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2 O chão adormecido no baú de sonhos_com reflexõespdf

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1
2
Os livros são tesouros,
eles guardam 
conhecimentos adormecidos que 
despertam 
enquanto estamos lendo.
Parece que foram escritos 
para serem lidos 
em voz alta e em grupo
 
 
 O livro O chão adormecido no baú dos sonhos, de 
Eliane Fonseca, é um convite à aventura. A narrativa retoma 
os temas dos grandes clássicos da literatura. Sá Antônia 
conduz Terezinha, assim como Palas Atenas conduziu 
Telêmaco na Odisséia de Homero. Ela foi até sua casa para 
lhe dizer: “Você precisa viajar, você precisa conhecer as 
pessoas, pois são elas que sabem da vida”.
 Como aconteceu com Telêmaco, Teresinha também 
é muito bem recebida em todos os lugares por onde passa, 
parecendo que todos esperavam por ela, com muita vontade 
de contar sobre suas vidas, os seus trabalhos. Em cada lugar, 
encontra aprendizados diferentes e todos maravilhosos. 
Terezinha fica tão feliz com o que vai descobrindo, que 
começa a sentir vontade de ficar um pouco mais de tempo 
naqueles lugares, mas Sá Antônia lembra-lhe que precisam 
continuar a viagem, pois têm ainda muito a aprender.
 Sentimos tantas afinidades com os temas do livro, que 
decidimos ler o livro nas escolas, para ficar mais tempo com 
esses aprendizados, e como faziam os “Aedos” na Antiga 
Grécia que iam de casa em casa contando as façanhas dos 
 
Os caminhos do conhecimento
3
O Chão adormecido no baú de sonhos
 Lavadeira Sá Antônia transforma roupa suja em limpa, 
a encardida em branca, a desbotada nas cores do arco-íris, e, 
além disto, é a confidente de Terezinha. Hoje dia de rio, e do 
alto da colina a menina escuta a voz gutural, cavalo galopante e 
livre, percorrendo cantigas do congado. Incauta, escorrega pela 
encosta áspera e árida e batendo as mãos para tirar o pó de terra 
senta junto à Sá, os pés descalços enfiados na água corrente. 
Entre murmúrios de rio a pequena conta dos pesadelos que tem 
com o pai despencando num buraco sem fim. Homem bom e 
trabalhador, ele procura coisas perigosas como andar em corda-
bamba bem alta, sem rede de proteção, correr maratonas a beira 
de abismos, e a motocicleta com a qual brinca de voar. Até dente 
quebrou, e com o de ouro ficou parecido com Achiles, o viajante 
cigano que traz mercadorias para o pai vender na Casa Patrícia, 
a loja que o avô Pedro fundou, muito antes de Terezinha nascer. 
Parando de esfregar a roupa na pedra, a velha amiga enxagua 
do rosto os salpicos de sabão, e diz:
 - Terezinha, seu pai é um sonhador.
 -Isto é ruim?
 - Não, não é. A gente precisa sonhar, o que seu pai carece
é de chão.
 Terezinha experimenta o chão com olhos, com os pés, 
e com as mãos. Vê chão aqui ali acolá, fora e dentro do rio 
cristalino, pois, no fundo pedras luminosas fazem às vezes de 
chão. Percebendo o desconcerto da menina, Sá Antônia continua:
 - Gente há que não tem chão, e entouces carece fazer.
 - Fazer chão? - Indaga Terezinha.
 -Amanhã meu aniversário e dia de Santo Antônio. Vai lá 
em casa onde ocê é bem vinda desde antes de nascida, ainda 
na barriga de sua mãe. Também Rita em antes de nascida, vi na 
barriga da dona Sinhá, a sua avó.
I- A Rainha do Congo
 Chegando à casa de adobe caiada, Terezinha encontra o 
mastro em triângulo com os santos juninos, Santo Antônio, São 
4
João e São Pedro bem vestidos e festivos, bailando ao vento. 
A fogueira acesa e farfalhante já oferecia brasas. No terreiro a 
mesa comprida coberta por toalha de renda branca com canjica, 
pé-de-moleque, bolo de fubá, tapioca, pipoca e frutas de pés de 
cajá-manga e caramboleira. Sucos variados, quentão para os 
adultos. Vestida de rainha Sá Antônia, rodeada de gente amiga, 
na tarde junina e música de congado. A coroa que usava não era 
a trouxa de roupa, mas outra, de prata e pedrinhas brilhantes.
 Ao som de instrumentos de percussão, sopro, pandeiros 
e tambor o grupo canta e dança se movendo pelas ruas da 
vizinhança. Bailando Terezinha percebe a Terra contar de ser 
redondo. Todos de branco com faixas azul-claro na cintura, e fitas 
finas e compridas azul-céu-do-meio-dia sombrejando os ombros. 
Terezinha a única bailarina com vestido estampado. O povo da 
congada festejava no Brasil a África, de onde os antepassados 
daquela gente alegre e sofrida, trazidos e feitos escravos. Depois 
espalham brasas, formam o caminho largo e comprido, que Sá 
Antônia descalça percorre sem pressa, a frente dos dançarinos 
descalços todos, andando nas brasas, atrás dela. Em seguida, a 
rainha do Congo convida sua pequena amiga:
 - Vem andar descalça neste chão de brasa.
 -Deus que me livre, Sá Antônia, meus pés vão torrar, já 
queimei no fogo e sei quanto dói.
 Sá Antônia levanta a saia branca e longa mostrando os 
pés nus, e mais uma vez em passo de dança atravessa aquele 
chão de fogo em toda extensão, ida e volta, volta e ida, e então, 
mostra as solas dos pés, nada de bolhas, parecia sair do rio, e não 
do braseiro. Sá Antonia costuma dizer que Terezinha já nasceu 
educada, alegre e gentil com as pessoas. Tomada pela mão a 
menina fecha os olhos, coração disparado, se deixando levar. O 
retorno traz leveza, alegria, coração festivo nada queimou nem 
torrou. Terezinha ri enquanto Sá Antônia cochicha no seu ouvido:
 -A confiança é o fermento do chão que a gente carece 
construir. Ocê acreditou na velha aqui. Ter chão embaixo dos pés 
deixa a gente dançar e sonhar. E agora vai dormir, pois, amanhã 
a jornada segue. Se tiver sorte, ocê encontra o seu baú de chão e 
sonhos. Nele, entre outras coisas, quem sabe uma brasa? Parte 
do caminho iniciado nesta noite.
5
 - Uma brasa que não queima?
 - Você vai ver.
Tema: A confiança, o fermento de nosso chão
- Vem andar descalça neste chão de brasa.
-Deus que me livre, Sá Antônia, meus pés vão torrar, já queimei 
no fogo e sei quanto dói.
Sá Antônia levanta a saia branca e longa mostrando os pés nus, 
e mais uma vez em passo de dança atravessa aquele chão de 
fogo em toda extensão, ida e volta, volta e ida, e então, mostra 
as solas dos pés, nada de bolhas, parecia sair do rio, e não do 
braseiro. Sá Antonia costuma dizer que Terezinha já nasceu 
educada, alegre e gentil com as pessoas. Tomada pela mão a 
menina fecha os olhos, coração disparado, se deixando levar. O 
retorno traz leveza, alegria, coração festivo nada queimou nem 
torrou. Terezinha ri enquanto Sá Antônia cochicha no seu ouvido:
-A confiança é o fermento do chão que a gente carece construir.
Sá Antonia mostra a Terezinha, que confiar é o primeiro 
passo para se fazer chão. Primeiro mostra seus pés nus 
sobre a brasa, e Terezinha, admirada ao vê-los intactos, como 
se tivessem saído de um rio, fecha seus olhos e deixa ser 
conduzida pela mão. Neste momento, Terezinha descobre 
que confiar é como um tecido, uma trama que se fia junto: 
não precisa se preocupar, seus pés não vão queimar, pois 
acredita em Sá Antonia, e sabe que junto dela está segura. 
Neste capítulo somos apresentados a ideia de que o primeiro 
passo para se permitir viver a aventura, trilhar seu caminho, 
é confiar em si mesmo, e no mundo.
II - A barriga forrada
 Amanhece. Sá Antônia acorda Terezinha para ir à 
Lucy, cozinheira muito especial, que mora às margens do rio 
das Velhas, numa casa amarela de chaminé. Chegando ali a 
6
menina se deslumbra com o flamboaiã florindo vermelho, ramos 
vergados carregados de flor bordejando a margem do rio. Três 
vacas pastam, bezerros mamam nas tetas das mães, carneiros 
e cabras. Mais adiante dois galos um novo e o outro velho, 
galinhas rodeadas de cardumes de pintos. À porta o cesto cheio 
de peixe fresco, outro transbordante de ovos, e outro de verduras 
e legumes. Cheiro atraente e misterioso de dar água na boca 
aponta a direção da cozinha, e Terezinha se dá conta, morta de 
fome. Sá Antonia a entrega sem explicar nada, só pedindo a Lucy 
ensinasse a menina de forração de barriga. Faminta, a pequena 
esquece a educação, e nem se despede da boa Sá.
 Na cozinha o fogão à lenha, prateleiras coloridas de 
panelas e temperos, Lucy se deslocando com a graça dos 
bailarinos da festa no terreiro de Sá.Mexe taxo com colher de 
pau, abre panela e olha, mexe com outra colher também de pau, 
tira do fogo e tampa. Sova a massa na mesa de madeira, passa 
o rolo, recorta com um copo, recheia, marca a beirada apertando 
um garfo, põe os pasteis para fritar em gordura, música fervente. 
Tira da fritura, os enxuga em papel toalha, e sobre eles faz chover 
açúcar e canela. Dá dois à menina, e uma caneca de leite de 
cabra recém-fervido com pau de canela.
