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P S IC O M O T R IC ID A D E N O C O N T E X TO E S C O LA R C lau d in ara B o tto n D al P az / V e ra Lu cia R o d rig u e s d e M o rae s Claudinara Botton Dal Paz Vera Lucia Rodrigues de Moraes Claudinara Botton Dal Paz Vera Lucia Rodrigues de Moraes PSICO MOTRICIDADE no cont exto escolar Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6528-8 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 2 8 8 Código Logístico 58869 Psicomotricidade no contexto escolar IESDE 2019 Claudinara Botton Dal Paz Vera Lucia Rodrigues de Moraes Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito das autoras e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: NadyaEugene/YamabikaY/ Robert Kneschke/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ D138p Dal Paz, Claudinara Botton Psicomotricidade no contexto escolar / Claudinara Botton Dal Paz, Vera Lucia Rodrigues de Moraes. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2019. 112 p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6528-8 1. Educação de crianças 2. Psicomotricidade 3. Capacidade motora. I. Moraes, Vera Lucia Rodrigues de. II. Título. 19-58940 CDD: 152.334 CDU: 159.943 Claudinara Botton Dal Paz Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Deficiência Intelectual pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI). Graduada em Educação Física pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). Possui experiência como professora na rede pública, coordenadora de curso de graduação em Educação Física e como docente no ensino superior em cursos de Educação Física e Pedagogia. Vera Lucia Rodrigues de Moraes Mestre em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Especialista em Pedagogia Social pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI). Especialista em Ginástica Escolar e graduada em Educação Física pela instituição Faculdades Reunidas de Administração Ciências Contábeis e Econômicas de Palmas/PR (Facepal). Possui experiência como docente no ensino superior em cursos de Educação Física (licenciatura e bacharelado). Sumário Apresentação 7 1. História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 9 1.1 História e significado da psicomotricidade 9 1.2 A psicomotricidade e suas áreas de atuação 15 2. Conceitos funcionais 23 2.1 Conceitos psicomotores funcionais estruturais 23 2.2 Conceitos psicomotores funcionais globais 28 2.3 Conceitos psicomotores funcionais perceptivos 34 3. Conceitos relacionais 43 3.1 Expressão e comunicação 43 3.2 A afetividade e sua relação com a corporeidade 49 3.3 Os limites e a agressividade no campo psicomotor 54 4. Desenvolvimento psicomotor 61 4.1 Desenvolvimento psicomotor do nascimento até os 3 anos de idade 61 4.2 Desenvolvimento psicomotor de 2 a 6 anos e de 6 a 11 anos 71 4.3 Desenvolvimento psicomotor na adolescência 76 5. Orientações para práticas psicomotoras na escola 81 5.1 Práticas psicomotoras para a educação infantil 81 5.2 Práticas psicomotoras para os anos iniciais do ensino fundamental 89 5.3 Principais consequências da falta de estímulos psicomotores 95 Gabarito 107 Apresentação A obra Psicomotricidade no contexto escolar aborda conhecimentos necessários para a docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Resgata a origem, significado e áreas de atuação da psicomotricidade e adentra nos conceitos psicomotores fundamentais para se entender o processo do desenvolvimento cronológico das crianças. Compreendendo a evolução da criança nos aspectos motor, cognitivo e afetivo, o livro traz algumas propostas de atividades práticas a serem desenvolvidas no ambiente escolar, bem como as possíveis consequências da falta de estímulo psicomotor para o aprendizado dos alunos. Inicialmente, traz um breve levantamento histórico sobre a psicomotricidade no mundo e no Brasil, destacando os principais estudiosos e seus achados nessa área. Define o conceito de psicomotricidade da Associação Brasileira de Psicomotricidade (ABP) e apresenta também as áreas de atuação nesse âmbito. Depois de situar psicomotricidade, destaca seus conceitos funcionais, os quais estão divididos em: conceitos psicomotores funcionais estruturais, conceitos motores funcionais globais e conceitos motores funcionais perceptivos. Além dos conceitos funcionais, destaca-se a importância dos conceitos relacionais da psicomotricidade, que estão vinculados ao comportamento e aos sentimentos e que influenciam diretamente o desenvolvimento dos alunos. Estes são: a expressão, a comunicação, a corporeidade, a afetividade, os limites e a agressividade. Compreendendo-se os conceitos que envolvem a psicomotricidade, é apresentado o desenvolvimento psicomotor da criança de forma cronológica, ou seja, desde o seu nascimento até a adolescência. Para isso, recorre-se a autores que descrevem esse desenvolvimento com base em estudos científicos que observaram e pontuaram os aspectos físicos, psicológicos, motores, sociais e afetivos que caracterizam cada fase de vida do indivíduo. Após esta compreensão, é possível pensar em formas de estimular o desenvolvimento dos alunos e, para isso, o último capítulo do livro aborda atividades práticas possíveis de serem desenvolvidas na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Descreve de forma objetiva as atividades psicomotoras que desenvolvem os alunos nos aspectos funcionais e relacionais psicomotores. Além disso, aborda as principais consequências que podem surgir na criança pela falta de estímulos psicomotores. Estas práticas, porém, não se esgotam neste livro, ele apresenta de forma clara e objetiva subsídios necessários para os profissionais que atuam na educação, que estão comprometidos com o processo de aprendizagem dos alunos. Contribuir com este processo recai sobre estudos e planejamento de atividades que sejam significativos no ambiente escolar, que desenvolvam os alunos nos aspectos motores, cognitivos e afetivos, bases da educação psicomotora. Tenham todos uma boa leitura! 1 História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade Iniciamos esta obra fazendo um breve levantamento histórico sobre a psicomotricidade no mundo e no Brasil, destacando os principais cientistas e seus achados nessa área. Definiremos o conceito de psicomotricidade da Associação Brasileira de Psicomotricidade (ABP) e apresentaremos as áreas de atuação da psicomotricidade. Entendendo a sua importância para o desenvolvimento integral do ser humano, é fundamental que os profissionais que atuam na área da educação tenham em sua formação o conhecimento sobre a psicomotricidade e suas contribuições. Por que a psicomotricidade é tão importante na educação? Como ela surgiu? Vamos descobrir juntos! 1.1 História e significado da psicomotricidade Para compreender a h is tór ia da psicomotricidade, é importante inicialmente conceituar o termo psicomotricidade. De origem grega, psico representa a alma, o espírito, o intelecto (NICOLA, 2004), e motricidade é o “domínio do corpo, agilidade, destreza, locomoção, a faculdade de mover-se voluntariamente” (BUENO, 2014). Historicamente, a palavra psicomotricidade surgiu de um discurso do médico e neurologista Ernesto Dupré, no início do século XIX, mais precisamente em 1907 (BUENO, 2014). Para Nicola (2004), o Vídeo 10 Psicomotricidade no contexto escolar emprego do termo é associado diretamente ao desenvolvimento da motricidade, inteligência e afetividade. Segundo a Associação Brasileira de Psicomotricidade (ABP, 2017c), psicomotricidade é a: Ciênciaque tem como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e a relação ao mundo interno e externo. Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. É sustentada por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto. Psicomotricidade é, portanto, um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito, cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização. Observamos que existem muitos autores que se preocuparam em estudar a relação entre o corpo e a mente, e entre distúrbios motores e distúrbios mentais. Nesta obra, apontamos os principais autores para que possamos também observar a origem histórica da psicomotricidade, que remete aos tempos mais antigos da humanidade. Tendo em vista que o corpo é o elemento principal de estudo da psicomotricidade, a evolução histórica dessa área tem relação com vários estudos sobre o corpo ao longo do tempo. Observa-se isso em filósofos e estudiosos no início da Grécia Antiga, como Platão e Aristóteles. Descartes e Juvenal também contribuíram para avanços nessa área. Esse último com a frase célebre: “mente sã e corpo são”. Temos também Freud, que ressalta a importância do corpo na formação do inconsciente (NICOLA, 2004; BUENO, 2014). Muitos autores participaram efetivamente na consolidação da psicomotricidade com estudos científicos e teorias nas áreas da saúde e educação, entre os quais podemos destacar: Shilder, Tissié, Heuyer, Guilmain, Gesell, Piaget, Wallon, Ajuriaguerra e Le Boulch (NICOLA, 2004; BUENO, 2014). História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 11 Shilder, um médico psiquiatra e filósofo, desenvolveu estudos sobre a imagem corporal e sua influência no eixo psicológico em 1923. Na mesma época, Tissié apontava relações entre pensamento e movimento. Heuyer, em 1925, utilizou o termo psicomotricidade para a associação entre inteligência, motricidade e afetividade. Considerado o pai da reeducação psicomotora, Guilmain, em 1935, assumiu publicamente a necessidade de exames motores em crianças com distúrbios de caráter (BUENO, 2014). Segundo Bueno (2014), na década de 1930, surgiram vários testes motores, e, nessa época, a psicomotricidade: encerrava seu olhar através da habilidade motora, em que o ser comunica-se com o mundo através do motor. O limite corporal vinha de intervenções externas ao indivíduo, ou seja, de fora para dentro. Os objetivos da prática eram, prioritariamente, reeducar a atividade tônica com exercícios de atitude e de equilíbrio, desenvolver o controle motor com exercícios de inibição e desinibição e desenvolver atividades de relaxação com exercícios de dissociação e coordenação motora associados. Em seguida, mais precisamente ao final da Segunda Guerra Mundial, associando estudos de psicólogos, como Lewin e Piaget, médicos, como Gesell e Wallon, e neurobiólogos, como Ajuriaguerra, veio à tona a questão do afeto presente no corpo, que, ao receber as informações e movimentos, executa-os conforme seu entendimento (BUENO, 2014). Gesell, um médico pediatra e pesquisador, criou escalas de maturação e iniciou a divulgação dessas escalas para o desenvolvimento motor (NICOLA, 2004). Segundo Bueno (2014), Henry Wallon, utilizando como base os estudos de Shilder, introduziu o senso de identidade corporal, sendo a linguagem corporal precedida da linguagem verbal, e evoluiu seus estudos de associação do movimento com as relações do sujeito com o meio. Para a ABP (2017b), Wallon “ocupa-se do movimento humano dando-lhe uma categoria fundante como instrumento na construção do psiquismo. 