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Prncípios do Direito Comercial

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GEP – Grupo de Estudos Preparatórios do 
Congresso de Direito Comercial 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PRINCÍPIOS DO DIREITO COMERCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2011 
 
2 
 
Organizadores: Prof. Fábio Ulhoa Coelho 
 Marcelo Guedes Nunes 
 
 
Breve currículo dos autores: 
 Fábio Ulhoa Coelho, Jurista e Professor Titular da PUC-SP. 

 André Luiz Santa Cruz Ramos, Doutorando em Direito Empresarial pela 
PUC-SP, Procurador Federal em exercício no CADE e Autor do livro Direito 
Empresarial Esquematizado 

 Áurea Moscatini, Mestre em Direito Privado pela UNIMEP e Doutoranda em 
Direito Empresarial pela PUC-SP. Professora Universitária. Advogada. 

 Daniel Shem Cheng Chen, Especialista em Direito Tributário pelo IBET/SP e 
em Direito Empresarial pela PUC/SP. Atualmente é mestrando em Direito 
Empresarial pela PUC/SP. 
 
 Fernando Melo da Silva, Advogado, Professor Universitário, Mestre e 
Doutorando em Direito. 

 Frederico Marcondes Stacchini, Possui especialização em Administração de 
Empresas pela FGV-SP e é Mestrando em Direito Empresarial pela PUC-SP. 
Advogado em São Paulo. 

 Herbert Morgenstern Kugler, Mestrando em Direito Comercial pela PUC-SP. 
Advogado em São Paulo 
 
 Ivan Vitale Lorena Jr., Advogado. Coordenador da área de Direito Empresarial 
da Escola Paulista de Direito – EPD. Mestre e Doutorando em Direito Comercial 
pela PUC-SP 

 José Roberto Salvini, Especialista em Administração de Empresas pela FGV e 
Mestrando em Direito Empresarial pela PUC-SP. Advogado em São Paulo. 

 Juliana Alves do Nascimento, Bacharel em Direito, Universidade do Estado do 
Rio de Janeiro (2005), Mestranda em Direito Comercial, Pontíficia Universidade 
Católica de São Paulo. Associada de Motta, Fernandes Rocha - Advogados. 

 Marcelo Guedes Nunes, Mestre e Doutorando em Direito Empresarial pela 
PUC-SP. Advogado em São Paulo. 

 Marcelo Tourinho, Mestrando em Direito Empresarial pela PUC-SP. Advogado 
no Rio de Janeiro. 

 Pedro Henrique Laranjeira Barbosa, Especialista e Mestrando em Direito 
Comercial pela PUC/SP. Advogado em Curitiba/PR. 
3 
 

ÍNDICE 
 
Princípios do direito comercial 
 
Introdução por Fábio Ulhoa Coelho....................................................................................5 
 
Parte I - Princípios gerais do direito comercial 
 
1) Liberdade de iniciativa 
Juliana Alves do Nascimento..................................................................................7 
2) Liberdade de competição 
Juliana Alves do Nascimento.................................................................................10 
3) Função social da empresa 
Marcelo Tourinho..................................................................................................12 
 
Parte II – Princípios do direito societário 
 
4) Liberdade de associação 
André Luiz Santa Cruz Ramos..............................................................................16 
5) Autonomia patrimonial da pessoa jurídica e Limitação e 
subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais 
Áurea Moscatini....................................................................................................19 
6) Princípio majoritário e a Proteção do sócio minoritário 
Pedro H. Laranjeira Barbosa.................................................................................29 
 
 
Parte III – Princípios do direito cambiário 
 
7) Cartularidade e Literalidade 
Daniel S. C. Chen..................................................................................................32 
8) A Autonomia das obrigações cambiais 
Daniel S. C. Chen..................................................................................................35 
 
 
Parte IV – Princípios do direito contratual dos empresários 
 
9) Autonomia da vontade 
Frederico M. Stacchini..........................................................................................37 
10) Plena vinculação dos contratantes ao contrato 
José Roberto Salvini..............................................................................................41 
11) Proteção do contratante economicamente mais fraco nas 
relações contratuais assimétricas 
Herbert M. Kugler..................................................................................................45 
12) Princípio do reconhecimento dos usos e costumes comerciais 
Marcelo Guedes Nunes..........................................................................................48 
 
 
4 
 
 
 
Parte V – Princípios do direito falimentar 
 
13) Inerência do risco a qualquer atividade empresarial 
Fernando Melo da Silva.........................................................................................53 
14) Impacto social da crise da empresa 
Marcelo Tourinho...................................................................................................58 
15) Transparência nas medidas de prevenção e solução da crise 
André Luiz S.C. Ramos..........................................................................................61 
16) Tratamento paritário dos credores 
Ivan Vitale Junior....................................................................................................65 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
Introdução 
 
 “Ideologia” é uma palavra normalmente associada a algo ruim. Muito em função dos 
ecos da Guerra Fria, que marcou o enfrentamento dos Estados Unidos e da União das 
Repúblicas Socialistas Soviéticas ao longo da segunda metade do século vinte, a palavra 
evoca uma vaga referência a perversas manipulações de conceitos no bojo de uma luta pelo 
poder. 
 
Desvestida, porém, desse seu contexto, “ideologia” surge como referência a um 
conjunto de valores. Não há vida em sociedade, sem que as pessoas incorporem, em razão de 
suas experiências nos ambientes familiar, escolar, laboral ou social, preceitos sobre o que é 
certo e o que é errado fazer. Os valores sintetizam regras de conduta e são cultivados e 
reafirmados tanto no plano verbal, como no do comportamento – mais neste ultimo que 
naquele. O conjunto de valores geralmente nutridos e adotados como pertinentes por um 
grupo de pessoas ou classe social é uma “ideologia”. 
 
Cada ramo do direito tem, neste sentido, sua “ideologia”, isto é, um conjunto de 
valores que visa prestigiar, por meio de normas constitucionais, legais ou regulamentares. São 
normas de âmbito muito largo, que se costumam chamar de princípios. Os princípios de uma 
disciplina jurídica formam sua ideologia. 
 
Nenhuma ideologia existe por si mesma. Para que exista, é necessário que os valores 
nela abrigados sejam vivenciados por um grupo expressivo de pessoas como pertinentes, 
corretos, justos, racionais, valiosos. Ideologias, assim, surgem e desaparecem em função da 
dinâmica das relações sociais. Pode-se dizer, por exemplo, que a ideologia do fundamento 
divino do poder real, que vicejou largamente na Europa Medieval, não existe mais; 
desapareceu com a afirmação e disseminação da democracia como a forma mais adequada de 
organização do Estado. 
 
Se um valor não é reiterado, reforçado, atualizado, no plano conceitual, ele deixa de 
ser, aos poucos, vivenciado. 
 
Os valores que compõem a “ideologia” do direito comercial correm, hoje, o risco de 
desaparecerem, no emaranhadoda complexa sociedade contemporânea. Se não insistirmos 
que a proteção jurídica feita ao investimento aproveita não apenas o investidor, em seus 
interesses individuais, mas principalmente à sociedade como um todo, aos poucos perder-se-á, 
6 
 
no espírito dos juízes e outros membros da comunidade jurídica, os valores de que depende o 
direito comercial para sobreviver. 
 
Sob o ponto de vista técnico, os valores de uma disciplina jurídica expressam-se por 
meio dos princípios próprios dela. O princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do 
consumidor corresponde ao valor fundamental do direito do consumidor; o princípio do 
poluidor-pagados, ao do direito ambiental; a indisponibilidade do interesse público, ao do 
direito administrativo; e assim por diante. 
 
Precisamos reverter o processo de lento desaparecimento dos valores do direito 
comercial, realimentando a ideologia desta disciplina. Os instrumentos neste processo são a 
realização de eventos periódicos e representativos, como este 1º Congresso Brasileiro de 
Direito Comercial, a elaboração e difusão de trabalhos doutrinários e acadêmicos, que 
identifiquem os princípios do direito comercial e os aprofundem, mostrando como devem ser 
entendidos atualmente, em cotejo com a ideologia dos demais ramos do direito que se 
avizinham. 
 
