, capazes de pro- mover a redução dos sintomas (Beck, 1997). A todas as pessoas ocorrem pensamentos involuntários, chama- dos de pensamentos automáticos na terapia cognitiva, que são exagera- dos, distorcidos, equivocados, irrea- listas ou disfuncionais, e que têm um importante papel na psicopatologia, porque moldam tanto as emoções como as ações do indivíduo (Knapp, 2004). Os pensamentos automáti- cos derivam de um "erro" cognitivoe têm íntima relação com as crenças. Estas são as cognições mais fáceis de acessar e modificar. Embora a terapia cognitiva seja identificada por intervenções que visam modificar pensamentos, essa é apenas uma das muitas for- mas de intervenção. Se as emoções não forem trabalhadas, o trata- mento cognitivo pode tornar-se ape- nas uma troca intelectual, o que não teria sentido terapêutico (Knapp, 2004). Da mesma forma, padrões de comportamento retroalimentam a disfunção emocional e cognitiva, e também precisam ser trabalhados. 28 29 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 6. Terapia Cognitivo Fonte: casule.com6 undamentada no princípio bá- sico da TCC e, em particular, na hipótese de primazia das cogni- ções sobre as emoções e comporta- mentos, em TCC busca-se a reestru- turação cognitiva, a partir de uma conceituação cognitiva do paciente e de seus problemas. Inicialmente, objetiva devolver ao paciente a flexi- bilidade cognitiva, através da inter- venção sobre as suas cognições, a fim de promover mudanças nas emoções e comportamentos que as acompanham. Ao longo do processo 6 Retirado em casule.com terapêutico, no entanto, atua direta- mente sobre o sistema de esquemas e crenças do paciente a fim de pro- mover sua reestruturação. Em para- lelo à reestruturação cognitiva, o te- rapeuta cognitivo utiliza ainda uma abordagem de resolução de proble- mas. A TCC reflete aspectos interes- santes em sua práxis. Baseia-se na noção de esquemas, construídos ao longo do desenvolvimento, cujo con- junto resume as percepções pelo in- divíduo de regularidades do real a F 30 30 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL partir de suas experiências históri- cas relevantes. Esquemas são defini- dos como superestruturas cognitivas que, em uma relação circular, orga- nizam nossas experiências do real e são atualizados por elas, ao mesmo tempo em que guiam o foco de nossa atenção. TCC adota uma abordagem estruturada, mas apoia-se em uma relação colaborativa entre o tera- peuta e o paciente, na qual ambos têm um papel ativo através do pro- cesso psicoterápico. Objetiva não apenas a resolução dos problemas imediatos do paciente, mas, através da reestruturação cognitiva, busca dotá-lo de um novo conjunto de téc- nicas e estratégias cognitivas para, a partir daí, processar e responder ao real de forma funcional, sendo o fun- cional definido como formas que concorrem para a realização de suas metas. Fonte: zenklub.com.br Características que a distin- guem de outras formas de psicotera- pia são o tempo curto e limitado e a eficácia comprovada através de es- tudos empíricos, em várias áreas de transtornos emocionais, como de- pressão, transtornos de ansiedade (transtorno de ansiedade generali- zada, fobias, pânico, hipocondria, transtorno obsessivo-compulsivo), dependência química, transtornos alimentares, dificuldades interpes- soais (terapia de casal e de família), transtornos psiquiátricos, etc., para adultos, crianças e adolescentes, nas modalidades individual e em grupo. Sua utilização no tratamento de psi- coses apresenta resultados encoraja- dores. TCC ainda é indicada como coadjuvante no tratamento de trans- tornos orgânicos, e em intervenções nas áreas de educação, organizações e esportes. Princípios Básicos da TCC 1. A TCC se orienta no conheci- mento empírico da psicologia cientí- fica; 2. A TCC se orienta no problema (sintoma) atual do paciente; 3. A TCC baseia-se na análise dos fatores de vulnerabilidade (predis- posições), fatores desencadeadores e mantenedores dos transtornos mentais; 4. Por se orientar no problema, a TCC é também orientada para um objetivo definido (a modificação do comportamento problemático); 31 31 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 5. A TCC é voltada para a ação e