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1 5° seminário de Pós-Graduação em Relações Internacionais da ABRI Associação Brasileira de Relações Internacionais Evento online, 09-11 de novembro de 2020 Área temática: Teoria das Relações Internacionais A ATUAÇÃO DA RÚSSIA NA CHAMADA QUESTÃO UCRANIANA: UMA REFLEXÃO TEÓRICA A PARTIR DA SEGURANÇA REGIONAL E DO REALISMO OFENSIVO Larissa Caroline Souza da Silva Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) 2289ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 2 Resumo O presente trabalho tem o intuito de analisar a atuação russa na crise ucraniana, que culminou na anexação da Crimeia. A hipótese é de que os russos agiram buscando garantir sua segurança e sua área de influência que estaria sendo ameaçada e visada por outros atores. Assim, foi preciso proteger e defender seus interesses estratégicos e sua zona da influência. Para fazer tal analise, utilizou-se o realismo ofensivo, de Mearsheimer, e a ideia de Complexos Regionais de Segurança (CRS), do Buzan e Waever como marco teórico. As interpretações feitas nesse trabalho, baseado nessas teorias, perpassam ou apontam a questão da segurança de alguma forma como ponto principal da atuação de Moscou. Palavras-chaves: Rússia; Realismo Ofensivo; Ucrânia; Segurança 2290ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 3 A atuação da Rússia na chamada questão ucraniana: uma reflexão teórica a partir da segurança regional e do realismo ofensivo Larissa Caroline Souza da Silva1 Introdução Em 2008, através de uma declaração conjunta, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) se manifestou favorável a uma possível adesão da Ucrânia e da Geórgia na organização. Essa declaração, apoiada pelos Estados Unidos, pontuou que era uma questão de tempo até que ucranianos e georgianos fossem parte efetiva da aliança. A resposta russa a esse fato iria acontecer pouco tempo depois com a guerra contra a Geórgia e teria mais ênfase com a atuação russa na questão ucraniana (MEARSHEIMER, 2014; GRIGAS, 2015; TOAL, 2015). A chamada questão ucraniana atingiu um ponto sem precedentes depois que o governo local optou por firmar um pacote de ajude econômica com a União Europeia e decidiu pela ajuda da Rússia. Com isso, a situação interna da Ucrânia foi piorando ao ponto que diversos manifestantes se espalharam pelas ruas de Kiev e, pouco tempo após o início das manifestações, o governo foi derrubado enquanto conflitos armados se multiplicaram principalmente no sudeste do país. É nesse imbróglio que a anexação da Crimeia ocorreu, em 2014, e é sobre a posição russa nessa questão que o presente trabalho se debruça. O objetivo principal é fazer uma leitura teórica, a partir do realismo ofensivo e dos Complexos Regionais de Segurança (CRS), da ação russa na chamada questão ucraniana, que culminou na anexação da Crimeia, e compreender quais os motivos que conduziram Moscou a se portar da maneira como foi. Partindo desse objetivo, se relaciona a ação do Ocidente2 no chamado exterior próximo, ou seja, no espaço pós-soviético com os interesses de Moscou na Ucrânia. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais – PPGRI – da UERJ. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e assistente de pesquisa no laboratório de Simulações e Cenários para Defesa e Segurança da Escola de Guerra Naval (EGN). 2 Ocidente nesse trabalho é utilizado para se referir aos Estados Unidos, a União Europeia e as Organizações Internacionais criadas e lideradas por esses. 2291ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 4 A hipótese é de que se pode entender a posição russa, na crise ucraniana, como uma ação de sobrevivência condicionada pelo sistema que e anárquico e tem uma potência hegemônica, Estados Unidos, que ameaça os interesses estratégicos, econômicos e de segurança da Rússia via alargamento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e União Europeia nos países que um dia formaram a União Soviética. Assim, a segurança russa estaria sendo ameaçada e a sua vizinhança seria visada por outros atores que buscam minar a preponderância russa na área. O marco teórico, como já citado, foi composto pelo realismo ofensivo de Mearsheimer, escolhido como vertente do realismo, e pelos Complexos Regionais de Segurança (CRS) de Buzan e Wæver, dentro da Escola de Copenhague. Autores como Elman e McDonald também foram utilizados, mas apenas com o intuito de contextualizar e apresentar cada uma das teorias. Esse trabalho se encontra dividido da seguinte maneira: em um primeiro tópico será exposto brevemente a situação que levou a anexação da Crimeia, o auge da crise ucraniana. Em uma segunda parte, se aborda o realismo ofensivo e a leitura que pode ser feita da atuação russa a partir dessa teoria; enquanto isso o terceiro tópico segue a mesma linha do segundo, mas o foco da vez são os complexos regionais de segurança seguidos pela análise. Por fim, tem uma seção com algumas considerações finais. 1. A crise ucraniana, seu estopim e a anexação da Crimeia A Ucrânia compartilha uma longa fronteira com a Rússia, uma considerável população de língua russa em seu território e tem na fé cristã ortodoxo outro ponto em comum com seus vizinhos. Após a dissolução da União Soviética, Kiev manteve seu domínio pela região da Crimeia, de maioria russa e minoria tártara, mas assinou acordos com os russos garantindo a esses acesso a base de Sebastopol (GRIGAS, 2015; KUZIO, 2017). Além disso, o território ucraniano ocupa um espaço político importante entre a Europa e a Rússia que ajuda a explicar sua importância estratégica por parte de Moscou. Por ser uma área de ligação, os ucranianos tentam, desde o colapso do bloco comunista, contrabalancear a influência dos russos em território e, com isso, os 2292ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 5 governos se alternam desde 1991 sendo ora pró-Moscou e ora pró-Ocidente (MIELNICZUK, 2014; VASCONSELLOS, 2016). Antes da crise que se instalou na Ucrânia em 2014, o país havia vivido o que ficou conhecido como Revolução Laranja no ano de 2004. Outros países como Geórgia, por exemplo, também vivenciou as chamadas revoluções coloridas. Revoluções coloridas foi o termo usado para designar uma série de processos que derrubaram governos pró-Rússia, nos países do espaço pós-soviético, substituindo- os por governos com um perfil pró-Ocidente. Depois das revoluções, o governo russo passou a dar ainda mais prioridade ao espaço pós-soviético em termos de política externa e interesses estratégicos (Mankoff, 2009; Segrillo, 2015; Santos 2017). Entretanto, o importante nisso tudo é pontuar que essa revolução em território ucraniano levou Viktor Yuschenko ao poder depois de alegações de fraudes contra Viktor Yanukovych foram confirmadas. Apesar de ser um governante considerado mais pró-Ocidente, o país manteve boas relações com os russos até que Yanukovych, perdedor de 2004, saiu como vencedor em outra eleição e passou a governar o país. O início do que ficou conhecido como crise ucraniana tem seu início em novembro de 2013. Naquele momento, o então presidente Viktor Yanukovych rejeito um acordo comercial que estava negociando com a União Europeia, negociação essa que vinha desde a gestão anterior, e optou por assinar um compromisso econômico e comercial com Moscou (BBC, 2014; MEARSHEIMER, 2014; MIELNICZUK, 2014; TOAL, 2015). Uma das explicações para a recusa do acordo foi relacionada a pressões que a Rússia estaria exercendo sobre o governo ucraniana em relação ao gás e a economia para que esse não aceitasse o documento final com a União Europeia. A recusa do acordolevou ao início de diversas manifestações e desencadeou uma série de protestos por Kiev que pediam a destituição do presidente e a volta das negociações com os europeus (MEARSHEIMER, 2014; MIELNICZUK, 2014; POTY, 2018). Os movimentos nas ruas continuaram acontecendo e em um determinado momento ganharam um nome através de uma hashtag lançada no Twitter: EuroMaidan. Essa situação se agravou ainda mais no início de 2014 quando um grupo tentou invadir o parlamento ucraniano e outros edifícios oficiais do governo dando, assim, origem a um conflito violento nas ruas. Nesse momento, a intervenção de 2293ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 6 outros países se mostrou necessária e um grupo formado por Alemanha, França e Rússia surgiu para mediar o conflito entre o governo e os manifestantes, eles se reuniram convocando novas eleições para maio de 2014. Entretanto, o acordo não chegou a ser cumprido, Yanukovych foi