 Terezinha devora, mas a fome não some e aumenta. 
Come mais dois, bebe mais leite. A fome cresce. Desesperada, a 
menina sente um vazio dentro da barriga estufada. Atemorizada 
e encolhida, o rosto cor de arroz, pois, o rosado sumiu. Lucy 
estende as mãos ásperas polvilhadas de farinha de trigo, e diz:
 - Às vezes na barriga da gente tem um buraco sem fim.
 - É isso, como você sabe Lucy?
 Tem a sensação de ser reconhecida no sentimento da 
outra, sente esperança e chora de alívio. A fome passa, as cores 
voltam às faces, e a menina se percebe ávida não de comida, 
mas em ser vista escutada entendida. Para isto a viagem.
 - O que Sá falou de forração de barriga, você acaba de 
experimentar. Ser compreendida por mim fez a fome passar?
 - Hunhum. A fome passou, e era horrível.
 - Hoje você fica aqui. Dou carinho almoço lanche e janta. 
Amanhã depois do café da manhã a gente vai conhecer a mulher 
que trabalha no Sambaqui.
7
heróis, agora temos a Odisséia de Teresinha para contar. 
 - O que é isto?
 - Verá por si mesma. Agora vai brincar lá fora. Ou, fica 
comigo se quiser aprender de cozinha.
 Terezinha faz biscoitos de chocolate crocante com Lucy, 
depois brinca com os animais, conhece o filho e o marido 
pescador, de Lucy. Vivendo aquele dia parecia-lhe conhecer 
todos eles de vida inteira. Sentia como se estivesse há meses 
ali na casa amarela a beira do rio. A chaminé é comprida, larga e 
achatada. A fumaça que dela sai sobe e entra no céu, deixando-a 
ainda mais alta. Olha o flamboaiã, e pensando na cor verde- 
vermelho-florido escuta uma voz rouca sussurrante:
 - Olá, menina.
 Terezinha para e olha. O Flamboaiã falou comigo? E 
fez reverência, inclinando os galhos? Igual Padre Nilo faz ao 
Bispo Eustáquio? Acreditando que sim, inclina-se, retribuindo o 
cumprimento. É quando chove flor sobre ela e aquém, formando 
o caminho vermelho-único-flamboaiã, lembrando o chão de 
brasas da casa caiada.
Tema: A compreensão como alimento da alma
Terezinha devora, mas a fome não some e aumenta. Come mais 
dois, bebe mais leite. A fome cresce. Desesperada, a menina sente 
um vazio dentro da barriga estufada. Atemorizada e encolhida, o 
rosto cor de arroz, pois, o rosado sumiu. Lucy estende as mãos 
ásperas polvilhadas de farinha de trigo, e diz:
- Às vezes na barriga da gente tem um buraco sem fim.
- É isso, como você sabe Lucy?
Tem a sensação de ser reconhecida no sentimento da outra, 
sente esperança e chora de alívio. A fome passa, as cores voltam 
às faces, e a menina se percebe ávida não de comida, mas em 
ser vista escutada entendida. Para isto a viagem.
Terezinha vivencia de forma avassaladora o vazio existencial, 
mas Lucy de forma sutil integra Terezinha de forma carinhosa, 
e lhe mostra o vazio que nós vivenciamos em nossa jornada 
enquanto pessoas. 
8
Neste Capítulo, Terezinha experimenta pela primeira vez o 
sentimento de ser compreendida, e se alegra com isso. A 
menina sentia uma fome inexplicável, porém quanto mais 
come, mais o vazio em sua barriga aumenta. Mas ao mesmo 
tempo que há o vazio, há o lugar de compartilhamento e troca, 
Lucy cuidou e acolheu o vazio de Terezinha preenchendo-o 
com sua presença e compreensão. A menina se dá conta 
de que o que sentia não era uma fome comum, e sim fome 
de espírito, um vazio interior, que apenas o sentimento 
de reconhecimento, pôde suprir. Terezinha se sentiu 
extremamente grata a Lucy e a própria natureza. 
De corpo e alma alimentados, Terezinha agora percebe que 
o flamboaiã fala com ela e se entrega ao balanço rítmico 
da árvore ao vento, que faz cair sobre a menina uma chuva 
de flores vermelhas. Feliz por fazer parte deste universo, 
Terezinha reverencia a natureza a sua volta.
III - A geógrafa e o sambaqui
 Depois do ovo frito biscoito bolo leite de cabra e prosa 
fiada, Lucy a convida a prosseguir.
 - Já? (Pergunta Terezinha). Ainda não acabei de gostar 
daqui. Não quero ir embora.
 - Carece meu anjo. Não saiu à procura do chão escondido 
no baú de sonhos?
 - É verdade. (Diz Terezinha lembrando-se de suas 
preocupações com o pai).
 Antes de sair de casa Lucy arruma uma cesta cheia de 
comida para Dalila, a geógrafa que vive e cuida do Sambaqui da 
região.
 Após trilha estreita e subida íngreme encontram a colina 
que atravessam, para descer em seguida, por caminho escarpado, 
cheio de pedras soltas e afiadas. Dalila, mulher morena e 
rechonchuda, vestida de bermuda, óculos, chapéu de palha, 
botas, na mão a pequena pá, com a qual, delicadamente, limpa 
uma espátula quase inexistente, de tão pequena, que trazia na 
9
outra mão. Com espátulas pequenas assim raspava dia a dia os 
cortes da terra, onde se guardam restos de povos pré-históricos. 
Terezinha começa a compreender o que é um Sambaqui.
 Lucy deixa com a geógrafa Terezinha e a cesta de comida, 
sem explicar, como se a outra soubesse de tudo, o que de fato, 
fazia sentido. Dalila beija a menina, que já tem perguntas na 
ponta da língua:
 - Que coisa! (Diz a pequena de oito anos). Não sabia que 
a terra tinha camadas coloridas, cada qual de uma cor, retas, 
curvas, e outras atravessadas. Tanta cor diferente, do amarelo 
ocre à terracota, em gama de tons pastéis. (Pois, cá entre nós, 
um dos dons da pequena sempre foi, desde quase ainda um 
bebê, distinguir as meadas e os meandros das cores).
 - São os cortes, Terezinha. Antes de começar a trabalhar 
no Sambaqui a gente precisa fazer os canais, escavando a terra 
na vertical. As camadas vão surgindo nas paredes dos canais. E 
cada camada pode revelar uma era, ou uma cultura. São marcas 
de povos que existiram aqui há muito tempo. Uma existência 
surgindo depois, e sobre a outra.
 - Minha avó Dália, mãe de papai queria ser arqueóloga. 
Ela me conta que os arqueólogos escavam o chão, a procura de 
povos antigos, ruínas, objetos, ossos.
 -É o que faço Terezinha.
 - Mas Dalila, você não é geógrafa?
 - Sim, e também arqueóloga. Aqui, chamam-me 
“sambaqueira”. Trabalho neste Sambaqui há uns oito anos.
 - Veio para cá quando nasci. Queria ter sabido de você há 
mais tempo.
 Terezinha, então, avista um velho de barba branca, vestido 
de branco, a pele tostada, aparência divertida e saudável. Dalila 
os apresenta:
 - Lucas, esta é Terezinha, a menina que a gente esperava.
 - Como vai, Terezinha?
 - Vou bem, e você? (Espontânea, não consegue chamá-lo 
de senhor. E não suportando a curiosidade pergunta): Quem é 
você? Parece que o conheço.
 - Conhece sim, velho amigo que sou de sua família. Vi 
você nascer, como seu pai, sua mãe, e seus avós maternos 
10
e paternos. Sou Lucas, também conhecido como o Velho da 
Caverna, ou o Velho das Minas.
 - Puxa. Vocês estavam mesmo me esperando.
 - Pois é, fomos avisados de sua chegada. Todo mundo 
que você encontrou desde sua ida à casa de Sá Antonia é amigo. 
A gente quer ajudá-la.
 - A fazer chão?
 - Sim. Ficaremos em roda de você. É difícil fazer chão. Já 
é o segundo dia..
 - Tive medo das brasas. E terror do abismo que descobri 
em minha barriga. Apareceu claramente na casa de Lucy. Mas, 
quando ela me entendeu o abismo se foi. Lembrei que sinto o 
buraco na barriga quando mamãe e vovó não entendem meus 
medos. Para não falar em papai. Que difícil conversar com ele.
 - Você experimentou a confiança, caminhando nas brasas. 
E a esperança, Lucy compreendendo você.
 - O que vou aprender hoje?
 - Que tal, paciência?
 - Como assim?!
 - Quantos milênios e quantas vidas, você acha foram 
necessários para construir este Sambaqui? E quantas histórias 
um Sambaqui nos conta? Dalila dedica sua vida a escavar a 
encosta. E depois usandoinstrumentos pequenos, para não 
violentar as camadas. Cada camada foi o chão de um povo. 
Um impulso súbito, uma falta de cuidado, tudo desabaria, todo 
esforço perdido.
 - Credo! (E indo de encontro à preocupação que ali a 
trouxera, pergunta ao velho, sobre o pai): Você falou que conhece 
João, meu pai. O que acha dele?
 - Um bom homem, trabalhador, amoroso, que tem os pés 
pequenos para seu tamanho.
 - Nossa. E aí, o que vai lhe acontecer? Estará tudo 
perdido?
 - Forma alguma. Pé pequeno ou grande não é o que 
importa. Quem tem pés pequenos pode despencar se não 
souber pisar, e, quem os tem grandes, pode tropeçar neles, se 
não souber do chão.
 - Tem saída para papai?
11
 - Claro, só precisa ele reconhecer o tamanho dos pés, das 
pernas, de si mesmo. Seu pai não sabe do próprio tamanho, por 
isto é tão estouvado, em suas ousadias.