não apenas para a tomada de cons- ciência (ing. insight, al. Einsicht) e uma compreensão mais profunda do problema; 6. A TCC não se restringe à situa- ção terapêutica, mas se estende à vida diária do indivíduo; 7. A TCC é transparente, tanto quanto a seus objetivos quanto a seus meios; 8. A TCC procura ser uma ajuda para a autoajuda, ou seja, acentua a responsabilidade do próprio paci- ente no processo terapêutico; 9. A TCC se esforça por estar em desenvolvimento constante. (Jürgen Margraf, 2009) A terapia cognitiva de Beck é considerada por muitos a principal abordagem cognitiva de hoje. Em seus trabalhos iniciais sobre a de- pressão, ele constatou que as avalia- ções e os pensamentos negativos, comumente encontrados em pacien- tes com depressão, não constituem um sintoma somente, mas são fato- res que estão na manutenção deste transtorno (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997). Na atualidade, dispõe de uma ampla gama de tratamentos para os diversos transtornos psiqui- átricos. As terapias cognitivo-compor- tamentais denominam-se assim por constituírem uma integração de conceitos e técnicas cognitivas e comportamentais, e se diferenciam umas das outras de acordo com o en- foque predominante, cognitivo ou comportamental. Pesquisas na área e a prática da TCC vêm mostrando que, apesar das diferenças entre as abordagens, sua integração vem apresentando resultados satisfató- rios e demonstrando sua viabili- dade. Fonte: amenteemaravilhosa.com.br O crescimento das terapias cognitivas trouxe consigo evoluções no sentido de manter renovada a te- oria cognitiva da prática clínica, tanto em termos da teoria e da téc- nica, quanto em termos das concep- ções filosóficas, epistemológicas e científicas. Entre as evoluções, a aproximação com as neurociências e com os fundamentos da psicologia cognitiva experimental, traz como consequência positiva explicações etiológicas mais integrativas dos transtornos psicológicos e uma prá- tica muito mais objetiva e agregada 32 32 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL à farmacoterapia, no intento de au- mentar a qualidade de vida dos paci- entes. Uma mudança da lei brasi- leira permitiu ao psicólogo, en- quanto profissional da saúde, emitir atestados psicológicos para efeito de licença-saúde (Manual do Conselho Regional de Psicologia, 1997, Reso- lução CFP n° 007/94 de 28/10/94 e Resolução CRP-06 n° 008/94 de 08/08/94, pp. 86 e 99). Tal exigên- cia traz à discussão a questão funda- mental do referencial teórico a ser utilizado. Com efeito, o texto da lei indica a Classificação de Transtor- nos Mentais e de Comportamento da CID (Classificação Estatística Inter- nacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Décima revi- são, 1993) como fonte de enquadra- mento de diagnósticos. Cabe per- guntar sobre as possibilidades de coincidência entre tal classificação e as concepções de doença mental em uso pelos profissionais de psicolo- gia. Em algumas abordagens, os psicólogos têm seguido as classifica- ções psiquiátricas. Todavia, o crité- rio classificatório é tomado, muitas vezes, como um guia compreensivo de um quadro psicopatológico, com a finalidade de se manter uma co- municação entre profissionais, so- bretudo entre psicólogos e médicos psiquiatras. A prática do psicodiag- nóstico nosológico possibilita um es- paço de diálogo entre profissionais, um código que permite que diferen- tes profissionais, independente- mente da abordagem, se comuni- quem sem que os vários termos refe- rentes ao diagnóstico (cada aborda- gem teórica apresenta seus próprios termos) interfiram negativamente na compreensão entre eles. 33 33 34 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 7. Fundamentos da Terapia Cognitiva Fonte: renataborja.com.br7 avaliação psicológica consti-tui uma prática relativamente recente na psicologia, visto que se configura como campo de produção a partir da segunda metade do sé- culo XX. Em nossa cultura, o desen- volvimento da Psicologia como ciên- cia e profissão, e, por conseguinte, do diagnóstico psicológico, sofreram várias influências. Entre elas, do modelo médico, dos estudos da psi- cometria e do surgimento da psica- nálise (Ocampo, 1985). Considerando-se a