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5° seminário de Pós-Graduação em Relações Internacionais da ABRI 
Associação Brasileira de Relações Internacionais 
Evento online, 09-11 de novembro de 2020 
 
 
 
Área temática: 
Teoria das Relações Internacionais 
 
 
 
A ATUAÇÃO DA RÚSSIA NA CHAMADA QUESTÃO UCRANIANA: UMA 
REFLEXÃO TEÓRICA A PARTIR DA SEGURANÇA REGIONAL E DO REALISMO 
OFENSIVO 
 
 
 
 
Larissa Caroline Souza da Silva 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) 
 
 
 
 
 
2289ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
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Resumo 
O presente trabalho tem o intuito de analisar a atuação russa na crise ucraniana, que 
culminou na anexação da Crimeia. A hipótese é de que os russos agiram buscando 
garantir sua segurança e sua área de influência que estaria sendo ameaçada e visada 
por outros atores. Assim, foi preciso proteger e defender seus interesses estratégicos 
e sua zona da influência. Para fazer tal analise, utilizou-se o realismo ofensivo, de 
Mearsheimer, e a ideia de Complexos Regionais de Segurança (CRS), do Buzan e 
Waever como marco teórico. As interpretações feitas nesse trabalho, baseado nessas 
teorias, perpassam ou apontam a questão da segurança de alguma forma como ponto 
principal da atuação de Moscou. 
Palavras-chaves: Rússia; Realismo Ofensivo; Ucrânia; Segurança 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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A atuação da Rússia na chamada questão ucraniana: uma reflexão teórica a 
partir da segurança regional e do realismo ofensivo 
 
Larissa Caroline Souza da Silva1 
 
Introdução 
Em 2008, através de uma declaração conjunta, a Organização do Tratado do 
Atlântico Norte (OTAN) se manifestou favorável a uma possível adesão da Ucrânia e 
da Geórgia na organização. Essa declaração, apoiada pelos Estados Unidos, pontuou 
que era uma questão de tempo até que ucranianos e georgianos fossem parte efetiva 
da aliança. A resposta russa a esse fato iria acontecer pouco tempo depois com a 
guerra contra a Geórgia e teria mais ênfase com a atuação russa na questão 
ucraniana (MEARSHEIMER, 2014; GRIGAS, 2015; TOAL, 2015). 
A chamada questão ucraniana atingiu um ponto sem precedentes depois que 
o governo local optou por firmar um pacote de ajude econômica com a União Europeia 
e decidiu pela ajuda da Rússia. Com isso, a situação interna da Ucrânia foi piorando 
ao ponto que diversos manifestantes se espalharam pelas ruas de Kiev e, pouco 
tempo após o início das manifestações, o governo foi derrubado enquanto conflitos 
armados se multiplicaram principalmente no sudeste do país. É nesse imbróglio que 
a anexação da Crimeia ocorreu, em 2014, e é sobre a posição russa nessa questão 
que o presente trabalho se debruça. 
O objetivo principal é fazer uma leitura teórica, a partir do realismo ofensivo e 
dos Complexos Regionais de Segurança (CRS), da ação russa na chamada questão 
ucraniana, que culminou na anexação da Crimeia, e compreender quais os motivos 
que conduziram Moscou a se portar da maneira como foi. 
Partindo desse objetivo, se relaciona a ação do Ocidente2 no chamado exterior 
próximo, ou seja, no espaço pós-soviético com os interesses de Moscou na Ucrânia. 
 
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais – PPGRI – da UERJ. 
Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e 
assistente de pesquisa no laboratório de Simulações e Cenários para Defesa e Segurança da Escola 
de Guerra Naval (EGN). 
2 Ocidente nesse trabalho é utilizado para se referir aos Estados Unidos, a União Europeia e 
as Organizações Internacionais criadas e lideradas por esses. 
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A hipótese é de que se pode entender a posição russa, na crise ucraniana, como uma 
ação de sobrevivência condicionada pelo sistema que e anárquico e tem uma potência 
hegemônica, Estados Unidos, que ameaça os interesses estratégicos, econômicos e 
de segurança da Rússia via alargamento da Organização do Tratado do Atlântico 
Norte (OTAN) e União Europeia nos países que um dia formaram a União Soviética. 
Assim, a segurança russa estaria sendo ameaçada e a sua vizinhança seria visada 
por outros atores que buscam minar a preponderância russa na área. 
O marco teórico, como já citado, foi composto pelo realismo ofensivo de 
Mearsheimer, escolhido como vertente do realismo, e pelos Complexos Regionais de 
Segurança (CRS) de Buzan e Wæver, dentro da Escola de Copenhague. Autores 
como Elman e McDonald também foram utilizados, mas apenas com o intuito de 
contextualizar e apresentar cada uma das teorias. 
Esse trabalho se encontra dividido da seguinte maneira: em um primeiro tópico 
será exposto brevemente a situação que levou a anexação da Crimeia, o auge da 
crise ucraniana. Em uma segunda parte, se aborda o realismo ofensivo e a leitura que 
pode ser feita da atuação russa a partir dessa teoria; enquanto isso o terceiro tópico 
segue a mesma linha do segundo, mas o foco da vez são os complexos regionais de 
segurança seguidos pela análise. Por fim, tem uma seção com algumas 
considerações finais. 
 
1. A crise ucraniana, seu estopim e a anexação da Crimeia 
A Ucrânia compartilha uma longa fronteira com a Rússia, uma considerável 
população de língua russa em seu território e tem na fé cristã ortodoxo outro ponto em 
comum com seus vizinhos. Após a dissolução da União Soviética, Kiev manteve seu 
domínio pela região da Crimeia, de maioria russa e minoria tártara, mas assinou 
acordos com os russos garantindo a esses acesso a base de Sebastopol (GRIGAS, 
2015; KUZIO, 2017). 
Além disso, o território ucraniano ocupa um espaço político importante entre a 
Europa e a Rússia que ajuda a explicar sua importância estratégica por parte de 
Moscou. Por ser uma área de ligação, os ucranianos tentam, desde o colapso do bloco 
comunista, contrabalancear a influência dos russos em território e, com isso, os 
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governos se alternam desde 1991 sendo ora pró-Moscou e ora pró-Ocidente 
(MIELNICZUK, 2014; VASCONSELLOS, 2016). 
Antes da crise que se instalou na Ucrânia em 2014, o país havia vivido o que 
ficou conhecido como Revolução Laranja no ano de 2004. Outros países como 
Geórgia, por exemplo, também vivenciou as chamadas revoluções coloridas. 
Revoluções coloridas foi o termo usado para designar uma série de processos que 
derrubaram governos pró-Rússia, nos países do espaço pós-soviético, substituindo-
os por governos com um perfil pró-Ocidente. Depois das revoluções, o governo russo 
passou a dar ainda mais prioridade ao espaço pós-soviético em termos de política 
externa e interesses estratégicos (Mankoff, 2009; Segrillo, 2015; Santos 2017). 
Entretanto, o importante nisso tudo é pontuar que essa revolução em território 
ucraniano levou Viktor Yuschenko ao poder depois de alegações de fraudes contra 
Viktor Yanukovych foram confirmadas. Apesar de ser um governante considerado 
mais pró-Ocidente, o país manteve boas relações com os russos até que Yanukovych, 
perdedor de 2004, saiu como vencedor em outra eleição e passou a governar o país. 
O início do que ficou conhecido como crise ucraniana tem seu início em 
novembro de 2013. Naquele momento, o então presidente Viktor Yanukovych rejeito 
um acordo comercial que estava negociando com a União Europeia, negociação essa 
que vinha desde a gestão anterior, e optou por assinar um compromisso econômico e 
comercial com Moscou (BBC, 2014; MEARSHEIMER, 2014; MIELNICZUK, 2014; 
TOAL, 2015). 
Uma das explicações para a recusa do acordo foi relacionada a pressões que 
a Rússia estaria exercendo sobre o governo ucraniana em relação ao gás e a 
economia para que esse não aceitasse o documento final com a União Europeia. A 
recusa do acordolevou ao início de diversas manifestações e desencadeou uma série 
de protestos por Kiev que pediam a destituição do presidente e a volta das 
negociações com os europeus (MEARSHEIMER, 2014; MIELNICZUK, 2014; POTY, 
2018). 
Os movimentos nas ruas continuaram acontecendo e em um determinado 
momento ganharam um nome através de uma hashtag lançada no Twitter: 
EuroMaidan. Essa situação se agravou ainda mais no início de 2014 quando um grupo 
tentou invadir o parlamento ucraniano e outros edifícios oficiais do governo dando, 
assim, origem a um conflito violento nas ruas. Nesse momento, a intervenção de 
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outros países se mostrou necessária e um grupo formado por Alemanha, França e 
Rússia surgiu para mediar o conflito entre o governo e os manifestantes, eles se 
reuniram convocando novas eleições para maio de 2014. Entretanto, o acordo não 
chegou a ser cumprido, Yanukovych foi destituído do poder no início de 2014 e acabou 
fugindo (EL PAÍS, 2014; MEARSHEIMER, 2014; POTY; 2018). 
Com a destituição e a fuga de Yanukovych, um novo presidente foi nomeado e 
o novo governo de Kiev, segundo Mearsheimer (2014), possuía um perfil mais pró-
Ocidente do que pró-Moscou. A partir dessa situação, um novo foco de 
desentendimento entre russos, ucranianos e ocidentais surgiu na região da Crimeia, 
onde a maioria da população era russa e vivia sob a tutela de Kiev (TOAL, 2015). 
Pouco após a saída de Yanukovych do poder, um referendo foi realizado na 
Crimeia e 96% da população que votou sinalizou ser a favor da anexação do território 
por parte de Moscou. Dessa forma, o presidente russo Vladimir Putin acatou o 
resultado e em março de 2014 proferiu um discurso, no Kremlin, argumentando que a 
anexação da Crimeia se baseava na vontade do povo, na prerrogativa de que ambos 
os territórios possuíam um passado comum e de que os russos que viviam lá 
precisavam ser protegidos dos eventos que se desenrolavam em Kiev (PUTIN, 2014; 
TOAL, 2015; VASCONSELLOS, 2016; PAL KOLSTO, 2018). 
A anexação da Crimeia pela Rússia, nesse cenário, seria, segundo 
Mearsheimer 
““For Putin, the time to act against Ukraine and the West had arrived. 
Shortly after February 22, he ordered Russian forces to take Crimea 
from Ukraine, and soon after that, he incorporated it into Russia. The 
task proved relatively easy, thanks to the thousands of Russian troops 
already stationed at a naval base in the Crimean port of Sevastopol. 
Crimea also made for an easy target since ethnic Russians compose 
roughly 60 percent of its population. Most of them wanted out of 
Ukraine. ” (MEARSHEIMER, 2014, p. 5)3 
 