12 Psicomotricidade no contexto escolar Esta diferença permite a Wallon relacionar o movimento ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do indivíduo”. Jean Piaget, psicólogo e biólogo, estabeleceu estágios cognitivos, os quais relacionavam a interação do sujeito com o ambiente, apresentando as características de cada estágio de desenvolvimento. O psiquiatra Ajuriaguerra, a partir de seus estudos, afirmou que o movimento é uma forma de adaptação ao mundo exterior (BUENO, 2014). Segundo a ABP (2017b): em 1947, Julian de Ajuriaguerra, psiquiatra, redefine o conceito de debilidade motora, considerando-a como uma síndrome com suas próprias particularidades. É ele quem delimita com clareza os transtornos psicomotores que oscilam entre o neurológico e o psiquiátrico. Com estas novas contribuições, a psicomotricidade diferencia-se de outras disciplinas, adquirindo sua própria especificidade e autonomia. Le Boulch, educador físico, médico e psicólogo, em 1952, com o seu método da psicocinética, defendeu a educação psicomotora em todas as idades e, em sua tese de medicina, afirmou que por meio do trabalho corporal é possível trabalhar dois sistemas funcionais: os fatores de execução, que dependem da musculatura e nutrição, e o sistema nervoso central, como coordenador dos outros sistemas, servindo de suporte às funções mentais (BUENO, 2014; LE BOULCH, 2007). Entre o final da Segunda Guerra Mundial até meados da década de 1970, “a psicomotricidade passa a tomar um novo rumo onde as práticas aproximam-se da visão global do indivíduo e se organizam, com a utilização do exame psicomotor e da reeducação psicomotora” (BUENO, 2014). A psicomotricidade se oficializou como especialidade em 1963, quando o Hospital Henry de Roussele passou a emitir certificados de reeducação psicomotora aos profissionais, dando início ao História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 13 surgimento de instituições especializadas e sindicatos nessa área (BUENO, 2014). No Brasil, os primeiros documentos apontam que a psicomotricidade surgiu em meados de 1950, quando os profissionais ligados à área da deficiência começaram a considerar o corpo e o movimento como aspectos interligados, mesmo sem usarem o termo psicomotricidade. No final dessa década, Grunspun, em seu livro Distúrbios neuróticos da criança, dedicou um capítulo inteiro para a psicomotricidade da criança, indicando atividades psicomotoras para distúrbios de aprendizagem (BUENO, 2014). Foi na década de 1970 que a psicomotricidade, no Brasil, teve uma grande visibilidade, sendo dividida em duas correntes: a dos profissionais que seguiam estudos de cientistas estrangeiros e a dos profissionais que generalizavam todas as práticas corporais como psicomotricidade. Contudo, aos poucos, os profissionais foram mesclando suas ações com as duas correntes (BUENO, 2014). Com a chegada de Françoise Desobeau no Brasil, a psicomotricidade começou a ser vista como terapia, revelando a espontaneidade e o simbolismo do indivíduo. Beatriz Saboya, que fazia curso de formação com Françoise, juntamente com Susana Veloso Cabral e Regina Morizot, começou a busca pela estruturação da psicomotricidade no Brasil (BUENO, 2014). Assim, “em 19 de abril de 1980, [...] deu-se a fundação da Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora (SBTP), ligada à Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora” (ABP, 2017a). A Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora, que teve seu nome alterado em 2005 para Associação Brasileira de Psicomotricidade, “é uma entidade de caráter científico-cultural, sem fins lucrativos e foi fundada com o objetivo de agregar os profissionais que vinham se formando e trabalhando na área” (ABP, 2017a). Em maio de 1982 é realizado o I Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, promovido pela SBP no Rio de Janeiro, com o tema “o Corpo em Movimento” onde entre os 14 Psicomotricidade no contexto escolar convidados internacionais destaca-se André Lapierre, trazendo a sua linha de trabalho – a psicomotricidade relacional – ao nosso conhecimento em prol de vivências mais espontâneas, do valor da relação simbólica corporal e a favor do sujeito desejante, bem como aproximando-se da educação. (BUENO,2014) Neste mesmo ano de 1982, teve início o primeiro curso de formação em psicomotricidade relacional no Rio de Janeiro, o que demonstrou um esforço maior dos profissionais da área em prol de um mesmo objetivo: concretizar a psicomotricidade como uma ciência (BUENO, 2014). Para Bueno (2014), a partir de então, estudiosos no Brasil destinam seus esforços na área da psicomotricidade e promovem eventos como o Congresso Brasileiro de Psicomotricidade. Entre esses estudiosos podemos citar Susana Veloso Cabral, Regina Morizot, Beatriz Saboya, Jocian Machado Bueno, Carlos Alberto Mattos Ferreira, Maria Beatriz Loureiro, Margarida Pinto e Silvia Carné. Ainda, como aponta Bueno (2014), outros profissionais estrangeiros visitaram o país para participar dos congressos, como Esteban Levin, Vitor Garcia, Vitor da Fonseca, Bernard Aucounturier, Alfredo Jerusalinski, entre outros. Apesar de a psicomotricidade ser uma área recente de estudos e atuação, observamos uma grande expansão no território brasileiro, pois é de extrema importância para a aprendizagem escolar, por encarar “de forma integrada as funções cognitivas, socioemocionais, simbólicas, psicolinguísticas e motoras, promovendo a capacidade de ser e agir em um contexto psicossocial” (ABP, 2017c). Conforme a ABP (2017c), “a psicomotricidade possui as linhas de atuação educativa, reeducativa, terapêutica, relacional, aquática e ramain”. Nesta obra, dividimos as áreas de atuação em História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 15 três campos: educação psicomotora, reeducação psicomotora e terapia psicomotora. 1.2 A psicomotricidade e suas áreas de atuação Apresentaremos agora as principais áreas de atuação da psicomotricidade e suas particularidades, dividindo-se em linhas de estudo, pesquisa e atuação. É importante ressaltar que essas áreas de atuação vêm se modificando ao longo dos anos, sendo que, inicialmente, a psicomotricidade era focada na linha terapêutica, mas com a evolução entendeu-se que é importante também a atuação na área preventiva. Vamos conhecer as possibilidades de atuação da psicomotricidade? 1.2.1 Educação psicomotora Seguindo as bases da psicomotricidade, essa área considera o ser humano sob os aspectos motor, afetivo e social, compreendendo-o do ponto de vista da integralidade, em que o desenvolvimento envolve todas as instâncias, ou seja, com todos os aspectos interligados. Uma das linhas de atuação é a educativa, que objetiva educar a pessoa na correta utilização do próprio corpo. Nessa área, aprende-se a conhecer o corpo, explorá-lo e organizá-lo como um instrumento para a aquisição da aprendizagem (NICOLA, 2004). Desde o nascimento, a primeira interação do ser humano consigo mesmo e com o mundo é por meio do movimento. Desse modo, é importante oferecer estímulos diversos ao bebê para despertar o corpo e fortalecer vínculos de afetividade. A estimulação está diretamente relacionada à educação motora, visto que proporcionará o conhecimento do corpo e a sua harmonia nos diferentes aspectos. Para Bueno (2014), Vídeo 16 Psicomotricidade no contexto escolar a educação psicomotora abrange todas as aprendizagens da criança e do sujeito, processando-se por etapas progressivas e específicas conforme o desenvolvimento geral de cada indivíduo. Realiza-se em todos os momentos da vida através de percepções vivenciadas, com uma intervenção direta em nível cognitivo, motor e emocional, estruturando o indivíduo como um todo. Segundo o autor supracitado, na educação psicomotora, o estímulo se dá em condições naturais, respeitando as etapas do desenvolvimento. Ela envolve a escola e a família, podendo ocorrer por meio da natação, de atividades aquáticas, judô, balé, ginástica, dança etc. Ressalta-se que a educação psicomotora é precursora para todas as aprendizagens. Ainda, na “primeira infância, toda a educação é educação psicomotora” (BUENO, 2014). Lapierre (1989 apud BUENO, 2014) afirma que a educação psicomotora “é uma ação psicopedagógica que utiliza os meios da Educação Física, com a finalidade de normalizar ou melhorar o comportamento do indivíduo”. Assim, a Educação Física contribui para que se construa a fundamentação necessária para o desenvolvimento da criança por meio de práticas corporais. Desse modo, é necessário oportunizar um ambiente próprio para a aquisição de habilidades motoras, cognitivas e afetivas. É preciso considerar as necessidades da criança desde o seu nascimento, estimulando a expressividade por meio de movimentos espontâneos e também promovendo o desenvolvimento psicomotor com atividades motoras próprias para a idade e fase da aprendizagem. Considerando os campos de atuação, Nicola (2004) diz que podem atuar na educação psicomotora professores do período pré- -escolar e/ou professores de Educação Física. Destacamos também que os professores da educação infantil aos anos iniciais também atuam com educação psicomotora. História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 17 Entendemos aqui que a abordagem educativa da psicomotricidade é precursora para a aprendizagem. Vamos agora conhecer a psicomotricidade do ponto de vista das ações reeducativas. 