 Lucas leva Terezinha a percorrer o Sambaqui, bem extenso. 
Enquanto isso Dalila continua raspando delicadamente, medindo, 
tomando notas. Em pequenos potes de vidro transparente separa 
amostras de solos coloridos. E cata fragmentos como cacos de 
cerâmica, restos humanos, e outros, que guarda e arquiva, nas 
estantes do barracão, construído para isso. Ali Lucas e Terezinha 
vêm peças de cerâmicas com vestígios de fogo, fósseis de peixes 
e outros animais, com a permissão ciumenta de Dalila.
 Na hora que dá fome param, e junto ao rio comem a 
comida que Lucy lhes deixou. Depois, enquanto Dalila dá uma 
boa dormida, lavam a louça, e põe ordem no acampamento. 
Pescam peixes e os limpam, reservando-os para a noite.
Terezinha filosofa que estão construindo uma camada de chão. 
Lucas, e mais tarde Dalila, concordam com ela.
 - Se daqui a milhares de anos vier uma geógrafa, outra 
sambaqueira, fala Dalila, encontrará nossos restos soterrados 
por outros mais recentes. Vai pensar de quem seriam, como 
agora faço com os restos que vejo e encontro.
 Enquanto fala Dalila cuida de enterrar as sobras de comida, 
as espinhas dos peixes. Está fazendo chão, pensa Terezinha, 
entre bocejos. Quando a noite vem com a miríade de estrelas, 
Dalila recolhe-se à barraca. Lucas dormiria ao relento, para olhar 
as constelações. Terezinha prefere ficar com ele, junto à fogueira, 
admirando o firmamento. As cobertas e o travesseiro que Dalila 
lhe ofereceu a deixam bem confortável. Olhando o céu estica um 
dedo, tentando alcançar as estrelas. Não passa nem perto, que 
distantes! Lucas ri de sacudir a barriga, deixando Terezinha um 
pouco sem graça de sua pretensão: tocar estrelas. Ele confessa 
que riu pelo puro prazer de reconhecer no gesto dela, a inocência 
que só as crianças têm. Um dia fora assim, como Terezinha, um 
sonhador.
 Ao amanhecer comem o resto da comida de Lucy, sabendo 
que esta traria outra cesta para Dalila, que não sabe cozinhar. 
Terezinha despede-se da sambaqueira com um abraço apertado, 
sapea mais uma vez o Sambaqui, descobrindo que também dali 
12
não queria partir, mas Lucas toma-a pela mão, rumo à casa das 
tecelãs.
Temas: A ancestralidade: uma presença invisível
- Que coisa! (Diz a pequena de oito anos). Não sabia que a terra 
tinha camadas coloridas, cada qual de uma cor, retas, curvas, 
e outras atravessadas. Tanta cor diferente, do amarelo ocre à 
terracota, em gama de tons pastéis. (Pois, cá entre nós, um 
dos dons da pequena sempre foi, desde quase ainda um bebê, 
distinguir as meadas e os meandros das cores).
- São os cortes, Terezinha. Antes de começar a trabalhar no 
Sambaqui a gente precisa fazer os canais, escavando a terra 
na vertical. As camadas vão surgindo nas paredes dos canais. E 
cada camada pode revelar uma era, ou uma cultura. São marcas 
de povos que existiram aqui há muito tempo. Uma existência 
surgindo depois, e sobre a outra.
- Você experimentou a confiança, caminhando nas brasas. E a 
esperança, Lucy compreendendo você.
- O que vou aprender hoje?
- Que tal, paciência?
- Como assim?!
- Quantos milênios e quantas vidas, você acha foram necessários 
para construir este Sambaqui? E quantas histórias um Sambaqui 
nos conta?
Dalila dedica sua vida a escavar a encosta. E depois usando 
instrumentos pequenos, para não violentar as camadas. Cada 
camada foi o chão de um povo. Um impulso súbito, uma falta de 
cuidado, tudo desabaria, todo esforço perdido.
Os sambaquis são sítios arqueológicos, deixados por povos 
pré-históricos. Ao conhecer o Sambaqui, Terezinha aprende 
que cada um de nós carrega em si a ancestralidade. Dalila 
explica que cada cor representa os povos antepassados 
que deixaram sua marca e seu legado em nosso chão: 
cada camada é uma era, uma cultura diferente, e nós 
também deixaremos nossas pegadas nesse chão. Terezinha 
13
compreende que nossa própria identidade se constrói a 
partir da cultura e da história. Para construir chão, é preciso 
conhecer e se conectar com essas camadas abaixo de nossos 
pés, que nos dão sustentação. Descobre também, que para 
isso, é preciso ter cuidado e paciência com os tesouros 
que estão preservados nos sambaquis, nos museus, dessa 
forma, deixaremos novos tesouros para as futuras gerações. 
Nós não enxergamos as camadas coloridas subterrâneas, 
mas elas existem no sambaqui. Assim como uma casa que 
se sustenta por vigas não vistas, nós também temos um 
passado que nos sustenta. 
IV - A Cooperativa das Tecelãs e Fiandeiras
 Gilda, a alma daquele lugar, os esperava na rede da 
varanda. Convida-os a um excelente café da manhã, sentam-se 
a mesa e conversam, trocando ideias e informações: Sá Antonia 
e seu grupo das congadas, Lucy, o marido e o filho, pescadores, 
Dalila, e a solidão do Sambaqui. Falam do chão que Terezinha 
procura, para oferecer a seu pai, João. Gilda assenta com a 
cabeça, afirmando que compreendia. Na sala, na parede junto à 
cristaleira, lado a lado, Terezinha vê duas fotografias antigas, de 
um homem e de uma mulher jovens. Gilda lhe conta que eram de 
seus avós, Said e Georgina. Os fundadores da casa e do prédio 
onde funciona a Oficina, e onde ela exerce seu próprio ofício: 
tecer ao tear. Gilda transformou a Oficina em Cooperativa. Os 
avós lhe deixaram uma bela herança.
 Em seguida, convida-os a percorrerem as amplas 
instalações da Cooperativa, onde mulheres tecem, fiam, criam e 
cuidam de tapetes. Herdando a casa, o ofício e os teares de seus 
avós, fundou a Cooperativa. Todos que ali trabalham são também 
donos do lugar, participando dos lucros. Quando Terezinha entra 
no que lhe parece um grande barracão, bem maior que o do 
Sambaqui, sente um clima bom e estranho. Há ali uma diferença 
no tempo. Este, habitualmente passa. No barracão, o tempo 
parece não passar. Que esquisito. Percebe no ar um zunzum. 
A interrogação na expressão da pequena faz Gilda lhe contar 
14
que o zunzum vem do gotejar das conversas. Enquanto tecem, 
fiam, bordam as mulheres contam umas para outras, histórias 
do cotidiano, ou bem antigas. No barracão o tempo é feito das 
vozes de pessoas, das histórias contadas, dos ruídos dos teares, 
das rocas, e do ato de cardar, desenredar ou pentear lã, pelo, 
algodão, linho, com carda, tirando as sementes e a sujeira dos 
fios. Pergunta se Terezinha gostaria de tecer.
 - Não sei tecer.
 - Também não sabia. Um pouco menor que você, minha 
avó me ensinou, em um tear pequeno. Aqui está, acho que será 
ótimo para você treinar um pouco. Quando cresci ganhei outro, 
mas deste nunca me desfiz. Fica guardado para crianças que 
querem aprender.
 - Quero sim.
 Terezinha mostrava-se mais impressionada com o pano 
de fundo das conversas, que propriamente em aprender a tecer. 
Não queria era sair dali, onde o tempo era feito da mistura de 
vozes, de histórias narradas, algumas cantadas. Terezinha 
senta-se ao pequeno tear, Gilda ensinando-a como manejá-lo. 
A música das vozes traz-lhe uma espécie de sonhar acordada, 
e ao mesmo tempo, atenta ao que fazia. Embalada pelos sons 
humanos, pelo ranger dos instrumentos, começa a divagar. As 
imagens do que vivera nesses dias passam diante dela, como se 
um filme.
 Em um momento algumas mulherescomeçam a cantar 
enquanto trabalham. Terezinha adormece e sonha com o grupo 
da congada, dançando cheio de alegria. Sá Antonia lhe dá a 
mão, e juntas atravessam o braseiro. No sonho aparece também 
a mulher que está em uma das fotos da sala, uma moça tecendo 
como Terezinha vira Gilda tecer. As duas, a moça e Gilda, tecem 
em um ritmo parecido. Quando acordada observara que cada 
tecelã, tem seu ritmo. Mergulhada no sono sente Gilda levantá-
la, carregá-la, colocá-la, gentilmente, na rede da varanda. 
 Mais tarde quando acorda Terezinha lembra-se do sonho, 
mas cala-se, o quer só para si. Vendo que a luz do dia mudava e 
diminuía, Gilda avisa às pessoas que a noite caía. Terezinha toma 
um susto, E se a noite cair encima de mim? Pensa, não sabendo 
se se encolhe, ou se foge. Olhos esbugalhados. A tecelã percebe 
15
seu susto, e diz:
 - A noite cai, mas não machuca a gente. Talvez até 
machuque. Às vezes a gente sente uma tristeza.
 Terezinha responde aliviada e alegre, se sentido entendida:
 - É verdade, deu tristeza ao ver a noite caindo. Ocupar-me 
tecendo e ouvir as mulheres me ajudou na saudade que tenho 
de meus pais. A noite cai, realmente, e, onde o Lucas para me 
mostrar as estrelas do céu?!
 Vê Gilda conversando com uma mulher tão velha e 
encarquilhada, que parecia ter uns cem anos. Trata-se de uma 
velha e lépida tecelã, que olha para a menina e diz enfática:
 - Ele partiu quase assim que chegou, é próprio dele.