Com isso, a anexação da Crimeia não seria apenas o reencontro de territórios 
que compartilhavam um passado, mas também uma forma de Putin agir contra o que 
 
3 “Para Putin, chegara a hora de agir contra a Ucrânia e o Ocidente. Pouco depois de 22 de 
fevereiro, ele ordenou que as forças russas tirassem a Crimeia da Ucrânia e, logo depois, ele a 
incorporou à Rússia. A tarefa revelou-se relativamente fácil, graças aos milhares de soldados russos já 
estacionados em uma base naval no porto de Sebastopol na Crimeia. A Crimeia também se tornou um 
alvo fácil, já que os russos étnicos compõem cerca de 60% de sua população. A maioria queria sair da 
Ucrânia. ” (MEARSHEIMER, 2014, p 5, tradução livre) 
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estava acontecendo na Ucrânia. Toal (2015) argumenta que os acontecimentos em 
solo ucraniano e a resposta russa anexando um território, ao que Putin classificou 
como golpe orquestrado Estados Unidos, transformou uma crise de regime político 
em uma crise de integridade territorial e da ordem de segurança pós-guerra Fria na 
Europa. 
 
2. A atuação russa a luz do realismo: a atuação das grandes potências e os 
constrangimentos externos 
O Realismo é uma das principais teorias de Relações Internacionais e algumas 
de suas vertentes e autores ajudam a compreender a atuação russa na questão 
ucraniana. Por isso, iremos apresentar alguns argumentos e pressupostos de 
Mearsheimer e seu realismo ofensivo para depois analisar a posição da Rússia. 
Elman (2007) destaca que a corrente realista das Relações Internacionais não 
pode ser compreendida como algo único ou uma única grande teoria porque existem 
variantes do realismo, essas variantes possuem diferenças significativas. Dessa 
forma, considerar o realismo de Morgenthau a mesma coisa que o realismo ofensivo 
de Marsheimer não seria correto. Entretanto, os chamados sub-grupos que Elman 
apresenta do realismo acabam compartilhando uma visão ampla de que o caráter das 
relações entre Estados não se alterou, boa parte dos realismos enxerga o mundo com 
uma lente pessimista, mas prudentes do que se chama relações internacionais. 
Mearsheimer (2001) assim como Elman (2007) discorrem sobre as divisões e 
sub-grupos que formariam o realismo. O último argumenta que os relatos realistas 
podem ser divididos entre: “clássico, neorrealismo, realismo ascensão e queda, 
realismo estrutural neoclássico, realismo estrutural ofensivo e defensivo” (ELMAN, 
2007, p. 16). Enquanto que Mearsheimer (2001) discorre sobre realismo clássico, 
realismo ofensivo e realismo defensivo. 
O realismo estrutural ou neorrealismo tem como principal expoente Kenneth 
Waltz que em 1979, com seu livro, apresenta uma teoria estrutural do realismo e 
argumenta que os sistemas são compostos de uma estrutura e por unidades de 
interação. As estruturas são definidas pela disposição ou ordenamento das partes de 
um sistema e podem ser melhor conceituadas com base em três elementos: um 
princípio de ordenação (que pode ser anárquico ou hierárquico); o caráter das 
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unidades (que podem ser semelhantes ou diferenciadas) e a distribuição de 
capacidades. Desses elementos citados, dois se manteriam constantes visto que não 
há uma autoridade central que transcenda o Estado soberano o que significa, assim, 
que o princípio ordenador é a anarquia em um mundo que a autoajuda faz com que 
todas as unidades funcionem igualmente. Logo, a única variável possível seria a 
distribuição de capacidades e a distinção entre sistemas multipolares, bipolares e 
unipolares (ELMAN, 2007). 
A teoria de Waltz mostra que o comportamento dos Estados induzido pelo 
sistema seria manter sua posição e não buscar maximizar poder. Os atores, segundo 
esse pensamento, raramente podem se dar ao luxo de transformar a maximização de 
poder em seu principal objetivo visto que eles estão preocupados em manter suas 
posições e sobreviver (ELMAN, 2007). 
Essa ideia de manter posições e proteger os seus interesses leva, então, os 
Estados a agirem defensivamente segundo o argumento de Mearsheimer. Por isso, o 
realismo desse autor seria chamado de realismo ofensivo. Na visão de Mearsheimer 
(2001), a melhor maneira de um Estado sobreviver no Sistema Internacional, que é 
anárquico, seria se tornando o mais forte de todos. 
É importante destacar que a teoria do realismo ofensivo possui cinco 
suposições: 
“[...] the international system is anarchic; great powers inherently 
possess some offensive military capability, and accordingly can damage 
each other; states can never be certain about other states’ intentions; 
survival is the primary goal of great powers; and great powers are 
rational actors. “ (ELMAN, 2007, p 22)4 
 
O autor explica que nenhuma dos pressupostos da citação acima exige que os 
Estados se tornem agressivos ou passem a agir de maneira agressiva. Entretanto 
 
“[...] when the five assumptions are married together, they create 
powerful incentives for great powers to think and act offensively with 
regard to each other. In particular, three general patterns of behavior4 “[...] o sistema internacional é anárquico; grandes potências possuem inerentemente alguma 
capacidade militar ofensiva e, consequentemente, podem prejudicar umas às outras; os estados nunca 
podem ter certeza sobre as intenções de outros estados; a sobrevivência é o objetivo principal das 
grandes potências; e grandes potências são atores racionais. “ (ELMAN, 2007, p 22) 
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result: fear, self-help, and power maximization.“ (MEARSHEIMER, 
2001, P. 32)5 
 