avaliação como uma atividade que requer ri- gor e eficácia, pode-se afirmar que a avaliação psicológica é uma prática profissional importante para o psi- cólogo, tendo-se em vista que pode fornecer elementos de análise im- 7 Retirado em renataborja.com.br prescindíveis para a atuação em di- ferentes campos. Na realização de avaliações seguras, é imprescindível o conhecimento e o domínio de ins- trumentos de coleta de dados, den- tre eles o teste psicológico (Oliveira, Noronha, Beraldo & Santarém, 2003). Os testes são instrumentos de medida que investigam amostras de comportamento e devem ser capazes de auxiliar na identificação de carac- terísticas de sujeitos. Para tanto, de- vem ser construídos com base cien- tífica e apresentar parâmetros psico- métricos que de alguma forma ates- tem a confiabilidade e a representa- tividade do construto que está sendo medido. Os testes são mais um re- curso para auxiliar o profissional na A 35 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL compreensão e fechamento das con- siderações a respeito de um exami- nando, seja em processo seletivo (exame psicológico ou psicotécnico), avaliação psicológica e psicodiag- nóstico. Muitas das questões sobre o ri- gor e o valor da avaliação psicológica passam pela atuação do psicólogo que a realiza. Assim sendo, faz-se necessário que ele apresente condi- ções mínimas para tarefa, como co- nhecimento atualizado da literatura e de pesquisas disponíveis sobre o comportamento humano e sobre o instrumental psicológico, treina- mento específico para o uso de testes e escalas, domínio sobre os critérios estabelecidos para avaliar e inter- pretar resultados obtidos, capaci- dade para considerar os resultados obtidos à luz das informações mais amplas sobre o indivíduo, contextu- alizando-os, seguir as orientações existentes sobre organizações dos laudos finais e, acima de tudo, ga- rantir princípios éticos quanto ao si- gilo e à proteção ao indivíduo avali- ado (Alchieri & Cruz, 2003). No Brasil, a atuação do psicó- logo, na testagem, é considerada uma atividade pericial. Por lei, os peritos devem prestar serviço de qualidade à sociedade, e esta quali- dade pode ser cobrada judicial- mente. Isto é, o psicólogo responde até criminalmente por sua conduta na área dos testes psicológicos. Os direitos do testando, de modo geral, são norteados pelos co- mitês de ética em Psicologia e pelas normas para Testagem Educacional e Psicológica da American Psycholo- gical Association (APA). Embora as pesquisas sobre a utilização dos testes psicológicos te- nham crescido na última década, Noronha (1999), pesquisando os usos e problemas na utilização dos testes psicológicos, constatou que os psicólogos não costumam utilizar testes psicológicos na sua avaliação. Outro dado que merece atenção é que a formação na área de ensino de testes é deficiente, como observado por Oliveira, Noronha, Beraldo e Santarém (2003). Noronha (2003) afirma que é preciso repensar a for- mação do profissional de Psicologia, de modo que o psicólogo tenha uma bagagem teórica mais consistente e faça um uso ético e consciente dos instrumentos. A avaliação psicoló- gica é uma atividade exclusiva do profissional de Psicologia, sendo re- gulamentada pelo Código de ética Profissional, desde a promulgação da Lei nº 4119 de 1962. Como são muitas as teorias existentes e nem sempre estas são convergentes, a atuação do psicólogo em diagnóstico varia consideravelmente. 36 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL Nos últimos anos houve um maior interesse pela avaliação psico- lógica, o que pode ser justificado em função do aumento do número de congressos específicos, discussões entre pesquisadores, criação de la- boratórios ligados a universidades, bem como pela criação do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) e pela recomendação de mestrado e doutorado com área de concentração em avaliação psicoló- gica. Talvez o fato mais marcante nesse novo cenário nacional da área de avaliação seja a promulgação das resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP), cujo eixo central é a avaliação da qualidade dos testes comercializados no Brasil. Recentemente, o Conselho Re- gional de Psicologia da 6ª