 - A senhora foi amiga de infância do Lucas? - pergunta 
Terezinha.
 - Não, meu bem, quando eu tinha a sua idade, Lucas já 
era como hoje é.
 Terezinha franze as sobrancelhas, gesto muito seu, de 
quando não entende nada.
 - Como é possível fosse velho quando a senhora era 
pequena? Vocês parecem da mesma idade.
 - Lucas é surpreendente, imagino tenha seus duzentos, 
trezentos anos. Conheceu minha mãe quando menina assim 
como você. E minha avó, minha bisavó, e se treitar, a tataravô.
 Na hora da janta, Gilda e Norberto, o marido farmacêutico, 
perguntam à Terezinha o que ela aprendeu de chão, em meio 
aos teares e rocas, ouvindo histórias.
 - Tecer é fazer chão, né?
 Norberto e Gilda confirmam com a cabeça.
 - Contar e cantar histórias também é um jeito de tecer. 
Além de tecer e ouvir, dormi e sonhei. Onde meu sonho entra?
 - Você verá! (Respondem, impressionados com a 
esperteza da pequena).
Temas: O Sonhar e o outro Tempo
Quando Terezinha entra no que lhe parece um grande barracão, 
bem maior que o do Sambaqui, sente um clima bom e estranho. 
Há ali uma diferença no tempo. Este, habitualmente passa. No 
16
barracão, o tempo parece não passar. Que esquisito. Percebe 
no ar um zunzum. A interrogação na expressão da pequena faz 
Gilda lhe contar que o zunzum vem do gotejar das conversas. 
Enquanto tecem, fiam, bordam as mulheres contam umas para 
outras, histórias do cotidiano, ou bem antigas. No barracão o 
tempo é feito das vozes de pessoas, das histórias contadas, dos 
ruídos dos teares, das rocas, e do ato de cardar, desenredar ou 
pentear lã, pelo, algodão, linho, com carda, tirando as sementes 
e a sujeira dos fios.
Terezinha mostrava-se mais impressionada com o pano de fundo 
das conversas, que propriamente em aprender a tecer. Não 
queria era sair dali, onde o tempo era feito da mistura de vozes, 
de histórias narradas, algumas cantadas. Terezinha senta-se ao 
pequeno tear, Gilda ensinando-a como manejá-lo. A música das 
vozes traz-lhe uma espécie de sonhar acordada, e ao mesmo 
tempo, atenta ao que fazia. Embalada pelos sons humanos, pelo 
ranger dos instrumentos, começa a divagar. As imagens do que 
vivera nesses dias passam diante dela, como se um filme.
Em um momento algumas mulheres começam a cantar enquanto 
trabalham. Terezinha adormece e sonha com o grupo da congada, 
dançando cheio de alegria.
Na hora da janta, Gilda e Norberto, o marido farmacêutico, 
perguntam à Terezinha o que ela aprendeu de chão, em meio 
aos teares e rocas, ouvindo histórias.
- Tecer é fazer chão, né?
Norberto e Gilda confirmam com a cabeça.
- Contar e cantar histórias também é um jeito de tecer. Além de 
tecer e ouvir, dormi e sonhei. Onde meu sonho entra?
- Você verá! (Respondem, impressionados com a esperteza da 
pequena).
Na cooperativa das tecelãs, Terezinha é embalada pelo ritmo 
das vozes das mulheres, e aos poucos, adormece. As histórias 
e causos conectam a menina a um tempo mítico, onde tudo 
era de todos e não há fronteiras cronológicas. Terezinha 
se sentiu tão à vontade que pode sonhar, revisitando suas 
17
próprias experiências, assim como incorpora para si um 
pouco das diversas histórias ali contadas e a alegria festiva 
das tecelãs. Naquele ambiente da cooperativa, existia um 
tear guardado à espera de alguém que quisesse aprender e 
fazer parte daquela história.
V - Olga do Lago
 Gilda, ocupadíssima, pede a Norberto que leve Terezinha 
à casa de Olga do Lago. A menina antes resiste, quer ficar ali, 
tecer e ouvir o vozerio das mulheres:
 - Só mais um dia, por favor.
 Mas dá um grito de alegria quando se depara com a 
charrete puxada por um pangaré marrom, muito simpático. 
Trotam por campos e trilhas. Olga os aguardava junto à cerca de 
maracujá, que cercava seu jardim.
 A mulher alta e esguia, cabelos longos, brancos, enrolados 
em um coque, no alto da cabeça, uma idade parecida com a de 
Gilda e Norberto. Os três poderiam ser seus avós. Sá Antonia 
também, pensa Terezinha.
 A dona da casa de frente para o lago conta que pouco 
antes, plantava flores. Ainda com as mãos sujas de terra, salpica 
um beijo suado na cara de Terezinha, falando com ela como se a 
conhecesse muito bem.
 - Você me conhece? - Pergunta-lhe a menina.
 - Claro que sim, nessas bandas todos nos conhecemos, e 
somos meio parentes.
 Dá uma risada, no que é acompanhada por Norberto. 
Terezinha não encontra a graça. Norberto foi tratando de se 
despedir, e a pequena sente-se insegura. O que ia fazer ali com 
essa tal de Olga?
 Percebendo seu receio, Olga lhe pergunta:
 - Quer plantar flor?
 - Puxa! Acho que sim, mas não sei plantar.
 - É fácil, a terra nos ensina.
 - A terra fala?
 - De muitas maneiras, sim.
18
 Ofereceu uma pá pequena à menina, mas, bem maior 
que as de Dalila. Cavoucando a terra, Terezinha começa a 
compreender o que Olga lhe dissera; havia lugares mais duros, 
outros mais fofos. Escolhendo os mais fofos, compreende que 
estavam preparados para receber as sementes. Revela seu 
pensamento à Olga, que concorda, e lhe conta que o Lucas 
costuma preparar a terra, para que ela jogasse as sementes, e 
formasse os canteiros.
 - O trabalho de cavoucar e afofar a terra pede o uso de 
enxada: furar e revolver, deixar a terra macia, almofadada. Depois 
se aduba, e só então, coloca as sementes. Lucas é bastante forte 
para jardinagem, e gosta imensamente, uma das
razões de ter na pele, o Sol.
 - Esse tal jardineiro, o Lucas, é o mesmo que me ensinou 
olhar estrelas, pescar, assar peixes, e que caminha com um 
cajado?
 - O próprio, o Velho da Caverna. Lá vem ele.
 Terezinha corre a abraçar o amigo que se abaixa, e lhe 
diz:
 - Como você cresceu!
 - Lucas, como posso ter crescido? Faz um dia que não o 
vejo. Estou fora de casa há quatro dias e quatro noites. O quinto 
vai ser aqui, na casa de Olga.
 - Veja seu vestido!
 Terezinha olha para o vestido e toma um susto! Estava 
curto e apertado.
 - Que coisa! Cresci mesmo uns três anos! Estou fora de 
casa todo este tempo?! Nem devem mais se lembrar de mim. 
(Chora de tristeza.).
 - Não, não é o tempo. Você está fora de casa há quatro 
noites, passará aqui a quinta. O que sucede é fazer chão, pode 
ser divertido, mas é pesado para uma menininha como você. Por 
isto cresceu de repente.
 Ouvindo Lucas Terezinha sente-se cansada, deita-se à 
sombra de uma árvore, e fica olhando, sonolenta, a imensidão 
da água.
 - Você se chama Olga do Lago por morar junto a este lago 
dourado?
19
 - Chamam-me assim e gosto. Deixei o sobrenome da 
família para trás. Agora sou Olga do Lago.
 - Também gosto. - Disse Terezinha. - O quê faz paracriar 
chão, além de plantar flor? Sei que vim aqui aprender mais um 
pouco.
 - Adoro mexer na terra, sentir os odores. Perceba quantos 
perfumes.
 Terezinha cheira o ar e percebe a variedade incrível de 
aromas da terra, das flores, das folhas secas, do lago. Tudo isso 
a rodeando, invisível, e imensamente sensível.
 - Mas, também trabalho unindo palavras... E às vezes, 
desarrumando o lugar das letras.
 - Como assim?
 - Veja meu nome: Olga do Lago, o que lhe parece?
 - Simpático.
 - Quais são as letras que há em cada uma das duas 
palavras?
 Terezinha pega um pauzinho e rabisca no chão OLGA 
LAGO espantando-se:
 - As duas palavras têm as mesmas letras, que engraçado! 
É alguma mágica?
 - Você se chama Terezinha, ou Tereza? (Responde Olga)
 - Tereza.
 Olga abaixa-se e tomando o pauzinho das mãos de 
Terezinha, escreve na terra: TEREZA/ REZA
 - O que é isto? Nunca havia percebido que em “Tereza” há 
outra palavra. Gostei. -E abrindo-se feito bambu cheio de folha 
nova, abraça a nova amiga.
Olga escreve, então, duas frases: 
TEREZA REZA
E AO PAI OFERTA CHÃO
 Terezinha lê e chora:
 - Que quê é isto? Quem ensina, e dá chão é o pai.
 - Sim, querida, (diz Lucas enxugando lhe as grossas 
lágrimas, com o grande lenço xadrez de algodão rústico).
 - Você acaba de crescer um pouco mais. Seios apontam. 
Agora será Tereza. Não no diminutivo. Terá tudo o que uma linda 
Tereza tem direito.
20
 - Até o de rezar?
 - Sim.
 - E o direito de dançar nas brasas sem me queimar, de 
cozinhar com Lucy, de descobrir eras que se foram e outras que 
virão nas camadas do Sambaqui, de tecer com Gilda, de contar 
e ouvir histórias, de juntar palavras e letras como Olga do Lago? 