 Mearsheimer deduz que que as grandes potencias se temem mutuamente; que 
elas podem confiar apenas em si mesmas para cuidar da sua segurança e que a 
melhor estratégia para os Estados garantirem a sua própria sobrevivência é maximizar 
poder relativo (MEARSHEIMER, 2001; ELMAN, 2007). Assim, os atores só agiriam 
ofensivamente em relação a outros quando a combinação do chamado medo e da 
autoajuda se tornarem latente o suficiente para gerar uma ação. 
Uma leitura que se pode fazer dessa ideia é a de que o Estado não sabe como 
o outro vai utilizar seu poder, se existe ou não a intenção de atacar. Como não existe 
uma autoridade central a quem possam recorrer caso algo aconteça, as potências 
vivem com medo e esse medo faz com que elas busquem garantir sua própria 
sobrevivência, sua própria segurança, mesmo que para isso tenham que agir 
ofensivamente. E é a partir dessa visão que se pode fazer uma interpretação para a 
atuação russa na crise ucraniana, que culminou na anexação da Crimeia. 
A Rússia, enquanto ator racional do sistema, buscou maximizar poder e agiu 
ofensivamente em relação a Ucrânia, anexando um território e mantendo tropas 
russas no mesmo, porque a combinação medo e autoajuda atingiu um ponto máximo 
no seu exterior próximo com o avanço da OTAN e da União Europeia (e os Estados 
Unidos) que culminou na derrubada de Yakunovich e na ascensão de um governo 
pró-Ocidente. 
Se levar em conta que as grandes potências pensam estrategicamente, como 
pontuou Mearsheimer, pode-se entender a interpretação que Moscou sempre fez da 
Ucrânia como uma área estratégica entre a Europa e a Ásia, que faz parte do espaço 
pós-soviético e da sua área de influência “natural”, que serve de caminho para o 
transporte de gás até os países europeus. Analisando estrategicamente, Kiev possui 
uma importância para os russos que leva esses agirem em prol da defesa dos seus 
interesses e da sua segurança seja econômica, militar ou energética. Assim, na 
ausência de uma autoridade central ou de outro Estado a quem possa recorrer para 
 
5 “[...] quando os cinco pressupostos são casados, eles criam incentivos poderosos para 
grandes potências pensarem e agirem ofensivamente em relação uns aos outros. Em particular, três 
padrões gerais de comportamento resultam: medo, autoajuda e maximização de poder. 
“(MEARSHEIMER, 2001, P. 32) 
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manter sua segurança e seus interesses, os russos responderam da única maneira 
possível em um mundo de medo, anarquia e sem autoajuda: ofensivamente e 
buscando manter sua sobrevivência. 
 
3. A atuação russa a luz dos Complexos Regionais de segurança: ameaças, 
identidades e relações históricas 
McDonald (2007) destaca que os construtivistas concordam que a segurança é 
uma construção social, porém alguns autores não conseguem explicar como essa 
funciona ou como se constrói e enquanto que a outra parte evita lidar com o assunto. 
É a chamada Escola de Copenhague que avançou para desenvolver uma teoria mais 
coerente nos estudos da área de segurança e também incluiu uma série de outros 
temas na agenda pós-Guerra Fria. 
A Escola de Copenhague se concentrou em como a segurança é dada por meio 
de processos intersubjetivos e pelos efeitos políticos das construções de segurança 
(MCDONALD, 2007, p 68, tradução livre). Trabalhos como de Buzan e Wæver 
apresentaram temas como Complexos Regionais de Segurança (CRS) e 
securitização. Desses temas, a ideia de complexos regionais de segurança é a mais 
importante para esse trabalho. 
A definição de complexo regional de segurança é apresentada pelos próprios 
autores e pode ser considerado um conjunto de unidades cujos principais processos 
de securitização, dessecuritização, ou ambos, estão interligados de maneira que seus 
problemas de segurança não podem ser analisados ou resolvidos separados uns dos 
outros (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 44). 
Os Complexos Regionais de Segurança (CRS) se constituem a partir de uma 
mistura das abordagens materialistas e construtivistas. Isso acontece porque os 
padrões de socialização dos Estados e a distribuição de poder regional e global são 
pontos fundamentais para as leituras feitas a partir dos CRS (BUZAN; WÆVER, 
2003). 
“[...] because both the neorealist and the regionalist approaches are 
rooted in territoriality and security, we see RSCT as complementary to 
the neorealist perspective on system structure, in a sense providing a 
fourth (regional) tier of structure. But our regional focus and even more 
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our use of a constructivist understanding of security place us outside the 
neorealist project.“ (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 11)6 
 
Os autores também apresentam suas definições de grande potência, 
superpotência e potencias regionais visto que elas influenciam na classificação dos 
Complexos Regionais de segurança. Esses CRS podem ser padrão ou centrado no 
qual os centrados ainda podem ser divididos em: (i) unipolares, no sentindo que polo 
é uma grande potência; (ii) unipolar naquela em que o polo é uma superpotência ou 
(iii) centrados, mas integrados por instituições e não por um poder regional (BUZAN; 
WÆVER , 2003). 
No caso dos CRS apresentados por Buzan e Wæver, os dois mais importantes 
para esse trabalho são o Europeu e o chamado pós-soviético que se encontram 
próximos e dividem o continente europeu. Os autores argumentam que que o padrão 
da política europeia pós-queda do muro de Berlim é como centro x periferia onde 
quase todos aqueles que não são membros aspiram por uma vaga na União Europeia 
(UE) e na OTAN porque 
 
“The West is their anchor of stability – the source of ‘security guarantees’ 
as well as prosperity. However, the relationship is also a source of 
security concerns, especially with far-reaching intrusions of Western 
organisations into domestic decision-making in the applicant countries. 
“ (BUZAN; WÆVER, 2003, p 365)7 
 
Os autores, nessa discussão, pontuam como a Rússia é apresentada como 
uma ameaça aos países europeus e devido as experiências históricas e a utilidade 
que esse argumento possui, eles consideram que a ameaça russa continuará sendo 
invocada e continuará securitizada. Também destacam o avanço da OTAN e da União 
Europeia em direção ao leste da continente argumentando que a categoria de Europa 
do Leste irá se mover ainda mais para leste conforme ocorre a expansão e que países 
 
6 “[...] porque tanto a abordagem neorrealista quanto a regionalista estão enraizadas na 
territorialidade e na segurança, vemos o RSCT como complementar à perspectiva neorrealista sobre a 
estrutura do sistema, em certo sentido fornecendo uma quarta camada (regional) de estrutura. Mas 
nosso enfoque regional e ainda mais nosso uso de uma compreensão construtivista de segurança nos 
colocam fora do projeto neorrealista. ”(BUZAN; WÆVER, 2003, p. 11) 
7 “O Ocidente é a sua âncora de estabilidade - a fonte de‘ garantias de segurança ’, bem como 
de prosperidade. No entanto, a relação é também uma fonte de preocupações de segurança, 
especialmente com intrusões de longo alcance de organizações ocidentais na tomada de decisões 
internas nos países candidatos. “(BUZAN; WÆVER, 2003, p 365) 
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como Geórgia e Ucrânia podem ser tornar membros e, caso isso ocorra, eles serão 
considerados parte da mesma agenda que a Europa Ocidental (BUZAN; WÆVER,, 
2003). Enquanto isso, do outro lado temos o complexo regional de segurança pós-
soviético que 
RSC is clearly centred on a great power. Russia was until recently a 
superpower, and is still a great power. It neighbours two other RSCs 
containing great powers – EU-Europe centred on the EU, and theAsian 
great power complex with China and Japan – and one standard complex 
– the Middle East. In contrast to most other regions of the world, the one 
superpower, the USA, plays less of a role in this region, although a 
question mark has emerged in Central Asia and the Caucasus, mostly 
due to oil interests and, after September 2001, the war on terrorism. “ 
(BUZAN; WÆVER, 2003, p 398)8 
 
Argumentam que a ideia de um entorno regional ou exterior próximo como 
prioridade russa começou a surgir em 1992 e virou uma política oficial de Estado em 
1993. Com isso, as antigas repúblicas da União Soviética passaram a ser definidas 
como uma esfera de interesses russa e justifica, em parte, a ideia de defender as 
minorias russas fora do território. Essa política por parte da Rússia, a nível global, tem 
promovido a ideia de multipolaridade e resiste, assim, a ideia de uma unipolaridade 
americana (BUZAN; WÆVER, 2003). 
Apesar dessa política, Buzan e Wæver (2003) destacam que a maioria das ex-
repúblicas soviéticas enxergam a Rússia como uma ameaça e o GUAAM – uma 
cooperação entre Geórgia, Ucrânia, Uzbequistão, Azerbaijão e Moldávia – é um 
exemplo dessa realidade. Dentre esses atores pode-se destacar a Ucrânia visto que 
os próprios autores defendem que o relacionamento russo-ucraniano poderia ser 
motivo de conflitos no futuro apesar da estabilidade das relações no início dos anos 
2000. 
Analisando o espaço europeu e suas fronteiras a luz da teoria de CRS 
encontramos dois complexos que dividem o continente e possuem ideias de 
segurança divergentes. O complexo europeu não possui uma potência mais 
 