1.2.2 Reeducação psicomotora Vimos que a educação psicomotora atende à estimulação no processo natural do desenvolvimento da criança. Para que ela se desenvolva, é preciso que lhe seja permitida a resolução de problemas de ordem motora por meio da exploração do ambiente, ou seja, a criança precisa do movimento para se desenvolver. Segundo Gallahue e Ozmun, (2005, p. 15), “as experiências de uma criança podem afetar o índice de aparecimento de certos padrões de comportamento”. Desse modo, quando ocorre a restrição de movimentos na fase adequada, são necessárias outras intervenções para suprir as dificuldades existentes. A reeducação psicomotora é a ação desenvolvida em indivíduos que sofrem com perturbações ou distúrbios psicomotores. Ela tem como objetivo retomar as vivências anteriores com falhas ou as fases da educação ultrapassadas inadequadamente (BUENO, 2014). Para Nicola (2004), o objetivo da reeducação psicomotora é a reintegração da pessoa com relação ao seu corpo. Nessa área, podem atuar profissionais de Educação Física, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e psicólogos. Sendo assim, a abordagem reeducativa da psicomotricidade objetiva restabelecer os gestos, as posturas e os movimentos, por meio de práticas corporais, nos variados métodos e técnicas, evitando uma estruturação patológica da personalidade dos sujeitos (BUENO, 2014). Após entender as abordagens educativa e reeducativa da psicomotricidade, vamos agora conhecer as características da terapia psicomotora. 18 Psicomotricidade no contexto escolar 1.2.3 Terapia psicomotora A abordagem educativa da psicomotricidade envolve estimular todas as crianças para que elas se desenvolvam adequadamente, enquanto a reeducativa se refere a estímulos para suprir as falhas do desenvolvimento. O que seria, então, a terapia psicomotora? A abordagem terapêutica está vinculada, em grande parte, a aspectos psicológicos e, segundo Bueno (2014), é destinada a “indivíduos com conflitos mais profundos na sua estruturação psíquica, associados aos conceitos funcionais ou com desorganização total de sua harmonia corporal e pessoal”. Nesse sentido, dificuldades e falhas devem ser analisadas considerando a história da criança, suas experiências anteriores e a falta delas, que podem incidir em problemas de comportamento e de aprendizagem. Nicola (2004) enfatiza que a terapia psicomotora trabalha com a corporalidade associada aos aspectos psicológicos. Nessa área de atuação, a autora aponta que deve ser trabalhada por profissionais formados ou especializados em psicomotricidade, com base psicanalítica ou psicológica. Considerando o que foi apresentado nesta seção, entendemos as principais áreas de atuação da psicomotricidade, que envolvem educação, reeducaçãoe terapias psicomotoras. Considerações finais O termo psicomotricidade tem origem grega e associa corpo e mente. Historicamente, construiu-se um modelo dualista, em que o ser humano era fragmentado em corpo separado da mente. No entanto, buscando entender os processos de ensino-aprendizagem e também algumas patologias, estudiosos passaram a associar aspectos motores a psicológicos e afetivos, surgindo, assim, a psicomotricidade. História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 19 Com essa descoberta, muitos pesquisadores citados neste capítulo contribuíram para o entendimento e evolução nessa área de conhecimento, que apontava relações entre pensamento e movimento, e associações entre inteligência, motricidade e afetividade. Inicialmente, a psicomotricidade era voltada a ações terapêuticas, mas evoluiu no sentido de prevenção. Desse modo, com base em estudos, descobriu-se o potencial de oferecer experiências motoras a partir do nascimento da criança. Foi possível prevenir problemas comportamentais e de aprendizagem, por meio de estimulações motoras, que se inserem na abordagem educativa da psicomotricidade. Quanto à abordagem reeducativa, entende-se que deve ser usada para suprir falhas ocorridas em fases anteriores; a terapêutica está mais voltada para resolver problemas de ordem psicológica, relacionados à psicomotricidade. Sendo assim, é importante que os profissionais que atuam na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental se apropriem do conhecimento da psicomotricidade para terem auxílio no aprendizado de seus alunos. Ampliando seus conhecimentos • COSTA, A. C. de. Psicopedagogia e psicomotricidade: pontos de intersecção nas dificuldades de aprendizagem. 9. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. A obra resgata a história do corpo em suas diferentes concepções no espaço temporal e sua importância no processo de aprender e não aprender. Valoriza o movimento como forma de comunicar tanto a objetividade quanto a subjetividade nas relações com o outro. 20 Psicomotricidade no contexto escolar • FALCÃO, H. T.; BARRETO, M. A. M. Breve histórico da psicomotricidade. Ensino, saúde e ambiente, Niterói, RJ, v. 2, n. 2, p. 84-96, 2009. Disponível em: http://periodicos.uff.br/ ensinosaudeambiente_backup/article/download/14544/9149. Acesso em: 30 jul. 2019. O artigo traz uma narrativa do desenvolvimento da psicomotricidade e alguns de seus principais autores. Constata que não há um conceito sobre a psicomotricidade, mas sim vários olhares que se fundamentam em pressupostos teóricos oriundos da filosofia, psicologia, psicanálise, psiquiatria, biologia, neurologia e pedagogia. São 13 páginas com os principais momentos históricos da psicomotricidade no mundo, desde a Idade Média até os das atuais. Portanto, faz menção à preocupação do homem em compreender o seu corpo na busca por seu desenvolvimento de forma satisfatória. Atividades 1. Na década de 1930, surgem vários testes motores. Qual era o objetivo da psicomotricidade nessa época? 2. Quando e como surgiu a psicomotricidade no Brasil? 3. Quais as áreas de atuação da psicomotricidade? Explique suas características. Referências ABP – Associação Brasileira de Psicomotricidade. A Associação Brasileira de Psicomotricidade. Rio de Janeiro, 2017a. Disponível em: https:// psicomotricidade.com.br/sobre/. Acesso em: 30 jul. 2019. História, significado e áreas de atuação da psicomotricidade 21 ABP – Associação Brasileira de Psicomotricidade. Histórico da psicomotricidade. Rio de Janeiro, 2017b. Disponível em: https:// psicomotricidade.com.br/historico-da-psicomotricidade/. Acesso em: 17 jul. 2019. ABP – Associação Brasileira de Psicomotricidade. O que é psicomotricidade. Rio de Janeiro, 2017c. Disponível em: https://psicomotricidade.com.br/ sobre/o-que-e-psicomotricidade/. Acesso em: 17 jul. 2019. BUENO, J. M. Psicomotricidade teoria e prática: da escola à aquática. São Paulo: Cortez, 2014. E-pub. GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. Trad. de Denise R. de Sales. 3. ed. São Paulo: Phorte, 2005. LE BOULCH, J. Educação psicomotora: psicocinética na idade escolar. Trad. de Jeni Wolf. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2007. NICOLA, M. Psicomotricidade: manual básico. 2. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2004. 2 Conceitos funcionais Estudamos no capítulo anterior a origem do termo psicomotricidade e seu significado – fundamentado no ser humano do ponto de vista motor, do intelecto e do afeto. Também vimos sobre as áreas de atuação, sendo as principais: a educativa, a reeducativa e a terapêutica, e os profissionais envolvidos nas respectivas áreas. Agora convidamos você a conhecer os conceitos relacionados aos elementos psicomotores. O que seriam esses conceitos? Como influenciam no desenvolvimento integral do ser humano? Antes de iniciarmos, vamos apresentar as classificações dos conceitos funcionais da psicomotricidade, que estão divididos em: conceitos psicomotores funcionais estruturais, conceitos motores funcionais globais e conceitos motores funcionais perceptivos. 