destituído do poder no início de 2014 e acabou fugindo (EL PAÍS, 2014; MEARSHEIMER, 2014; POTY; 2018). Com a destituição e a fuga de Yanukovych, um novo presidente foi nomeado e o novo governo de Kiev, segundo Mearsheimer (2014), possuía um perfil mais pró- Ocidente do que pró-Moscou. A partir dessa situação, um novo foco de desentendimento entre russos, ucranianos e ocidentais surgiu na região da Crimeia, onde a maioria da população era russa e vivia sob a tutela de Kiev (TOAL, 2015). Pouco após a saída de Yanukovych do poder, um referendo foi realizado na Crimeia e 96% da população que votou sinalizou ser a favor da anexação do território por parte de Moscou. Dessa forma, o presidente russo Vladimir Putin acatou o resultado e em março de 2014 proferiu um discurso, no Kremlin, argumentando que a anexação da Crimeia se baseava na vontade do povo, na prerrogativa de que ambos os territórios possuíam um passado comum e de que os russos que viviam lá precisavam ser protegidos dos eventos que se desenrolavam em Kiev (PUTIN, 2014; TOAL, 2015; VASCONSELLOS, 2016; PAL KOLSTO, 2018). A anexação da Crimeia pela Rússia, nesse cenário, seria, segundo Mearsheimer ““For Putin, the time to act against Ukraine and the West had arrived. Shortly after February 22, he ordered Russian forces to take Crimea from Ukraine, and soon after that, he incorporated it into Russia. The task proved relatively easy, thanks to the thousands of Russian troops already stationed at a naval base in the Crimean port of Sevastopol. Crimea also made for an easy target since ethnic Russians compose roughly 60 percent of its population. Most of them wanted out of Ukraine. ” (MEARSHEIMER, 2014, p. 5)3 Com isso, a anexação da Crimeia não seria apenas o reencontro de territórios que compartilhavam um passado, mas também uma forma de Putin agir contra o que 3 “Para Putin, chegara a hora de agir contra a Ucrânia e o Ocidente. Pouco depois de 22 de fevereiro, ele ordenou que as forças russas tirassem a Crimeia da Ucrânia e, logo depois, ele a incorporou à Rússia. A tarefa revelou-se relativamente fácil, graças aos milhares de soldados russos já estacionados em uma base naval no porto de Sebastopol na Crimeia. A Crimeia também se tornou um alvo fácil, já que os russos étnicos compõem cerca de 60% de sua população. A maioria queria sair da Ucrânia. ” (MEARSHEIMER, 2014, p 5, tradução livre) 2294ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 7 estava acontecendo na Ucrânia. Toal (2015) argumenta que os acontecimentos em solo ucraniano e a resposta russa anexando um território, ao que Putin classificou como golpe orquestrado Estados Unidos, transformou uma crise de regime político em uma crise de integridade territorial e da ordem de segurança pós-guerra Fria na Europa. 2. A atuação russa a luz do realismo: a atuação das grandes potências e os constrangimentos externos O Realismo é uma das principais teorias de Relações Internacionais e algumas de suas vertentes e autores ajudam a compreender a atuação russa na questão ucraniana. Por isso, iremos apresentar alguns argumentos e pressupostos de Mearsheimer e seu realismo ofensivo para depois analisar a posição da Rússia. Elman (2007) destaca que a corrente realista das Relações Internacionais não pode ser compreendida como algo único ou uma única grande teoria porque existem variantes do realismo, essas variantes possuem diferenças significativas. Dessa forma, considerar o realismo de Morgenthau a mesma coisa que o realismo ofensivo de Marsheimer não seria correto. Entretanto, os chamados sub-grupos que Elman apresenta do realismo acabam compartilhando uma visão ampla de que o caráter das relações entre Estados não se alterou, boa parte dos realismos enxerga o mundo com uma lente pessimista, mas prudentes do que se chama relações internacionais. Mearsheimer (2001) assim como Elman (2007) discorrem sobre as divisões e sub-grupos que formariam o realismo. O último argumenta que os relatos realistas podem ser divididos entre: “clássico, neorrealismo, realismo ascensão e queda, realismo estrutural neoclássico, realismo estrutural ofensivo e defensivo” (ELMAN, 2007, p. 16). Enquanto que Mearsheimer (2001) discorre sobre realismo clássico, realismo ofensivo e realismo defensivo. O realismo estrutural ou neorrealismo tem como principal expoente Kenneth Waltz que em 1979, com seu livro, apresenta uma teoria estrutural do realismo e argumenta que os sistemas são compostos de uma estrutura e por unidades de interação. As estruturas são definidas pela disposição ou ordenamento das partes de um sistema e podem ser melhor conceituadas com base em três elementos: um princípio de ordenação (que pode ser anárquico ou hierárquico); o caráter das 2295ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 8 unidades (que podem ser semelhantes ou diferenciadas) e a distribuição de capacidades. Desses elementos citados, dois se manteriam constantes visto que não há uma autoridade central que transcenda o Estado soberano o que significa, assim, que o princípio ordenador é a anarquia em um mundo que a autoajuda faz com que todas as unidades funcionem igualmente. Logo, a única variável possível seria a distribuição de capacidades e a distinção entre sistemas multipolares, bipolares e unipolares (ELMAN, 2007). A teoria de Waltz mostra que o comportamento dos Estados induzido pelo sistema seria manter sua posição e não buscar maximizar poder. Os atores, segundo esse pensamento, raramente podem se dar ao luxo de transformar a maximização de poder em seu principal objetivo visto que eles estão preocupados em manter suas posições e sobreviver (ELMAN, 2007). Essa ideia de manter posições e proteger os seus interesses leva, então, os Estados a agirem defensivamente segundo o argumento de Mearsheimer. Por isso, o realismo desse autor seria chamado de realismo ofensivo. Na visão de Mearsheimer (2001), a melhor maneira de um Estado sobreviver no Sistema Internacional, que é anárquico, seria se tornando o mais forte de todos. É importante destacar que a teoria do realismo ofensivo possui cinco suposições: “[...] the international system is anarchic; great powers inherently possess some offensive military capability, and accordingly can damage each other; states can never be certain about other states’ intentions; survival is the primary goal of great powers; and great powers are rational actors. “ (ELMAN, 2007, p 22)4 O autor explica que nenhuma dos pressupostos da citação acima exige que os Estados se tornem agressivos ou passem a agir de maneira agressiva. Entretanto “[...] when the five assumptions are married together, they create powerful incentives for great powers to think and act offensively with regard to each other. In particular, three general patterns of behavior4 “[...] o sistema internacional é anárquico; grandes potências possuem inerentemente alguma capacidade militar ofensiva e, consequentemente, podem prejudicar umas às outras; os estados nunca podem ter certeza sobre as intenções de outros estados; a sobrevivência é o objetivo principal das grandes potências; e grandes potências são atores racionais. “ (ELMAN, 2007, p 22) 2296ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 9 result: fear, self-help, and power maximization.“ (MEARSHEIMER, 2001, P. 32)5 Mearsheimer deduz que que as grandes potencias se temem mutuamente; que elas podem confiar apenas em si mesmas para cuidar da sua segurança e que a melhor estratégia para os Estados garantirem a sua própria sobrevivência é maximizar poder relativo (MEARSHEIMER, 2001; ELMAN, 2007). Assim, os atores só agiriam ofensivamente em relação a outros quando a combinação do chamado medo e da autoajuda se tornarem latente o suficiente para gerar uma ação. Uma leitura que se pode fazer dessa ideia é a de que o Estado não sabe como o outro vai utilizar seu poder, se existe ou não a intenção de atacar. Como não existe uma autoridade central a quem possam recorrer caso algo aconteça, as potências vivem com medo e esse medo faz com que elas busquem garantir sua própria sobrevivência, sua própria segurança, mesmo que para isso tenham que agir ofensivamente. E é a partir dessa visão que se pode fazer uma interpretação para a atuação russa na crise ucraniana, que culminou na anexação da Crimeia. A Rússia, enquanto ator racional do sistema, buscou maximizar poder e agiu ofensivamente em relação a Ucrânia, anexando um território e mantendo tropas russas no mesmo, porque a combinação medo e autoajuda atingiu um ponto máximo no seu exterior próximo com o avanço da OTAN e da União