Região, em consonância com outras entida- des, organizou um encontro cujo foco era o ensino da avaliação psico- lógica (Conselho Regional de Psico- logia, 2004). Embora eventos nem sempre possam oferecer soluções imediatas para as questões emer- gentes, vale ressaltar que tais discus- sões fomentam reflexões e tendem a gerar pesquisas. Até a década de 70, não era prioritária na terapia de base analí- tico comportamental a elaboração de um modelo terapêutico para a in- tervenção frente a relatos auto des- critivos de eventos privados. A expli- cação para tal fato estava na tradição behaviorista, especialmente no que se refere a três aspectos: 1. A abordagem skinneriana não previa nenhum tratamento distinto para uma abordagem do comporta- mento privado, uma vez que seus de- terminantes seriam os mesmos do comportamento público; 2. A ampla tradição dos analistas do comportamento com a pesquisa básica da aprendizagem animal, que não requeria o estudo da subjetivi- dade14; e 3. O tipo de população tradicio- nalmente atendida pelos primeiros terapeutas comportamentais: crian- ças com problemas de desenvolvi- mento e pacientes internos, que de- mandavam uma intervenção mais diretamente voltada para a mudança das contingências ambientais (Wil- son, Hayes & Gifford, 1997). Dou- gher (1993) aponta, ainda, que o fato de atuar em ambientes institucio- nais garantia ao terapeuta poder quase que completo sobre as contin- gências ambientais; parecia desne- cessário intervir de alguma forma sobre eventos privados, haja vista que era possível intervir direta- mente sobre os determinantes de fe- nômenos que, embora inacessíveis à observação pública, são determina- dos por eventos ambientais, como 37 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL todos os outros comportamentos (Kerbauy, 1983). Como consequên- cia, os terapeutas comportamentais demoraram a se deparar com con- tingências que favorecessem o de- senvolvimento de um modelo de in- tervenção comportamental frente aos eventos privados. O surgimento das terapias cognitivo-comportamentais contri- buiu para intensificar as discussões sobre a necessidade de elaboração de tal modelo, ao suscitar uma ques- tão fundamental como ponto de par- tida para essa tarefa: os princípios da análise do comportamento são suficientes para embasar uma prá- tica clínica eficaz e coerente com o behaviorismo radical frente a verba- lizações do cliente que parecem des- crever algum estado ou processo pri- vado? Fonte: zenklub.com.br As novas formas de terapia de base analítico-comportamental sur- gem, então, a partir da pressão si- multânea de dois lados: a necessi- dade de responder às crescentes crí- ticas de terapeutas cognitivo-com- portamentais referentes a uma ca- rência da própria terapia em dar conta do comportamento humano complexo e da própria pressão de mercado, uma vez que a maior parte dos empregos para analistas do comportamento estava restrita à atuação em instituições para trata- mentode autistas, por exemplo. A possibilidade de expandir sua área de atuação também fortaleceu a ne- cessidade de realização de pesquisas cujo objeto de interesse fosse a inter- venção do terapeuta comportamen- tal no ambiente de clínica face-a- face. Em especial na década de 80, analistas do comportamento volta- ram-se para os conceitos de eventos privados e de comportamento con- trolado por regras de forma a preen- cher a lacuna apontada pelos cogni- tivistas (Hayes, 2004). Foi nesse contexto que surgiram as propostas terapêuticas voltadas para a atuação em um contexto de terapia verbal que levasse defendido na Análise do Comportamento, caracterizado pelo selecionismo, o monismo ontológico e a perspectiva relacional. Evitando o risco de basear sua prática em concepções internalistas, 38 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL os terapeutas analítico-comporta- mentais compartilham a posição skinneriana, essencialmente relacio- nal, e admitem que os eventos priva- dos podem fazer parte de relações de controle do comportamento, mas deixam claro que o caráter causal de tais eventos está restrito a um certo controle discriminativo destes sobre respostas subsequentes (Tourinho, 1997). A partir dessa concepção, po- demos