2.1 Conceitos psicomotores funcionais estruturais O ser humano se expressa e se comunica por diferentes linguagens, entre as quais a motora. Contudo, nenhum dos aspectos é estudado e/ ou desenvolvido individualmente, ou seja, todos estão integrados e são dependentes entre si. Esses aspectos dizem respeito às diferentes dimensões que envolvem o ser humano e que estão presentes no desenvolvimento do ponto de vista da psicomotricidade: a motricidade, a cognição e a afetividade. Segundo Bueno (2014), “conceitos ou condutas psicomotoras funcionais referem-se àquelas cuja ação, qualidade e mensuração Vídeo 24 Psicomotricidade no contexto escolar são possíveis de serem percebidas e que conjuntamente formam a integralização motora do ser humano num espaço e num tempo enquadrado”. Assim, os conceitos funcionais estruturais estão diretamente relacionados ao desenvolvimento do ser humano. Ou seja, são a base para o movimento harmonioso e envolvem as questões de comportamento, estando integrados aos conceitos relacionais. São aqueles sobre os quais se desenvolve o sujeito, e pelo qual se constrói a base, tanto objetiva quanto subjetiva, sendo também os conceitos que mais se envolvem com os campos afetivos, relacionais e psíquicos da constituição humana, não podendo destas isolarem-se. (BUENO, 2014) Ainda segundo o autor supracitado, na classificação de conceitos funcionais estruturais, destacam-se: o esquema corporal, o tônus e a respiração. O esquema corporal relaciona-se com aspectos psicológicos da criança, mas está vinculado à parte estrutural do corpo em relação à sua localização no espaço. Pode ser mensurado e comparado de acordo com a idade, peso, altura e perímetro, ou seja, medidas padronizadas a que a criança corresponde (LEVIN, 2001). Desse modo, entende-se que o esquema corporal é a percepção do corpo no espaço. Para Wallon (1966 apud MATTOS; NEIRA, 2008), esquema corporal é o elemento imprescindível para a formação da personalidade da criança. É a representação global e diferenciada que a criança tem do próprio corpo, sendo que as experiências vividas constroem a forma de ser da pessoa. Portanto, “o esquema corporal é um elemento básico indispensável para a formação da personalidade da criança, sendo seu núcleo central, pois reflete o equilíbrio entre as funções psicomotoras e sua maturidade” (BUENO, 2014). Para Levin (2001), o esquema corporal é a representação que temos acerca do próprio corpo, no sentido evolutivo e temporal, e é Conceitos funcionais 25 no desenvolvimento psicomotor da criança que o esquema corporal se constrói. Quando perguntamos a uma criança de qual parte do corpo ela gosta mais, ela responde porque tem noção de seu corpo. Portanto, evidencia-se que “esse conceito que a criança tem do seu corpo é o esquema corporal” (LEVIN, 2001, p. 71).Os autores Gallahue e Ozmun (2005) também contribuem para esse conceito. Em seus estudos, o esquema corporal se refere à capacidade da criança de discriminar com exatidão suas partes corporais. Isso ocorre em três etapas: a primeira é o reconhecimento das partes do corpo; a segunda é saber o que cada uma delas pode fazer; e a terceira é conhecer como fazer as partes do corpo se movimentarem com eficiência. Assim, “referem-se à habilidade de reorganizar as partes do corpo para um ato motor particular e desempenhar uma tarefa motora” (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 315). Defontaine (1980 apud BUENO, 2014) defende que “uma boa estruturação e utilização do esquema corporal se relaciona diretamente com a adaptação do sujeito no espaço e no tempo, contribuindo para uma disposição corporal mais adequada para a realização das diferentes atividades”. Com relação à consciência corporal, afirma-se que ela “é alcançada através da percepção do mundo exterior, da mesma forma que a consciência do mundo exterior acontece através do corpo” (BUENO, 2014). Como visto, o esquema corporal se refere ao conhecimento das partes do corpo, o qual se confunde com a imagem corporal. Para Levin (2001), muitas vezes os termos esquema corporal e imagem corporal são tomados como sinônimos ou são justapostos, dificultando a sua diferenciação. Gallahue e Ozmun (2005, p. 329) colocam que a imagem corporal está relacionada à imagem interna que a criança tem de seu corpo, relacionando-se fortemente com a autoestima, definida como “o valor que o indivíduo atribui as suas características peculiares, atributos e limitações”. 26 Psicomotricidade no contexto escolar A imagem corporal passa por fases de maturação até a criança construir-se como um ser que age e interage (FONSECA, 2008). Ambos, esquema e imagem, têm base psicoafetiva, porém a imagem corporal se relaciona a processos inconscientes, na dimensão do sensível e do imaginário (BUENO, 2014). Nesse sentido, existe a interpretação de si como corpo, partindo tanto da inconsciência quanto da consciência, baseando-se em suas relações mútuas. A imagem corporal configura-se, portanto, em uma reconstrução constante do que o indivíduo percebe de si e das determinações inconscientes que traz de seu diálogo com o mundo. Tais conceitos podem ser desenvolvidos por vivências de práticas corporais, considerando a criança, seus limites e potencialidades. Assim como os demais conceitos, a imagem corporal depende da interação da criança com o mundo. Isso ocorre por meio de práticas corporais e está relacionado diretamente às interações com outras crianças. Outro conceito funcional estrutural é o tônus: estado de tensão permanente de um músculo, com origem reflexa. Ele pode ser hipertônico, quando a resistência à distensão é elevada, ou hipotônico, quando o oposto ocorre, ou seja, com diminuição do tônus e da força, relacionando-se ao ajuste das posturas (BUENO, 2014). O tônus integra-se ao aspecto motor promovendo o equilíbrio necessário para a manutenção da postura e também para o movimento. As reações posturais que uma criança adota diante de sentimentos, como ansiedade, angústia, agressividade e outras emoções, podem se manter ou evoluir. Assim, o conhecimento do corpo é fundamental e se apresenta como um instrumento de aprendizagem. Quanto mais a criança domina os movimentos do corpo, mais ela se encanta e se dispõe a novas experiências (NISTA- -PICCOLO; MOREIRA, 2012). Conceitos funcionais 27 Segundo Mattos e Neira (2008), a vivência de diversos posicionamentos – sentado, deitado, inclinado em situação de equilíbrio com base reduzida, correndo, rolando, entre outros – acentua a compreensão global do corpo, estabelecendo a consciência corporal e fortalecendo o aparelho locomotor. O desenvolvimento do tônus é uma condição básica para a aquisição de movimentos globais e manuais coordenados, ou seja, para uma boa coordenação motora ampla e viso- -manual. Com um tônus anormal, necessariamente a imagem sensorial de seus movimentos, bem como suas ações, serão anormais. (BUENO, 2014) Com relação à respiração, fenômeno que permite a troca gasosa, na qual é eliminado o gás tóxico e inalado oxigênio para fornecer energia ao organismo, ressalta-se a sua importância como componente relacionado ao esquema corporal, já que está intimamente ligado à atenção (MATTOS; NEIRA, 2008). Nesse sentido, por meio de práticas corporais, é possível ter conhecimento das fases da respiração e dos tipos, sendo eles nasal e bucal. Quando o processo da respiração não é adequado, a criança tem menos energia e seus movimentos ficam desorganizados. Portanto, é comprovado que existe relação entre o ato de respirar e a ansiedade e a atenção das crianças (BUENO, 2014). Nesta seção, foram apresentados o esquema e a imagem corporal, o tônus e a respiração, conceitos funcionais estruturais, essenciais para o desenvolvimento psicomotor. Ressaltamos que o movimento é capaz de desenvolver tais conceitos – e que estes estão interligados. Isso remete ao termo corporeidade, que, como diz Nista-Piccolo e Moreira (2012, p. 33), significa o entendimento do corpo em sua totalidade, “dotado de motricidade, intelecção e transcendência. O ser criança é corporalmente tudo isso ao mesmo tempo”. 28 Psicomotricidade no contexto escolar Na próxima seção, apresentaremos os conceitos psicomotores funcionais globais. Vamos conhecê-los e identificar suas características? 2.2 Conceitos psicomotores funcionais globais Conceitos psicomotores funcionais globais são os que envolvem o corpo como um todo, e dos quais dependem seus gestos e harmonia, quando o indivíduo interage com o meio. Citamos cinco conceitos psicomotores importantes: coordenação motora ampla, coordenação motora fina, equilíbrio, postura e relaxamento. A coordenação motora ampla, também conhecida como coordenação dinâmica global ou geral, é considerada a possibilidade de controle dos movimentos amplos de nosso corpo, permitindo contrair grupos musculares diferentes de uma forma independente (BUENO, 2014). Para que ocorra essa coordenação, torna-se necessária uma harmonia de grupos musculares colocados em movimento ou em repouso. A função é permitir, de maneira eficaz e econômica, movimentos que interessam a vários segmentos corporais, implicados em uma atitude ou em um gesto (BUENO, 2014). Segundo Nicola (2004, p. 80), “para a criança, não se trata de conhecer o nome das diferentes partes do seu corpo, mas de movimentar-se livremente, de sentir-se bem à vontade”. Desse modo, a coordenação motora ampla bem desenvolvida permite à criança participar de diferentes atividades, que envolvem movimentos coordenados de todas as partes de seu corpo. É importante salientar que devemos propiciar um clima de segurança e confiança no decorrer do trabalho de coordenação Vídeo Conceitos funcionais 29 motora ampla, pois a criança deve viver essa experiência de forma positiva na área afetiva, e também ter em conta as possibilidades da criança e avaliar as aquisições anteriores (LE BOULCH, 2007). Ainda, enfatiza-se a importância dos exercícios de coordenação global: Estes exercícios consistem em colocar a criança em situação de pesquisa diante de uma tarefa global, em presença da qual ela vai encontrar um modo resposta por ajustamentos progressivos, permitindo assim a descoberta de uma nova praxia. Uma praxia pode ser definida como um sistema de movimentos coordenados em função de um objetivo a ser atingido. (LE BOULCH, 2007, p. 147) Com isso, as atividades de expressão e jogos livres, na experiência vivida do corpo em confronto com o objeto, permitem uma primeira amostra do esquema corporal, assegurando uma comunicação do corpo relacionado com seu meio de comportamento (LE BOULCH, 2007). Portanto, essa habilidade é a atividade dos grandes músculos e depende da capacidade de equilíbrio postural do indivíduo. Verificamos o uso desses músculos nas habilidades motorasbásicas, como correr, saltar, rolar, rastejar, equilibrar-se etc., presentes em todas as práticas corporais que as crianças realizam em seu cotidiano. A coordenação motora fina é considerada a capacidade de controlar os pequenos músculos para exercícios refinados, por exemplo, recorte, perfuração, colagem, encaixes, entre