O Grupo de Estudos Preparatórios “Princípios do Direito Comercial”, que eu 
coordenei, procura, neste relatório, abrir uma picada neste tortuoso caminho de reconstrução 
da ideologia do direito comercial. Do grupo fizeram parte orientandos meus no Programa de 
Pós-graduação em Direito Comercial da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP). Cada um ficou encarregado de considerar um ou mais princípios do direito comercial, 
para estudá-los no contexto de uma tentativa de sua atualização, com vistas a contribuir para o 
reforço do valor embutido em cada um deles. O resultado é, em vista dos objetivos fixados, 
altamente satisfatório e esperamos todos, eu e os demais integrantes do Grupo, que nossas 
reflexões sirvam ao debate que terá lugar no 1º Congresso Brasileiro de Direito Comercial. 
 
Fábio Ulhoa Coelho – Professor Titular de Direito Comercial da PUC-SP 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
Parte I – Princípios gerais do direito comercial 
 
1. Liberdade de Iniciativa 
Juliana Nascimento 
 
A livre iniciativa é princípio constitucional tratado no caput do art. 170 da 
Constituição Federal, considerada direito fundamental
1
 do homem por garantir o direito de 
acesso ao mercado de produção de bens e serviços por conta, risco e iniciativa própria do 
homem que empreende qualquer atividade econômica. Por definição, significa direito à livre 
produção e circulação de bens e serviços
2
 e, consequentemente, o respeito dos demais (Estado 
e terceiros) a essa liberdade, garantido pelo princípio da livre concorrência. 
 
A atual interpretação da doutrina e da jurisprudência é a de que a Constituição Federal 
limita a exploração da atividade econômica a outros princípios elencados no art. 170 da 
Constituição Federal
3
. Neste sentido, o entendimento majoritário é o de que a livre iniciativa 
é base da ordem econômica em conjunto com a valorização do trabalho, e que o desempenho 
da atividade econômica, deve observar cumulativamente todos os valores relacionados nos 
incisos do art. 170
4
. Entretanto, tal interpretação gera restrições à liberdade de iniciativa 
 
1 “Em segundo lugar surge a liberdade de iniciativa. Na verdade esta liberdade é uma manifestação dos direitos fundamentais 
e no rol daqueles devia estar incluída. [...] Equivale ao direito que todos têm de lançarem-se ao mercado da produção de bens 
e serviços por sua conta e risco. Aliás, os autores reconhecem que a liberdade de iniciar a atividade econômica implica a de 
gestão e a de empresa” (BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: 
promulgada em 5 de outubro de 1988. 7º volume, arts. 170 a 192. São Paulo: Saraiva, 1990. P. 16). 
2 “O seu exercício envolve uma liberdade de mercado, o que significa dizer que são proibidos os processos tendentes a tabelar 
2 “O seu exercício envolve uma liberdade de mercado, o que significa dizer que são proibidos os processos tendentes a tabelar 
os preços ou mesmo a forçar a sua venda em condições que não sejam as resultantes do mercado. A liberdade iniciativa 
exclui a possibilidade de um planejamento vinculante. O empresário deve ser o senhor absoluto na determinação de o que 
produzir, como produzir, quanto produzir e por que preço vender. Esta liberdade, como todas as outras de resto, não pode ser 
exercida de forma absoluta. Há necessidade sim de alguns temperamentos. O importante, contudo, é notar que a regra é a 
liberdade. Qualquer restrição a esta há de decorrer da própria Constituição ou de leis editadas com fundamento nela” 
(BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro 
de 1988. 7º volume, arts. 170 a 192. São Paulo: Saraiva, 1990. P. 16). 
3 “A defesa do consumidor, a proteção ao meio ambiente, a função social da propriedade e os demais princípios elencados 
pelo art. 170 da CF como informadores da ordem econômica, bem como a lembrança da valorização do trabalho como um 
dos fundamentos dessa ordem, tentam refletir o conceito de que a livre iniciativa não é mais que um dos elementos estruturais 
da economia” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1, 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. 
P. 186). 
4 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a 
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: 
I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; 
V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto 
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e 
sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis 
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. 
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização 
de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. 
8 
 
econômica e distorções na aplicação do princípio da livre iniciativa, principalmente quando 
no caso concreto ele se apresenta em conflito com outro valor protegido constitucionalmente
5
. 
 
Curiosamente, o princípio da livre iniciativa perde de todos os princípios sociais 
quando sujeito à ponderação de princípios, como se pode ver na jurisprudência do Supremo 
Tribunal Federal
6
, o que nos leva à seguinte reflexão: será que a maioria dos juízes e juristas 
considera a livre iniciativa um princípio inferior?
7
 
 
A premissa maior aqui é a compreensão do texto constitucional
8
. A valorização do 
trabalho humano e a livre iniciativa são igualmente elencadas como a base da ordem 
econômica, a qual tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da 
justiça social. Esse trecho, porta de todo o intervencionismo protecionista e paternalista por 
parte do estado, informa que a existência digna deve ser alcançada com o trabalho e a livre 
iniciativa. Em nenhum momento está dito que o trabalhador e o empreendedor devem arcar 
com a existência digna daqueles que não trabalham ou não empreendem – e isso já ocorre 
com o pagamento de impostos, instrumento clássicode redistribuição de renda. 
 
Caso recentemente julgado no Supremo Tribunal Federal ilustra muito bem a postura 
protecionista do país frente à proteção da livre iniciativa e livre concorrência. O Tribunal 
Pleno decidiu pela manutenção do privilégio do serviço postal por razões técnicas e formais (a 
distinção entre monopólio e privilégio, decorrente da diferenciação entre serviço público e 
atividade econômica em sentido estrito), ignorando a realidade de competição no setor e a 
experiência internacional contemporânea. Vale a pena ler a íntegra do acórdão, com destaque 
 
5 Livre Iniciativa. Parâmetros. ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-11-05, Plenário, DJ de 2-6-06; ADI 3.512, 
Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-06, Plenário, DJ de 23-6-06. 
6 Limitação social à liberdade de iniciativa: AC 1.657-MC, voto do Rel. p/ o ac. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-6-
2007, Plenário, DJ de 31-8-2007; ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-11-2005, Plenário, DJ de 2-6-2006; ADI 
3.512, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 23-6-2006; ADI 319-QO, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 3-3-
1993, Plenário, DJ de 30-4-1993; STA 171, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 12/12/2007, Tribunal Pleno, DJ de 29-02-
2008; ADI 3512, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15/02/2006, Tribunal Pleno, DJ de 23-06-2006; ADI 1950, Rel. Min. 
Eros Grau, julgamento em 03/11/2005, Tribunal Pleno, DJ de 02-06-2006; RE 349686, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento 
em 14/06/2005, Segunda Turma, DJ de 05-08-2005; RE 321796 Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 08/10/2002, 
Primeira Turma, DJ de 29-11-2002. 
7 “[...] significa que, embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os 
demais valores da economia de mercado. [...] essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado na economia, 
a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho [...]. (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição, 2ª 
ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006. p. 709)(grifo nosso) 
8 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins trazem, na nota de rodapé nº 1 dos comentários ao art. 170 da obra 
Comentários à Constituição do Brasil, uma bela análise dos fundamentos do art. 170 nas constituições federais, feita por 
Washington Peluso Albino de Souza. SOUZA, Washington Peluso Albino de. A experiência brasileira de Constituição 
econômica, Revista de Informação Legislativa, 102:29-32, abr-jun, 1989, citado por BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, 
Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 7º volume, arts. 170 a 192. São 
Paulo: Saraiva, 1990. P. 12-15. 
9 
 
para o voto vencido do Ministro Marco Aurélio (ADPF 46, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, 
julgamento em 5-8-09, Plenário, DJE de 26-2-10). 
 