afirmar que o relato de pen- samentos e sentimentos, por parte do cliente, é de extrema importância para que o terapeuta tenha condi- ções de avaliar o efeito das contin- gências que controlaram e/ou con- trolam esses relatos, estabelecendo uma análise funcional mais rica do comportamento em foco (Skinner, 1974/1982). Banaco (1999) resume uma perspectiva comum a várias propos- tas terapêuticas coerentes com a Análise do Comportamento. Para o autor, quando o terapeuta pergunta ao cliente acerca de seus pensamen- tos, sentimentos e emoções, ele não o faz para intervir sobre esses even- tos. Ele os usa como comportamen- tos capazes de sugerir sob quais con- tingências o sujeito está submetido (Por exemplo, quando a pessoa re- lata "ficar feliz" com a ação do côn- juge, provavelmente estamos diante de uma operação de reforçamento). Eventos privados, nesse sentido, são meios através dos quais o analista do comportamento pode descobrir e in- vestigar seu verdadeiro material de trabalho - as contingências ambien- tais externas ao indivíduo, que po- dem ser efetivamente modificadas. Em várias propostas analítico-com- portamentais de terapia, encontra- mos afirmações semelhantes (e.g., Guilhardi, 2004; Kohlenberg & Tsai, 1991). O surgimento das terapias cognitivas também foi decorrente de uma rejeição aos modelos psicodi- nâmicos e ao questionamento de sua eficácia. Em 1952, Hans J. Eysenck (1916-1997) já havia realizado um estudo onde não se encontraram evidências de que a eficácia da tera- pia psicanalítica fosse maior do que a remissão espontânea (melhora produzida sem nenhum tratamento específico) (Kazdin, 1983). Rach- man e Wilson (1980, citado por Do- bson & Block, 1988) afirmaram não haver indícios aceitáveis que apoias- sem a eficácia do tratamento psica- nalítico. Fonte:personalidadinfo.blogs- pot.com 39 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL Aaron Beck (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1982) relata que os seus questionamentos à psicanálise tive- ram início em 1956, quando verifi- cou que a hipótese da raiva retrofle- tida não se confirmara em seu es- tudo com pacientes deprimidos. Embora vindo de uma tradição psi- canalítica, Albert Ellis (1913-2007) também revelou insatisfações com os resultados práticos do trabalho psicanalítico (Ellis, 1997). No mesmo período em que ocorriam insatisfações com a abor- dagem estritamente comportamen- tal e com o modelo psicodinâmico, começou a surgir uma crescente atenção aos aspectos cognitivos do comportamento humano, tanto na psicologia geral quanto na psicolo- gia experimental (Dobson & Block, 1988; Dobson & Sherrer, 2004). Vários eventos científicos aconteceram na década de 50 enfati- zando a teoria do processamento da informação (Kastrup, 2006), pas- sando a ser esta cada vez mais utili- zada na compreensão de fenômenos clínicos, como por exemplo, na me- diação cognitiva da ansiedade (Dob- son & Sherrer, 2004). Diversos tera- peutas e teóricos comportamentais resolveram então assumir a identifi- cação cognitivo-comportamental (Dobson & Block, 1988; Dobson & Sherrer, 2004). Como afirma Jacobson (1987), a incorporação das teorias e terapias cognitivas à terapia comportamen- tal foi tão completa que é difícil en- contrar atualmente terapeutas com- portamentais puros no trabalho com os seus pacientes, “a despeito dos problemas inerentes à incorporação dos conceitos mediacionais dentro da visão behaviorista do mundo clí- nico” (p. 5). As abordagens cognitivas par- tem do pressuposto de que um pro- cesso interno e oculto de cognição media o comportamento. Um mesmo evento pode ser considerado como agradável para uma pessoa, gerando um comportamento de aproximação, ou ameaçador para outra, provocando ansiedade e es- quiva. Desse modo, é a interpretação do evento que gera emoções e com- portamentos e não o evento em si (Knapp, 2004). Entretanto, embora comparti- lhando de características fundamen- tais, as abordagens cognitivas apre- sentam diferenças de princípios e de procedimentos (Dobson & Sherrer, 2004). Enquanto a terapia cognitiva de Beck (1982) e a terapia racional emotivo comportamental de Ellis (1997) focalizam-se nas cognições para promover mudanças emocio- nais e