outros (BUENO, 2014). Para Nicola (2004, p. 80), a coordenação motora fina está relacionada a “movimentos que exigem dissociação digital fina, onde há preensão delicada como principal objetivo. Pode-se ilustrar como sendo a coordenação dos detalhes”. A coordenação motora fina também se relaciona à coordenação visomotora, que coordena movimentos com a visão, ou seja, a partir do olhar, executa uma ação que envolve pequenos músculos, principalmente os movimentos que realizamos com as mãos. Como 30 Psicomotricidade no contexto escolar exemplo bem refinado da coordenação viso-manual, temos a escrita, na qual: A habilidade manual será desenvolvida, quer pela utilização da modelagem, do recorte, da colagem, quer por exercícios de dissociação ao nível da mão e dos dedos que identificamos como exercícios de percepção do corpo próprio fazendo atuar a função de interiorização O ritmo do traço e sua orientação da esquerda para a direita serão melhorados pelos exercícios gráficos baseados nas formas da pré-escrita, como as diferentes hélices e guirlandas. (LE BOULCH, 2007, p. 32) Conforme o autor supracitado, essa habilidade inicia as atividades para o desenvolvimento da coordenação dos pequenos músculos, em formações de espirais, circulares, organizando a criança para a escrita. No entanto, o trabalho da coordenação viso- -manual não deve contar apenas com exercícios em folhas com a escrita ou desenhos, pois, assim, a criança estará treinando apenas a coordenação viso-manual gráfica (LE BOULCH, 2007). Segundo Bueno (2014), no desenvolvimento da coordenação motora fina e grafismo, vê-se que aos: 3 anos a criança é capaz de fazer um traço vertical (Bernardes, 1979). Em exercícios de dissociação abre e fecha as mãos simultaneamente. 4 anos desenha uma cruz e apresenta dismetria somente de olhos fechados. 5 anos a criança desenha um círculo e um quadrado. Também consegue resolver exercícios de pianotagem. Já consegue abrir e fechar as mãos alternadamente. Ainda não faz laços, mas tenta. É a fase em que a coordenação motora fina está em seu maior desenvolvimento. 6 anos a criança é capaz de executar e copiar desenhos como zigue-zagues e movimentos sinuosos. A dissociação visual e manual já está firmada. 7 anos espera-se que a criança faça um losango e ovais. Até essa idade a sincinesia (contrações musculares involuntárias) é considerada normal. Já possui dissociação entre a mão direita, as duas mãos e mão esquerda. 8 anos já possui dissociação com o pé direito, palma, pé esquerdo etc. Acima de 8 anos consegue realizar o movimento do andar sem sair do lugar. Na escrita passa a figurar a memória Conceitos funcionais 31 motriz, ou seja, planeja a ação motora antes de executá-la. Entre 9 e 10 anos a dissociação manual está bem definida e o indivíduo já apresenta boa precisão. Entre 10 e 14 anos já possui boa força manual e uma excelente labilidade tônica, circulando com facilidade entre a hiper e a hipotonia (diminuição do tônus muscular), refletidas em precisão, destreza e velocidade manual adequadas. Assim, o trabalho da habilidade da coordenação viso-motora tem um lugar muito importante no grafismo e desenho, pois a preparação para a escrita precisa ser feita antes de aprender a ler, de tal forma que a aquisição da leitura e a da escrita sejam simultâneas. Torna-se relevante que o simbolismo verbal se associe ao simbolismo gráfico da criança, e também que se expresse por meio deles (LE BOULCH, 2007). Outro conceito psicomotor é o equilíbrio, caracterizado pela “noção de distribuição do peso em relação a um espaço e a um tempo e em relação ao eixo de gravidade” (BUENO, 2014). O equilíbrio está relacionado ao centro de gravidade; assim, o fato de um corpo estar equilibrado depende da base de apoio, que é a parte do corpo que está em contato com a superfície. Quanto mais ampla ela for, maior é a estabilidade do corpo (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Em concordância com isso, Bueno (2014) afirma que “o equilíbrio pode ser estático ou dinâmico. O primeiro apresenta mais dificuldade, sendo mais abstrato e exigindo muita concentração. Contudo, seu controle é importantíssimo para uma futura e adequada aprendizagem”. Assim, o equilíbrio estático interfere não apenas nas atividades que exigem concentração, mas está presente em todas as ações, inclusive na manutenção da postura corporal. Para Nicola (2004), o equilíbrio dinâmico está relacionado ao movimento, ao controle das forças do corpo para a realização das atividades. O equilíbrio relaciona-se ao esquema corporal, e, quando a criança não possui equilíbrio adequado, demonstra angústia ao 32 Psicomotricidade no contexto escolar executar movimentos coordenados (BUENO, 2014). Da mesma forma, Le Boulch (2007, p. 135) afirma que “todo o medo ocasiona reações de enrijecimento que comprometem as reações reflexas de equilibração”. Na coordenação global, equilíbrio e postura, vê que aos: 2 anos a criança adquire a consciência da alternância e oscilação dos pés; tem um passo mais leve, mas já é capaz de andar por momentos na ponta dos pés, porém, ao correr, toca toda a sola do pé no chão e aí o correr é desestabilizado ainda. 3 anos é capaz de andar numa linha reta de frente e de costas. Fica parada com os dois pés no chão e olhos abertos sem se desequilibrar. Alterna os pés na prancha de equilíbrio e corre suavemente já utilizando a ponta dos pés. Sobe escadas sozinha, mas um degrau de cada vez. 4 anos anda na ponta dos pés sem dificuldade. Fica parada com os dois pés no chão e olhos fechados sem se desequilibrar. Desce escadas sozinha alternando os pés. 5 anos anda com um pé na frente do de olhos abertos. No equilíbrio dinâmico a criança é capaz de saltar com os pés juntos no mesmo lugar. Realiza o controle de meia-volta com parada. Usa o correr de modo eficaz em jogos espontâneos. 6 anos anda com um pé na frente do outro de olhos fechados. No equilíbrio dinâmico salta num pé só e com os dois pés uma boa distância. 7 anos pula num pé só e equilibra-se parada num pé também. 8 anos fica parada num pé só de olhos fechados por instantes. 9, 10 anos a criança está mais relaxada na postura, tornando-se mais ágil em seus movimentos. (BUENO, 2014) Tisi (2007, p. 89) afirma que é importante desenvolver o equilíbrio em diferentes posições, como sentado, em pé ou agachado, pois ele “é condição indispensável para qualquer atividade”. Dominar o equilíbrio envolve: dominar o corpo com relação à gravidade, equilibrar objetos com partes do corpo, equilibrar o corpo em movimento e parado, e equilibrar o corpo em situações de queda (depois de um salto). Outro conceito psicomotor funcional global é a postura, que, segundo Bueno (2014), relaciona-se com o tônus. É uma atitude do Conceitos funcionais 33 corpo que está intimamente ligada ao movimento – e é graças a ela que consumimos o mínimo de energia para a execução de nossas atividades. Esse controle depende do nível de maturação, da força muscular e das características psicomotoras do indivíduo. A postura deve ser observada desde o nascimento, pois: A obtenção da locomoção ereta ou caminhada depende da estabilidade do bebê. Este deve, primeiro, ser capaz de controlar o corpo em pé, antes de dominar as mudanças posturais dinâmicas necessárias para a locomoção ereta. (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 171) Desse modo, a criança que mantiver uma postura adequada aprenderá novas habilidades em determinada posição – sentada, em pé e deitada (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Na vida adulta, a capacidade do indivíduo de mudar rapidamente de uma posição para a outra durante a realização de um movimento éautomática e não depende mais de concentração, pois foi aprendida anteriormente (BUENO, 2014). O relaxamento, último conceito psicomotor funcional global, é vinculado à redução das tensões e descontração muscular. Por meio do relaxamento, é possível obter melhor conhecimento do corpo por meio da contração e descontração muscular. Sendo assim, está ligado a outros conceitos, como esquema corporal, estruturação espaço- -temporal e equilíbrio. Mediante às atividades de relaxamento (duro, mole, tenso ou solto), a criança conhece o seu corpo (BUENO, 2014). A educação pelo movimento concebe relaxamento como a capacidade de descontração da musculatura voluntária. Algumas crianças que contraem exaustivamente os músculos dos seus segmentos, quando a atividade, na verdade, solicita apenas uma leve contração (correr, escrever, pegar, empurrar) mostram pouco controle sobre suas ações, e o oposto também ocorre, quando executam movimentos que implicariam grandes contrações (atividade que requerem força ou paralisação), fazem uso de contrações insuficientes. (MATTOS; NEIRA, 2008, p. 26) 34 Psicomotricidade no contexto escolar Nesses casos, as crianças não têm muita experiência e apresentam pouco conhecimento sobre o assunto. Segundo Bueno (2014), o relaxamento regula o ritmo da respiração e circulação. A conscientização dos diferentes estados tensionais do corpo promove uma integração entre corpo e mente, importante para a corporeidade. Para o mesmo autor, o relaxamento proporciona o conhecimento corporal e ajuda na descontração, procurando regularizar os ritmos do corpo e favorecendo a aprendizagem, pois possibilita a percepção e controle corporal. Um bom relaxamento não é somente dormir, mas, sim, a conscientização de cada parte do corpo em ação e harmonia. 