Com Lucas aprendi o carinho, e a vontade de descobrir o mistério 
de ser tão velho.
 Adorou ver Lucas rir de sacudir a barriga lisa como uma 
prancha. Magro, elegante, esguio. Depois do pai, o homem mais 
bonito que Tereza conhecia. Descobre isso na alegria de seu 
corpo de menina que crescia, para torná-la mulher. Gosta de ser 
elevada à categoria de Tereza. Considera no fundo do coração 
que fez por merecer. Mas, sabe também que está triste, preferia 
que o pai lhe trouxesse chão, e não o contrário. Olga e Lucas a 
abraçam.
 Cozinham juntos. Tereza ensina Olga a fazer biscoito de 
chocolate crocante, como aprendeu com Lucy. Passeam em 
volta do lago, e, Olga lhe propõe:
 - Prova a água do lago.
 Tereza prova, leva um susto:
 - Mas, é salgada!
 - Sim. Dalila acredita que aqui no cerrado, houve mar. No 
oriente, entre a Cisjordânia e Israel há o Mar Morto, alimentado 
pelo Rio Jordão. Tem tanto sal que peixes não vivem lá. O nosso 
é um lago salgado que a gente chama brincando Mar Vivo, 
porque dá camarão peixe caranguejo tartaruga marisco, bichos 
marítimos. É um lago-mar. O que acha? Todos os de fora que 
aqui vêm acreditam ser impossível, e, no entanto, constatam.
 - Meu coração disparou. Nunca vi o mar em minha vida, 
pois, em Minas Gerais não há mar.
 - Temos este imenso lago salgado, e como disse Olga, 
pleno de vida. (Fala Lucas, sacudindo o cajado).
 Ao cair da noite Tereza não tem medo. Sabe agora que 
a noite cai e ninguém se machuca, pode dar alguma nostalgia, 
como agora sentindo saudade dos pais. É parte. Jantam peixes 
fritos e assados, pescados pelos três, com salada da horta de 
Olga. Antes de irem para a cama, Olga dá à menina um caderno 
21
com capa encadernada com chita, um lápis, e uma caneta. Tereza 
dorme um sono sem sonhos, e antes de amanhecer é acordada:
 - Onde estou? (Pergunta).
 - Desculpa querida, precisei acordá-la, você deve partir.
 - Mas por quê? Gosto daqui! Quero ficar com você mais 
uns dias.
 - Lucas vai levá-la até a casa de Marta.
 - Sabe que estou cansada? Quando começo a gostar me 
mandam embora.
 - Desculpa meu amor. Você voltará a esta casa, todas as 
vezes que quiser.
 Tereza abarca Olga do Lago com seu abraço, lágrimas 
caindo dos olhos das duas. Após café da manhã segue com 
Lucas, ele com seu cajado.
Temas: A conexão com o outro tempo através das palavras
- Esse tal jardineiro, o Lucas, é o mesmo que me ensinou olhar 
estrelas, pescar, assar peixes, e que caminha com um cajado?
- O próprio, o Velho da Caverna. Lá vem ele.
Terezinha corre a abraçar o amigo que se abaixa, e lhe diz:
- Como você cresceu!
- Lucas, como posso ter crescido? Faz um dia que não o vejo. 
Estou fora de casa há quatro dias e quatro noites. O quinto vai 
ser aqui, na casa de Olga.
- Veja seu vestido!
Terezinha olha para o vestido e toma um susto! Estava curto e 
apertado.
- Que coisa! Cresci mesmo uns três anos! Estou fora de casa 
todo este tempo?! Nem devem mais se lembrar de mim. (Chora 
de tristeza.).
- Não, não é o tempo. Você está fora de casa há quatro noites, 
passará aqui a quinta. O que sucede é fazer chão, pode ser 
divertido, mas é pesado para uma menininha como você. Por 
isto cresceu de repente.
- Adoro mexer na terra, sentir os odores. Perceba quantos 
perfumes.
22
Terezinha cheira o ar e percebe a variedade incrível de aromas da 
terra, das flores, das folhas secas, do lago. Tudo isso a rodeando, 
invisível, e imensamente sensível.
- Mas, também trabalho unindo palavras... E às vezes, 
desarrumando o lugar das letras.
- Como assim?
- Veja meu nome: Olga do Lago, o que lhe parece?
- Simpático.
- Quais são as letras que há em cada uma das duas palavras?
Terezinha pega um pauzinho e rabisca no chão OLGA LAGO 
espantando-se:
- As duas palavras têm as mesmas letras, que engraçado! É 
alguma mágica?
- Você se chama Terezinha, ou Tereza? (Responde Olga)
- Tereza.
Olga abaixa-se e tomando o pauzinho das mãos de Terezinha, 
escreve na terra: TEREZA/ REZA
- O que é isto? Nunca havia percebido que em “Tereza” há outra
palavra. Gostei. -E abrindo-se feito bambu cheio de folha nova, 
abraça a nova amiga.
Olga escreve, então, duas frases:
TEREZA REZA
E AO PAI OFERTA CHÃO
Podemos notar neste capítulo o encantamento pelas palavras 
através dos anagramas que transformam os nomes dos 
personagens em outras palavras com novos significados.
Vemos que fazer Chão também significa amadurecer: 
conforme construímos nosso caminho, as experiências vão 
nos proporcionar maturidade. 
Uma das passagens mais emocionantes é quando Terezinha 
vê o chão se materializar através da fé. Ao se conectar com 
as palavras e com a reza, ela é levada a uma outra dimensão. 
Muitas vezes podemos pedir ajuda à mãe, a um amigo, mas 
na reza nos conectamos a este outro tempo e acreditamos 
que a solução também pode vir do universo. Ao rezar nos 
sentimos conectados a este Pai ancestral. Antes de se 
despedir e partir para outro aprendizado, Olga oferece de 
23
presente a Terezinha “um caderno com capa encadernada 
com chita, um lápis, e uma caneta.” pois vê que chegou o 
momento propício para ela se apoiar na reza e nas palavras. 
VI - Marta, a bióloga que ama os bichos, as
pedras, as estrelas. Casada com o homem que
cuida do céu
 Caminham e caminham. Desta vez parece à Tereza, iam 
muito longe. Talvez estivesse cansada. Sobem e descem morros, 
atravessam rios. Ao alcançarem uma colina, Lucas aponta para 
uma casa estranha. Parecia um castelo incrustado, como um 
diamante no aro de um anel.
 - É um observatório.
 - Um, o quê? - Pergunta Tereza.
 - Carlos, o marido de Marta é astrônomo. Com ele, você 
verá, as estrelas chegam mais perto, através do telescópio 
possante que montou sozinho. Demorou mais de um ano, até 
conseguir todas as peças. Quem sabe, com o aparelho, você
possa tocá-las?
 - Nem sei o que é um telescópio!
 E antes de dizer “Você verá”, Lucas viu que a menina 
sabia o que ele diria, e se calou. O que Tereza gostou. Marta e 
Carlos os esperavam, abraçados, na porta da casa de vidro, que 
parecia um castelo de cristal. A moça, bem jovem, formada em 
biologia. Carlos, alguns anos mais velho, barba tratada, cara de 
estudioso, bastos cabelos castanhos, “um cientista” - sussurra 
Lucas. Tereza olha o amigo de soslaio. Não tem ideia do que seja 
um cientista.
 O casal preocupado em mostrar-lhes o observatório. 
Os viajantes nãorecebem nem um bolo, ou um copo de água. 
Enquanto sobem escadas em espiral que parecem sem fim, 
Tereza pensa que, talvez, cientistas sejam pessoas que se 
esquecem de comer. Impressionada com o aparelho enorme, 
apontado para o céu, nem pensa em mais nada.
 Carlos mostra vários desenhos de linhas coloridas a 
Lucas, que os olha com cuidado, fazendo perguntas. Cálculos da 
24
posição dos astros, planetas, galáxias, buracos negros. Deixando 
os dois homens se distraindo com aquelas coisas complicadas, 
Marta pega Tereza pela mão, e se esgueiram. Na cozinha, o 
lugar mais gostoso daquela casa, tomando um copo de guaraná 
e comendo bolo de aipim, Marta lhe conta que trabalha para o 
IBAMA. Marca os animais com uma pulseira de borracha, para 
controlar suas existências, processos de reprodução, a saúde e a 
doença. Vários dos bichos que vivem naquela região do cerrado, 
ameaçados de extinção.
 - Puxa vida, coitados!
 Exclama Tereza, que se sente bem Terezinha, naquele 
instante.
 Saem para ver os bichos que vivem soltos, e como não se 
sentem ameaçados, se aproximam das pessoas. Quando vê um 
lobo-guará, Tereza, entretanto, se assusta, e corre a se esconder 
atrás de Marta:
 - É Chicão, um amigão, olá, Chicão, velho de guerra! 
Animal livre e selvagem, Chicão as acompanha, mas não as toca, 
mostrando diferenças entre um lobo e um cão. Andam bastante, e 
quando o sol fica alto, voltam para casa. E Marta mostra à Tereza 
seus desenhos. Desenha pedras. Aliás, desenha os desenhos 
que vê nas pedras. 
 Mostra as pedras à Tereza, pedras que, nesse lugar estão 
em toda parte, ajudando a menina encontrar linhas e formas, e 
depois, convidando-a a experimentar desenhar o que via. Tereza 
gosta da ideia, e experimenta. Olhando atentamente uma das 
pedras vê duas caras, e pouco depois, na mesma pedra, vê três 
caras muito diferentes. Passa o que viu para o papel, como Marta 
lhe ensinou, usando o caderno que Olga lhe deu.
 - Gosto de pensar que para cada pedra, na Terra, há uma 
estrela no Céu. (Disse Marta).