comportamentais (Beck, 40 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 1997), autores de enfoque cognitivo construtivista (por ex., Greenberg, Rice & Elliott, 1993; Guidano & Li- otti, 1983; Mahoney, 1998; Neime- yer, 1997), defendem o papel das emoções como preponderantes na influência do comportamento. Autores construtivistas tam- bém consideram que as terapias cognitivas de Beck e de Ellis, assim como outras formas de abordagem cognitivo-comportamental, são raci- onalistas, uma vez que em seus pres- supostos filosóficos, existe um mundo externo que pode ser perce- bido de forma correta ou incorreta. Assim, o enfoque construtivista está no “valor da validade” das estruturas cognitivas, e não no seu “valor de verdade” (Dobson & Sherrer, 2004). Caro Gabalda (1997) propõe uma classificação das terapias cog- nitivas em três diferentes tipos de modelos: de reestruturação cogni- tiva, cognitivo-comportamentais e construtivistas. Os modelos de rees- truturação cognitiva identificam-se com as primeiras terapias cognitivas representadas por Beck et al. (1982) e Ellis (1997) e foram desenvolvidos por teóricos de treinamento psicodi- nâmico, os quais tendiam a destacar o papel do significado, defendendo que o que uma pessoa pensa ou diz não é tão importante quanto o que esta acredita. A tarefa consiste em desenvolver estratégias para exami- nar a racionalidade ou validade das crenças. Orientada para o problema, busca modificar as atividades defei- tuosas do processamento da infor- mação características do transtorno psicológico (Caro Gabalda, 1997). Fonte: elidioalmeida.com Os modelos cognitivo-com- portamentais têm origem mais clara nas terapias comportamentais, que incluem as estratégias de solução de problemas. Foram desenvolvidos por teó- ricos com treinamento comporta- mental, tais como Meichenbaum (1997), Barlow (Barlow & Cerny, 1999), Lineham (1993), entre ou- tros, os quais conceituam o pensa- mento de forma mais concreta, ou seja, como um conjunto de auto enunciados encobertos que também podem ser influenciados pelas mes- mas leis do condicionamento. Sua 41 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL tarefa consiste em ensinarhabilida- des cognitivas específicas (Hollon & Beck, 1994, citado por Caro Ga- balda, 1997). Os modelos construtivistas, representados por Guidano & Liotti (1983), Mahoney (1998), e Neime- yer (1997), partem do pressuposto de que os seres humanos são partici- pantes proativos (e não passivos de forma reativa) em suas experiências (percepção, memória e conheci- mento). Assim, o conhecimento hu- mano é: interpessoal, evolutivo e proativo; opera em níveis tácitos; a experiência humana e o desenvolvi- mento pessoal refletem processos individualizados, auto organizado- res, que favorecem a manutenção dos padrões experienciais (Caro Ga- balda, 1997). Caro Gabalda (1997) sugere ainda existir uma grande aproxima- ção entre os dois primeiros modelos acima, uma vez que ambos compar- tilham de muitos aspectos comuns, tais como atribuir os transtornos emocionais a disfunções do proces- samento cognitivo; foco nos proble- mas específicos e na mudança da cognição para obtenção de mudança do afeto; intervenções de tempo li- mitado e de estilo educativo etc. Se- gundo a autora, as terapias de rees- truturação cognitiva, cujos autores vinham da psicanálise, buscavam uma visão distinta sobre a psicopa- tologia e um interesse pelo método experimental. As terapias comporta- mentais, por sua vez, estavam evolu- indo em seus modelos de comporta- mentos encobertos e se envolvendo pelo cognitivo, sem abandonar os re- quisitos mínimos experimentais. Entretanto, embora apon- tando diferenças entre os dois pri- meiros modelos e o terceiro, Caro Gabalda (1997) assume que não existe um muro intransponível entre eles, sendo possível uma integração. A terapia do esquema, desenvolvida por Jeffrey Young (Young, Klosko & Weishaar, 2003) Pode ser um exemplo de abor- dagem cognitiva integrativa, uma vez que reúne características dos três modelos apresentados acima (Callegaro, 2005; Young et al., 2003). Para Aaron Beck (1997, p.17): A terapia cognitiva é uma abor- dagem ativa, diretiva, estrutu- rada e de prazo limitado usada no tratamento