8 O CRS está claramente centrado em um grande poder. A Rússia era até recentemente uma 
superpotência e ainda é uma grande potência. É vizinho de duas outras CRSs contendo grandes 
potências - UE-Europa centrada na UE, e o complexo das grandes potências asiáticas com a China e 
o Japão - e um complexo padrão - o Oriente Médio. Em contraste com a maioria das outras regiões do 
mundo, a única superpotência, os EUA, desempenha um papel menor nesta região, embora um ponto 
de interrogação tenha surgido na Ásia Central e no Cáucaso, principalmente devido aos interesses do 
petróleo e, após setembro de 2001, a guerra contra o terrorismo. “(BUZAN; WÆVER, 2003, p 398) 
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importante porque União Europeia, principalmente, e OTAN são os atores mais 
importantes para esse, mas no caso pós-soviético a potência mais importante é a 
Rússia. Dessa forma, temos um complexo que avança em direção a outro e isso 
explica o porquê da atuação russa na Ucrânia. 
Mesmo com o GUAAM, as relações entre ucranianos e russos se mantiveram 
próximas e ambos se encontram dentro do mesmo complexo regional de segurança 
que é o pós-soviético. A ideia de uma Ucrânia, ou até mesmo da Geórgia, fazendo 
parte da OTAN ou assinando um acordo com a União Europeia seria um avanço do 
CRS europeu para as fronteiras dos russos e do CRS pós-soviético. 
Os próprios Buzan e Wæver (2003) destacaram que o alargamento da OTAN 
tornou visível a divisão entre russos e Ocidente em termos de segurança comum já 
que a ideia de segurança de cada um deles é diferente da do outro. E essa mesma 
divisão acabou se tornando um peso no relacionamento entre os dois complexos que 
poderia resultar em um conflito. Esse conflito acontece justamente na Ucrânia mesmo 
que de maneira indireta. 
A Rússia, apesar do fim da Guerra Fria, continua sendo apresentada e 
considerada uma ameaça a Europa – como já foi citado anteriormente – e esse 
discurso ainda é invocado para justificar ações. Com isso, a postura russa de anexar 
a Crimeia e intervir na crise ucraniana pode ser interpretada como uma forma de se 
posicionar contra esse discurso que também afeta sua segurança e ao avanço do 
complexo regional de segurança europeu para o complexo regional de segurança pós-
soviético. 
 
4. Considerações Finais 
A crise ucraniana se tornou um dos principais assuntos nos jornais e trabalhos 
acadêmicos ganhando uma notoriedade ainda maior com anexação da Crimeia. O 
intuito desse trabalho foi analisar a atuação da Rússia nessa questão como uma 
resposta a ação do Ocidente (nesse caso União Europeia, OTAN e Estados Unidos) 
e nas duas teorias utilizadas, a Ucrânia é entendida como um território importante para 
Moscou seja como parte da sua esfera de influência, da sua segurança ou 
compartilhando uma identidade construída ao longo da história. A partir desse ponto, 
conduzimos as análises que culminam na questão da segurança ou perpassam essa. 
2301ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
14 
 
Na leitura da ação russa a partir do realismo ofensivo, a atuação da Rússia 
pode ser justificada através de uma combinação de medo e na qual não havia nenhum 
outro Estado ou entidade superior a quem os russos pudessem recorrer quando se 
sentiram ameaçados. Logo, Moscou agiu da única forma possível numa leitura 
ofensiva que era maximizando poder, agindo para garantir sua sobrevivência e 
pensando estrategicamente visto a importância que o território ucraniano. 
Enquanto isso, através da ideia de complexos regionais de segurança (CRS), 
a atuação da Rússia nessa crise pode ser também compreendida como uma questão 
de segurança visto que o complexo regional europeu estaria adentrando nas fronteiras 
que marcam o complexo regional pós-soviético. Os dois complexos possuem visões 
diferentes sobre segurança, ameaça, securitização e essa incompatibilidade de 
entendimento tornou o relacionamento intricando ao ponto de resultar em um conflito 
na Ucrânia mesmo que de maneira indireta. 
Mesmo com argumentos distintos que cada teoria possui, a questão da 
segurança pode ser considerada como recorrente e importante para ambas na leitura 
desenvolvida mesmo que partam de pontos diferentes. É necessário destacar ainda 
que apesar das conclusões e das direções que esse paper aponta, outras abordagens 
e outras teoria podem conduzir a entendimentos diferentes no que tange a atuação 
russa e até mesmo a anexação da Crimeia. 
Mesmo que o enfoque tenha sido o início da crise ucraniana até a anexação da 
península da Crimeia, os conflitos ainda ocorrem na Ucrânia e diversos países não 
oficializaram a anexação conduzida pelo governo russo. Assim, esses fatos mostram 
que o assunto é extenso, aberto a outras interpretações e suas consequências ainda 
estão ocorrendo. 
 
REFERÊNCIAS 
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em:<https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/02/140220_ucrania_importancia
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POTY, Italo Barreto. Uma Análise Histórica e Geopolítica da Ucrânia no Pós-
Guerra Fria sob o Prisma da Longa Duração. Dissertação (Mestrado em Economia 
Política Internacional). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018, 
106p. 
 
2303ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
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poder russa e a questão étnico-cultural. Dissertação (Mestrado em Economia 
Política Internacional). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2016, 
117p. 
 
2304ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
1 
 
 
 
5º SEMINÁRIO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM 
RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA ABRI 
 
09-11 novembro 2020 
Evento Online 
 
 
AT: Teoria das Relações Internacionais 
 
 
A UNIVERSALIZAÇÃO DA CRIANÇA OCIDENTAL 
NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS 
Leonardo Rodrigues Taquece 
 
 
Programa Interinstitucional (Unesp, Unicamp e PUC-SP) de 
Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2020 
2305ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
2 
 
 
 
RESUMO 
 
O que é a criança na dimensão política e corpórea dos estudos de Relações 
Internacionais? Este trabalho busca analisar e discutir a criança enquanto categoria 
universal e sua relação com a Modernidade nas Relações Internacionais a partir 
das políticas e discursos internacionais de proteção à infância. Propõe-se uma 
discussão acerca da universalização de uma infância enquanto categoria social, e 
da criança enquanto ser político; destrinchando a construção e desconstrução 
dessas categorias. Considerando que a educação está diretamente relacionada à 
infância, também é colocada em pauta a escolarização ocidental e a imposição da 
cultura e conhecimentos ocidentais, contribuindo para a desestruturação de 
comunidades com culturas diferentes e a inserção desigual dessas comunidades 
no capitalismo global. Mostrando as mudanças que ocorreram na Sociologia da 
Infância e trazendo os debates epistemológicos que buscam desconstruir essa 
universalização, é feita uma relação dessa temática com o debate teórico dentro 
das Relações Internacionais utilizando a perspectiva decolonial. 
 
Palavras-chave: Criança, Decolonial, Modernidade. 
 
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3 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
ACNUR Organização das Nações Unidas 
CICV Comitê Internacional da Cruz Vermelha 
ONU Organização das Nações Unidas 
 
 
 
 
 