 - Cuido dos bichos e da Terra. Carlos cuida das estrelas e 
do Céu. Amamos o que fazemos, e um ao outro.
 - Você acredita que há vida em outros planetas? (Pergunta 
Tereza).
 - Acredito, mas não me preocupo, nem me interesso pô. 
Há tanta vida ao meu redor! E depois, preciso lhe contar, estou 
esperando um bebê. Carlos e eu teremos um filho. Ou filha.
25
 - Verdade? Que bom! Queria muito ganhar um irmão. Mas, 
antes, meu pai precisa de chão. E, sabe de uma coisa? Acho que 
mamãe também precisa.
 Dormem depois do almoço, Tereza, exausta. E Carlos quer 
que olhassem as estrelas, quando o Céu ficar escuro. Quando 
sobem ao alto da torre, nenhum deles quer soltar o telescópio. 
Tem uma hora que, distraída, Tereza escuta um uivo, e pergunta 
à Marta:
 - É o Chicão?
 - Sim, veio saudar-nos.
 Deitam-se tarde, e novamente, como estava acontecendo 
naqueles dias a cada amanhecer, acordam Tereza, que não 
queria levantar-se. Quando soube que Lucas partira, chora. Quem 
iria levá-la? Para onde? Com Carlos, Lucas e Marta, foi minha 
sexta noite, longe de minha mãe e do meu pai. Dessa vez, no 
entanto, há uma novidade, Marta pede que Tereza tome banho, 
e quando ela sai se enxugando do chuveiro, cabelo molhado, vê 
um vestido de moça sobre a cama: branco, de algodão e rendas. 
Marta precisa lhe pedir vesti-lo. Tereza olha e acha o vestido 
enorme. Só percebe que parecia feito para ela, quando se enfia 
nele. Cabe-lhe como uma luva. Vestida e descalça (estava tão 
perplexa que se esquece de pedir sapatos, e os dela não lhe 
cabiam mais).
 Contem um grito de admiração quando vê quem iria 
levála, era uma égua linda e branca, chamada Lua, enfeitada 
com uma guirlanda de flor-silvestres. Lua parece uma deusa, 
pensa Tereza. Os cabelos negros dela contrastam com a crina 
de Lua, mais branca ainda que o pêlo de seu corpo.
 - Lua conhece o caminho, não se preocupe, você só 
precisa confiar.
 - Vou aprender de confiar mais um pouquinho, mas, tenho 
um tanto assim de medo. E mais outro tanto.
 - Lua será mansa com você. Ela a adotou. (Responde 
Marta).
 - Como sabe?
 - Olha.
 Tereza olha e vê a égua fitando-a docemente, a cara 
equina parecendo sorrir. Quem é que pode dizer que os bichos 
26
não sorriem? Sorriem sim, constata Tereza, aproximando-se de 
Lua, e fazendo-lhe uma carícia no focinho, no que é retribuída 
com uma cabeçada.
 - Para onde vou? (Sabendo que eles iriam dizer “Você 
verá!”, acrescenta):
 - Não precisam me dizer, vou descobrir por mim mesma, 
já sei.
 Monta Lua, esquecida dos sapatos. E lá vão a égua, e a 
menina-moça.
Temas: A união do céu e da terra
Saem para ver os bichos que vivem soltos, e como não se 
sentem ameaçados, se aproximam das pessoas. Quando vê um 
lobo-guará, Tereza, entretanto, se assusta, e corre a se esconder 
atrás de Marta:
- É Chicão, um amigão, olá, Chicão, velho de guerra! Animal livre 
e selvagem, Chicão as acompanha, mas não as toca, mostrando 
diferenças entre um lobo e um cão. Andam bastante, e quando 
o sol fica alto, voltam para casa. E Marta mostra à Tereza seus 
desenhos. Desenha pedras. Aliás, desenha os desenhos que vê 
nas pedras.
Mostra as pedras à Tereza, pedras que, nesse lugar estão em 
toda parte, ajudando a menina encontrar linhas e formas, e 
depois, convidando-a a experimentar desenhar o que via. Tereza 
gosta da ideia, e experimenta.
Olhando atentamente uma das pedras vê duas caras, e pouco 
depois, na mesma pedra, vê três caras muito diferentes. Passa o 
que viu para o papel, como Marta lhe ensinou, usando o caderno 
que Olga lhe deu.
- Gosto de pensar que para cada pedra, na Terra, há uma 
estrela no
Céu. (Disse Marta).
- Cuido dos bichos e da Terra. Carlos cuida das estrelas e 
do Céu.
Amamos o que fazemos, e um ao outro.
- Você acredita que há vida em outros planetas? (Pergunta 
27
Tereza).
- Acredito, mas não me preocupo, nem me interesso pô. Há tanta 
vida ao meu redor! E depois, preciso lhe contar, estou esperando 
um bebê.
Carlos e eu teremos um filho. Ou filha.
- Verdade? Que bom! Queria muito ganhar um irmão. Mas, 
antes, meu pai precisa de chão. E, sabe de uma coisa? Acho 
que mamãe também precisa.
Quando soube que Lucas partira, chora. Quem iria levá-la? Para 
onde? Com Carlos, Lucas e Marta, foi minha sexta noite, longe 
de minha mãe e do meu pai. Dessa vez, no entanto, há uma 
novidade, Marta pede que Tereza tome banho, e quando ela sai 
se enxugando do chuveiro, cabelo molhado, vê um vestido de 
moça sobre a cama: branco, de algodão e rendas. Marta precisa 
lhe pedir vesti-lo. Tereza olha e acha o vestido enorme. Só 
percebe que parecia feito para ela, quando se enfia nele. Cabe-
lhe como uma luva. Vestida e descalça
(estava tão perplexa que se esquece de pedir sapatos, e os dela 
não lhe
cabiam mais). Contém um grito de admiração quando vê quem 
iria levá-la, era uma égua linda e branca, chamada Lua, enfeitada 
com uma guirlanda de flor-silvestres. Lua parece uma deusa, 
pensa Tereza. Os cabelos negros dela contrastam com a crina 
de Lua, mais branca ainda que o pêlo de seu corpo.
- Lua conhece o caminho, não se preocupe, você só precisa 
confiar.
- Vou aprender de confiar mais um pouquinho, mas, tenho um 
tanto assim de medo. E mais outro tanto.
- Lua será mansa com você. Ela a adotou. (Responde Marta).
- Como sabe?
- Olha.
Tereza olha e vê a égua fitando-a docemente, a cara equina 
parecendo sorrir. Quem é que pode dizer que os bichos não 
sorriem? Sorriem sim, constata Tereza, aproximando-se de Lua, 
e fazendo-lhe uma carícia no focinho, no que é retribuída com 
uma cabeçada.
28
- Para onde vou? (Sabendo que eles iriam dizer “Você verá!”, 
acrescenta):
- Não precisam me dizer, vou descobrir por mim mesma, já sei.
Neste Capítulo somos apresentados a um casal mítico: o 
homem, que cuida das estrelas e do céu, e a mulher, que 
cuida da terra e dos bichos. Este casal representa o encontro 
de dois pólos e a integração da Natureza. Junto de Marta e 
Carlos, Tereza compreende a magnitude da natureza e sente 
um profundo respeitopela mesma. Tereza partilha com Marta 
o êxtase da confiança e da presença invisível da natureza 
como conexão com o Ser Maior. 
Quando chega a hora de continuar sua jornada, Tereza se 
surpreende ao descobrir sua nova guia: uma linda égua 
branca, chamada Lua. A lua aqui é um símbolo do feminino. A 
égua que conduz Tereza recebe este nome porque representa 
o instinto, que também é guiado pela energia do céu e do 
universo. 
VII- A casa bêbada
 Chegam a uma casa cheia de recortes. Nada combina 
com nada. Uma parede rosa, outra azul, outra amarela, outra 
vermelha, colcha de retalhos. Uma casa bamba, solta e precária, 
sobre o alto do morro. Parece que bebe pinga. Lua vai subindo 
devagarzinho, caminho escarpado e cheio de curva. Sem pressa. 
Parece que não quer chegar. Mas não se mostra medrosa, pelo 
contrário, volta cabeça para trás olhando Tereza, e resfolega, 
para animar. A menina olha ao lado e enxerga um precipício. Não 
pensa em dar meia volta com Lua, e galopar para fugir daquela 
casa esquisita, mas que dá vontade dá. Pede desculpas à Lua 
por se sentir sozinha, montada nela. Tem raiva de Lucas não 
ter vindo com ela, por que ele fez isto? Nunca sabia quando 
podia ou não contar com a presença dele. Ou dos novos amigos. 
Lua resfolega novamente, lembrando-lhe que não estava só. 
Inesperadamente, a égua empina. E Tereza se agarra à crina, ao 
escutar uma gargalhada de gelar o sangue de qualquer incauto:
29
 - Aahahahahahahahahahahahahahahah!
 Não dá para saber se a pessoa está chorando ou rindo, 
credo! Ao chegarem lá encima, Tereza vê a mulher mais feia já 
avistada em sua curta vida. O cabelo desgrenhado não deve 
de ter sido penteado há anos. Uma verruga no nariz, pelos na 
ponta da verruga, olhos rajados de vermelho, unhas verdes e 
compridas, veste negra, e um chapéu pontudo na cabeça. Uma 
bruxa.
 Tereza apeia, deixando Lua solta e livre. A égua vacila, 
relincha, mas vai descendo devagarzinho, como subira. De vez 
em quando olha para trás, como se perguntasse, deve voltar e 
pegar Tereza? Mas, depois, como que criando coragem, galopa 
e se vai, levantando poeira. Apeada e sozinha, a menina se 
apresenta:
 - Bom dia, minha senhora, sou Tereza.