2.3 Conceitos psicomotores funcionais perceptivos Os conceitos psicomotores funcionais perceptivos são influenciados pelo sistema sensorial, sobretudo pelos canais cinestésicos, auditivos e visuais – que são seus receptores sensoriais. Além de envolverem a integração desses canais, esses conceitos estão relacionados também à memória, isto é, às experiências vividas pelo corpo – que são individuais para cada pessoa (BUENO, 2014). Nesta seção, vamos apresentar seis conceitos psicomotores importantes: as percepções (auditiva, visual, tátil, olfativa e gustativa), a estruturação espacial (espaço), a estruturação temporal (tempo), a estruturação espaço-temporal, a lateralidade e o ritmo. De acordo com Bueno (2014, grifo nosso), “a percepção é a capacidade de reconhecer e compreender estímulos”. Gallahue e Ozmun (2005, p. 182) complementam ao afirmarem que “o termo percepção se refere a qualquer processo pelo qual obtemos Vídeo Conceitos funcionais 35 consciência imediata do que está acontecendo ao redor”. Ainda, acrescenta-se a essas informações a observação de que “A percepção depende de estímulos sensoriais captados pelos sentidos: audição, tato, paladar, olfato, visão, e por sensações cinestésicas interceptivas, sensações estas que se originam no ambiente interno, tais como sede, fome etc.” (BUENO, 2014). Concordando com os autores citados, as percepções e suas associações fazem a criança entender o que está acontecendo com o mundo à sua volta – e também são influenciadas pela memória. Observamos isso quando sentimos um cheiro ou um sabor que nos remete a um momento de nossa vida que já passou. Como citado anteriormente, as percepções, segundo Bueno (2014), podem ser captadas por estímulos auditivos, visuais, táteis, olfativos e gustativos. A percepção auditiva é a capacidade de entender estímulos sonoros e se faz essencial para o aprendizado da linguagem falada, para o entendimento dos diferentes sons do ambiente em que a criança vive, que vai desde o reconhecimento de um animal até o reconhecimento de um meio de transporte (BUENO, 2014). As condições ambientais influenciam a extensão do desenvolvimento da audição. O ouvido está estruturalmente completo ao nascimento, e o bebê é capaz de ouvir assim que o fluido amniótico é drenado (usualmente, um ou dois dias após o nascimento). (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 192) Segundo Bueno (2014), a criança, adaptada ao ambiente após o nascimento, adquire prazer ao ouvir sons como a voz materna, sons da língua, lábios e cordas vocais. Isso é observado com os gritinhos e balbucios que os bebês fazem em diferentes intensidades e entonações, que serão a base de sua comunicação verbal. “É a percepção auditiva dos sons que a própria criança emite e ouve e os emitidos pelas outras pessoas e que também pode ouvir, que desenvolvem a linguagem de forma geral” (BUENO, 2014). 36 Psicomotricidade no contexto escolar A percepção visual, processada e analisada pelo estímulo da luz, é a principal experiência sensorial da criança (BUENO, 2014). De acordo com Gallahue e Ozmun (2005, p. 184), Desde o nascimento, os olhos do bebê possuem todas as estruturas necessárias à visão, e estão quase completamente formadas. A fóvea não está totalmente desenvolvida e os músculos oculares são imaturos. Esses dois fatores resultam em fixação, foco e coordenação dos movimentos visuais deficientes. Nesse sentido, os olhos estão completos estruturalmente, mas imaturos funcionalmente. Por isso, desenvolvem-se nos primeiros meses após o nascimento as habilidades perceptivo-visuais (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Com relação à percepção visual, Bueno (2014) comenta que: Anatomicamente, todo olho saudável deve aprender a mexer para ver. Alinhar os dois olhos e concentrá-los num ponto ou num plano é fundamental, pois uma inadequação da mobilidade ocular pode prejudicar a percepção das formas e detalhes, refletindo-se em distúrbios de aprendizagem. Já o processamento da visão assim ocorre: a visão começa quando os raios luminosos batem no olho. Segundo o mesmo autor, a visão está presente em todas as nossas experiências motoras, e é por meio dela que diferenciamos objetos e os manipulamos. Utilizamos a visão para nossas necessidades da vida diária e para a aprendizagem escolar, cabendo ao professor, portanto, dar atenção especial à percepção visual e utilizá-la de diferentes formas, de acordo com as necessidades dos alunos. Já a percepção tátil refere-se à utilização de partes do corpo (mãos, boca, língua e lábios) para explorar o ambiente e os objetos quanto à sua forma, temperatura e textura (GALLAHUE; OZMUN, 2005). A percepção olfativa é a capacidade de identificar odores, sendo possível associá-los à sua origem, e está relacionada ao paladar. “Contudo, é um sentido menos evoluído no homem em relação aos animais inferiores” (BUENO, 2014). Conceitos funcionais 37 De acordo com Gallahue e Ozmun (2005, p. 193), há uma escassez de pesquisas a respeito das percepções olfativa e gustativa, sendo “difícil separar a sequência de desenvolvimento do olfato e do paladar, simplesmente porque o nariz e a boca estão intimamente conectados e os estímulos aplicados a um deles provavelmente vão afetar o outro”. Como visto, o olfato e o gosto são pouco desenvolvidos em humanos. No entanto, promover atividades de distinção dos odores na educação infantil e anos iniciais contribui muito para o desenvolvimento dessas percepções, auxiliando em aprendizagens importantes para o longo da vida, como diferenciar odores e sabores que caracterizam alimentos impróprios para o consumo. Temos a organização espacial (espaço) como outro conceito psicomotor funcional de extrema importância, pois é no campo físico que o corpo se tornará presente e ativo e poderá se organizar, estruturar e orientar. Por essa razão, muitos autores confundem essas três conotações e defendem parcialmente apenas uma delas; porém, somente a compreensão das três nomenclaturas permitirá sua completa apreensão. Essa confusão se dá porque a noção não é algo simples: ela é elaborada e se diversifica progressivamente no decurso do desenvolvimento psicomotor da criança. (BUENO,2014) Ajuriagerra (1980 apud BUENO, 2014) afirma que a percepção espacial se estrutura, inicialmente, com referência ao próprio corpo. Sua percepção é individual, única e pessoal, fruto de uma experiência compreendida apenas por seu corpo no meio e mediante às referências visuais percebidas. Lapierre e Aucouturier (1986) comentam que a estruturação espacial não se ensina nem se aprende, descobre-se. No entanto, o processo educativo deve levar em conta a evolução da estrutura progressiva da noção de espaço a fim de poder proporcionar os meios e motivações mais eficazes para ajudar essa descoberta, pois a primeira fase de sua estruturação é efetuada de forma inconsciente, penetrando 38 Psicomotricidade no contexto escolar através das vivências e memorizadas como cenas prazerosas ou desprazerosas. (BUENO, 2014) Então, podemos dizer que a organização espacial é a tomada de consciência da situação de seu próprio corpo em relação ao mundo exterior. A partir do movimento do corpo a criança conhece o seu tamanho no meio ambiente e a relação entre as pessoas e objetos. O exercício psicomotor em relação com o espaço terá por meta permitir ao sujeito tomar consciência dessas noções da maneira mais completa possível. Referindo-se agora à organização espacial, e partindo da compreensão do eu corporal, para que a criança se organize, ela, quando explora o ambiente, percebe o meio e os objetos através dos canais exteroceptivos, promovidos pelos sentidos, bem como dos proprioceptivos, como a referência da amplitude e força impressa nos gestos para agarrar um objeto. (BUENO, 2014) Concordando com o autor supracitado, o espaço para as atividades deve ser organizado e depois é preciso relacioná-lo com o outro e com os objetos. Em seguida, deve-se proporcionar exercícios de velocidade, noção de direção, em cima, embaixo, à frente, atrás, ao lado, perto, longe, em casa, na rua, na escola, pracinha e em várias outras situações do cotidiano. Já a organização temporal (tempo) é a capacidade de situar-se em função: a) da sucessão dos acontecimentos (antes, durante, após); b) da duração dos intervalos (hora, minuto, aceleração, freada, andar, corrida); c) da renovação cíclica de certos períodos (dias da semana, meses, estações); d) do caráter irreversível do tempo (noção de envelhecimento, plantas e pessoas). (BUENO, 2014) Segundo o mesmo autor, a noção de tempo é muito abstrata e difícil de ser aprendida pelas crianças. Os intervalos imediatos de antes e depois ou ontem e amanhã são mais concretos e melhor relacionados ao diálogo verbal. São pontos de referência para a organização da criança em relação à sua segurança individual. Conceitos funcionais 39 A noção de tempo está intimamente ligada à noção de espaço. O tempo é, no entanto, uma noção material a qual, não podendo ser objetivada, pode apenas ser expressa pelo som. Assim, situamos o presente, o passado e o futuro em relação ao antes e ao depois e avaliamos o movimento no tempo, distinguindo o rápido do lento, o sucessivo do simultâneo. (BUENO, 2014) Podemos destacar ainda um conceito funcional psicomotor que se refere aos dois conceitos vistos anteriormente e que estão interligados: a estruturação espaço-temporal. Dentro da organização espaço temporal estão incluídos o tempo, o espaço e o ritmo, do qual o termo foi desenvolvido nos tempos iniciais da ciência psicomotora, a partir do momento em que os estudiosos não conseguiram falar isoladamente do tempo ou do espaço, com isso, passaram a usar o termo espaço temporal, as duas estritamente relacionadas com diferentes modalidades sensoriais, a visual e a auditiva, respectivamente. Então, trata-se da integração desses dois conceitos psicomotores, em atividades que os envolvem de forma integrada. (BUENO, 2014) Com relação à lateralidade, outro conceito psicomotor funcional, Mattos e Neira (2008) afirmam que se refere à dominância de um dos lados do corpo quanto à força e à precisão. Segundo Bueno (2014), a lateralidade está intimamente ligada a outros conceitos psicomotores, como percepção visual e