2307ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
1 Introdução do tema e justificativa 
O presente artigo é pautado no projeto de pesquisa desenvolvido no 
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas 
(UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e financiado pela Coordenação de 
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), intitulado “A criança nas 
Relações Internacionais: uma análise pós-colonial sobre as políticas de proteção à 
criança”. Elaborado pelo aluno Leonardo Rodrigues Taquece sob orientação da 
Profa. Dra. Fernanda Mello Sant’Anna (Universidade Estadual Paulista “Júlio de 
Mesquita Filho”), a pesquisa tem previsão de defesa para fevereiro de 2020. 
Há um consenso sobre o que é uma criança? Nas diversas sociedades que 
compõem nossa sociedade internacional, há uma definição universal do que é a 
infância para os seus indivíduos? Ao propor uma análise da criança enquanto 
categoria universal e sua relação com a Modernidade nas Relações Internacionais, 
este trabalho não só busca destrinchar as políticas e discursos internacionais de 
proteção à infância, como também entender as consequências dessa 
universalização para as comunidades não modernas. 
A criança nas Relações Internacionais ainda é uma discussão exploratória a 
partir do momento de que não há inserção real da criança nos debates 
(epistemológicos e práticos) da disciplina além da sua proteção. A ideia mais aceita, 
de que uma criança é um ser em formação, possui algumas complicações: ela é 
menos ser do que o adulto? O próprio fenômeno da violência contra a criança 
levanta um questionamento importante: quais as diferenças entre cometer um ato 
de violência contra um indivíduo considerado adulto e uma criança? Este trabalho 
não busca dizer que crianças não deveriam ser protegidas, mas questiona qual é o 
conceito de criança que está sendo protegido. 
Como se diferencia a “criança” do “adulto”? Sim, há uma diferença biológica 
e o corpo do indivíduo se forma ao longo dos anos, junto com suas capacidades 
cognitivas e demais funções. Todavia, quando uma criança nasce, há alguma forma 
de acompanhar seu processo real? Quando ela se torna um adulto? O que define 
sua liberdade e autonomia? Em tese, aceitamos o conhecimento de que os pais 
devem ensinar seus filhos, mas não há um momento específico na vida de todos os 
indivíduos onde seja possível afirmar que atingiram uma vida considerada “adulta”. 
Ritos de passagem socializam os membros mais jovens desde o início da vida 
humana, e o conceito de criança é algo que está sendo formado desde então. 
2308ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
Todavia, desde a ascensão dos movimentos iluministas no final do Século XIX, 
nota-se uma universalidade sobre o que é ser uma criança na sociedade moderna. 
Essa divisão da vida “adulta” da “infância” é dada como natural, mas os rituais 
que separam crianças de adultos são puramente sociais. No século XVI, por 
exemplo, os portugueses se impressionaram com os modelos de socialização entre 
os tupinambás, em particular, os elos sociais e integração das crianças no 
funcionamento de sua sociedade. A sociedade tupinambá, ao contrário dos 
europeus, era estruturada por uma educação mais ativa por parte de seus membros 
mais jovens, fugindo da ideia mais tradicional de adultos ensinando crianças. 
Mesmo após nascer, esses indivíduos tinham responsabilidades e autonomia que 
eram inéditas para o europeu (THOMAS, SOARES, 2014). 
Reconhecidos como “homúnculos” ao invés de crianças pelos portugueses, 
a idade de ‘transição’ para a função social que hoje seria vista como a de um adulto 
em suas aldeias também era bem diferente do que conhecemos hoje. O termo 
“arqueológico”, essencialmente pós-moderno, se aplicou aos mais jovens que não 
se assemelhavamem nada aos jovens que os europeus conheciam em sua 
sociedade. O surgimento do termo “homúnculos”, no coração da Amazônia, é fruto 
de vários preconceitos que os colonizadores tiveram ao se deparar com aquela 
realidade totalmente diferente do que estavam acostumados (DOS SANTOS, 2006). 
Esse é apenas um exemplo de várias instâncias onde uma definição de 
criança tida como universal para uma sociedade não se aplicava à realidade de 
outro nicho social. Com o advento da Modernidade e a globalização das sociedades, 
a ideia de uma categoria universal se tornou bem mais recorrente ao se discutir a 
criança, mas a armadilha continua ali: não há como definir o que é uma criança, por 
si só, para todos os indivíduos de diversas sociedades. 
Com o objetivo de destrinchar essa problemática e debater a criança nas 
Relações Internacionais através de uma análise pós-colonial sobre as políticas de 
proteção à criança, esse trabalho almeja entender como o fenômeno da criança é 
interpretado pela comunidade internacional e quais são as consequências dessa 
universalização. 
 
2 Revisão bibliográfica 
Como base dessa pesquisa científica, há uma revisão bibliográfica de 
autores sobre as temáticas que vão ser abordadas no decorrer dos capítulos. A 
2309ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
síntese do projeto busca apresentar esses autores e suas contribuições para os 
questionamentos desse trabalho, com o objetivo de estabelecer o fio condutor que 
será seguido. 
Allison M. S. Watson (2006) defende a importância de estudar os menores 
de dezoito anos como atores na disciplina de Relações Internacionais ao afirmar 
que o reconhecimento da participação de crianças no cenário internacional depende 
da desconstrução de uma concepção de infância compartilhada pelo mundo inteiro. 
Buscando expandir o estudo e a concepção de crianças nos estudos de segurança 
na disciplina, a concepção de infância deve ir além da natureza e adentrar o 
espectro socioeconômico da criança perante o sistema internacional. 
A condição da infância é tradicionalmente vista como o ser que carece de 
agência, sem voz para se expressar e, por isso, não considerados cidadão políticos 
da sociedade civil. Elas são compreendidas majoritariamente como objetos de 
proteção dos Estados, uma ideia inerente à cultura ocidental de que as crianças não 
possuem razão instrumental para julgar suas ações (PLATTNER, 1984; WATSON, 
2006). 
Maria Montessori (1870-1952), por exemplo, observa que em outras culturas 
o tratamento da criança é uma questão cultural, apresentando que várias 
características que se percebiam como universais em relação à criança são, na 
verdade, próprias da sociedade em que se originaram. Segundo a visão pedagógica 
da pesquisadora italiana, a criança não é um pretendente a adulto, um ser 
incompleto. Ela afirma que desde seu nascimento a criança já é um ser humano 
integral, o que inverte o foco da infância tradicional onde a educação é focada na 
imagem do professor, do adulto que ensina. 
Montessori defendia que a educação é uma conquista da criança, de que a 
individualidade, atividade e liberdade do aluno são as bases de sua teoria que ela 
considerava inerente a todos os seres humanos. Para ela, a criança possui o 
potencial de ensinar a si mesma se tiverem as condições de individualidade e 
liberdade para isso. 
A visibilidade social da infância e das crianças é uma temática abordada por 
Manuel Jacinto Sarmento e Manuel Pinto em sua obra (1997), onde tentam definir 
conceitos e delimitar o campo da infância. Quando que as problemáticas associadas 
à infância entram em evidência e se tornam parte da pauta internacional? As 
crianças existiram desde o primeiro ser humano, mas a infância como construção 
2310ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
social é um conjunto de representações sociais e de crenças que aparece desde os 
séculos XVII e XVIII. A importância recente em todo o mundo (QVORTRUP, 1995), 
todavia, surge junto com as novas circunstâncias e condições à vida das crianças 
na Modernidade, junto com a necessidade de inserção social da infância. Os 
paradoxos da infância (em sua definição e na agenda internacional) são debates 
que devem ser apreciados para tentar entender esse fenômeno social. 
Desde 1989, pode-se dizer que há um conjunto de direitos fundamentais 
estabelecido através da aprovação pelas Nações Unidas da Convenção dos 
Direitos da Criança, considerados próprios e inalienáveis para todas as crianças dos 
países signatários. No entanto, mesmo com a adesão global da ideia de que 
crianças deveriam ser protegidas, esses direitos não foram suficientes para garantir 
uma melhoria substancial das condições de vida para os menores de dezoito anos 
(SARMENTO, PINTO, 1997). 
“Before we can answer what are the rights of such children and 
youth, we must ask (1) what constitutes a child, or "when is a 
kid a kid?"; and (2) the related question, "when is a kid a moral 
agent?". Finally (3), what do the answers to those first two 
questions mean for how we understand children's rights?” —
 READ, Kay (2002)1. 
Quando uma criança é uma criança? Quando essa criança tem agência? A 
autora Kay Read (2002) traz uma análise histórica dos modelos socioeconômicos 
da América Central em seu debate sobre os direitos das crianças na guerra civil de 
El Salvador, demonstrando a importância de entender o plano de fundo no qual 
cada indivíduo está para então discutir quais são as respostas dessa pergunta. 
Novamente, questiona-se: há um consenso sobre o que é ser uma criança? 
Mesmo que diversas perspectivas acadêmicas acerca da temática infância e ciência 
existam, não é possível estabelecer uma definição universal que satisfaça todas as 
necessidades teóricas e englobe todas as particularidades da criança na sociedade 
moderna. Anthony Volk (2011) foge da análise histórica tradicional em seu ensaio 
publicado no Journal of the History of Childhood and Youths, onde ele utiliza da 
 
 
 
1 “When Is a Kid a Kid? Negotiating Children's Rights in El Salvador's Civil War”. 
2311ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
teoria de evolução para tentar estabelecer uma perspectiva científica na história da 
criança no mundo. 
Já para o autor Tamar Schapiro2, as formas convencionais de se classificar 
indivíduos como “adultos” e “crianças” é questionada por uma perspectiva mais 
filosófica a partir do momento de que há um tratamento diferente para cada. A 
estipulação de que todos os menores de dezoito anos são crianças não é suficiente 
para estabelecer quando a criança deve ser tratada como adulta nos moldes da 
sociedade contemporânea. Não é apenas um debate biológico, e sim um debate 
moral. Quando um adulto está justificado de impor sua vontade sobre uma criança? 
Quando uma criança pode tomar suas próprias decisões? Essas questões de 
Schapiro abrem uma discussão bem mais profunda sobre a individualidade da 
criança. 
Em paralelo à discussão sobre a criança, uma apreciação acerca da literatura 
do campo de Relações Internacionais e seus debates teóricos é feita a partir de 
textos de autoras feministas como Cynthia Enloe (1990), Gayatri Spivak (1988) e 
Lauren Sheperd (2009), que ajudam a promover uma reflexão em torno das noções 
básicas por trás das discussões do conceito de Segurança na área e suas limitações 
— principalmente por falta de lugar de fala para as vozes marginalizadas pelas 
relações de poder internacionais. Enloe será apreciada para questionar as 
narrativas clássicas das Relações Internacionais e introduzir as contribuições das 
teorias feministas para a disciplina, entendendo que as abordagens feministas e de 
gênero conseguem desafiar a ótica tradicional de segurança e política internacional. 
Assim, abrindo novos caminhos em contramão das inúmeras certezas 
clássicas disciplinares das Relações Internacionais,sobretudo no que tange às 
concepções de segurança e poder, apresenta-se a obra “Can the subaltern speak?” 
de Spivak com o intuito de questionar quem, de fato, pode falar na disciplina e como 
que esse descompasso no lugar de fala influencia os discursos de representação 
no âmbito internacional. Por fim, Sheperd será discutida para melhor entender a 
variedade ampla de teorias feministas e de gênero no campo de Relações 
Internacionais, além de estabelecer a relevância do arcabouço teórico feminista ao 
analisar políticas globais contemporâneas. 
 