O cerne da questão reside no pensamento político dominante. Não está claro para 
muitos que a livre iniciativa é princípio fundamental por ser essencial para o desenvolvimento 
do país e não inferior a princípios sociais. O prêmio Nobel de economia Amartya Sen destaca 
em sua obra Development as Freedom a importância da escolha social para o 
desenvolvimento. Ele argumenta que a liberdade individual – em todos os campos da 
expressão do indivíduo e não apenas do ora analisado enfoque econômico da liberdade de 
iniciativa – deve ser encarada como um comprometimento social. Para ele, uma sociedade 
saudável é aquela habitada por indivíduos com a capacidade de escolher e de construir boas 
vidas com suas escolhas. O seu conceito de justiça, publicado ano passado no livro The Idea 
of Justice, requer que cada cidadão seja equipado com uma ampla gama de “capacidades” 
(que ele define como o “poder de fazer algo”) para que seja considerado responsável pelo seu 
próprio bem estar, ou, em nossa linguagem constitucional, sua existência digna
9
. 
 
Neste sentido, os eminentes juristas Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins 
demonstram um pensamento de lucidez admirável na interpretação do caput do art. 170
10
. 
Em nossa opinião, essa é a melhor interpretação possível do texto constitucional e deve 
prevalecer sobre a jurisprudência e doutrina mais festejadas. 
 
9 SEN, Amartya; tradução Laura Teixeira Motta. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 
2010. 
10 “O que se poderia perguntar é se é possível organizar-se a justiça social dentro de um regime de liberdade de iniciativa. A 
nosso ver não existe uma contradição visceral entre essas idéias. É certo que jogadas a si mesmas as forças da produção 
podem caminhar num sentido inverso ao da justiça, contudo, ainda assim, os Estados que mais têm avançado na melhoria da 
condição humana são justamente aqueles que adotam a liberdade de iniciativa. Ao Estado pode caber um papel redistribuidor 
da renda nacional. O que não é aceitável é ver-se uma contradição entre a liberdade de iniciativa e a justiça social a ponto de 
se afirmar que esta última só é atingível na medida em que se negue a primeira” (BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives 
Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 7º volume, arts. 170 a 192. São 
Paulo: Saraiva, 1990. P. 18). 
10 
 
2. Liberdade de Competição 
Juliana Nascimento 
 
Como explicado acima, o princípio da livre concorrência, tratado no art. 170, IV e no 
art. 173, § 4º
11
, é manifestação do princípio fundamental da livre iniciativa. 
 
Na lição de Yves Guyon, a obrigação de liberdade de concorrência se acrescenta à 
obrigação de lealdade na competição
12
. No Brasil, o Professor Fabio Ulhoa Coelho discorre 
sobre a importância dos efeitos da prática empresarial para a verificação e concorrência 
abusiva; se a atividade econômica resulta em dominação de mercado, eliminação de 
concorrência ou aumento arbitrário de lucros ela é considerada abusiva e, portanto, ilícita
13
. 
 
A competição pura é o fim do princípio e objeto da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 
1994. 
 
“Desnecessário se torna encarecer ainda mais os altos fins visados por meio da 
defesa da liberdade de mercado. Vale a pena transcrever aqui a opinião de Luís Cabral de 
Moncada: “O objectivo (sic) das leis de defesa da concorrência é o de assegurar uma 
estrutura e comportamento concorrenciais dos vários mercados no pressuposto de que é o 
mercado livre que, selecionando os mais capazes, logra orientar a produção para os setores 
susceptíveis de garantir uma melhor satisfação das necessidades dos consumidores e, ao 
mesmo tempo, a mais eficiente afetação dos recursos econômicos disponíveis, que é como 
quem diz, os mais baixos custos e preços. A concorrência é assim encarada como o melhor 
processo de fazer circular e orientar livremente a mais completa informação econômica, quer 
ao nível do consumidor, quer ao nível de produtores, assim esclarecendo as respectivas 
preferências. É por isso que a sua defesa é um objectivo de política econômica” (Direito 
econômico, 2. ed. Coimbra Ed., p. 313)”14 
O estado conta com modelos econômicos de mercado livre e de competição saudável 
para servir de parâmetro para sua atuação fiscalizatória e de repressão ao abuso de poder 
econômico. A análise acessível que Fábio Nusdeo faz sobre as falhas de mercado leva-nos a 
 
11 Art. 173. [...] 
§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao 
aumento arbitrário dos lucros. 
12 “Dans un système juridique dominé par le principle de la liberté du commerce et de l‟industrie, il ne devrait pas exister de 
réglementation de la concurrence. Eneffet celle-ci devrait se suffire à elle-même, les commerçants médiocres étant éliminés 
par le libre jeu des règles du marché. L‟experience montre cependant qu‟une concurrence absolument libte engendre des 
désordres et finit par se détruire elle-même car d‟éliminations en éliminations elle aboutit à la création de monopoles. [...]. 
Classiquement cette invention avait pour objet le maintien de la loyaté de la concurrence, car dans la guerre commerciale 
tous les coups ne sont pas autorisés. [...]. A l‟obligation traditionnelle de loyale concurrence est venue s‟ajouter l‟obligation 
nouvelle de libre concurrence, qui est atuellement l‟un des thèmes majeurs de la politique économique” (GUYON, Yves. 
Droit des Affaires: Droit commercial general et Sociétés. Paris: Ed. Economica, 1980. P. 757-758). 
13 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1, 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. P. 209. 
14 (BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro 
de 1988. 7º volume, arts. 170 a 192. São Paulo: Saraiva, 1990. P. 27) 
 
11 
 
concordar com a sua conclusão no sentido de que “[...] à percepção de que a mecânica 
operacional do mercado, tal como imaginada pelos clássicos, corresponde mais a um modelo 
simplificado do que a uma realidade facilmente encontradiça em cada caso concreto”15, que o 
autor chama de “concorrência perfeita”, a que o estado busca adequar a realidade, impedindo 
as conseqüências indesejáveis das distorções identificadas. 
 
Entretanto, o estado brasileiro, ao fazer política econômica, não raro extrapola ao 
incutir objetivos não econômicos em medidas de controle e intervenção na economia, 
onerando a iniciativa privada e prejudicando a liberdade de concorrência. 
 
Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal vem corrigindo diversos casos de fixação 
de preços pelo estado em clara ofensa aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência e 
se posicionando no sentido de que não é legal a fixação de preços abaixo do valor de 
mercado
16
. Este entendimento ainda se mostra tímido, uma vez que a fixação de preços não é 
necessária para o funcionamento de nenhum mercado e gera graves distorções na ordem 
econômica
17
. 
 
A proposta teórica é refletir sobre a necessidade de intervenção do estado na economia 
e na livre concorrência. A atuação dos órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa 
da Concorrência já é suficiente e bem orientada no sentido de promover ambiente 
institucional/legal que favoreça o livre funcionamento dos mercados e estimule o 
investimento privado. Qualquer medida intervencionista caminha no sentido oposto ao 
desenvolvimento econômico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos 
Tribunais, 2010. P. 167. 
16 AI 683098, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 01-06-2010, Segunda Turma, DJ de 25-06-2010; RE 583992, Rel. Min. 
Ellen Gracie, julgamento em 26-05-2009, Segunda Turma, DJ de 12-06-2009; RE 422941, Rel. Min. Carlos Velloso, 
julgamento em 06/12/2005, Segunda Turma, DJ de 24-03-2006; RE 226836, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 
12/09/2000, Segunda Turma, DJ de 13-10-2000. 
17 Neste sentido, HAYEK, Friedrich A. von. The road to serfdom: text and documents. The definitive edition. Edited by 
Bruce Caldwell. The University of Chicago Press, 2007. 
 
12 
 
3. FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA 
Marcelo Tourinho 
 
No Brasil, a expressão função social aparece nas Constituições de 1934 (art.113), 1946 
(art. 147), 1967 (art.157, III), 1969 (art.160, III) e 1988 (arts.5º, XXIII, 170, 182 e 186), 
relacionadas à função social da propriedade e dos contratos. Embora sem previsão expressa, a 
doutrina entende ter sido ela acolhida pelo Código Civil de 2002
18
, seja em razão do expresso 
reconhecimento da função social de outros dois institutos vinculados ao exercício da empresa, 
o contrato (art. 422, CC) e a propriedade
19
 (art. 1228, §1º, CC), de cujo cumprimento não 
pode o empresário se escusar, seja em virtude dos critérios dirigentes da interpretação do 
diploma civil de 2002, que são a eticidade, a socialidade e a operabilidade
20
. 
 