esquema corporal: “A lateralidade liga- -se ao desenvolvimento do esquema corporal. A predominância de um dos lados do corpo se faz em função do hemisfério cerebral. Os movimentos preferenciais de um dos lados de seu corpo determinam se o indivíduo é destro (D) ou sinistro (E)”. Para Mattos e Neira (2008) e Gallahue e Ozmun (2005), na infância as crianças desenvolvem muitas vivências com relação aos dois lados do corpo e, ao longo do tempo, definem seu lado dominante, sendo comum utilizarem os dois lados para tarefas diferentes. A lateralidade é extremamente importante para a escrita, pois podemos perceber dificuldades nas posições do caderno e da 40 Psicomotricidade no contexto escolar mão, assim como na orientação das linhas e folhas, caso ela não esteja bem definida. Os problemas reais ou aparentes decorrentes da lateralização são, com frequência, fonte de ansiedade nos pais e em muitos professores da escola maternal. Se for verdade que um certo número de dificuldades escolares está relacionado a problemas na lateralidade, a atitude mais correta a este respeito, a fim de ajudar a criança a conquistar e consolidar sua lateralidade, é uma ação educativa facilitadora, permitindo-lhe sua motricidade global. (TISI, 2007, p. 67) O professor precisa conhecer o lado dominante do aluno não somente em provas escritas, afinal, as atividades motoras permitem a espontaneidade da criança. Para descobrir a dominância genética, então, são preferíveis provas de habilidade da velocidade, pois a força dos membros superiores será confirmada pela procura da dominância dos membros inferiores (TISI, 2007). O último conceito psicomotor funcional que temos é o ritmo. Ele está presente em todas as atividades humanas (físicas e intelectuais) e se manifesta em todos os fenômenos da natureza. Pode ser caracterizado a partir de uma série de movimentos diferentes, como a forma que caminhamos e conversamos. Essa gesticulação do dia a dia também é conhecida como ritmo vital (BUENO, 2014). Assim, concordamos com Gallahue e Ozmun (2005, p. 317) quando afirmam que o ritmo “é definido como uma repetição sincronizada de eventos”. Esses gestos repetidos, por sua vez, são realizados em um tempo, sendo cruciais no desempenho coordenado de qualquer ação. Considerações finais Após estudar os conceitos, é possível entender que tudo o que fazemos envolve diferentes conceitos funcionais de origens Conceitos funcionais 41 estruturais, funcionais ou perceptivas. No entanto, quando algum conceito não é desenvolvido, uma desarmonia é gerada nos movimentos, o que influencia também no comportamento. Nessa perspectiva, é importante oferecer diferentes tipos de movimentos e atividades, pois é a partir deles que a criança se desenvolve de forma integral. Ampliando seus conhecimentos • ROSSI, F. S. Considerações sobre a psicomotricidade na educação infantil. Vozes dos vales, Teófilo Otoni, MG, n. 1, ano 1, p. 1-18, maio 2012. Disponível em: http:// site.ufvjm.edu.br/revistamultidisciplinar/files/2011/09/ Considera%C3%A7%C3%B5es-sobre-a-Psicomotricidade- na-Educa%C3%A7%C3%A3o-Infantil.pdf. Acesso em: 30 jul. 2019. Esse artigo traz considerações sobre a importância da psicomotricidade na educação infantil, que busca o equilíbrio e o desenvolvimento motor e intelectual da criança. A autora enfatiza que a estrutura da educação psicomotora é a base fundamental para o processo de aprendizagem da criança. • SANCHÉZ, P. A.; MARTINEZ, M. R.; PEÑALVER, I. V. A psicomotricidade na educação infantil: uma prática preventiva e educativa. Porto Alegre: Artmed, 2003. A obra aborda a psicomotricidade como uma prática pedagógica que ajuda na maturação. Trata também da prática psicomotora educativo-preventiva e dos princípios da ação da prática psicomotora, discutindo o papel dos educadores nas ações pedagógicas e nas intervenções propostas parao trabalho eficiente da psicomotricidade e do amadurecimento psicoafetivo. 42 Psicomotricidade no contexto escolar Atividades 1. O que são conceitos psicomotores funcionais estruturais e com o que eles estão relacionados? 2. Qual é a diferença entre coordenação motora ampla e coordenação motora fina? 3. Explique as percepções auditiva, visual, tátil, olfativa e gustativa. Referências BUENO, J. M. Psicomotricidade teoria e prática: da escola à aquática. São Paulo: Cortez, 2014. E-pub. FONSECA, V. da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008. GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. Trad. de Denise R. de Sales. 3. ed. São Paulo: Phorte, 2005. LE BOULCH, J. Educação psicomotora: psicocinética na idade escolar. Trad. de Jeni Wolf. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2007. LEVIN, E. A clínica psicomotora: o corpo na linguagem. Trad. de Julieta Jerusalinsky. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. MATTOS, M. R. G.; NEIRA, M. G. Educação física infantil: construindo o movimento. 7. ed. São Paulo: Phorte, 2008. NISTA-PICCOLO, V. L.; MOREIRA, W. W. Corpo em movimento na educação infantil. São Paulo: Cortez, 2012. TISI, L. Educação física e alfabetização. 2. ed. Rio de Janeiro: Sprint, 2007. 3 Conceitos relacionais Após entender os conceitos funcionais, vamos conhecer os conceitos relacionais da psicomotricidade. Ambas as abordagens estão relacionadas e integradas, buscando o desenvolvimento das crianças por meio de diferentes experiências motoras. Associa-se o movimento ao desenvolvimento integral, ou seja, quando a criança interage com o meio e expressa suas emoções, potencializa a sua aprendizagem. Como visto anteriormente, a psicomotricidade envolve os aspectos motores, intelectuais e afetivos – e esses elementos que compõem o ser humano estão interligados. É preciso oportunizar uma gama variada de movimentos para que, a partir deles, a criança se expresse e se comunique. Assim, os conceitos relacionais estão mais vinculados ao comportamento e aos sentimentos, e são expressos por meio do movimento. Vamos conhecê-los? 3.1 Expressão e comunicação O ser humano se expressa por meio de diferentes linguagens, entre as quais, a corporal. Pela linguagem do corpo podemos expressar sentimentos e emoções, estabelecendo formas de comunicação. Entende-se como conceitos relacionais a forma como o corpo estabelece os parâmetros para interagir com o meio e com as pessoas. Assim, a psicomotricidade aborda o sujeito como um corpo em movimento nas relações com seu mundo externo e interno, todas as suas inibições, motivações e ansiedades são apresentadas Vídeo 44 Psicomotricidade no contexto escolar por meio dos movimentos nesse corpo, e compreender essa decodificação permitirá mais uma porta de acesso, facilitadora para a intervenção psicomotora, sobretudo nas áreas da estimulação, educação e reeducação psicomotoras. (BUENO, 2014) Para desenvolver sua sociabilidade e afetividade, a criança precisa interagir com o meio. Essa interação ocorre pela comunicação que ela estabelece por meio do pensamento e que expressa pela linguagem e pela motricidade. Todos esses elementos interligados permitem à criança agir frente a demandas que lhe são atribuídas. Nessas tarefas, nas quais ela interage com os colegas, pode mudar a sua forma de pensar e agir, observando gestos e atitudes dos demais (NISTA-PICCOLO; MOREIRA, 2012). A identidade dos sujeitos e de suas expectativas está diretamente ligada aos seus conteúdos relacionais, pois o sujeito precisa estar pleno consigo mesmo, em seu corpo e com suas verdades, para realizar as conquistas almejadas. É a partir de sua unidade que ele se afirma, permitindo a convivência em grupo (BUENO, 2014). Nesta seção, abordamos os conceitos relacionais, apresentando a expressão e a comunicação – pontos interligados que resultam da interação da criança consigo mesma e com o ambiente. São aspectos oriundos das oportunidades da prática que são proporcionadas à criança desde o seu nascimento. Para Bueno (2014), “expressão e comunicação estão intimamente relacionadas, pois quando o indivíduo aprende a expressar-se corporalmente, assume sua identidade e se relaciona com o outro e com o mundo”. Concordando com o autor supracitado, Fonseca (2008) aponta que a motricidade é uma característica tão fundamental para a criança que inclusive a aquisição da linguagem depende dela. É por meio da motricidade que são dadas respostas às suas necessidades básicas e aos seus estados emocionais e relacionais. Percebe-se que, acerca da expressão: Conceitos relacionais 45 é interessante e fundamental que em todos os conceitos desenvolvidos anteriormente a expressão, facial ou corporal, esteja incluída por meio das atividades com liberdade, mímicas, dramatizações e danças, as quais funcionam como facilitadoras dessa livre expressão. Por meio dela a criança exprime verdadeiramente os seus sentimentos e, consequentemente, as suas dificuldades, sejam elas de ordem psicológica, física ou biológica. Uma expressão plena, de corpo inteiro, só é atingida com a coordenação física e psíquica integradas. (BUENO, 2014) Considerando que o estado emocional é mostrado por meio dos gestos, a criança transmite inibição quando apresenta movimentos acanhados e, da mesma forma, mostra-se eufórica, satisfeita ou possuidora de uma conquista quando os gestos são mais expansivos. Portanto, o corpo como via de acesso ao emocional possui limites, capacidades e dificuldades que podem ser demonstradas por suas expressões (NISTA-PICCOLO; MOREIRA, 2012). Wallon (1989 apud FERNANDES, 2012, p. 6) diz que “o movimento é a única expressão e o primeiro instrumento do psiquismo e que não está dissociado dos afetos”. Para ele, a motricidade e o desenvolvimento geral da personalidade não estão isolados das emoções. Assim, muitos significados simbólicos não são expressos por meio de palavras, tendo no corpo seu principal veículo de expressão (BUENO, 2014). Dar atenção ao corpo é ir ao sentido