Europeia (e os Estados Unidos) que culminou na derrubada de Yakunovich e na ascensão de um governo pró-Ocidente. Se levar em conta que as grandes potências pensam estrategicamente, como pontuou Mearsheimer, pode-se entender a interpretação que Moscou sempre fez da Ucrânia como uma área estratégica entre a Europa e a Ásia, que faz parte do espaço pós-soviético e da sua área de influência “natural”, que serve de caminho para o transporte de gás até os países europeus. Analisando estrategicamente, Kiev possui uma importância para os russos que leva esses agirem em prol da defesa dos seus interesses e da sua segurança seja econômica, militar ou energética. Assim, na ausência de uma autoridade central ou de outro Estado a quem possa recorrer para 5 “[...] quando os cinco pressupostos são casados, eles criam incentivos poderosos para grandes potências pensarem e agirem ofensivamente em relação uns aos outros. Em particular, três padrões gerais de comportamento resultam: medo, autoajuda e maximização de poder. “(MEARSHEIMER, 2001, P. 32) 2297ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 10 manter sua segurança e seus interesses, os russos responderam da única maneira possível em um mundo de medo, anarquia e sem autoajuda: ofensivamente e buscando manter sua sobrevivência. 3. A atuação russa a luz dos Complexos Regionais de segurança: ameaças, identidades e relações históricas McDonald (2007) destaca que os construtivistas concordam que a segurança é uma construção social, porém alguns autores não conseguem explicar como essa funciona ou como se constrói e enquanto que a outra parte evita lidar com o assunto. É a chamada Escola de Copenhague que avançou para desenvolver uma teoria mais coerente nos estudos da área de segurança e também incluiu uma série de outros temas na agenda pós-Guerra Fria. A Escola de Copenhague se concentrou em como a segurança é dada por meio de processos intersubjetivos e pelos efeitos políticos das construções de segurança (MCDONALD, 2007, p 68, tradução livre). Trabalhos como de Buzan e Wæver apresentaram temas como Complexos Regionais de Segurança (CRS) e securitização. Desses temas, a ideia de complexos regionais de segurança é a mais importante para esse trabalho. A definição de complexo regional de segurança é apresentada pelos próprios autores e pode ser considerado um conjunto de unidades cujos principais processos de securitização, dessecuritização, ou ambos, estão interligados de maneira que seus problemas de segurança não podem ser analisados ou resolvidos separados uns dos outros (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 44). Os Complexos Regionais de Segurança (CRS) se constituem a partir de uma mistura das abordagens materialistas e construtivistas. Isso acontece porque os padrões de socialização dos Estados e a distribuição de poder regional e global são pontos fundamentais para as leituras feitas a partir dos CRS (BUZAN; WÆVER, 2003). “[...] because both the neorealist and the regionalist approaches are rooted in territoriality and security, we see RSCT as complementary to the neorealist perspective on system structure, in a sense providing a fourth (regional) tier of structure. But our regional focus and even more 2298ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 11 our use of a constructivist understanding of security place us outside the neorealist project.“ (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 11)6 Os autores também apresentam suas definições de grande potência, superpotência e potencias regionais visto que elas influenciam na classificação dos Complexos Regionais de segurança. Esses CRS podem ser padrão ou centrado no qual os centrados ainda podem ser divididos em: (i) unipolares, no sentindo que polo é uma grande potência; (ii) unipolar naquela em que o polo é uma superpotência ou (iii) centrados, mas integrados por instituições e não por um poder regional (BUZAN; WÆVER , 2003). No caso dos CRS apresentados por Buzan e Wæver, os dois mais importantes para esse trabalho são o Europeu e o chamado pós-soviético que se encontram próximos e dividem o continente europeu. Os autores argumentam que que o padrão da política europeia pós-queda do muro de Berlim é como centro x periferia onde quase todos aqueles que não são membros aspiram por uma vaga na União Europeia (UE) e na OTAN porque “The West is their anchor of stability – the source of ‘security guarantees’ as well as prosperity. However, the relationship is also a source of security concerns, especially with far-reaching intrusions of Western organisations into domestic decision-making in the applicant countries. “ (BUZAN; WÆVER, 2003, p 365)7 Os autores, nessa discussão, pontuam como a Rússia é apresentada como uma ameaça aos países europeus e devido as experiências históricas e a utilidade que esse argumento possui, eles consideram que a ameaça russa continuará sendo invocada e continuará securitizada. Também destacam o avanço da OTAN e da União Europeia em direção ao leste da continente argumentando que a categoria de Europa do Leste irá se mover ainda mais para leste conforme ocorre a expansão e que países 6 “[...] porque tanto a abordagem neorrealista quanto a regionalista estão enraizadas na territorialidade e na segurança, vemos o RSCT como complementar à perspectiva neorrealista sobre a estrutura do sistema, em certo sentido fornecendo uma quarta camada (regional) de estrutura. Mas nosso enfoque regional e ainda mais nosso uso de uma compreensão construtivista de segurança nos colocam fora do projeto neorrealista. ”(BUZAN; WÆVER, 2003, p. 11) 7 “O Ocidente é a sua âncora de estabilidade - a fonte de‘ garantias de segurança ’, bem como de prosperidade. No entanto, a relação é também uma fonte de preocupações de segurança, especialmente com intrusões de longo alcance de organizações ocidentais na tomada de decisões internas nos países candidatos. “(BUZAN; WÆVER, 2003, p 365) 2299ISBN: 978-65-993851-2-5º Seminário Relações Internacionais 12 como Geórgia e Ucrânia podem ser tornar membros e, caso isso ocorra, eles serão considerados parte da mesma agenda que a Europa Ocidental (BUZAN; WÆVER,, 2003). Enquanto isso, do outro lado temos o complexo regional de segurança pós- soviético que RSC is clearly centred on a great power. Russia was until recently a superpower, and is still a great power. It neighbours two other RSCs containing great powers – EU-Europe centred on the EU, and theAsian great power complex with China and Japan – and one standard complex – the Middle East. In contrast to most other regions of the world, the one superpower, the USA, plays less of a role in this region, although a question mark has emerged in Central Asia and the Caucasus, mostly due to oil interests and, after September 2001, the war on terrorism. “ (BUZAN; WÆVER, 2003, p 398)8 Argumentam que a ideia de um entorno regional ou exterior próximo como prioridade russa começou a surgir em 1992 e virou uma política oficial de Estado em 1993. Com isso, as antigas repúblicas da União Soviética passaram a ser definidas como uma esfera de interesses russa e justifica, em parte, a ideia de defender as minorias russas fora do território. Essa política por parte da Rússia, a nível global, tem promovido a ideia de multipolaridade e resiste, assim, a ideia de uma unipolaridade americana (BUZAN; WÆVER, 2003). Apesar dessa política, Buzan e Wæver (2003) destacam que a maioria das ex- repúblicas soviéticas enxergam a Rússia como uma ameaça e o GUAAM – uma cooperação entre Geórgia, Ucrânia, Uzbequistão, Azerbaijão e Moldávia – é um exemplo dessa realidade. Dentre esses atores pode-se destacar a Ucrânia visto que os próprios autores defendem que o relacionamento russo-ucraniano poderia ser motivo de conflitos no futuro apesar da estabilidade das relações no início dos anos 2000. Analisando o espaço europeu e suas fronteiras a luz da teoria de CRS encontramos dois complexos que dividem o continente e possuem ideias de segurança divergentes. O complexo europeu não possui uma potência mais 8 O CRS está claramente centrado em um grande poder. A Rússia era até recentemente uma superpotência e ainda é uma grande potência. É vizinho de duas outras CRSs contendo grandes potências - UE-Europa centrada na UE, e o complexo das grandes potências asiáticas com a China e o Japão - e um complexo padrão - o Oriente Médio. Em contraste com a maioria das outras regiões do mundo, a única superpotência, os EUA, desempenha um papel menor nesta região, embora um ponto de interrogação tenha surgido na Ásia Central e no