Aplicada à empresa, a função social somente passa a ser expressamente prevista com a 
edição de Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), em seus artigos 116 e 154
21
. 
 
Trata-se de figura de difícil definição, cujo conteúdo não pode ser depreendido a partir 
dos dispositivos a ela aplicáveis. Conceito bastante difundido entre a doutrina é o de que por 
função social deve-se entender o respeito aos direitos e interesses dos que se situam em torno 
da empresa
22
, também conhecidos como stakeholders
23
, conceito esse que inclui acionistas, 
 
18 Vide Enunciado 53, aprovado na I Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça 
Federal: “Deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a 
despeito da falta de referência expressa”. Jornadas de Direito Civil: Enunciados aprovados. Disponível em 
<http://www.jf.jus.br/portal/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1296>. Acesso em 30/01/2011. 
19 A noção da função social da empresa prende-se, ou tem por base, a noção de função social da propriedade, nos termos do 
artigo 170, III, da Constituição Federal de 1988 (SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras 
anotações. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros Editores, ). 
20 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; BARTHOLO Bruno Paiva, Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos 
Tribunais. v. 857, p. 11-28 mar./2007, p. 17. 
21 “Art. 116. [...]. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu 
objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela 
trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”. “Art. 154. O 
administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, 
satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. (...)” 
22 BULGARELLI, Waldírio. A teoria jurídica da empresa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 284. No mesmo 
sentido, BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 134. 
23 Stakeholder é qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou ser afetado pela conquista dos objetivos de uma empresa, 
como, por exemplo, acionistas, credores, gerentes, empregados, consumidores, fornecedores, comunidade local e o público 
em geral.(EVAN, W.; FREEMAN, R.E., “A Stakeholder Theory of the Modern Corporation : Kantian Capitalism”. In: T. 
Beauchamp and N. Bowie, Ethical Theory and Business, Englewood Cliffs, NJ, 1988, p. 103). Sobre o tema: ALKHAFAJI, 
A. F.. A Stakeholder Approach to Corporate Governance. Managing in a Dynamic Environment. Westport, CT: Quorum 
Books, 1989; MITCHEL, Ronald K.; AGLE, Bradley R.; WOOD, Donna J. Toward a Theory of Stakeholder Identification 
and Salience: Defining the Principle of Who and What Really Counts. Academy of Management Review, v. 22, n. 4, p. 853-
886, 1997. 
13 
 
empregados e comunidade
24
. José Edwaldo Tavares Borba apresenta o seguinte exemplo de 
aplicação do conceito: 
 
“Jamais, no entanto, poderá o interesse do empregado ser sacrificado sob o 
argumento de que a redução do quadro aumentará o lucro,ou como processo de substituição 
de empregado antigo – de remuneração mais elevada – por empregado novo – de 
remuneração mais baixa. Práticas dessa natureza correspondem ao sacrifício do trabalho em 
proveito do capital e, como tal, conflitam com o já referido art. 116, parágrafo único, que 
colocou capital, trabalho e comunidade em posição de equilíbrio
25
.” 
 
 
Após a edição da Lei 6.404/76, foi grande a movimentação da doutrina em torno do 
artigo 116, mas este infelizmente teve pouca aplicação prática
26
. É difícil determinar, a partir 
da jurisprudência nacional, a extensão, os deveres positivos e as prerrogativas que decorrem 
da função social da empresa. A função social da empresa é utilizada, no mais das vezes, em 
sentido genérico, sem que seja explicitado seu conteúdo. No sentido que lhe é dado nos arts. 
116 e 154 da Lei das S.A., pode ser identificada com a exigência de um comportamento 
“idôneo e probo” de controladores e dos administradores das pessoas jurídicas27. A expressão 
ganha maior densidade quando tratada em processos de recuperação judicial e falências, nos 
quais é aplicada com vistas à preservação da empresa em crise, caso em que e passa a ser 
identificada com a importância da preservação de empregos, arrecadação de tributos e 
desenvolvimento econômico do país
28
. 
 
 O conteúdo da função social, não obstante o esforço da doutrina e o tratamento 
jurisprudencial, permanece impreciso – para alguns vazio do ponto de vista axiológico29 – 
 
 
 
 
24 Modesto Carvalhosa inclui no conceito o respeito aos consumidores e aos concorrentes. (Comentários à Lei de Sociedades 
Anônimas, 3º volume, Artigos 138 a 205. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 276). Lamy, um dos autores da lei das S.A.., entende 
que a função social “há que traduzir-se na busca atenta e permanente da conciliação do interesse empresarial com o interesse 
público; no atendimento aos reclamos da economia nacional, como um todo, na identificação da ação empresarial com as 
reivindicações comunitárias – numa palavra, na observância de uma ética empresarial, que, afinal, é o que distingue o 
aventureiro do empresário” (A Função Social da Empresa. Revista de Direito Administrativo, nº 190. Rio de Janeiro: 
Renovar. p. 59. out./dez. 1992). 
25 Op. Cit. p.136. 
26 FORGIONI, Paula Andréa; OLIVEIRA, Jonathan Mendes de; RODRIGUEZ, Caio Farah; Interpretação dos negócios 
empresariais. In: Wanderley Fernandes. (Org.). Série GVlaw Fundamentos e princípios dos contratos empresariais. São 
Paulo: Saraiva, 2007, p. 143. 
27 STJ, REsp 1130103 / RJ, Ministro Relator Castro Meira, julgado em 30/08/2010. 
28 STJ, AgRg no CC 105215/MT, Ministro Relator Luiz Felipe Salomão, julgado em 02/12/2010; STJ, REsp 1201912, 
Ministro Relator OG Fernandes, julgado em 30/09/2010; STJ, CC 73380/SP, Ministro Relator Helio Quaglia Barbosa, 
julgado em 28/11/2007; STJ, EREsp 111294 / PR, Ministro Relator Castro Filho, julgado em 28/06/2006 
29 Vide a crítica de AZEVEDO, Antonio Junqueira de. O princípio da Boa-fé nos Contratos. In: CEJ, v.9, p.43. 
14 
 
e mantêm-se como uma porta aberta para seu uso arbitrário, pois quanto maior a abertura do 
conceito, maiores as possibilidades de interpretações divergentes
30
. A questão é bastante 
relevante, especialmente tendo-se em conta o atual cenário
31
 de desrespeito à pessoa 
jurídica
32
, incompreensão das particularidades relativas aos negócios comerciais
33
 e 
desprestígio do próprio do direito comercial. 
 
É preciso ter em mente, como concepção crítica, que o recurso à função social (hoje 
vista como um avanço ou superação de um modelo “individualista”) é algo que, ao longo da 
história, mostrou-se característico também de regimes não democráticos
34
. Além disso, 
subordinar a atividade empresarial a interesses que não o daqueles que detêm o seu capital, 
significa, em primeiro lugar, insegurança jurídica – já que não é possível se saber a quem e 
em que medida deverá a atividade empresarial atender ou privilegiar – e, em segundo lugar, 
um incentivo perverso àquele que deseja empreender e criar novos negócios, e que, para tanto, 
gastará tempo e recursos, suportando integralmente os riscos do negócio, sem que o produto 
desse esforço responda necessariamente a interesses convergentes com os dele. 
 