do desenvolvimento da consciência individual e social que se inicia na criança, sustentada por um viver humano que acontece em redes de comunicação, tratando-se inicialmente de uma linguagem sem fala, por meio da expressão realizada pelo corpo e com o corpo, primeira forma de comunicação, que é tônica e emocional. Com o domínio da fala, o homem esquece o poder do corpo. Mas os humanos existem na linguagem, no conversar, resultado do entrelaçamento do emocional com a expressividade da linguagem. É por essa possibilidade de comunicação e trocas, dessa expressividade corporal que a ação psicomotora conecta o sujeito com a sua natureza. (LOVISARO, 2012, p. 61) 46 Psicomotricidade no contexto escolar Para Fonseca (2008), a maneira como a criança usa o seu corpo e a sua motricidade no espaço retrata sua identidade pessoal e autoconhecimento. Com relação a isso, Gallahue e Ozmun (2005, p. 330) trazem o termo autoconceito como “a livre descrição de valores que o indivíduo atribui a si mesmo”. Eles afirmam que o autoconceito é proveniente da competência percebida, competência, autoconfiança e autoestima. Assim, o nível das atividades desenvolvidas pela criança precisa ser adequado à sua fase de desenvolvimento psicomotor, possibilitando o êxito com a tarefa e contribuindo para a aquisição dos aspectos mencionados anteriormente. Por meio do movimento, é possível oportunizar atividades diversificadas, de acordo com a fase de aprendizagem da criança. Para Le Boulch (2007), a função imaginativa exercida durante o jogo implica em manifestações de interiorização – etapa indispensável para a formação do eu individual e social. Na fase dos 7-8 anos, surge como necessidade estabelecer uma correspondência entre si mesmo e o mundo exterior. Desse modo, “os jogos e as atividades de expressão são um meio privilegiado de ajudar a criança a equilibrar--se em seu ambiente humano, a comunicar-se, a cooperar” (LE BOULCH, 2007, p. 46). Se a expressão corporal é uma forma de se comunicar, trata-se, então, de um elemento imprescindível para o ser humano, pois ele é um ser social. Existem diferentes formas de estimular a expressão, tanto com brincadeiras, nas quais são estimuladas a criatividade e a liberdade, quanto com músicas e formas de simbolismos e fantasia, uma vez que no universo das crianças tudo é possível em sua imaginação. Atividades que estimulem a criatividade são imprescindíveis ao processo educativo. Elas favorecem a incorporação da disciplina interna, contextualizam a ação, canalizam as tensões, conflitos e ansiedades e equilibram a relação consigo e com os demais. Além Conceitos relacionais 47 disso, fortalecem seu autoconceito, contribuindo para a aquisição de uma boa imagem corporal. “E para que haja uma boa expressão, a ação deve ser também espontânea e considerada como uma manifestação natural, uma expressão de livre vontade. Por meio da espontaneidade o indivíduo facilita sua adaptação a novas situações” (BUENO, 2014). Existem níveis na organização da expressividade do movimento no desenvolvimento psicomotor. De Franch (1998 apud BUENO, 2014) delimita esses níveis ao afirmar que “entendemos que essa organização se dá a partir de quatro níveis, na sua essência: organização tônica, organização sensório-motora, organização cognitiva e organização simbólica”. Assim, a partir das experiências oportunizadas e da maturação biológica, a criança vai evoluindo em sua capacidade de organização e aprendizagem. O que se pretende é que ela tenha subsídios para atuar com autonomia no ambiente em que vive a partir das experiências motoras. Com relação à comunicação, outro conceito relacional a ser apresentado nesta seção, Nicola (2004, p. 11) define como “o ato de expressar um pensamento, sentimento, emoção, através de uma linguagem verbal ou não verbal. Para a Psicomotricidade, os aspectos comunicativos do ser humano – corpo, gestualidade e verbo – são essenciais em sua abordagem quer na educação, reeducação ou terapêutica”. Se a nossa linguagem é um sistema fundamental na intervenção entre sujeito e objeto de conhecimento, a linguagem corporal é o conjunto de atitudes e comportamentos com significância para outra pessoa (LA TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS, 1992). Todos os nossos gestos, atitudes e comportamentos corporais podem ser interpretados a despeito de nossa intenção. A mãe, por exemplo, interpreta uma reação da criança como um apelo dirigido a ela, 48 Psicomotricidade no contexto escolar projetando-a no mundo da comunicação a partir de suas respostas (NICOLA, 2004). Assim, é preciso observar os gestos e a linguagem corporal das crianças, pois quando uma criança realiza um movimento, ela reflete seus desejos e emoções – e para que se estabeleça uma comunicação deve haver um retorno à criança. O movimento para as crianças significa muito mais do que mexer partes do corpo ou deslocar-se no espaço. A criança se expressa e se comunica por meio dos gestos e das mímicas faciais e interage utilizando fortemente o corpo. A dimensão corporal integra-se fortemente ao conjunto da atividade da criança. O ato motor faz-se presente em suas funções expressiva, instrumental ou de sustentação às posturas e aos gestos. (MATTOS; NEIRA, 2007, p. 27) Sendo assim, o corpo fala mesmo que não intencionalmente. Um professor, por meio da observação, pode perceber os sentimentos de seus alunos e ter, com essa leitura corporal, a oportunidade de adequar atividades e rever processos a fim de melhorar a sua aula. Mattos e Neira (2007) apontam que sinais de que os alunos estão cansados de ficar muito tempo sentados ou que estão distraídos e entediados podem ser traduzidos como respostas a uma aula muito fácil ou além da compreensão. Todas as emoções, todos os sentimentos e também todos os desejos e reações, conscientes ou inconscientes, tudo o que somos, se expressam nas atitudes e nos gestos, os quais não devem necessariamente vir relacionados com a linguagem verbal, pois esta pode mascarar ou transformar o vivido. O interessante é que o verbal venha após o vivido, na sua reflexão e não associado a ele. (BUENO, 2014) Assim, Nicola (2004) nos informa que os comportamentos comunicativos podem ser classificados da seguinte forma: • Inatos: reações primitivas a estímulos externos, que independem da cultura e são comuns para todos os humanos (bocejar, espirrar, espreguiçar etc.). São condicionados a Conceitos relacionais 49 modalidades familiares e socioculturais, assim como por processos patológicos (no caso dos tiques). • Adquiridos: adquirimos no decorrer da aprendizagem social (higienizar-se, caminhar, alimentar-se etc.). Esses comportamentos traçam para os outros um perfil de nossa personalidade (postura à mesa, diferenças culturais etc.). • Socioculturais: gestos socializados, não sendo apenas a polidez e a etiqueta, mas a expressão do sujeito de interiorizar e reproduzir esses gestos. Santin (1992 apud BUENO, 2014) salienta que o homem, por meio de seus movimentos, “expressa os mais puros sentimentos como alegria, medo, amor, entre outros, descobrindo como o corpo é sensível e como possui uma linguagem própria revelada nos gestos, que possibilitam um elo de comunicação com o mundo”. Na perspectiva da expressão e da comunicação, entendemos que essas se refletem na linguagem do corpo e podem ser interpretadas quando interagimos com outras pessoas, demonstrando sentimentos e emoções. Na próxima seção, apresentaremos a afetividade e a sua relação com a corporeidade. 3.2 A afetividade e sua relação com a corporeidade Sendo o corpo o elemento central para a psicomotricidade, a corporeidade vem a ser um termo carregado das relações que esse corpo tem consigo, com os outros e com o meio. Como afirma Bueno (2014), “a corporeidade é entendida por nós como sendo a vivência do corpo na relação com o outro e o mundo, condição básica para qualidade de vida do indivíduo. É um dos canais mais importantes para facilitar essa relação”. Vídeo 50 Psicomotricidade no contexto escolar É por meio dos movimentos que se constrói a noção de corporeidade, e não existe ação que não seja resposta às necessidades e aos desejos que o meio ambiente impõe. Essa construção gradual se dá por meio da estruturação da imagem corporal, a qual, aos poucos, vai se constituindo nas crianças (BUENO, 2014). Acrescentamos à corporeidade a importância da imagem corporal – ela já foi apresentada no capítulo anterior e aqui será retomada para compreender a relação entre afetividade e corporeidade. A imagem corporal é “o centro do sentimento de maior ou menor disponibilidade que temos do nosso corpo e no centro dessa relação vivida universo-objeto, passa por uma sucessão de estados de equilíbrio” (LE BOULCH, 2007, p. 15). Portanto, é correto afirmar que o objeto central da educação psicomotora é, precisamente, ajudar a criança a chegar a uma imagem do corpo operatório, que concerne não só ao conteúdo, mas também à estrutura da relação entre as partes e a totalidade do corpo e uma unidade organizada, instrumento da relação com a realidade. (LE BOULCH, 2007, p. 17) Assim, a corporeidade se firma na busca da criança por sua identidade, na qual ela percebe a noção de sua totalidade. Essa totalidade é oriunda das experiências sensório-motoras que a criança possui. “A noção de corporeidade está intimamente ligada à noção de identidade, porque, para que esta possa aparecer, o corpo deve ser reunido em uma imagem global” (BUENO, 2014). Portanto, é por meio das experiências motoras e dos movimentos espontâneos que a criança descobre o seu próprio corpo. Sobre o equilíbrio da quantidade e da qualidade das relações, Bueno (2014) ressalta: A estruturação da imagem corporal também está relacionada ao objeto de amor ali investido, ou seja, a ação da criança e a ação do outro
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