de uma varie- dade de distúrbios psiquiátri- cos (ex.: depressão, ansiedade, fobias, queixas ligadas a dores. etc.). Fundamenta-se numa base lógica teórica subjacente, segundo a qual o afeto e o com- portamento de um indivíduo são largamente determinados pelo modo como ele estrutura o mundo (BECK, 1967, 1976). A esse tipo de terapia com prazo determinado, que possui uma 42 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL programação voltada a um trans- torno ou queixa específica, os psicó- logos modernos costumam dar o nome de psicoterapia focal, ou seja, focada em resolver um determinado problema em um período de tempo determinado. Judith Beck comenta que desde o seu início a Terapia Cogni- tiva foi desenvolvida como “[…] uma psicoterapia breve, estruturada, ori- entada ao presente, para a depres- são, direcionada a resolver proble- mas atuais e a modificar os pensa- mentos e comportamentos disfunci- onais (BECK, 1964).” (BECK, J., 1997 p.17). Como podemos observar, a Terapia Cognitiva é uma psicotera- pia focada a resolver problemas atu- ais, levando em consideração a in- terpretação que o indivíduo faz do ambiente que o cerca, ou seja, situa- ções, fenômenos, pessoas, objetos, etc., e como esse ambiente afeta seu comportamento. Para a compreen- são destas relações, a Terapia Cogni- tiva se baseia no 34 modelo cogni- tivo, segundo o qual poderíamos afirmar que os comportamentos e os afetos são determinados pelo modo como o indivíduo atribui significa- ção à realidade, sendo a cognição a responsável por mediar os dados do mundo externo e as reações senti- mentais e comportamentais. Como confirma o trecho de Judith Beck (1997 p.29): A terapia cognitiva baseia-se no modelo cognitivo, que levanta a hipótese de que as emoções e comportamentos das pessoas são influenciados por sua per- cepção dos eventos. Não é uma situação por si só que deter- mina o que as pessoas sentem, mas, antes, o modo como elas interpretam uma situação (BECK, A., 1964; ELLIS, 1964). 43 44 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 8. Modelo Cognitivo: Fonte: psicologacarolinaperrotta.com.br8 Acontecimentos > Proces- samento > Afetos e Ambi- entais Cognitivo Compor- tamentos emos, pois, que, do ponto de vista da Terapia Cognitiva, as informações externas entram pelos órgãos da percepção e passam pelo processamento cognitivo, em se- guida geram os sentimentos e com- portamentos consequentes. Geral- mente, as conceituações da Terapia Cognitiva são feitas mediante mode- los, não só através do modelo cogni- 8 Retirado em psicologacarolinaperrotta.com.br tivo mais geral, comentado anterior- mente, mas também alguns mais es- pecíficos, como o modelo cognitivo da depressão, o da ansiedade, o do vício em álcool e assim por diante, todos eles baseados no modelo geral. O psicoterapeuta adepto da Terapia Cognitiva comumente ensina esses modelos aos seus pacientes. O intuito dessa prática é de- monstrar de uma maneira mais ob- jetiva (na maioria das vezes gráfica) os elementos envolvidos na manu- tenção da patologia e traçar um plano de como será desenvolvida a T 45 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL terapia, assim como os mecanismos que permitirão a modificação com- portamental. Os modelos são ma- neiras esquemáticas que pretendem explicar como ocorrem esses proces- sos. A construção desses modelos, no caso da Terapia Cognitiva, é dire- tamente embasada na prática clí- nica, como comenta Beck (1997, p. 24): O modelo cognitivo da depres- são evoluiu de observações clí- nicas sistemáticas e de testes experimentais (BECK, A., 1963, 1964, 1967). Essa interação de uma abordagem clínica e expe- rimental permitiu um desen- volvimento progressivo do mo- delo e da psicoterapia derivada dele (BECK, A., 1976). O modelo cognitivo da Terapia Cognitiva propõe que a origem dos transtornos psicológicos está nas distorções da realidade, ou seja, um modo disfuncional ou distorcido de perceber os acontecimentos, o que influência os comportamentos. É importante comentar que o modelo cognitivo não supõe que a patologia cognitiva seja exclusivamente causa de síndromes específicas, como por exemplo, a Síndrome do Pânico. No modelo se assume que “[…] na mai- oria das