Um administrador que seja obrigado a gastar recursos com a comunidade local, com o 
meio-ambiente, com a cultura ou com a redução da desigualdade social, está, em última 
análise, gastando os recursos dos acionistas (capital investido), dos consumidores (já que seus 
produtos ficarão mais caros) e dos próprios trabalhadores (já que a capacidade de pagamento 
 
30 Como bem adverte Luiz Fernando de Freitas Santos, é razoável imaginar-se a existência de uma distância de anos-luz entre 
o que um socialista e um neoliberal percebem como sendo a expressão concreta de princípios, tais como o da função social 
dos contratos, segurança jurídica ou da livre iniciativa. (A tipicidade no direito administrativo sancionador: Balalada de la 
Justiça y la Ley. In: OSÓRIO, Fábio Medina (Org.). Direito Sancionador: Sistema Financeiro Nacional. Belo Horizonte: 
Fórum, 2007. p. 276.) 
31 Luciano Benetti Timm arrisca estabelecer o que seria quase um consenso na doutrina jurídica nacional acerca do sentido da 
função social, quanto aos contratos, apontando que a maioria dos autores por ele analisados entende a função social como a 
expressão, no âmbito dos contratos, dos ditames da “justiça social” próprios do Welfare State. (Direito, economia e a função 
social do contrato: em busca dos verdadeiros interesses coletivos protegíveis no mercado de crédito. Revista de Direito 
Bancário e do Mercado de Capitais. v.33. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 15-31. jul./set.2003). 
32 Para um panorama sobre o uso (indiscriminado) da desconsideração da personalidade jurídica vide NUNES, Márcio Tadeu 
Guimarães. Desconstruindo a Desconsideração da Personalidade Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007. 
33 FORGIONI, Paula. (Et.al). Op. Cit. 
34 Sua origem em um diploma legal pode ser atribuída à Constituição Mexicana de 1917, inspirada pelo movimento anarco-
sindicalista, vencedor da revolução ocorrida naquele país (COMPARATO, Fábio Konder. A constituição Mexicana de 1917. 
Disponível em HTTP://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/anthist/mex1917.htm). Em 1919, a função social apareceria na 
Constituição de Weimar, albergando interesses de grupos comunistas e fascistas que surgiram para rivalizar com os partidos 
liberais clássicos na Alemanha devastada pela Primeira Guerra (GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Função Social no 
Direito Privado e Constituição. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 61, 2006. p 156). 
No mesmo sentido, Rachel Sztajn demonstra, ainda, como a propriedade, à época do fascismo italiano, nada mais era do que 
um meio de facilitar a intervenção ou controle do Estado sobre a atividade econômica ou a propriedade fundiária (A função 
social do contrato e o direito da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: 
Malheiros, p. 36) 
15 
 
de maiores salários restará prejudicada)
 35
. Não que esses deveres devam ser esquecidos e 
abandonados, mas é importante que se note que os interesses dos próprios stakeholders 
podem não ser convergentes entre si. 
 
O estudo contemporâneo da função social da empresa deve fugir do discurso retórico 
que o vem acompanhando e buscar, primordialmente, o aprofundamento da investigação e 
descrição das múltiplas funções e utilidades da atividade empresarial, a fim de sopesar com 
maior precisão e consciênciaa eventual conveniência de se privilegiar um ou outro interesse a 
ser tutelado pela empresa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
35 É sempre válido relembrar a clássica crítica de Milton Friedman em “The Social Responsibility of Business is to Increase 
its Profits” New York Times, September 13, 1970, Section 6 (Magazine). Uma visão crítica pode também ser encontrada em 
SMITH, D. G. “The Shareholder Primacy Norm” (1998) 23 Journal of Corporate Law 277; STOUT “Bad and Not-So-Bad 
Arguments for Shareholder Primacy” (2002) 75 South California Law Review 1189; FISCH “Measuring Efficiency in 
Corporate Law : The Role of Shareholder Primacy” 31 J Corp L 637 (2006); KEAY, “Shareholder Primacy in Corporate 
Law. Can it Survive? Should it Survive?, disponível em http://ssrn.com/abstract=1498065. 
 
16 
 
 
Parte II – Princípios do direito societário 
 
4. Liberdade de Associação 
André Luiz Santa Cruz Ramos 
 
 
O direito empresarial pode ser entendido, sucintamente, como o regime jurídico 
especial de direito privado que disciplina a atividade econômica (empresa) e seus agentes 
econômicos (empresários). 
 
Antes de iniciar qualquer estudo ou proposta de estudo sobre o direito empresarial e 
seus valores e princípios, é imprescindível estabelecer, a priori, qual o regime de mercado 
escolhido pelo ordenamento jurídico geral no qual esse direito empresarial se insere. 
 
Pois bem. De acordo com a nossa atual Constituição Federal, parece-nos claro que o 
ordenamento jurídico brasileiro adota o regime capitalista de mercado, já que a Lei 
Fundamental reconhece a livre iniciativa como pilar da ordem econômica (art. 170, caput), a 
qual tem por princípios, dentre outros, a propriedade privada (art. 170, II) e a livre 
concorrência (art. 170, IV). Ademais, a Carta Magna ainda prevê que o Estado, em princípio, 
não explorará diretamente atividade econômica (art. 173, caput) e que o planejamento estatal 
da economia é meramente indicativo para o setor privado (art. 174, caput). 
 
Partindo-se, pois, da premissa de que o direito empresarial brasileiro está inserto num 
ordenamento jurídico geral capitalista, é fácil supor que os princípios e valores constitucionais 
que fundamentam esse regime capitalista de mercado são também princípios e valores 
fundamentais do direito empresarial. E um desses princípios e valores é, justamente, a 
liberdade de associação, a qual, a propósito, é também assegurada expressamente na 
Constituição Federal, em seu art. 5º, XVII e XX. 
 
Um regime capitalista só funciona se ele assistir ao pleno e genuíno funcionamento do 
livre mercado, em que a propriedade privada é reconhecida e protegida e os agentes 
econômicos são livres para atuar por meio de trocas voluntárias
36
. Assim, pode-se dizer que o 
direito empresarial, num ordenamento jurídico capitalista, deve permitir – e garantir – a 
 
36 Atualmente, porém, tanto a propriedade privada quanto a liberdade para a realização de trocas voluntárias estão fortemente 
limitadas, em nome de um “modismo” jurídico chamado função social. 
17 
 
efetiva cooperação entre os agentes econômicos por meio de acordos voluntários, sobretudo 
acordos que envolvam a associação desses agentes econômicos para fins lícitos. 
É importante lembrar que a liberdade de associação está na raiz do direito empresarial, 
já que foi a partir da associação dos comerciantes burgueses que surgiram as conhecidas 
Corporações de Ofício medievais, cujos estatutos representaram, segundo os doutrinadores, a 
primeira tentativa de sistematização das regras comerciais
37
. 
 
Como princípio constitucional, a liberdade de associação possui dois vetores: (i) 
positivo, que garante a todo e qualquer cidadão o direito de associar-se livremente, sem 
nenhuma restrição por parte do Estado; (ii) negativo, que assegura a todo e qualquer cidadão 
os direitos de não se associar e de se desassociar, sem nenhuma imposição por parte do 
Estado. Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal
38
. 
 
Veja-se que, em ambos os sentidos – positivo e negativo – a liberdade de associação 
repele a interferência estatal, ressalvadas apenas as expressas situações excepcionais descritas 
no próprio texto constitucional: associação para fim ilícito ou paramilitar. Portanto, pode-se 
dizer que a autonomia da vontade, no que tange à liberdade de associação, deve ser plena, 
evitando-se ao máximo a interferência estatal nessa seara, seja por meio de atividade 
legislativa
39
 ou jurisdicional
40
. 
Ponto interessante sobre a liberdade de associação é que ela, aplicada ao direito 
empresarial, não deve ser assegurada apenas às pessoas naturais – como defendem alguns 
 