 A mulher fica olhando, não diz o nome nem nada. Tereza, 
então, se manifesta:
 - Posso fazer pergunta? Quando a gente chegou aqui não 
consegui saber se o que ouvi era riso ou choro. 
 Olha para o rosto da mulher e vê pequenas modificações, 
a verruga some, vai embora o vermelho dos olhos, e ela fica 
menos feia.
 - Pela primeira vez na vida, sinto algo bom. Gratidão. 
Obrigada pela pergunta que me fez. O som que ouviu foi um 
riso misturado com choro. Você me compreendeu, e estou muito 
grata. Que bom sentir gratidão, acalma a gente, acalenta. Vamos 
entrar? Se você puder me ouvir, tenho uma longa história a lhe 
contar. (E pede): Por favor! Escuta? 
Tema: Tereza é colocada a prova
-Aahahahahahahahahahahahahahahah!
Não dá para saber se a pessoa está chorando ou rindo, credo! 
Ao chegarem lá encima, Tereza vê a mulher mais feia já avistada 
em sua curta vida. O cabelo desgrenhado não deve de ter sido 
penteado há anos. Uma verruga no nariz, pelos na ponta da 
verruga, olhos rajados de vermelho, unhas verdes e compridas, 
veste negra, e um chapéu pontudo na cabeça.
30
Uma bruxa.
Tereza apeia, deixando Lua solta e livre. A égua vacila, relincha, 
mas vai descendo devagarzinho, como subira. De vez em 
quando olha para trás, como se perguntasse, deve voltar e pegar 
Tereza? Mas, depois, como que criando coragem, galopa e se 
vai, levantando poeira. Apeada e sozinha, a menina se apresenta:
- Bom dia, minha senhora, sou Tereza.
A mulher fica olhando, não diz o nome nem nada. Tereza, então, 
se manifesta:
- Posso fazer pergunta? Quando a gente chegou aqui não 
consegui saber se o que ouvi era riso ou choro.
Olha para o rosto da mulher e vê pequenas modificações, a 
verruga some, vai embora o vermelho dos olhos, e ela fica menos 
feia.
- Pela primeira vez na vida, sinto algo bom. Gratidão. Obrigada 
pela pergunta que me fez. O som que ouviu foi um riso misturado 
com choro.
Você me compreendeu, e estou muito grata. Que bom sentir 
gratidão, acalma a gente, acalenta. Vamos entrar? Se você 
puder me ouvir, tenho uma longa história a lhe contar. (E pede): 
Por favor! Escuta?
Ao se encontrar com a bruxa da casa bêbada, Tereza é 
colocada à prova. A aparência da mulher não a assusta, e 
Tereza não exita em lhe perguntar se o que ouvia quando 
chegou era choro ou riso. No mesmo instante, o rosto da 
bruxa começa a suavizar-se, a mulher se comove, porque 
finalmente encontrou uma pessoa que não fugia de si por 
conta de sua aparência, e agradece Tereza pelo sentimento 
que a jovem acabara de lhe proporcionar: gratidão por ser 
compreendida. 
VIII – A mulher sem nome conta uma história
 Era uma vez, a mulher mais bonita do mundo. Os homens 
da cidade a amavam e cobiçavam, e as mulheres a invejavam. 
Ela própria não gostava de ninguém, não tinha nem namorado, 
31
nem amigos. Gostava mesmo era ser servida, obedecida em 
todas as vontades. Amava ser linda, e para se olhar, todas as 
paredes eram de espelhos. Não sabia de amor, nem de amizade, 
ou, simplesmente do gostar das pessoas. Não sabia de flor, dos 
animais, do Céu, das estrelas, ou dos rios. Um dia para em 
sua porta uma velha que pede um copo de água. Sem saber 
de compaixão enxota a velha, como cão sarnento. Cachorros 
sarnentos ou não também são criaturas, e não podem ser 
enxotados. Mas, a bela maltrata a pobre velha, sem piedade.
 A velha, uma fada disfarçada, castiga a maldade. Toca 
no ponto fraco, e as paredes espelhadas lhe contavam, ela ia 
enfeando. Se percebendo mais feia, cada dia quebra um espelho, 
até não sobrar nenhum. Dentro de casa uma cacaria que ninguém 
catava, por mais que berrasse. Seu reinado acabara. Os homens 
não mais a cobiçavam, as mulheres não mais a invejavam.
 Resolve partir, com a roupa do corpo. Sedenta no meio do 
caminho encontra a mesma velha. Esta lhe oferece água fresca 
do riacho, colhida em uma folha de taioba, o que faz a água 
parecer prata líquida. A fugida estava muito ressentida com tudo 
o que aconteceu, e mal a sede passa, enxota de novo a criatura. 
E a velha, então, lhe diz:
 - Acabo de lhe dar água. Você me enxotou lá na porta de 
sua casa, na cidade, quando era bonita. E enxota agora que está 
feia. Eu a amaldiçoei, e foi minha maldição que tirou de você toda 
a beleza. No alto daquele morro (aponta para um morro azul, de 
tão distante) há uma casa, e nela há um baú. Dentro do baú há 
chão adormecido em almofadas de sonhos. Um dia uma menina 
vai chegar por causa do baú, porque vai precisar do chão e dos 
sonhos que ele guarda. Se tomar conta do baú, e se um dia a 
menina que lhe falei aparecer e for por você recebida, você ficará 
livre da maldição.
 - É a sua história?
 - Sim. Aceitei o conselho daquela senhora idosa. Tomo 
conta do baú, nunca ninguém apareceu, até hoje. Pensei todo 
esse tempo na menininha. Mas é você quem aparece. Uma 
moça, uma linda mulher. Bem vinda.
Tema: A mulher conta sua história.
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- Acabo de lhe dar água. Você me enxotou lá na porta de sua 
casa, na cidade, quando era bonita. E enxota agora que está 
feia. Eu a amaldiçoei, e foi minha maldição que tirou de você toda 
a beleza. No alto daquele morro (aponta para um morro azul, de 
tão distante) há uma casa, e nela há um baú. Dentro do baú há 
chão adormecido em almofadas de sonhos. Um dia uma menina 
vai chegar por causa do baú, porque vai precisar do chão e dos 
sonhos que ele guarda. Se tomar conta do baú, e se um dia a 
menina que lhe falei aparecer e for por você recebida, você ficará 
livre da maldição.
- É a sua história?
- Sim. Aceitei o conselho daquela senhora idosa. Tomo conta do 
baú, nunca ninguém apareceu, até hoje. Pensei todo esse tempo 
na menininha. Mas é você quem aparece. Uma moça, uma linda 
mulher. Bem vinda.
Neste capítulo vemos referência a um arquétipo muito 
presente nos contos de fadas: a personagem que é 
amaldiçoadapor sua soberba e vaidade, passa longos anos 
em isolamento, onde pode refletir sobre seus atos passados. 
No final, encontra alguém que a enxerga além da aparência, 
pode contar sua história e recomeçar sua vida longe da 
vaidade e do egoísmo em que vivia. 
IX - A guardiã do baú
 
 Foi o turno de Tereza chorar. Só chora, não ri e chora ao 
mesmo tempo, como fazia a mulher, quando chegou montada 
em Lua.
 - Não se preocupe Tereza, admiro sua beleza. Você a 
merece.
 Como na vida anterior aquela mulher só pensava em 
beleza, imaginou o que afligia a recém-chegada fosse medo de 
ficar feia, medo de ser contagiada pela feiura dela. Quando na 
verdade, a menina que ficara moça em sete dias, tinha medo era 
de perder o pai. E só saiu pelo mundo procurando chão, para 
33
salvá-lo. Através das lágrimas vê que a mulher está quase bonita, 
uma bela mulher de meia idade. Como naquela casa não havia 
espelhos, Tereza contou a ela das modificações que via em seu 
rosto, em seu corpo. A resposta a surpreende:
 - Pela primeira vez na minha vida conheço a alegria. Estou 
feliz por você estar aqui. Nem faço questão que a maldição acabe. 
Não quero mais a beleza. O importante é cuidar do baú para 
alguém que um dia, poderá vir aqui por precisar muito dele. Uma 
menina, pelo que sei. Nunca o abri, nem sei o que há dentro. 
Pelo menos nisso fui honesta.
 - E se eu disser que sou a menina para quem você guardou 
o baú, vai acreditar?
 - Posso contar?
 A mulher assente. Há quantos anos não ouvia uma voz? 
Tereza conta tudinho o que você já sabe. A mulher acredita, e 
sua confiança provoca em Tereza uma reviravolta: o vestido de 
algodão branco fica grande demais, e a sufoca. Sente saudade 
de seu vestido rodado e estampado. Volta a ser uma menina de 
oito.
 - Você precisa abrir o baú, veio por causa dele.
 - Sim, vim por causa do baú. E nesses dias que andei pelo 
mundo descobri que a gente não sabe das coisas antes de viver. 
Só vou saber o que há nele abrindo a tampa. E vou fazer isso já.
 Antes de dar um passo Tereza ouve uma cantoria, e a 
mulher também. As duas correm à janela da parede vermelha, 
bem aberta em suas duas folhas. Subindo pelo morro uma 
procissão alegre e bonita, fila ondulante. Tereza vê os pais, vê 
Sá Antonia, que começou para ela aquela história do chão, e 
todas as outras pessoas e seres que conheceu e amou naqueles 
dias e noites movimentados. Lua abrindo o caminho, Chicão, 
ressabiado como um bom lobo fechando a fila. Quando a veem 
na janela todos gritam e batem palmas:
 - Abre o baú, Tereza. Abre o baú, Tereza.
 Ela obedece, mas antes reza um Pai Nosso, e uma Ave 
Maria. No baú encontra uma brasa que não queima como Sá 
Antonia previra. Um pedaço de tapete. Palavras soltas se unindo. 