Cáucaso, principalmente devido aos interesses do petróleo e, após setembro de 2001, a guerra contra o terrorismo. “(BUZAN; WÆVER, 2003, p 398) 2300ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 13 importante porque União Europeia, principalmente, e OTAN são os atores mais importantes para esse, mas no caso pós-soviético a potência mais importante é a Rússia. Dessa forma, temos um complexo que avança em direção a outro e isso explica o porquê da atuação russa na Ucrânia. Mesmo com o GUAAM, as relações entre ucranianos e russos se mantiveram próximas e ambos se encontram dentro do mesmo complexo regional de segurança que é o pós-soviético. A ideia de uma Ucrânia, ou até mesmo da Geórgia, fazendo parte da OTAN ou assinando um acordo com a União Europeia seria um avanço do CRS europeu para as fronteiras dos russos e do CRS pós-soviético. Os próprios Buzan e Wæver (2003) destacaram que o alargamento da OTAN tornou visível a divisão entre russos e Ocidente em termos de segurança comum já que a ideia de segurança de cada um deles é diferente da do outro. E essa mesma divisão acabou se tornando um peso no relacionamento entre os dois complexos que poderia resultar em um conflito. Esse conflito acontece justamente na Ucrânia mesmo que de maneira indireta. A Rússia, apesar do fim da Guerra Fria, continua sendo apresentada e considerada uma ameaça a Europa – como já foi citado anteriormente – e esse discurso ainda é invocado para justificar ações. Com isso, a postura russa de anexar a Crimeia e intervir na crise ucraniana pode ser interpretada como uma forma de se posicionar contra esse discurso que também afeta sua segurança e ao avanço do complexo regional de segurança europeu para o complexo regional de segurança pós- soviético. 4. Considerações Finais A crise ucraniana se tornou um dos principais assuntos nos jornais e trabalhos acadêmicos ganhando uma notoriedade ainda maior com anexação da Crimeia. O intuito desse trabalho foi analisar a atuação da Rússia nessa questão como uma resposta a ação do Ocidente (nesse caso União Europeia, OTAN e Estados Unidos) e nas duas teorias utilizadas, a Ucrânia é entendida como um território importante para Moscou seja como parte da sua esfera de influência, da sua segurança ou compartilhando uma identidade construída ao longo da história. A partir desse ponto, conduzimos as análises que culminam na questão da segurança ou perpassam essa. 2301ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 14 Na leitura da ação russa a partir do realismo ofensivo, a atuação da Rússia pode ser justificada através de uma combinação de medo e na qual não havia nenhum outro Estado ou entidade superior a quem os russos pudessem recorrer quando se sentiram ameaçados. Logo, Moscou agiu da única forma possível numa leitura ofensiva que era maximizando poder, agindo para garantir sua sobrevivência e pensando estrategicamente visto a importância que o território ucraniano. Enquanto isso, através da ideia de complexos regionais de segurança (CRS), a atuação da Rússia nessa crise pode ser também compreendida como uma questão de segurança visto que o complexo regional europeu estaria adentrando nas fronteiras que marcam o complexo regional pós-soviético. Os dois complexos possuem visões diferentes sobre segurança, ameaça, securitização e essa incompatibilidade de entendimento tornou o relacionamento intricando ao ponto de resultar em um conflito na Ucrânia mesmo que de maneira indireta. Mesmo com argumentos distintos que cada teoria possui, a questão da segurança pode ser considerada como recorrente e importante para ambas na leitura desenvolvida mesmo que partam de pontos diferentes. É necessário destacar ainda que apesar das conclusões e das direções que esse paper aponta, outras abordagens e outras teoria podem conduzir a entendimentos diferentes no que tange a atuação russa e até mesmo a anexação da Crimeia. Mesmo que o enfoque tenha sido o início da crise ucraniana até a anexação da península da Crimeia, os conflitos ainda ocorrem na Ucrânia e diversos países não oficializaram a anexação conduzida pelo governo russo. Assim, esses fatos mostram que o assunto é extenso, aberto a outras interpretações e suas consequências ainda estão ocorrendo. REFERÊNCIAS BBC. Por que a crise na Ucrânia é importante? Brasil: BBC News Brasil. Disponível em:<https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/02/140220_ucrania_importancia _rb>. Acessado em: 25 jul. 2019. BUZAN, Barry; WAEVER, Ole. Regions and powers: the structure of international security. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. 2302ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 15 ELMAN, Colin. Realism. In: WILLIAMS, Paul (Ed.). Security studies: an introduction. New York: Routledge, 2007. p. 15-28. EL PAÍS. As razões da crise ucraniana: o Euromaidan ou o risco de cisão do país são alguns dos elementos do conflito. Madri: El País, 2014. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2014/03/03/internacional/1393862263_932760.amp.h tml>. Acessado em: 25 jul. 2019. GRIGAS, Agnias. Beyonde Crimea: the new Russian empire. 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Propõe-se uma discussão acerca da universalização de uma infância enquanto categoria social, e da criança enquanto ser político; destrinchando a construção e desconstrução dessas categorias. Considerando que a educação está diretamente relacionada à infância, também é colocada em pauta a escolarização ocidental e a imposição da cultura e conhecimentos ocidentais, contribuindo para a desestruturação de comunidades com culturas diferentes e a inserção desigual dessas comunidades no capitalismo global. Mostrando as mudanças que ocorreram na Sociologia da Infância e trazendo os debates epistemológicos que buscam desconstruir essa universalização, é feita uma relação dessa temática com o debate teórico dentro das Relações Internacionais utilizando a perspectiva decolonial. Palavras-chave: Criança, Decolonial, Modernidade. 2306ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 3 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACNUR Organização das Nações Unidas CICV Comitê Internacional da Cruz Vermelha ONU Organização das Nações Unidas 2307ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 1 Introdução do tema e justificativa O presente artigo é pautado no projeto de pesquisa desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), intitulado “A criança nas Relações Internacionais: uma análise pós-colonial sobre as políticas de proteção à criança”. Elaborado pelo aluno Leonardo Rodrigues Taquece sob orientação da Profa. Dra. Fernanda Mello Sant’Anna (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”), a pesquisa tem previsão de defesa para fevereiro de 2020. Há um consenso sobre o que é uma criança? Nas diversas sociedades que compõem nossa sociedade internacional, há uma definição universal do que é a infância para os seus indivíduos? Ao propor uma análise da criança enquanto categoria universal e sua relação com a Modernidade nas Relações Internacionais, este trabalho não só busca destrinchar as políticas e discursos internacionais de proteção à infância, como também entender as consequências dessa universalização para as comunidades não modernas. A criança nas Relações Internacionais ainda é uma discussão exploratória a partir do momento de que não há inserção real da criança nos debates (epistemológicos e práticos) da disciplina além da sua proteção. A ideia mais aceita, de que uma criança é um ser em formação, possui algumas complicações: ela é menos ser do que o adulto? O próprio fenômeno da violência contra a criança levanta um questionamento importante: quais as diferenças entre cometer um ato de violência contra um indivíduo considerado adulto e uma criança? Este trabalho não busca dizer que crianças não deveriam ser protegidas, mas questiona qual é o conceito de criança que está sendo protegido. Como se diferencia a “criança” do “adulto”? Sim, há uma diferença biológica e o corpo do indivíduo se forma ao longo dos anos, junto com suas capacidades cognitivas e demais funções. Todavia, quando uma criança nasce, há alguma forma de acompanhar seu processo real? Quando ela se torna um adulto? O que define sua liberdade e autonomia? Em tese, aceitamos o conhecimento de que os pais devem ensinar seus filhos, mas não há um momento específico na vida de todos os indivíduos onde seja possível afirmar que atingiram uma vida considerada “adulta”. Ritos de passagem socializam os membros mais jovens desde o início da vida humana, e o conceito de criança é algo que está sendo formado desde então. 