37 “As fontes do ius mercatorum eram os estatutos das corporações mercantis, o costume mercantil e a jurisprudência da 
cúria dos mercadores. (...) O costume nascia da constante prática contratual dos comerciantes: as modalidades 
consideravam vantajosas convertiam-se em direito; as cláusulas contratuais transformavam-se, uma vez generalizadas, no 
conteúdo legal dos contratos. Por último, os comerciantes designados pela corporação compunham os tribunais que 
decidiam as controvérsias comerciais.”: GALGANO, Francesco. História do direito comercial. Tradução de João Espírito 
Santo. Lisboa: Editores, 1990, p. 40. O que se vê, hodiernamente, é a intervenção cada vez maior do Estado nas relações 
privadas, sobretudo as relações econômicas, algo que o direito empresarial deveria repelir, em respeito e homenagem à sua 
própria história. Não se deve permitir que o “meio econômico” (trocas voluntárias dentro de um livre mercado) seja 
subjugado pelo “meio político” (expropriação violenta da riqueza de terceiros) na tarefa de oferecer aos indivíduos às 
possibilidades de satisfação de suas necessidades: OPPENHEIMER, Franz. The State. New York: Vanguard Press, 1914. 
38 “Ao lado, portanto, da liberdade positiva – liberdade de associar-se livremente sem oposição por parte do Estado –, 
consagrou a nova Carta a liberdade negativa, ou seja, a de não ser compelido a associar-se ou a manter-se associado, 
situação absolutamente incompatível com a liberdade de associar-se, implicando impossibilidade de a lei impor um ato de 
adesão ou de permanência em uma associação. [...].Já não há espaço para a concepção de um imperativo sistema 
centralizado de arrecadação e distribuição dos direitos autorais, inexistindo dúvida de que a lei, em agredir a nova 
disciplina constitucional sobre a liberdade de associação (incisos XVII e XXI do artigo 5.o da CF) e sobre a exclusividade 
do autor sobre o direito de utilização, publicação e reprodução de suas obras (inc. XXVII do dispositivo citado), já não pode 
compelir os titulares desses direitos a reunirem-se, diretamente ou por via de suas associações, numa entidade única, para 
vê-los arrecadados e distribuídos.” (STF, ADIn nº 2.054-DF, Relator Min. Ilmar Galvão, RTJ 191/78). 
39 Não se deve admitir, por exemplo, que leis restrinjam ou limitem a liberdade de associação, como tem ocorrido com a 
liberdade de contratar, submetida muitas vezes ao cabresto do dirigismo contratual. 
40 Embora não tenha tratado especificamente do tema liberdade de associação, um recente julgado do STJ ilustra bem a 
importância de o Judiciário não se imiscuir em questões relacionadas à vida de organismos associados constituídos 
livremente: STJ, MC 14.561/BA, Relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/09/2008, DJe 08/10/2008. No acórdão, 
consagrou-se a intervenção mínima do Judiciário em questões societárias. 
18 
 
juristas
41
 –,mas também às pessoas jurídicas. Afinal, é fato que no mercado a atuação das 
pessoas jurídicas (sociedades empresárias) é cada vez maior e mais relevante que a atuação 
individual das pessoas naturais (empresários individuais).
42
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
41 “A liberdade de associação, como a de reunião, é direito individual. Não pode invocar liberdade de associação, direito do 
homem, qualquer pessoa jurídica.”: MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. Tomo IV. 4ª ed. Rio de 
Janeiro: Forense, 1963, p. 480. 
42 “A liberdade legítima é a ação desobstruída de acordo com nossa vontade, limitada pelo igual direito de terceiros.” 
(Thomas Jefferson) 
 
19 
 
5. Autonomia Patrimonial da Pessoa Jurídica e Limitação e Subsidiariedade da 
responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais 
Áurea Moscatini 
 
 
Destina-se o presente estudo à exposição breve acerca do princípio da autonomia 
patrimonial da pessoa jurídica e também da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios 
pelas dívidas sociais, como vêm sendo estudados, interpretados e aplicados, tanto pela 
doutrina, quanto pela jurisprudência. 
 
A verdade é que até pouco tempo justificou-se a forma como vinham sendo aplicados, 
pelas regras do neoliberalismo, diante dos valores estabelecidos, pois sua principal função foi 
a de garantir a independência e limitação do patrimônio dos investidores e assim o direito de 
mantê-lo intacto, com a invasão no patrimônio dos sócios, como, por exemplo, diante da 
afronta à lei, ao contrato ou em casos de fraude declaradamente comprovada. Dentro de uma 
visão individualista e apoiada na proteção do direito da propriedade, até então, não ocorreu 
qualquer problema, mas atualmente, o quadro que se apresenta é bem diferente. 
 
Esses princípios vêm sendo colocados de lado, muitas vezes, desprestigiados, que não 
dizer desprezados, especialmente pelas áreas do Direito que protegem interesses dos 
chamados credores não negociáveis, como os consumidores e os trabalhadores. 
 
O Direito Comercial como Ciência somente se justifica, desde que seus princípios 
estejam fortalecidos e, por esta razão, é o momento de buscar novos caminhos dentro dos 
valores emergentes da sociedade de hoje para que se solidifique como ciência. 
 
Importante demonstrar que os princípios da autonomia patrimonial e da 
subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais são importantes, a fim de 
que os investimentos continuem sendo feitos, o que garantirá via de conseqüência a 
sobrevivência da figura do empresário, na forma de sociedade ou individual, o que é muito 
importante para a sociedade e mais ainda para a sobrevivência do próprio homem, como ser 
social que é. Não se pode esquecer que o homem necessita da imposição de normas que 
garantam sua tranqüilidade no convívio social e especialmente lhe garantam os bens, com a 
crescente evolução tecnológica a que está acostumado. Se por um lado existem fortes 
investimentos na área tecnológica, por outro lado, verifica-se a aproximação de um mal 
inevitável, como as mudanças climáticas, as quais representam grandes catástrofes, com fortes 
20 
 
impactos ambientais, sociais e econômicos, o que num curto espaço de tempo, fará com que o 
homem dispute por água e comida e não petróleo ou bens sofisticados tecnologicamente, 
como se imaginava, anteriormente. 
 
Daniela Campos Liborio di Sarno sugere que definição de uma política pública sobre 
os itens centrais, a tecnologia para alteração de matriz energética, a redução de emissão de 
carbono, os diagnósticos com métodos aprovados internacionalmente, parece estar longe das 
competências locais e regionais. Entretanto, pode-se conseguir a redução de emissão de 
carbono por meio da eficiência do trânsito, com duração menor para os deslocamentos 
urbanos. Pode-se viabilizar uma eficiência energética estimulando o uso de energia solar nas 
novas construções ou produzindo energia nos aterros sanitários. A impermeabilização do solo 
urbano também é outro fator de alteração de microclima que pode exigir uma disponibilidade 
energética maior, trazer uma incidência maior de alterações climáticas. O uso e ocupação do 
solo é elemento chave para o desenvolvimento do clima e seu adensamento deve ser 
controlado rigidamente pelo Estado como uma forma de não agravar as condições climáticas 
das grandes regiões urbanas. Considerando que a ocupação de encostas, beiras de rios a áreas 
alagadiças é feita pela população de baixíssima renda, são estas pessoas que sofrerão, em 
primeira instância, as conseqüências do clima. As políticas públicas precisam ser revistas 
urgentemente para se adequarem às novas circunstâncias. O aquecimento pode ser global, mas 
as conseqüências serão sempre locais.
43
 Evidente que todas essas providências demandaram, 
sem dúvida alguma, muita pesquisa, capital, trabalho, que efetivamente encontra-se no setor 
privado Assim, as políticas públicas podem refletir em incentivos e proteção a esse setor, que 
já está capacitado para atender às demandas emergenciais. 
 
Neste sentido, o mundo encontra-se carente de investimentos, que representem a 
simples garantia de sobrevivência do ser humano e um dos agentes importantes neste 
contexto, sem dúvida nenhuma, é o empresário, sendo o responsável pela circulação de 
riquezas. 
 
Especialmente o Brasil, na condição de país em desenvolvimento, onde os impactos 
sofridos já são mais que evidentes, necessita de um engajamento de todos, não só das 
autoridades públicas, mas sim um envolvimento social de maior envergadura para suportar 
essas dificuldades. 
 
43 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Direito Ambiental e Urbanístico: Panorama Jurídico Sobre As Mudanças Climáticas 
e o Aquecimento Global: Algumas Considerações. Editora Fórum, 2010. 60p. 
21 
 
O Direito visa o equilíbrio nas relações sociais, uma vez que suas normas efetivamente 
representam a proteção de valores consagrados pela sociedade, assim importante é a 
preocupação com a proteção da atividade empresarial, que tem papel significativo neste 
contexto, já que o Estado não tem como suprir todas as deficiências e necessidades, 
principalmente em situações de risco acentuado, como dos impactos das mudanças 
climáticas. Tal questão apresenta-se, inicialmente, de forma tranqüila e despida de qualquer 
pretensão, mas essa simples lição, que nos acompanha desde os primeiros estudos da Ciência 
do Direito, mostra que o seu enfraquecimento, fatalmente, desembocará no desequilíbrio 
social, se não ficarmos atentos ao chamado para o fortalecimento de seus princípios, os quais 
têm como a principal tarefa de disciplinar e, por que não dizer, preservar a fonte produtora, no 
caso, a empresa. 
 