 
 
2 SCHAPIRO, Tamar (1999). What Is a Child? Ethics, 109 (4): 715-38 
2312ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
Chandra Talpade Mohanty (1991), que aborda as mulheres do “Terceiro 
Mundo”, afirma que a colonização foi utilizada para caracterizar tudo que 
conhecemos, desde as estruturas mais evidentes na economia e hierarquias 
políticas até a produção de discursos culturais mais específicos, como a própria 
ideia de um “Terceiro Mundo”. É nesse contexto que a pesquisa se apoia nos 
debates do pós-colonialismo para buscar uma perspectiva mais holística. Aníbal 
Quijano (2000) é apreciado para estabelecer um arcabouço teórico e entender a 
reprodução da Colonialidade de Poder, conceito apresentado pelo próprio autor. 
Sob a ótica de Quijano, a Colonialidade de Poder define um dos elementos 
fundamentais para a manutenção do atual padrão de poder, que é a classificação 
social básica e universal da população do planeta em torno da ideia de “raça” como 
fundamento do padrão de classificação social básica e de dominação social. Essa 
dominação segue um viés evolucionista linear e unidirecional, corroborado por 
várias estruturas que seguem essa estratégia do poder. O autor defende que a 
globalização em curso é, em primeira instância, a culminação de um processo 
identitário que começou com a formação da América e do capitalismo moderno. O 
arcabouço decolonial aborda a matriz ocidental e liberal como um novo padrão de 
poder mundial, onde um dos principais eixos desse padrão é a classificação social 
da população mundial de acordo com identidades oriundas das construções 
mentais da época colonial, permeando desde então nas dimensões mais 
importantes do poder mundial (QUIJANO, 2000). 
Esse padrão de poder mundial traz a colonialidade como resultado do que 
se perpetuou com o colonialismo — padrões de comportamento culturais, sociais e 
simbólicos que se mantém após o fim da relação colonial. Isso evidencia uma 
incapacidade do materialismo histórico em incorporar outros eixos de poder 
exploradores à imposição de uma classificação, seja por raça, gênero ou trabalho 
da população humana. Através da negação da humanidade às pessoas colonizadas 
e escravizadas a partir da construção de pensamentos binários como 
natureza/cultura à dicotomia hierárquica entre o humano e o considerado “não-
humano”, essa colonialidade influencia até hoje a forma com que as sociedades 
periféricas são vistas pelo sistema internacional. No âmbito do Direito Internacional, 
é possível argumentar que as consequências do Colonialismo se provaram mais 
duradouras e estáveis que o Colonialismo em si - cuja matriz foi estabelecida 
(QUIJANO, 2000). 
2313ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
Implica-se, então, que há um elemento de colonialidade no padrão de poder 
das organizações internacionais e Estados na atualidade (QUIJANO, 2000). Outro 
autor, Escobar (2011), desconstrói o discurso do desenvolvimento a partir de uma 
crítica radical à modernidade. Não somente um programa de investigação 
modernidade/colonialidade, como nomeia Arturo Escobar, o arcabouço decolonial 
não busca trazer todas as respostas, e sim fazer novas perguntas sob a ótica local 
de sociedades que ainda sofrem com a colonialidade. 
Mignolo (2003) discorre que o “Novo Mundo” abre uma etapa de imposições 
culturais sem precedentes onde as sociedades colonizadas se viram forçadas a 
absorver os valores e costumes europeus, além de assimilar seus símbolos, rituais 
e língua. Enquanto isso, os colonizadores pouco (ou nada) consideraram as 
peculiaridades locais dos países que colonizaram, o que fortaleceu ainda mais a 
matriz colonial que negou brutalmente a percepção dos colonizados. É por isso que, 
para entender os discursos analisados nesse trabalho, as Revoluções Americana 
(1765 – 1783) e Francesa (1789 – 1799) são destrinchadas para melhor entender 
os valores disseminados por essas matrizes. 
 
3 Objetivos 
3.1 Objetivo Geral 
Analisar como as políticas internacionais de proteção da criança à partir de 
1948 se pautam em uma categoria universal moderna da criança nas Relações 
Internacionais. 
 
3.2 Objetivos Específicos: 
• Discutir as políticas de proteção à criança nas Relações Internacionais e 
como elas abordam a violência contra crianças. 
 
• Analisar a construção da categoria universal de criança nas Relações 
Internacionais e compreender o debate epistemológico pós-colonial sobre a 
desconstrução de categorias universais. 
 
• Debater as consequências da universalização da categoria de criança por 
meio dos exemplos de Crianças-Soldado e Crianças-Refugiadas 
 
2314ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
 
4 Metodologia e estrutura 
A hipótese desse trabalho é de que, dentro do plano da Modernidade, há 
uma universalização da criança e do conceito de infância nas Relações 
Internacionais baseada na Sociologia da Infância ocidental — e de que essa 
universalização tem consequências para a sociedade internacional, principalmente 
os países considerados do “Terceiro Mundo”. Para tal, propõe-se uma análise 
documental de todas as declarações, convenções e tratados que abordam a 
juventude e infância por parte das Nações Unidas entre a Declaração Universal dos 
Direitos Humanos (1948) até o momento onde surge a definição de Criança-Soldado 
adotada pelo Protocolo Facultativo para a Convenção sobre os Direitos das 
Crianças da Assembleia Geral das Nações Unidas (2000). 
Para definir os documentos que seriam analisados, utilizou-se o 
levantamento oficial do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das 
Nações Unidas (UN DESA) sobre a criança no âmbito do Secretariado das Nações 
Unidas para estabelecer o escopo oficial das instâncias onde a juventude e infância 
foram pautas internacionais. Além disso, a linha do tempo (1948-2000) foi escolhida 
a partir da estruturação dos direitos humanos por meio da Declaração Universal 
dos Direitos Humanos (DUDH) até o momento onde a definição de Criança-Soldado 
é adotada pelo Protocolo Facultativo acerca do emprego direto e indireto de 
pessoas menores de 18 anos em conflitos armados por acreditar que há uma 
mobilização das organizações internacionais e dos Estados signatários para 
erradicar essa prática através de tratados, legislações domésticas e 
comprometimentos internacionais sob a pauta dos Direitos Humanos e proteção das 
crianças. 
 
Tabela 1: Lista de documentos analisados 
Declarações, convenções e tratados sobre juventude e infância das Nações 
Unidas 
Universal Declaration of Human Rights 1948 
Declaration on the Promotion among Youth of the Ideals of 
Peace, Mutual Respect and Understanding between Peoples 
1965 
International Covenant on Civil and Political Rights 1966 
2315ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
International Covenant on Economic, Social and Cultural 
Rights 
1966 
The Convention on the Rights of the Child 1979 
The Convention on the Elimination of All Forms of 
Discrimination Against Women 
1979 
United Nations Guidelines for Further Planning and Follow-Up 
in the Field of Youth 
1985 
United Nations Standard Minimum Rules for the Administration 
of Juvenile Justice (The Beijing Rules) 
1985 
Declaration on the Right to Development 1986 
United Nations Rules for the Protectionof Juveniles Deprived 
of their Liberty 
1990 
United Nations Guidelines for the Prevention of Juvenile 
Delinquency (The Riyadh Guidelines) 
1990 
The Rio Declaration on the Environment and Development and 
Agenda 21 
1992 
The Vienna Declaration and Programme of Action 1993 
Programme of Action of the International Conference on 
Population and Development 
1994 
Copenhagen Declaration and Programme of Action of the 
World Summit for Social Development 
1995 
World Programme of Action for Youth to the Year 2000 and 
Beyond 
1995 
Platform for Action of the Fourth World Conference on Women 1995 
The Habitat Agenda and The Istanbul Declaration of the 
Second United Nations Conference on Human Settlements 
(Habitat II) 
1996 
Rome Declaration on World Food Security and World Food 
Summit Plan of Action of the World Food Summit 
1996 
Braga Youth Action Plan 1998 
Lisbon Declaration on Youth Policies and Programmes 1998 
ILO Declaration on Fundamental Principles and Rights at Work 1998 
Special Session on Social Development (Copenhagen+5), 2000 
2316ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
Geneva 
Optional Protocol to the Convention on the Rights of the Child 
on the involvement of children in armed conflict 
2000 
Fonte: elaboração própria a partir da base de dados da UN DESA. 
 