2308ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais Todavia, desde a ascensão dos movimentos iluministas no final do Século XIX, nota-se uma universalidade sobre o que é ser uma criança na sociedade moderna. Essa divisão da vida “adulta” da “infância” é dada como natural, mas os rituais que separam crianças de adultos são puramente sociais. No século XVI, por exemplo, os portugueses se impressionaram com os modelos de socialização entre os tupinambás, em particular, os elos sociais e integração das crianças no funcionamento de sua sociedade. A sociedade tupinambá, ao contrário dos europeus, era estruturada por uma educação mais ativa por parte de seus membros mais jovens, fugindo da ideia mais tradicional de adultos ensinando crianças. Mesmo após nascer, esses indivíduos tinham responsabilidades e autonomia que eram inéditas para o europeu (THOMAS, SOARES, 2014). Reconhecidos como “homúnculos” ao invés de crianças pelos portugueses, a idade de ‘transição’ para a função social que hoje seria vista como a de um adulto em suas aldeias também era bem diferente do que conhecemos hoje. O termo “arqueológico”, essencialmente pós-moderno, se aplicou aos mais jovens que não se assemelhavamem nada aos jovens que os europeus conheciam em sua sociedade. O surgimento do termo “homúnculos”, no coração da Amazônia, é fruto de vários preconceitos que os colonizadores tiveram ao se deparar com aquela realidade totalmente diferente do que estavam acostumados (DOS SANTOS, 2006). Esse é apenas um exemplo de várias instâncias onde uma definição de criança tida como universal para uma sociedade não se aplicava à realidade de outro nicho social. Com o advento da Modernidade e a globalização das sociedades, a ideia de uma categoria universal se tornou bem mais recorrente ao se discutir a criança, mas a armadilha continua ali: não há como definir o que é uma criança, por si só, para todos os indivíduos de diversas sociedades. Com o objetivo de destrinchar essa problemática e debater a criança nas Relações Internacionais através de uma análise pós-colonial sobre as políticas de proteção à criança, esse trabalho almeja entender como o fenômeno da criança é interpretado pela comunidade internacional e quais são as consequências dessa universalização. 2 Revisão bibliográfica Como base dessa pesquisa científica, há uma revisão bibliográfica de autores sobre as temáticas que vão ser abordadas no decorrer dos capítulos. A 2309ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais síntese do projeto busca apresentar esses autores e suas contribuições para os questionamentos desse trabalho, com o objetivo de estabelecer o fio condutor que será seguido. Allison M. S. Watson (2006) defende a importância de estudar os menores de dezoito anos como atores na disciplina de Relações Internacionais ao afirmar que o reconhecimento da participação de crianças no cenário internacional depende da desconstrução de uma concepção de infância compartilhada pelo mundo inteiro. Buscando expandir o estudo e a concepção de crianças nos estudos de segurança na disciplina, a concepção de infância deve ir além da natureza e adentrar o espectro socioeconômico da criança perante o sistema internacional. A condição da infância é tradicionalmente vista como o ser que carece de agência, sem voz para se expressar e, por isso, não considerados cidadão políticos da sociedade civil. Elas são compreendidas majoritariamente como objetos de proteção dos Estados, uma ideia inerente à cultura ocidental de que as crianças não possuem razão instrumental para julgar suas ações (PLATTNER, 1984; WATSON, 2006). Maria Montessori (1870-1952), por exemplo, observa que em outras culturas o tratamento da criança é uma questão cultural, apresentando que várias características que se percebiam como universais em relação à criança são, na verdade, próprias da sociedade em que se originaram. Segundo a visão pedagógica da pesquisadora italiana, a criança não é um pretendente a adulto, um ser incompleto. Ela afirma que desde seu nascimento a criança já é um ser humano integral, o que inverte o foco da infância tradicional onde a educação é focada na imagem do professor, do adulto que ensina. Montessori defendia que a educação é uma conquista da criança, de que a individualidade, atividade e liberdade do aluno são as bases de sua teoria que ela considerava inerente a todos os seres humanos. Para ela, a criança possui o potencial de ensinar a si mesma se tiverem as condições de individualidade e liberdade para isso. A visibilidade social da infância e das crianças é uma temática abordada por Manuel Jacinto Sarmento e Manuel Pinto em sua obra (1997), onde tentam definir conceitos e delimitar o campo da infância. Quando que as problemáticas associadas à infância entram em evidência e se tornam parte da pauta internacional? As crianças existiram desde o primeiro ser humano, mas a infância como construção 2310ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais social é um conjunto de representações sociais e de crenças que aparece desde os séculos XVII e XVIII. A importância recente em todo o mundo (QVORTRUP, 1995), todavia, surge junto com as novas circunstâncias e condições à vida das crianças na Modernidade, junto com a necessidade de inserção social da infância. Os paradoxos da infância (em sua definição e na agenda internacional) são debates que devem ser apreciados para tentar entender esse fenômeno social. Desde 1989, pode-se dizer que há um conjunto de direitos fundamentais estabelecido através da aprovação pelas Nações Unidas da Convenção dos Direitos da Criança, considerados próprios e inalienáveis para todas as crianças dos países signatários. No entanto, mesmo com a adesão global da ideia de que crianças deveriam ser protegidas, esses direitos não foram suficientes para garantir uma melhoria substancial das condições de vida para os menores de dezoito anos (SARMENTO, PINTO, 1997). “Before we can answer what are the rights of such children and youth, we must ask (1) what constitutes a child, or "when is a kid a kid?"; and (2) the related question, "when is a kid a moral agent?". Finally (3), what do the answers to those first two questions mean for how we understand children's rights?” — READ, Kay (2002)1. Quando uma criança é uma criança? Quando essa criança tem agência? A autora Kay Read (2002) traz uma análise histórica dos modelos socioeconômicos da América Central em seu debate sobre os direitos das crianças na guerra civil de El Salvador, demonstrando a importância de entender o plano de fundo no qual cada indivíduo está para então discutir quais são as respostas dessa pergunta. Novamente, questiona-se: há um consenso sobre o que é ser uma criança? Mesmo que diversas perspectivas acadêmicas acerca da temática infância e ciência existam, não é possível estabelecer uma definição universal que satisfaça todas as necessidades teóricas e englobe todas as particularidades da criança na sociedade moderna. Anthony Volk (2011) foge da análise histórica tradicional em seu ensaio publicado no Journal of the History of Childhood and Youths, onde ele utiliza da 1 “When Is a Kid a Kid? Negotiating Children's Rights in El Salvador's Civil War”. 2311ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais teoria de evolução para tentar estabelecer uma perspectiva científica na história da criança no mundo. Já para o autor Tamar Schapiro2, as formas convencionais de se classificar indivíduos como “adultos” e “crianças” é questionada por uma perspectiva mais filosófica a partir do momento de que há um tratamento diferente para cada. A estipulação de que todos os menores de dezoito anos são crianças não é suficiente para estabelecer quando a criança deve ser tratada como adulta nos moldes da sociedade contemporânea. Não é apenas um debate biológico, e sim um debate moral. Quando um adulto está justificado de impor sua vontade sobre uma criança? Quando uma criança pode tomar suas próprias decisões? Essas questões de Schapiro abrem uma discussão bem mais profunda sobre a individualidade da criança. Em paralelo à discussão sobre a criança, uma apreciação acerca da literatura do campo de Relações Internacionais e seus debates teóricos é feita a partir de textos de autoras feministas como Cynthia Enloe (1990), Gayatri Spivak (1988) e Lauren Sheperd (2009), que ajudam a promover uma reflexão em torno das noções básicas por trás das discussões do conceito de Segurança na área e suas limitações — principalmente por falta de lugar de fala para as vozes marginalizadas pelas relações de poder internacionais. Enloe será apreciada para questionar as narrativas clássicas das Relações Internacionais e introduzir as contribuições das teorias feministas para a disciplina, entendendo que as abordagens feministas e de gênero conseguem desafiar a ótica tradicional de segurança e política internacional. Assim, abrindo novos caminhos em contramão das inúmeras certezas clássicas disciplinares das Relações Internacionais,sobretudo no que tange às concepções de segurança e poder, apresenta-se a obra “Can the subaltern speak?” de Spivak com o intuito de questionar quem, de fato, pode falar na disciplina e como que esse descompasso no lugar de fala influencia os discursos de representação no âmbito internacional. Por fim, Sheperd será discutida para melhor entender a variedade ampla de teorias feministas e de gênero no campo de Relações Internacionais, além de estabelecer a relevância do arcabouço teórico feminista ao analisar políticas globais contemporâneas. 