Segundo as lições do Prof. Fábio Ulhoa Coelho, “cada ramo jurídico assenta-se em 
valores próprios traduzidos pelos seus princípios.”44 E assim, chamando a atenção para o fato 
de que os valores do Direito Comercial estão esgarçados, merecendo momento de reflexão e 
análise, importante será destacar idéias, mecanismos que justifiquem a aplicação de tais 
princípios, diante do quadro que se estabelece a cada momento. 
 
 Por fim, pretende-se demonstrar que em sendo fortalecidos esses 
princípios que se referem à atividade empresarial, seus agentes se sentirão motivados a não só 
continuar investindo, mas também aumentarão tais investimentos, garantindo-se preços justos, 
produtos de qualidade e, especialmente, proporcionando a todos uma sociedade mais justa ecom qualidade de vida, pois são os responsáveis não só pelos avanços tecnológicos, como 
também pela sobrevivência do ser humano, quando garantem os itens de subsistência, 
principalmente em situações de perigo. 
 
É importante destacar que os princípios são vetores, diretrizes a serem seguidas e que 
traçam as noções básicas do ordenamento jurídico, vinculando as atividades de aplicação e 
interpretação da ciência jurídica. 
 
 Interessantíssima a distinção feita por Rizzatto Nunes, entre princípio e valor: 
 
 “O princípio é, assim, um axioma inexorável e que, do ponto de vista do Direito, faz 
parte do próprio linguajar desse setor de conhecimento (...). O valor sofre toda influência de 
 
44Fábio Ulhoa Coelho, O Futuro do direito comercial , Ed. Saraiva, 2010, p.7 
22 
 
componente histórico, geográfico, pessoal, social, local, etc. e acaba se impondo mediante 
um comando de poder que estabelece regras de interpretação – jurídicas ou não”.45 
 
E ainda nas lições do Prof. Alaor Café, quando aborda a gênese da norma demonstra 
que ela deve brotar dos anseios da sociedade, deve refletir os seus interesses: 
 
“A norma não é simplesmente o que é linguisticamente, mas também o que pode e 
deve ser no mundo real da comunidade jurídica à qual pertence. Ela é enquanto pode e deve 
ser cumprida neste mundo. Se a norma de direito não pudesse ser cumprida, nem devesse ser 
cumprida na comunidade jurídica, então não seria norma jurídica. 
... 
A norma jurídica não é só válida (e existente) por compor um sistema normativo em 
seu contexto hierárquico positivado. Ela exige um componente empírico, com fundamento nos 
fatos socioculturais, para que seu estudo e hermenêutica não se resumam a um mero capítulo 
da lógica. A verdade de sua validade não é a coerência sistêmica. Há necessidade de 
verificação empírica para apurar-se a validade da norma jurídica.” 46 
 
Ao tratar especificamente da questão relacionada à empresa no Código Civil 
Brasileiro, Rachel Sztajn,
47
 citando Dagan, enfatiza que valores públicos devem informar as 
normas de Direito Privado, não deixando de lado o foco das relações a que disciplinam, que 
são as horizontais, desde que as expectativas e pretensões sociais apareçam como fundamento 
do Direito Privado. 
 
Não justifica-se mais a aplicação dos princípios em análise mediante uma visão 
eminentemente individualista, mas sim, diante de sua integração a de valores coletivos, dada a 
sua importância num quadro de responsabilidade social. 
 
Ao citar, a autora, Oppo 
48
, o qual afirma que se está diante de um Direito de Mercado, 
onde explica que “a liberdade de iniciativa e utilidade social compreende valores como 
segurança, dignidade dos seres humanos e dever de solidariedade, pelo que considera ser a 
utilidade social limite à iniciativa econômica; que as normas concorrenciais, ao penalizarem 
o exercício de poder no mercado, são, igualmente, limitação à liberdade de iniciativa.” 
 
 Neste sentido, vê-se que existe uma preocupação de cunho nacional e 
internacional de que o Direito Privado é dotado de valores específicos, e não sendo mais a 
propriedade e sim o bem-estar coletivo, deve-se procurar novas maneiras de interpretação. 
 
45 NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002. 
46 ALVES, Alaôr Caffé. Dialética e Direito. Editora Manole, 2010. 435p 
47 SZTAJN, Rachel. Revista do Advogado n° 96: Codificação, decodificação, recodificação: a empresa no Código Civil 
brasileiro. AASP, 2008. 124p. 
48 Ob. Cit. 
23 
 
No que se refere especificamente à questão dos princípios da autonomia patrimonial, 
verifica-se que o princípio da autonomia patrimonial vem sendo desprestigiado. 
 
Observa-se, em resumo, que quando os credores são bancos, fornecedores, ou seja, 
outros empresários, os sócios não são responsabilizados, não havendo a invasão no 
patrimônio. 
 
Segundo os ensinamentos de Fabio Ulhoa Coelho
49
, a responsabilização dos sócios 
tem se verificado em casos em que não há os pressupostos de fraude e diante de credores não 
empresários, acabando, pois, com as bases do instituto. 
 
Em seguida 
50
, sustenta que as bases para a motivação jurídica em fortalecer tais 
princípios dizem respeito primeiro à limitação das perdas, que não devem ultrapassar o 
investimento feito, pois representa fator essencial para a atividade econômica capitalista. Em 
seguida sustenta-se pelo custo da atividade econômica, pois o preço a ser pago pelo 
consumidor sofrerá com o repasse de redução de custos e prática de preços elevados, ao 
adquirir produtos de baixa qualidade a preços mais caros. 
 
Afirma não se justificar o afastamento da autonomia patrimonial diante da mera 
inadimplência, exigindo-se a comprovada utilização da mesma.
 51
 
 
Ainda, segundo referido autor, ao abordar a questão da subsidiariedade da 
responsabilidade dos sócios
52
, demonstra que referido tema é uma questão de direito-custo, 
pois os capitalistas se afastariam de segmentos que exigem altos aportes na área tecnológica e 
o preço das inovações suportados pelos consumidores seria bem alto, para cobrir os seus 
custos e gerar os lucros capazes de cobrir o risco da perda do patrimônio. 
 
Evidente que a fuga do consumidor, via de regra, fará com que haja menos circulação 
de riquezas. Segundo Fábio Ulhoa Coelho a quebra da sociedade será a perda do credor, pois 
é perfeitamente previsível que toda empresa está sujeita ao risco do insucesso e é, para ele, 
justo que todos os agentes econômicos suportem o prejuízo. 
 
 
49 COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial, volume 2 Direito de Empresa, Sociedades. São Paulo, 14ª edição, 
Saraiva, 2010, pagina 23. 
50 Ob. Cit., pagina 40. 
51 Ob. Cit., página 41 
52 Ob. Cit., página 413 
24 
 
Outra questão levantada pelo autor diz respeito à falta de textos legislativos 
reguladores da perda da autonomia patrimonial em relação aos credores não negociais. 
Concluindo, então, que 
“na tutela dos direitos dos consumidores, na proteção da concorrência e na repressão 
a práticas lesivas ao meio ambiente, a imputação da responsabilidade aos sócios deve 
atender aos pressupostos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Os 
empregados e demais credores não negociais, por fim, enquanto não editada regra que os 
beneficie expressamente, devem ter os seus direitos creditórios, perante a sociedade limitada, 
sujeitos à regra da autonomia patrimonial e da limitação da responsabilidade do sócio
53”. 
 
A questão de que o Direito Comercial necessita de princípios próprios, já foi objeto de 
discussões ao longo dos anos, o que foi destacado por Paula A. Forgioni.
54
 
 
Destacou que não se pode prosseguir numa sociedade onde um desconfia do outro, 
onde todos os envolvidos não estão protegidos pelo manto do Direito, em caso de qualquer 
eventualidade, se exige maior segurança. 
 