Não obstante, com o objetivo de complementar a análise documental dessas 
fontes primárias, o Estado da Arte sobre a Sociologia da Infância será apreciado 
junto com as literaturas pós-coloniais e feministas para melhor analisar a construção 
da categoria universal de criança nas Relações Internacionais e compreender o 
debate epistemológico pós-colonial sobre a desconstrução de categorias universais. 
Mesmo sendo um trabalho da área de Paz, Defesa e Segurança 
Internacional; é necessário um debate teórico das Relações Internacionais para 
então fazer uma análise específica acerca das causas da violência que a criança 
sofre nas sociedades contemporâneas e as políticas para sua proteção. Além dos 
elementos pré e pós-textuais, três capítulos distintos serão redigidos com o objetivo 
de apresentar a análise documental para depois promover uma revisão 
bibliográfica, o que possibilita o debate sobre as consequências da universalização 
da categoria de criança por meio dos exemplos de Crianças-Soldado e Crianças-
Refugiadas. A estrutura dos capítulos será apresentada a seguir. 
 
5 Cronograma 
Tabela 1: Cronograma de atividades 2020.2 e 2021.1 
2020.2 Ago Set Out Nov Dez 
Qualificação 
Escrever o primeiro capítulo (1º) 
Revisões e reuniões com orientador sobre o 
Capítulo 1 
 
Fichamento da análise documental sobre a 
Criança nas Relações Internacionais 
 
Revisão bibliográfica: segundo capítulo (2º) 
Escrever o segundo capítulo (2º) 
Enviar Capítulo 1 em formato de artigo p/ 
publicação 
 
2317ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
 
2021.1 Jan Fev Mar Abr Mai 
Escrever o segundo capítulo (2º) 
Revisões e reuniões com orientador sobre o 
Capítulo 2 
 
Revisão bibliográfica: terceiro capítulo (3º) 
Enviar Capítulo 2 em formato de artigo p/ 
publicação 
 
Escrever o terceiro capítulo (3º) 
Revisões e reuniões com orientador sobre o 
Capítulo 3 
 
Redação dos elementos pré e pós-textuais, da 
introdução e da conclusão 
 
Revisões finais com orientador 
Defesa 
Ajustes finais solicitados pela banca 
Fonte: elaboração própria 
 
 
 
2318ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
6 Referências 
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2319ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
 
 
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Protocolo II Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949, 
relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Não Internacionais, 
adotado pela Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento 
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2321ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
5º Seminário de Pós-Graduação em Relações Internacionais da ABRI 
 
Área Temática: Teoria das Relações Internacionais 
 
 
 
 
 
ORDEM INTERNACIONAL E PODERES DESAFIANTES: PERSPECTIVAS 
PLURALISTAS E SOLIDARISTAS EM CONFLITO 
 
 
 
Universidade Federal de Uberlândia (UFU) 
Luis Francisco Calegari Cassarotti 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 – 11 de novembro de 2020, online
2322ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
1 
 
RESUMO 
A expressão “ordem internacional” é comumente usada para definir a estrutura 
sistêmica interestatal de forma generalizada. Não se debruça, contudo, no seu real 
significado, principalmente ao se considerar os efeitos do que se entende como 
“ordem”. O objetivo do trabalho é traçar uma compreensão teoricamente 
fundamentada do que se pode entender como ordenamento num ambiente anárquico. 
Para tanto, se parte de uma crítica às análises aqui consideradas como mainstream 
do campo das Relações Internacionais para, então, se sugerir que a teorização da 
Escola Inglesa, e, mais especificamente, de Hedley Bull, serve melhor pra entender o 
fenômeno. A partir de uma breve exposição dos preceitos fundamentais para se 
entender a questão do ordenamento interestatal para tal linha, propõe-se a utilização 
do termo poderes desafiantes para a análise de movimentos revisionistas. Argumenta-
se que é essencial tal compreensão visto que há pressões para a reconfiguração da 
sociedade internacional, tanto normativa quanto estruturalmente. Ao final se realiza 
uma breve exposição de como o conceito pode ser usado para a análise dos 
desdobramentos da relação entre os grandes poderes ocidentais e a Rússia. 
Palavras-chave: ordem internacional; poderes desafiantes; reconfiguração sistêmica 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2323ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
2 
 
1 INTRODUÇÃO 
O presente artigo tem como objetivo realizar um exercício exploratório sobre o 
significado de ordem internacional e seus desdobramentos. Como ponto de partida 
toma-se a problematização da visão mais comumente aceita do conceito, encabeçada 
por um dos ramos ligados ao mainstream das Relações Internacionais (RI), o 
neorrealismo, para, então, a partir da crítica da utilização da anarquia como princípio 
ordenador, se sugerir uma construção teoricamente fundamentada de sociedade 
internacional. A linha da Escola Inglesa, e, mais especificamente, da teorização de 
Hedley Bull, nesse sentido, articula de maneira interessante tanto a ideia de 
ordenamento quanto a de coexistência e de cooperação num ambiente anárquico. É 
a partir dessa tradição, que considera tanto fatores estruturais quanto interacionais 
relevantes, que se proporá um arcabouço conceitual para análise de possíveis 
pressões de reconfiguração do sistema. 
 Se argumentará que essas têm origem em questões de distribuição de poder 
e de subjetividade normativa concernentes a âmbitos de relacionamento interestatal 
que vão além da simples análise materialista, apesar de se admitir sua importância. 
Esse é o problema central o qual o que será entendido aqui como poderes desafiantes 
procura expor: antes de simplesmente uma questão entre países revisionistas e 
conservadores, o que o termo mostra que está em jogo é a participação de potências 
aspirantes e a ampliação inclusiva das esferas de decisão importantes na manutenção 
do sistema. Essa, por sua vez, é uma característica que se liga diretamente à uma 
das instituições imaginadas pela Escola Inglesa (EI), a administração dos grandes 
poderes. 
Se proporá, assim, uma breve análise de como o termo pode ajudar a 
compreender o atual contexto da política internacional que envolve a Rússia, 
classificada como um poder desafiante e os países do oeste europeu e os EUA. Nesse 
cenário em específico, se argumentará que os segundos assumem posições 
normativamente revisionistas com relação às normas aceitas de relacionamento na 
sociedade internacional enquanto a primeira, não necessariamente devido às suas 
aspirações democráticas e pluralistas mas sim à formas de se manter como um 
grande poder, toma um papel conservador. No final do dia, o embate entre os dois 
lados ocorre entre visões diferentes de ordem internacional, o que procura-se 
2324ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
3 
 
demonstrar que não é um resultado direto do acúmulo de capacidades por potências 
secundárias. 
O trabalho se estrutura da seguinte maneira. A primeira seção realiza a 
apresentação e crítica dos conceitos centrais que caracterizam a ordem internacional 
para o neorrealismo. O argumento é que o fio condutor entre esta e outras linhas do 
mainstream das EI é a ideia da anarquia como princípio ordenador e, portanto, núcleo 
central de análise do sistema internacional. A segunda, mais longa, se concentra na 
exposição do arcabouço teórico da Escola Inglesa, de modo geral e, principalmente, 
de Hedley Bull, sobre o tema. Ela possui uma série de subseções as quais têm por 
objetivo facilitar a compreensão de cada conceito e debate. Ao fim, se sugere a 
utilização do termo poderes desafiantes ao invés de poderes emergentes para se 
referir aos Estados que, segundo o tipo de análise supracitado, ameaçam a 
estabilidade da sociedade internacional. A terceira, por sua vez, realiza uma breve 
contemporização da discussão, tentando criar um quadro, ainda que incipiente, da 
forma como o que foi exposto se articula e interpreta os desdobramentos do mundo 
real. Por fim, a última faz uma breve conclusão tentando sistematizar os principais 
pontos. Sugere-se, também, caminhos possíveis de pesquisa que considerem o 
conceito de poderes desafiantes. 
 