2 SCHAPIRO, Tamar (1999). What Is a Child? Ethics, 109 (4): 715-38 2312ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais Chandra Talpade Mohanty (1991), que aborda as mulheres do “Terceiro Mundo”, afirma que a colonização foi utilizada para caracterizar tudo que conhecemos, desde as estruturas mais evidentes na economia e hierarquias políticas até a produção de discursos culturais mais específicos, como a própria ideia de um “Terceiro Mundo”. É nesse contexto que a pesquisa se apoia nos debates do pós-colonialismo para buscar uma perspectiva mais holística. Aníbal Quijano (2000) é apreciado para estabelecer um arcabouço teórico e entender a reprodução da Colonialidade de Poder, conceito apresentado pelo próprio autor. Sob a ótica de Quijano, a Colonialidade de Poder define um dos elementos fundamentais para a manutenção do atual padrão de poder, que é a classificação social básica e universal da população do planeta em torno da ideia de “raça” como fundamento do padrão de classificação social básica e de dominação social. Essa dominação segue um viés evolucionista linear e unidirecional, corroborado por várias estruturas que seguem essa estratégia do poder. O autor defende que a globalização em curso é, em primeira instância, a culminação de um processo identitário que começou com a formação da América e do capitalismo moderno. O arcabouço decolonial aborda a matriz ocidental e liberal como um novo padrão de poder mundial, onde um dos principais eixos desse padrão é a classificação social da população mundial de acordo com identidades oriundas das construções mentais da época colonial, permeando desde então nas dimensões mais importantes do poder mundial (QUIJANO, 2000). Esse padrão de poder mundial traz a colonialidade como resultado do que se perpetuou com o colonialismo — padrões de comportamento culturais, sociais e simbólicos que se mantém após o fim da relação colonial. Isso evidencia uma incapacidade do materialismo histórico em incorporar outros eixos de poder exploradores à imposição de uma classificação, seja por raça, gênero ou trabalho da população humana. Através da negação da humanidade às pessoas colonizadas e escravizadas a partir da construção de pensamentos binários como natureza/cultura à dicotomia hierárquica entre o humano e o considerado “não- humano”, essa colonialidade influencia até hoje a forma com que as sociedades periféricas são vistas pelo sistema internacional. No âmbito do Direito Internacional, é possível argumentar que as consequências do Colonialismo se provaram mais duradouras e estáveis que o Colonialismo em si - cuja matriz foi estabelecida (QUIJANO, 2000). 2313ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais Implica-se, então, que há um elemento de colonialidade no padrão de poder das organizações internacionais e Estados na atualidade (QUIJANO, 2000). Outro autor, Escobar (2011), desconstrói o discurso do desenvolvimento a partir de uma crítica radical à modernidade. Não somente um programa de investigação modernidade/colonialidade, como nomeia Arturo Escobar, o arcabouço decolonial não busca trazer todas as respostas, e sim fazer novas perguntas sob a ótica local de sociedades que ainda sofrem com a colonialidade. Mignolo (2003) discorre que o “Novo Mundo” abre uma etapa de imposições culturais sem precedentes onde as sociedades colonizadas se viram forçadas a absorver os valores e costumes europeus, além de assimilar seus símbolos, rituais e língua. Enquanto isso, os colonizadores pouco (ou nada) consideraram as peculiaridades locais dos países que colonizaram, o que fortaleceu ainda mais a matriz colonial que negou brutalmente a percepção dos colonizados. É por isso que, para entender os discursos analisados nesse trabalho, as Revoluções Americana (1765 – 1783) e Francesa (1789 – 1799) são destrinchadas para melhor entender os valores disseminados por essas matrizes. 3 Objetivos 3.1 Objetivo Geral Analisar como as políticas internacionais de proteção da criança à partir de 1948 se pautam em uma categoria universal moderna da criança nas Relações Internacionais. 3.2 Objetivos Específicos: • Discutir as políticas de proteção à criança nas Relações Internacionais e como elas abordam a violência contra crianças. • Analisar a construção da categoria universal de criança nas Relações Internacionais e compreender o debate epistemológico pós-colonial sobre a desconstrução de categorias universais. • Debater as consequências da universalização da categoria de criança por meio dos exemplos de Crianças-Soldado e Crianças-Refugiadas 2314ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 4 Metodologia e estrutura A hipótese desse trabalho é de que, dentro do plano da Modernidade, há uma universalização da criança e do conceito de infância nas Relações Internacionais baseada na Sociologia da Infância ocidental — e de que essa universalização tem consequências para a sociedade internacional, principalmente os países considerados do “Terceiro Mundo”. Para tal, propõe-se uma análise documental de todas as declarações, convenções e tratados que abordam a juventude e infância por parte das Nações Unidas entre a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) até o momento onde surge a definição de Criança-Soldado adotada pelo Protocolo Facultativo para a Convenção sobre os Direitos das Crianças da Assembleia Geral das Nações Unidas (2000). Para definir os documentos que seriam analisados, utilizou-se o levantamento oficial do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (UN DESA) sobre a criança no âmbito do Secretariado das Nações Unidas para estabelecer o escopo oficial das instâncias onde a juventude e infância foram pautas internacionais. Além disso, a linha do tempo (1948-2000) foi escolhida a partir da estruturação dos direitos humanos por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) até o momento onde a definição de Criança-Soldado é adotada pelo Protocolo Facultativo acerca do emprego direto e indireto de pessoas menores de 18 anos em conflitos armados por acreditar que há uma mobilização das organizações internacionais e dos Estados signatários para erradicar essa prática através de tratados, legislações domésticas e comprometimentos internacionais sob a pauta dos Direitos Humanos e proteção das crianças. Tabela 1: Lista de documentos analisados Declarações, convenções e tratados sobre juventude e infância das Nações Unidas Universal Declaration of Human Rights 1948 Declaration on the Promotion among Youth of the Ideals of Peace, Mutual Respect and Understanding between Peoples 1965 International Covenant on Civil and Political Rights 1966 2315ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights 1966 The Convention on the Rights of the Child 1979 The Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women 1979 United Nations Guidelines for Further Planning and Follow-Up in the Field of Youth 1985 United Nations Standard Minimum Rules for the Administration of Juvenile Justice (The Beijing Rules) 1985 Declaration on the Right to Development 1986 United Nations Rules for the Protectionof Juveniles Deprived of their Liberty 1990 United Nations Guidelines for the Prevention of Juvenile Delinquency (The Riyadh Guidelines) 1990 The Rio Declaration on the Environment and Development and Agenda 21 1992 The Vienna Declaration and Programme of Action 1993 Programme of Action of the International Conference on Population and Development 1994 Copenhagen Declaration and Programme of Action of