vezes, fatores como predis- posição genética, alterações bioquí- micas ou conflitos interpessoais es- tão envolvidos e que a patologia cog- nitiva contribui para agravar ou per- petuar um determinado trans- torno.” (CORDIOLI et al. 2008, p.34). De acordo com a Terapia Cog- nitiva, existem três níveis de pensa- mento, os pensamentos automáti- cos, as crenças centrais (ou esque- mas) e as crenças intermediárias. Os pensamentos automáticos são aque- les pensamentos espontâneos que ocorrem a partir dos acontecimen- tos do cotidiano. Estes não são facil- mente identificados, sendo necessá- rio um treinamento para identificá- los. Esses pensamentos automáticos podem ser expressos por sentenças ou imagens mentais, como “vou me atrasar amanhã” ou visualizar a cena de chegar atrasado. No caso dos transtornos psicológicos, esses pen- samentos surgem frequentemente distorcidos. Destas distorções cogni- tivas destacamos algumas aponta- das por: 1. A inferência arbitrária (con- junto de respostas) se refere ao pro- cesso de se chegar a uma conclusão específica na ausência de provas para sustentá-la, ou quando as pro- vas são contrárias à conclusão. 2. A abstração seletiva (conjunto de estímulos) consiste em focalizar um detalhe retirado do contexto, ig- norando outros aspectos mais sali- entes da situação e conceituando a46 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL totalidade da experiência com base nesse fragmento. 3. A hipergeneralização (con- junto de respostas) se refere ao pa- drão segundo o qual se chega a uma regra ou conclusão geral na base de um ou mais incidentes isolados, e se aplica o conceito, em espectro am- plo, a situações relacionadas e não relacionadas ao(s) incidente(s). 4. O exagero e a minimização (conjunto de respostas) se reflete em erros na avaliação do significado ou magnitude de um acontecimento, grosseiros a ponto de se constituí- rem em distorções. 5. A personalização (conjunto de respostas) diz respeito à propensão do paciente a relacionar ocorrências externas a si mesmo, quando não existe base para estabelecer essa re- lação. 6. O pensamento absolutista, di- cotômico (conjunto de respostas) se manifesta na tendência a colocar to- das as experiências em uma de suas categorias opostas; por exemplo, perfeito ou defeituoso, imaculado ou mundo, santo ou pecador. Na des- crição de si mesmo, o paciente sele- ciona a categorização negativa ex- trema”. As crenças intermediárias são consideradas um segundo nível de pensamento, e se dão por suposições ou regras. O sujeito pensa: “Se...en- tão” ou “devo” eu “tenho que”, ou seja, “tenho que ser o melhor para que gostem de mim, se não o fizer então serei excluído dos 36 círculos sociais”. Segundo Rangé (2001, p.51): “As crenças intermediárias re- fletem ideias ou entendimentos mais profundos e são mais resisten- tes à mudança do que os pensamen- tos automáticos”. As crenças inter- mediárias também podem ser cha- madas de pressupostos subjacentes ou condicionais ou de crenças asso- ciadas. Estas formam um conjunto de crenças, em geral, coerentes que oferecem apoio às crenças centrais com as quais apresentam relação (Kuyken, Padesky, & Dudley, 2010 apud Neufeld e Cavenage, 2010). A Terapia Cognitiva de Aaron Beck e outras derivadas dessa ver- tente, embora tenham surgido em meados da década de 50 e início da década de 60 do século passado, ob- tiveram destaque e notoriedade en- tre os anos 80 e 90. Sendo assim, Jean Piaget já havia falecido quando a Terapia Cognitiva conseguiu o seu posto de destaque ao lado das de- mais teorias consideradas populares na Psicologia, como a Psicanálise, A Gestalt, o Behaviorismo (mesmo a Análise Experimental do Comporta- mento) e a Teoria Analítica de C. G. Jung, ou seja, as abordagens clínicas mais utilizadas atualmente pelos psicólogos. 47 48 COMO SURGIU A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL 9. Referências Bibliográficas BAHLS, S. C. Uma revisão sobre a terapia cognitivo-comportamental da depressão na infância e na adolescência. Psicologia Argumento 21, 47-53. 2003. BARLOW, D. H. & Cerny, J. A. (1999). Tra- tamento psicológico do pânico. Porto Ale- gre: Artmed. BECK, A. T. (1970). 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