Estrelas, e bichos. Um telescópio mínimo. A miniatura de um 
Sambaqui. Todas as coisas no baú, miniaturas vivas. Um biscoito 
34
de chocolate crocante espreguiça, boceja e sorri para Tereza, 
um peixe encontra água e nada, um lobo guará uiva, e por aí a 
fora, tudo o que você quiser imaginar. Baú cheio de vida bem 
desperta. Todas as coisas que ali se guardam se desdobram, e se 
compõem umas com as outras. Se Tereza pega a brasa aparece 
a congada inteira dança e canta. Se um retalho de tapete surge 
a Cooperativa das Fiandeiras, mulheres tecem fiam cantam e 
contam histórias. Vê Olga plantar flor, e Lucas com seu cajado. 
Há luz e sombra. As cores do arco-íris, e outras como o vermelho 
do flamboaiã que falou com ela, lá na casa de Lucy. E há o preto 
no branco. E tudo aquilo é chão de verdade, é vida.
 
 Logo depois Rita e João abraçam a filha. Vivendo o que 
viveu, ela nunca mais tornaria a ser Terezinha, agora era a 
Tereza. Crescendo como cresceu mesmo voltando de moça a 
menina, ia precisar se lembrar a cada instante, que tinha só oito 
anos. João saíra sozinho atrás da filha perdida, sofrendo como 
um capeta, e pelo caminho descobrindo chão, vivendo encontros 
e descobertas. Pede perdão pelos sustos que pregou. Vai cuidar 
bem dele mesmo, promete, não pode se machucar, tem que viver 
e ficar velho, pois, carece criar os filhos. Tereza grita de espanto:
 -Filhos? Pensei que era só eu!
 - Você vai ganhar um irmão. Ou irmã.
 Na manhã seguinte Tereza encontra a velha tecelã que 
conheceu na casa de Gilda, e a quem perguntou, naquela vez, 
se fora amiga de infância do Lucas. Assistiu, então, comovida, a 
velha dando um nome à guardiã do baú:
 - Você se chamará Época. A maldição acabou, e eu a 
abençoo.
 Nossa. Sem a menor sombra de dúvida, a velha 
encarquilhada era fada disfarçada. Foi ela quem amaldiçoou a 
mulher que a maltratou. Tereza imagina que sem toda aquela 
história Época seria apenas uma bobona fútil e inútil. O Baú de 
Chão e Sonhos, como passa a ser chamado, continua a serviço 
de quem o procurar. Naquela hora João quis consulta-lo. Sentado 
ali no chão olhou e chorou durante o que pareceu para Tereza 
uma eternidade. O que ele viu certamente foi diferente, pois, 
35
cada pessoa que olhar para dentro vai ver a própria vida.
 O pessoal que se ajeitou para ali passar a noite, naquela 
manhã fez mutirão e arrumou a casa. Pintaram as paredes e 
janelas, consertaram o que estava quebrado, limparam a sujeira, 
e a casa se tornou encantadora. Lua passou a viver com Época.
 Tereza voltou para casa com os pais. João vendeu a 
motocicleta, e começou a organizar competições de corridas 
para rapazes e para moças, criou a praça de esportes de 
Ventania, fez ali uma piscina, na qual se aprendia a nadar, para 
mais tarde, organizarem as competições de natação. Cidades 
de toda aquela região também faziam isso, e surgiram os Jogos 
Abertos do Interior. João mandou construir o Clube Recreativo 
Pé-de-Vento para reuniões culturais e bailes. Tereza tem o irmão 
Tiago, ele agora nos seus dez, e ela nos seus dezenove. E a vida 
continua.
Tema: A missão de Terezinha chega ao fim
- Pela primeira vez na minha vida conheço a alegria. Estou feliz 
por você estar aqui. Nem faço questão que a maldição acabe. 
Não quero mais a beleza. O importante é cuidar do baú para 
alguém que um dia, poderá vir aqui por precisar muito dele. Uma 
menina, pelo que sei. Nunca o abri, nem sei o que há dentro. 
Pelo menos nisso fui honesta.
- E se eu disser que sou a menina para quem você guardou o 
baú, vai acreditar?
- Posso contar?
A mulher assente. Há quantos anos não ouvia uma voz? Tereza 
conta tudinho o que você já sabe. A mulher acredita, e sua 
confiança provoca em Tereza uma reviravolta: o vestido de 
algodão branco fica grande demais, e a sufoca. Sente saudade 
de seu vestido rodado e estampado. Volta a ser uma menina de 
oito.
- Você precisa abrir o baú, veio por causa dele.
- Sim, vim por causa do baú. E nesses dias que andei pelo 
mundo descobri que a gente não sabe das coisas antes de 
viver. Só vou saber o que há nele abrindo a tampa. E vou 
fazer isso já. Antes de dar um passo Tereza ouve uma cantoria, e 
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a mulher também. As duas correm à janela da parede vermelha, 
bem aberta em suas duas folhas. Subindo pelo morro uma 
procissão alegre e bonita, fila ondulante. Tereza vê os pais, vê 
Sá Antonia, que começou para ela aquela história do chão, e 
todas as outras pessoas e seres que conheceu e amou naqueles 
dias e noites movimentados. Lua abrindo o caminho, Chicão, 
ressabiado como um bom lobo fechando a fila. Quando a veem 
na janela todos gritam e batem palmas:
- Abre o baú, Tereza. Abre o baú, Tereza.
Ela obedece, mas antes reza um Pai Nosso, e uma Ave Maria. 
No baú encontra uma brasa que não queima como Sá Antonia 
previra. Um pedaço de tapete. Palavras soltas se unindo. 
Estrelas, e bichos. Um telescópio mínimo. A miniatura de um 
Sambaqui. Todas as coisas no baú, miniaturas vivas. Um biscoito 
de chocolate crocante espreguiça, boceja e sorri para Tereza, 
um peixe encontra água e nada, um lobo guará uiva, e por aí a 
fora, tudo o que você quiser imaginar. Baú cheio de vida bem 
desperta. Todas as coisas que ali se guardam se desdobram, 
e se compõem umas com as outras. Se Tereza pega a brasaaparece a congada inteira dança e canta. Se um retalho de 
tapete surge a Cooperativa das Fiandeiras, mulheres tecem fiam 
cantam e contam histórias. Vê Olga plantar flor, e Lucas com seu 
cajado. Há luz e sombra. As cores do arco-íris, e outras como o 
vermelho do flamboaiã que falou com ela, lá na casa de Lucy. E 
há o preto no branco.
E tudo aquilo é chão de verdade, é vida.
Na manhã seguinte Tereza encontra a velha tecelã que conheceu 
na casa de Gilda, e a quem perguntou, naquela vez, se fora 
amiga de infância
do Lucas. Assistiu, então, comovida, a velha dando um nome à 
guardiã do baú:
- Você se chamará Época. A maldição acabou, e eu a abençoo.
Tereza
imagina que sem toda aquela história Época seria apenas uma 
bobona fútil e inútil. O Baú de Chão e Sonhos, como passa a 
ser chamado, continua a serviço de quem o procurar. Naquela 
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hora João quis consulta-lo. Sentado ali no chão olhou e chorou 
durante o que pareceu para Tereza uma eternidade.
O que ele viu certamente foi diferente, pois, cada pessoa que 
olhar para dentro vai ver a própria vida.
Ao final da história, aprendemos junto a Terezinha, “que a 
gente não sabe das coisas antes de viver”.
“- Abre o baú, Tereza. Abre o baú, Tereza.
Ela obedece, mas antes reza um Pai Nosso, e uma Ave Maria.”
Quando Tereza abre o baú, se depara com toda sua jornada 
até aquele momento. Vê tudo que aprendeu com seus 
amigos: que a confiança é o fermento de nosso chão; 
que a compreensão é o alimento de nossa alma; que a 
ancestralidade, é uma presença invisível que nos cerca, que 
o sonhar, as palavra e a reza nos conectam ao outro tempo e 
que a união entre o céu e a terra nos guia.
Tereza viveu e agora pode sonhar com todas suas aventuras 
e com as pessoas ao seu redor. O sonho é como um mágico, 
muda as proporções das coisas e as suas distâncias , ele 
nos permite voltar ao tempo mítico, onde nos conectamos 
com a ancestralidade que está dentro de nós.
E há o preto no branco. E tudo é chão de verdade, é vida.
No primeiro momento, Terezinha sai em busca de um chão 
para seu pai. O pai, por sua vez, preocupado com Terezinha, 
também empreende a viagem, e nesse caminho constrói seu 
próprio chão. 
Todos se encontram na casa bêbada, e depois de descansar, 
o pai de Tereza também consulta o Báu “Sentado ali no chão 
olhou e chorou durante o que pareceu para Tereza uma 
eternidade. O que ele viu certamente foi diferente, pois, cada 
pessoa que olhar para dentro vai ver a própria vida.”
Época é um determinado período de tempo, da história 
dos homens ou de uma vida única. Nela guarda-se uma 
história social e pessoal, dentro de uma época recebemos 
determinadas influências culturais e deixamos marcas 
futuras, nenhum nome seria melhor que esse a uma guardiã 
do baú de chão e de sonhos. 
A época mencionada neste livro envolve não só a que 
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Terezinha viveu, mas também a época de todos os tempos, 
o tempo atemporal. A época é inesgotável, é a infinitude do 
tempo que a humanidade tem aqui para viver. O baú de chão e 
sonhos é todo o acervo, o arcabouço mental da humanidade. 
É importante ter consciência do quanto a época em que 
vivemos nos influencia, mas também é importante saber 
que os outros tempos estão dentro de nós e que podemos 
acessá-los por meio dos sonhos, dos livros e da arte.

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