the World Summit for Social Development 1995 World Programme of Action for Youth to the Year 2000 and Beyond 1995 Platform for Action of the Fourth World Conference on Women 1995 The Habitat Agenda and The Istanbul Declaration of the Second United Nations Conference on Human Settlements (Habitat II) 1996 Rome Declaration on World Food Security and World Food Summit Plan of Action of the World Food Summit 1996 Braga Youth Action Plan 1998 Lisbon Declaration on Youth Policies and Programmes 1998 ILO Declaration on Fundamental Principles and Rights at Work 1998 Special Session on Social Development (Copenhagen+5), 2000 2316ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais Geneva Optional Protocol to the Convention on the Rights of the Child on the involvement of children in armed conflict 2000 Fonte: elaboração própria a partir da base de dados da UN DESA. Não obstante, com o objetivo de complementar a análise documental dessas fontes primárias, o Estado da Arte sobre a Sociologia da Infância será apreciado junto com as literaturas pós-coloniais e feministas para melhor analisar a construção da categoria universal de criança nas Relações Internacionais e compreender o debate epistemológico pós-colonial sobre a desconstrução de categorias universais. Mesmo sendo um trabalho da área de Paz, Defesa e Segurança Internacional; é necessário um debate teórico das Relações Internacionais para então fazer uma análise específica acerca das causas da violência que a criança sofre nas sociedades contemporâneas e as políticas para sua proteção. Além dos elementos pré e pós-textuais, três capítulos distintos serão redigidos com o objetivo de apresentar a análise documental para depois promover uma revisão bibliográfica, o que possibilita o debate sobre as consequências da universalização da categoria de criança por meio dos exemplos de Crianças-Soldado e Crianças- Refugiadas. A estrutura dos capítulos será apresentada a seguir. 5 Cronograma Tabela 1: Cronograma de atividades 2020.2 e 2021.1 2020.2 Ago Set Out Nov Dez Qualificação Escrever o primeiro capítulo (1º) Revisões e reuniões com orientador sobre o Capítulo 1 Fichamento da análise documental sobre a Criança nas Relações Internacionais Revisão bibliográfica: segundo capítulo (2º) Escrever o segundo capítulo (2º) Enviar Capítulo 1 em formato de artigo p/ publicação 2317ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 2021.1 Jan Fev Mar Abr Mai Escrever o segundo capítulo (2º) Revisões e reuniões com orientador sobre o Capítulo 2 Revisão bibliográfica: terceiro capítulo (3º) Enviar Capítulo 2 em formato de artigo p/ publicação Escrever o terceiro capítulo (3º) Revisões e reuniões com orientador sobre o Capítulo 3 Redação dos elementos pré e pós-textuais, da introdução e da conclusão Revisões finais com orientador Defesa Ajustes finais solicitados pela banca Fonte: elaboração própria 2318ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 6 Referências DUBINSKY, Karen. 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Não se debruça, contudo, no seu real significado, principalmente ao se considerar os efeitos do que se entende como “ordem”. O objetivo do trabalho é traçar uma compreensão teoricamente fundamentada do que se pode entender como ordenamento num ambiente anárquico. Para tanto, se parte de uma crítica às análises aqui consideradas como mainstream do campo das Relações Internacionais para, então, se sugerir que a teorização da Escola Inglesa, e, mais especificamente, de Hedley Bull, serve melhor pra entender o fenômeno. A partir de uma breve exposição dos preceitos fundamentais para se entender a questão do ordenamento interestatal para tal linha, propõe-se a utilização do termo poderes desafiantes para a análise de movimentos revisionistas. Argumenta- se que é essencial tal compreensão visto que há pressões para a reconfiguração da sociedade internacional, tanto normativa quanto estruturalmente. Ao final se realiza uma breve exposição de como o conceito pode ser usado para a análise dos desdobramentos da relação entre os grandes poderes ocidentais e a Rússia. Palavras-chave: ordem internacional; poderes desafiantes; reconfiguração sistêmica 2323ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 2 1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo realizar um exercício exploratório sobre o significado de ordem internacional e seus desdobramentos. Como ponto de partida toma-se a problematização da visão mais comumente aceita do conceito, encabeçada por um dos ramos ligados ao mainstream das Relações Internacionais (RI), o neorrealismo, para, então, a partir da crítica da utilização da anarquia como princípio ordenador, se sugerir uma construção teoricamente fundamentada de sociedade internacional. A linha da Escola Inglesa, e, mais especificamente, da teorização de Hedley Bull, nesse sentido, articula de maneira interessante tanto a ideia de ordenamento quanto a de coexistência e de cooperação num ambiente anárquico. É a partir dessa tradição, que considera tanto fatores estruturais quanto interacionais relevantes, que se proporá um arcabouço conceitual para análise de possíveis pressões de reconfiguração do sistema. Se argumentará que essas têm origem em questões de distribuição de poder e de subjetividade normativa concernentes a âmbitos de relacionamento interestatal que vão além da simples análise materialista, apesar de se admitir sua importância. Esse é o problema central o qual o que será entendido aqui como poderes desafiantes procura expor: antes de simplesmente uma questão entre países revisionistas e conservadores, o que o termo mostra que está em jogo é a participação de potências aspirantes e a ampliação inclusiva das esferas de decisão importantes na manutenção do sistema. Essa, por sua vez, é uma característica que se liga diretamente à uma das instituições imaginadas pela Escola Inglesa (EI), a administração dos grandes poderes. Se proporá, assim, uma breve análise de como o termo pode ajudar a compreender o atual contexto da política internacional que envolve a Rússia, classificada como um poder desafiante e os países do oeste europeu e os EUA. Nesse cenário em específico, se argumentará que os segundos assumem posições normativamente revisionistas com relação às normas aceitas de relacionamento na sociedade internacional enquanto a primeira, não necessariamente devido às suas aspirações democráticas e pluralistas mas sim à formas de se manter como um grande poder, toma um papel conservador. No final do dia, o embate entre os dois lados ocorre entre visões diferentes de ordem internacional, o que procura-se 2324ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 3 demonstrar que não é um resultado direto do acúmulo de capacidades por potências secundárias. O trabalho se estrutura da seguinte maneira. A primeira seção realiza a apresentação e crítica dos conceitos centrais que caracterizam a ordem internacional para o neorrealismo. O argumento é que o fio condutor entre esta e outras linhas do mainstream das EI é a ideia da anarquia como princípio ordenador e, portanto, núcleo central de análise do sistema internacional. A segunda, mais longa, se concentra na exposição do arcabouço teórico da Escola Inglesa, de modo geral e, principalmente, de Hedley Bull, sobre o tema. Ela possui uma série de subseções as quais têm por objetivo facilitar a compreensão de cada conceito e debate. Ao fim, se sugere a utilização do termo poderes desafiantes ao invés de poderes emergentes para se referir aos Estados que, segundo o tipo de análise supracitado, ameaçam a estabilidade da sociedade internacional. A terceira, por sua vez, realiza uma breve contemporização da discussão, tentando criar um quadro, ainda que incipiente, da forma como o que foi exposto se articula e interpreta os desdobramentos do mundo real. Por fim, a última faz uma breve conclusão tentando sistematizar os principais pontos. Sugere-se, também, caminhos possíveis de pesquisa que considerem o conceito de poderes desafiantes. 