2 ANARQUIA E ORDENAMENTO INTERNACIONAL 
Para entender o significado de ordem na sociedade internacional, 
primeiramente, é necessária a caracterização do ambiente na qual ela se dá. Em 
outras palavras, é necessário compreender como é possível que os Estados se 
relacionem apesar de viverem num ambiente anárquico, que, a rigor, significa o 
extremo oposto de ordem. Esse ponto é importante por dois motivos: primeiro, através 
dele pode-se avaliar o real significado da anarquia, o que, de certa forma, levará a um 
distanciamento do entendimento comum dessa por parte da academia; segundo, 
dessa forma será possível sugerir quais princípios podem ser considerados como 
ordenadores da sociedade internacional, o que será essencial para se entender como 
aspectos normativos influenciam o âmbito sistêmico e facilitar a definição do que será 
entendido como poder desafiante. O primeiro passo para tal será uma breve 
caracterização do entendimento de anarquia para uma das linha que mais 
2325ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
4 
 
influenciaram a construção de uma teoria sistêmica das relações internacionais, o 
neorrealismo, para então se partir à breve crítica de sua visão e das consequências 
desse entendimento.O neorrealismo acertadamente compreende o ambiente no qual os Estados se 
relacionam como uma estrutura que não possui um agente regulador ou um com poder 
de comando. Esta seria a condição essencial para se entender a forma como os 
agentes se relacionam e, mais do que isso, como a própria estrutura se ordena. Isso 
significa que a anarquia não é somente a forma como o sistema interestatal se 
diferencia, mas sim seu próprio princípio ordenador, a chave mestra para entender a 
forma como Estados se relacionam, os quais teriam como objetivo último sobreviver 
sem a proteção de um ente organizacional superior. Tal compreensão permite a 
redução da análise do sistema para um de seus aspectos essenciais: a balança de 
poder. Segundo Waltz (1979), que é o principal proponente dos pressupostos 
delineados acima, a teoria que se constrói explica muito com muito pouco. Seu 
argumento com relação à anarquia é tão poderoso1 que até mesmo as linhas liberais, 
consideradas historicamente como as principais rivais intelectuais do realismo, o 
absorveram2. 
Partindo disso chega-se à conclusão de que os Estados, tendo que garantir a 
sua própria proteção, seriam funcionalmente iguais (WALTZ, 1979). Tal entendimento 
tem desdobramentos importantes para se imaginar o comportamento dos 
componentes do sistema. Primeiro, que um dos principais resultados da sociabilização 
desses seria a imitação. Dado o ambiente altamente concorrencial, estratégias bem-
sucedidas devem ser seguidas se o agente almeja aumentar seu nível de segurança. 
Segundo, que as ações destes seriam guiadas pelo interesse de auto-preservação e 
de manutenção de posições que se ligam diretamente à uma lógica de auto-ajuda. 
Isso significa que a estrutura obriga os Estados a atuarem de forma egoísta, 
dificultando a possibilidade de cooperação. O terceiro e mais importante 
desdobramento, porque é o que permite a construção de uma compreensão 
metodológica, é a ideia de que a forma de um ator medir seu nível de proteção e, 
portanto, de regular a relação com seus pares é a análise da distribuição de 
 
1 O argumento com base na construção teórico-científica do neorrealismo é assim descrito 
até por autores como Justin Rosenberg e Fred Halliday. Cf. Halliday et al. (1998). 
2 Essa aproximação dos conceitos centrais fica clara em Baldwin (1993). 
2326ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
5 
 
capacidades sistêmica. Como a ideia de segurança é vista de uma forma individualista 
e como a cooperação pode afetar negativamente seus interesses vitais, os Estados 
devem, segundo a abordagem, observar atentamente a presente balança de poder 
antes de agir. É importante frisar que a principal ameaça para a sobrevivência de um 
Estado é ter seu território total ou parcialmente ocupado, o que significa que as 
considerações sobre capacidade de ação, comportamento e interesse são 
inerentemente ligadas à uma concepção materialista de poder3. 
A breve apresentação acima revela o foco da análise que o neorrealismo 
propõe e, consequentemente, suas fraquezas. A primeira e talvez mais evidente delas 
é a ideia de que a estrutura material sozinha tem capacidade de explicar uma parcela 
significativa da realidade e da política internacional e deveria, portanto, ser 
considerada como foco principal das análises e da tomada de decisão. A segunda 
observa-se mais claramente ao se considerar a própria ideia de Estado para a linha. 
A análise do sistema enquanto estruturado em polos, pressupõe que suas unidades 
sejam coesas e bem definidas. Isso significa que para ter poder explicativo, o 
neorrealismo precisa pressupor implicitamente que há uma ideia de um Estado-nação 
formalmente constituído num determinado território4. No limite isso significaria que, à 
revelia do que defendem os defensores da linha, as normas e o direito internacionais 
importam para definir o comportamento dos Estados. 
A última e talvez mais interessante das inconsistências refere-se à própria 
natureza da política internacional. Como mencionado acima, devido à anarquia, o 
princípio que supostamente ordena o sistema, os Estados vivem num mundo de 
constante insegurança e, por isso, têm como objetivo sua auto-promoção e, 
esporadicamente, o enfraquecimento de seus rivais5. Nesse mundo, as possibilidades 
de cooperação são altamente limitadas. A questão é que pela própria forma que se 
coloca a constituição desses interesses é possível inferir que o que move esses atores 
não é a anarquia, mas sim a insegurança, ou o medo. Isso remete a considerações 
 
3 Os pressupostos elencados acima são baseados principalmente em Waltz (1979). 
4 Sobre esse ponto cf. Halliday (2007), que deixa claro como o modelo neorrealista depende 
de uma suposição legal-territorial de Estado. 
5 O debate com relação à ênfase de ganhos relativos ou absolutos é uma das principais cisões 
entre os autores neorrealistas e neoliberais, como salienta Baldwin (1993). Por sua vez o 
realismo ofensivo, em especial Mearsheimer (2001), lida muito bem com a questão das 
estratégias de enfraquecimento dos rivais adotadas pelos grandes poderes, que é uma das 
principais contribuições da linha. 
2327ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
6 
 
sobre a natureza do Estado que se ligam diretamente ao modelo de pensamento do 
realismo clássico de Morgenthau (BROOKS, 1997). A diferença entre os dois seria 
que enquanto o segundo defende que o aspecto fundamental da natureza dos 
Estados é a agressão, os autores neorrealistas acreditam ser o medo6. 
Pode-se concluir, então, que para o corpo teórico neorrealista a anarquia não 
funciona como princípio ordenador do sistema, mas sim o medo da invasão, 
característica supostamente natural de atores que vivem num mundo de desconfiança 
e de auto-ajuda. A isso se somam pressupostos normativos que institucionalizam a 
territorialidade como uma norma mutuamente aceita e fonte de disputa. Só assim a 
análise da balança de poder realmente faz algum sentido. Dito de outra forma, ela só 
teria significado se pensada num mundo de Estados vestefalianos. 
O que parece ser problemático nos pressupostos enunciados acima é a ideia 
de que toda a estrutura internacional e, portanto, os constrangimentos aos quais os 
atores estatais estão expostos surgem e estão inerentemente ligados ao papel da 
anarquia no sistema. A história do relacionamento internacional, contudo, parece estar 
mais ligada ao contorno dessas dificuldades, ou constrangimentos, do que à sua 
simples aceitação. A própria constituição dos Estados como entidades legítimas, 
como Estados-nações, salienta essa questão. Essa construção gera outras estruturas, 
no caso baseadas em normas comumente aceitas, que regulam e igualmente 
constrangem o comportamento dos atores. 
A rigor, a anarquia em si, considerada como ausência de um governo em escala 
mundial, não pode cumprir o papel primordial e exclusivo esperado pelos neorrealistas 
no sistema porque significa exatamente o oposto de ordem. Ela caracteriza o 
ambiente no qual os Estados se encontram, mas não tem capacidade de definir o seu 
relacionamento7. Isso se deve justamente pelo fato desses últimos serem por si só 
estruturas sociais e, portanto, diferirem-se fundamentalmente de indivíduos. 
 
6 Considerações sobre temporalidade e possibilidade de conflito são essenciais para entender 
tal relação. Realizar esse movimento de forma detalhada, contudo, não é o objetivo desse 
trabalho. Para tal, cf. BROOKS (1997), que, antes de simplesmente fazer uma crítica ao 
neorrealismo, oferece caminhos para a reformulação do modelo de pensamento da linha, 
usando como exemplo o trabalho de seus autores ligados à Economia Política Internacional. 
7 Essa crítica tem como base DONNELY (2015). O autor avança e chega a afirmar que a 
anarquia não tem nenhum efeito sobre o comportamento dos Estados. 
2328ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais
7

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