2 ANARQUIA E ORDENAMENTO INTERNACIONAL Para entender o significado de ordem na sociedade internacional, primeiramente, é necessária a caracterização do ambiente na qual ela se dá. Em outras palavras, é necessário compreender como é possível que os Estados se relacionem apesar de viverem num ambiente anárquico, que, a rigor, significa o extremo oposto de ordem. Esse ponto é importante por dois motivos: primeiro, através dele pode-se avaliar o real significado da anarquia, o que, de certa forma, levará a um distanciamento do entendimento comum dessa por parte da academia; segundo, dessa forma será possível sugerir quais princípios podem ser considerados como ordenadores da sociedade internacional, o que será essencial para se entender como aspectos normativos influenciam o âmbito sistêmico e facilitar a definição do que será entendido como poder desafiante. O primeiro passo para tal será uma breve caracterização do entendimento de anarquia para uma das linha que mais 2325ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 4 influenciaram a construção de uma teoria sistêmica das relações internacionais, o neorrealismo, para então se partir à breve crítica de sua visão e das consequências desse entendimento.O neorrealismo acertadamente compreende o ambiente no qual os Estados se relacionam como uma estrutura que não possui um agente regulador ou um com poder de comando. Esta seria a condição essencial para se entender a forma como os agentes se relacionam e, mais do que isso, como a própria estrutura se ordena. Isso significa que a anarquia não é somente a forma como o sistema interestatal se diferencia, mas sim seu próprio princípio ordenador, a chave mestra para entender a forma como Estados se relacionam, os quais teriam como objetivo último sobreviver sem a proteção de um ente organizacional superior. Tal compreensão permite a redução da análise do sistema para um de seus aspectos essenciais: a balança de poder. Segundo Waltz (1979), que é o principal proponente dos pressupostos delineados acima, a teoria que se constrói explica muito com muito pouco. Seu argumento com relação à anarquia é tão poderoso1 que até mesmo as linhas liberais, consideradas historicamente como as principais rivais intelectuais do realismo, o absorveram2. Partindo disso chega-se à conclusão de que os Estados, tendo que garantir a sua própria proteção, seriam funcionalmente iguais (WALTZ, 1979). Tal entendimento tem desdobramentos importantes para se imaginar o comportamento dos componentes do sistema. Primeiro, que um dos principais resultados da sociabilização desses seria a imitação. Dado o ambiente altamente concorrencial, estratégias bem- sucedidas devem ser seguidas se o agente almeja aumentar seu nível de segurança. Segundo, que as ações destes seriam guiadas pelo interesse de auto-preservação e de manutenção de posições que se ligam diretamente à uma lógica de auto-ajuda. Isso significa que a estrutura obriga os Estados a atuarem de forma egoísta, dificultando a possibilidade de cooperação. O terceiro e mais importante desdobramento, porque é o que permite a construção de uma compreensão metodológica, é a ideia de que a forma de um ator medir seu nível de proteção e, portanto, de regular a relação com seus pares é a análise da distribuição de 1 O argumento com base na construção teórico-científica do neorrealismo é assim descrito até por autores como Justin Rosenberg e Fred Halliday. Cf. Halliday et al. (1998). 2 Essa aproximação dos conceitos centrais fica clara em Baldwin (1993). 2326ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 5 capacidades sistêmica. Como a ideia de segurança é vista de uma forma individualista e como a cooperação pode afetar negativamente seus interesses vitais, os Estados devem, segundo a abordagem, observar atentamente a presente balança de poder antes de agir. É importante frisar que a principal ameaça para a sobrevivência de um Estado é ter seu território total ou parcialmente ocupado, o que significa que as considerações sobre capacidade de ação, comportamento e interesse são inerentemente ligadas à uma concepção materialista de poder3. A breve apresentação acima revela o foco da análise que o neorrealismo propõe e, consequentemente, suas fraquezas. A primeira e talvez mais evidente delas é a ideia de que a estrutura material sozinha tem capacidade de explicar uma parcela significativa da realidade e da política internacional e deveria, portanto, ser considerada como foco principal das análises e da tomada de decisão. A segunda observa-se mais claramente ao se considerar a própria ideia de Estado para a linha. A análise do sistema enquanto estruturado em polos, pressupõe que suas unidades sejam coesas e bem definidas. Isso significa que para ter poder explicativo, o neorrealismo precisa pressupor implicitamente que há uma ideia de um Estado-nação formalmente constituído num determinado território4. No limite isso significaria que, à revelia do que defendem os defensores da linha, as normas e o direito internacionais importam para definir o comportamento dos Estados. A última e talvez mais interessante das inconsistências refere-se à própria natureza da política internacional. Como mencionado acima, devido à anarquia, o princípio que supostamente ordena o sistema, os Estados vivem num mundo de constante insegurança e, por isso, têm como objetivo sua auto-promoção e, esporadicamente, o enfraquecimento de seus rivais5. Nesse mundo, as possibilidades de cooperação são altamente limitadas. A questão é que pela própria forma que se coloca a constituição desses interesses é possível inferir que o que move esses atores não é a anarquia, mas sim a insegurança, ou o medo. Isso remete a considerações 3 Os pressupostos elencados acima são baseados principalmente em Waltz (1979). 4 Sobre esse ponto cf. Halliday (2007), que deixa claro como o modelo neorrealista depende de uma suposição legal-territorial de Estado. 5 O debate com relação à ênfase de ganhos relativos ou absolutos é uma das principais cisões entre os autores neorrealistas e neoliberais, como salienta Baldwin (1993). Por sua vez o realismo ofensivo, em especial Mearsheimer (2001), lida muito bem com a questão das estratégias de enfraquecimento dos rivais adotadas pelos grandes poderes, que é uma das principais contribuições da linha. 2327ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 6 sobre a natureza do Estado que se ligam diretamente ao modelo de pensamento do realismo clássico de Morgenthau (BROOKS, 1997). A diferença entre os dois seria que enquanto o segundo defende que o aspecto fundamental da natureza dos Estados é a agressão, os autores neorrealistas acreditam ser o medo6. Pode-se concluir, então, que para o corpo teórico neorrealista a anarquia não funciona como princípio ordenador do sistema, mas sim o medo da invasão, característica supostamente natural de atores que vivem num mundo de desconfiança e de auto-ajuda. A isso se somam pressupostos normativos que institucionalizam a territorialidade como uma norma mutuamente aceita e fonte de disputa. Só assim a análise da balança de poder realmente faz algum sentido. Dito de outra forma, ela só teria significado se pensada num mundo de Estados vestefalianos. O que parece ser problemático nos pressupostos enunciados acima é a ideia de que toda a estrutura internacional e, portanto, os constrangimentos aos quais os atores estatais estão expostos surgem e estão inerentemente ligados ao papel da anarquia no sistema. A história do relacionamento internacional, contudo, parece estar mais ligada ao contorno dessas dificuldades, ou constrangimentos, do que à sua simples aceitação. A própria constituição dos Estados como entidades legítimas, como Estados-nações, salienta essa questão. Essa construção gera outras estruturas, no caso baseadas em normas comumente aceitas, que regulam e igualmente constrangem o comportamento dos atores. A rigor, a anarquia em si, considerada como ausência de um governo em escala mundial, não pode cumprir o papel primordial e exclusivo esperado pelos neorrealistas no sistema porque significa exatamente o oposto de ordem. Ela caracteriza o ambiente no qual os Estados se encontram, mas não tem capacidade de definir o seu relacionamento7. Isso se deve justamente pelo fato desses últimos serem por si só estruturas sociais e, portanto, diferirem-se fundamentalmente de indivíduos. 6 Considerações sobre temporalidade e possibilidade de conflito são essenciais para entender tal relação. Realizar esse movimento de forma detalhada, contudo, não é o objetivo desse trabalho. Para tal, cf. BROOKS (1997), que, antes de simplesmente fazer uma crítica ao neorrealismo, oferece caminhos para a reformulação do modelo de pensamento da linha, usando como exemplo o trabalho de seus autores ligados à Economia Política Internacional. 7 Essa crítica tem como base DONNELY (2015). O autor avança e chega a afirmar que a anarquia não tem nenhum efeito sobre o comportamento dos Estados. 2328ISBN: 978-65-993851-2- 5º Seminário Relações Internacionais 7
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