Fábio Konder Comparato, defende que reconhecimento claro e consequente de que 
controle empresarial não é propriedade implica uma verdadeira revolução copernicana no 
estatuto da empresa, que passa de objeto a sujeito de direito. Com essa substituição do centro 
de gravidade, é o empresário que deve servir à empresa, e não o contrário. 
 
E então, propõe a instituição democrática da empresa, onde o lucro deixaria de ser 
fruto da propriedade do capital, sendo repartido por todos os que concorreram com seus 
esforços e recursos para a produção do resultado. Procura colocar ao final que isso até pode 
parecer loucura,mas se justifica diante dos acontecimentos sócio-econômicos, onde 
princípios como o da autonomia patrimonial afastaria a responsabilidade dos sócios, pois a 
empresa personalizada, tal como a fundação, tornar-se-ia um patrimônio finalístico.
55
 
Interessante posicionamento, porém difícil de se sustentar. 
 
A Doutrina já chama a atenção para que o grande desafio que se impõe aos estudiosos 
do Direito Comercial é o de conciliar o econômico e o social, com o fim último de garantir o 
devido cumprimento de normas que representem efetivamente os anseios sociais, garantindo-
se, via de conseqüência a convivência harmônica. 
 
 
53 Ob. Cit., página 419 
54 Cf. FORGIONI, Paula A.; A Interpretação dos negócios empresariais no novo código civil brasileiro. in RDM 130/7 
55Comparado Konder Fábio, Direito Empresarial – Estudos e Pareceres, , 1990, Ed. Saraiva 
25 
 
Em análise à jurisprudência pudemos perceber que realmente o princípio da autonomia 
patrimonial e da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade 
estão sendo aplicados de forma equivocada. Neste sentido, julgados acerca de direitos do 
consumidor, onde sem mesmo serem atendidos aos ditames do artigo 50 do Código Civil, 
determina-se a desconsideração da personalidade jurídica.
56
 
 
Em pior situação encontram-se os julgados na esfera trabalhista, que inadvertidamente 
invadem, de antemão os bens particulares dos sócios pelas dívidas sociais, em flagrante 
desrespeito à lei e aos princípios aqui estudados. 
57
 
 
Uma vez ou outra, localiza-se decisões esparsas que respeitam efetivamente o disposto 
no artigo 50 do Código Civil, qual seja, de que se forem nomeados bens à penhora por parte 
da empresa executada, não há que se invadir o patrimônio particular dos sócios
58
, que, no 
entanto, não são regra, infelizmente. 
 
56 AGRAVO DE INSTRUMENTO.CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE 
JURÍDICA.Obstáculo ao ressarcimento de danos ao consumidor. Relação de consumo.Aplicação do art. 28, § 5º, do CDC. 
Teoria Menor da Desconsideração. Sócio minoritário, detentor de apenas 1% das cotas e sem poder de 
administração.Responsabilidade pessoal, mas subsidiária em relação ao sócio administrador, que exercia os poderes de 
gestão da empresa. Interpretação à luz da excepcionalidade da medida e do Enunciado nº 7 do CJF. Conformação da Teoria 
Menor aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.Excesso de execução reconhecido.Afastados dos cálculos a 
cobrança de valores abrangidos pela gratuidade de justiça. Alegação de impenhorabilidade de bem de família rejeitada, 
porquanto determinada apenas penhora sobre direitos hereditários. Decisão parcialmente reformada.RECURSO PROVIDO 
EM PARTE (TJSP, Agravo de Instrumento nº 4012757020108260000 SP, Relator: Paulo Alcides, julgado em 16/12/2010) 
57 “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. CITAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE 
PROCESSUAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO DEVEDOR. 
1. Não procede a alegada nulidade da citação, visto que a Corte de origem consignou que esta ocorreu validamente, tanto 
que a executada indicou bens à penhora, rejeitados pela exequente, sendo certo que não foram encontrados outros bens da 
pessoa jurídica, razão por que a execução voltou-se contra o patrimônio pessoal dos sócios. 2. A aplicação da teoria da 
despersonalização advém do descumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho e da falta de bens 
suficientes da empresa executada para satisfação das obrigações trabalhistas. Correta a constrição dos bens da ora 
agravante, considerando sua condição de sócia da executada durante a relação de emprego da autora, bem como a 
inexistência de patrimônio da empresa executada capaz de garantir a execução, conforme salientado na decisão proferida 
pelo Tribunal Regional. Agravo de Instrumento a que se nega provimento”. (TRT 15 Processo: AIRR - 262840-
52.2000.5.02.0076 Data de Julgamento: 18/08/2010, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, Data de Publicação: 
DEJT 27/08/2010) e 
58 Voto do desembargador Eurico Cruz Neto: “(...) A desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa somente se 
justifica quando há prova incontestável de que os sócios agiram com abuso (artigo 50 do CC). 
Durante toda a instrução processual não restou demonstrado qualquer elemento de prova que pudesse atestar a 
inidoneidade financeira do primeiro reclamado e nem que os seus sócios estivessem agindo de forma a dilapidar-lhe o 
patrimônio. 
Por óbvio que os créditos trabalhistas devem ser privilegiados. Contudo, a desconsideração da personalidade jurídica de 
uma empresa deve observar os requisitos legais, sob pena de aniquilarmos o conceito de pessoa jurídica.(...)” (TRT 15ª 
Região, Recurso Ordinário nº: 0942-2008-097-15-00-1, Relator: Desembargador Enrico Cruz Neto, julgado em: 01/09/2009) 
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - Recurso contra r. decisão 
que indeferiu pedido de desconsideração da personalidade jurídica - A desconsideração da personalidade jurídica é medida 
excepcional que somente pode ser aplicada quando demonstrada a prática de irregularidades e fraudes pelos sócios - 
Decisão mantida- Recurso improvido." 
(TJSP, Agravo nº 990.10.141164-4 Data de julgamento: 03/08/2010, Relatora: VIVIANI NICOLAU, 9ª Câmara de Direito 
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo) 
26 
 
Nas questões tributárias, com base em textos legais, vem se observando, diante dos 
ditames da própria lei tributária a solidariedade entre empresa e sócio-administrador, desde 
que tenham praicado atos com excesso de poder ou em afronta à lei.
59
 
 
Enfim, o grande problema está realmente localizado na esfera trabalhista, que além 
dos perigosos entendimentos jurisprudenciais a que destacamos, vêm celebrando convênios 
para o fim de proceder a penhoras on-line e, mais, com a Receita Federal para acessar a dados 
pessoais, quebrando-se o sigilo bancário, que segundo sua ótica, vem propiciar melhora na 
prestação jurisdicional. E mais recentemente, o TRT da 15ª Região celebrou convênio 
referente ao protesto extrajudicial das decisões em fase de execução na esfera trabalhista. 
Mais uma atrocidade, haja vista que, mesmo na fase de liquidação inúmeras questões de 
ordem processual poderão ser suscitadas, acarretando, inclusive, em possível liquidação zero. 
Assim, não existe mais o respeito a limites impostos, inclusive, de ordem constitucional. 
 
Enfim, o momento demanda enorme esforço por parte dos estudiosos e operadores do 
Direito Comercial e exige rapidez no agir, especialmente, para evitar que essas posturas 
desprovidas de qualquer amparo legal, porém alicerçadas em princípios próprios, como 
especialmente, o de proteção ao hipossuficiente, no Direito do Trabalho, acabem por 
comprometer a força produtiva da empresa, levando ao colapso toda a sociedade. 
 
Diante do quadro apresentado, fácil ficou de constatar que se o princípio não se 
mantém por si, necessária a sua interpretação em consonância com outro princípio. O que se 
verifica é que o fato de esquecer-se da aplicação correta dos princípios ora em análise, o 
investidor tome caminhos outros, quiçá indesejáveis e até mesmo lesivos à sociedade, 
provocando um círculo vicioso, que desemboca no aumento de conflitos. 
 
A proteção e devida aplicação dos princípios da autonomia patrimonial e da 
responsabilidade subsidiária dos sócios representa o fortalecimento e a manutenção da fonte 
produtora, que representa a garantia de todos os credores e de toda a sociedade. Isto porque a 
técnica a qualo empresário está acostumado é a de todos nós, o comodismo ou o repasse, o 
 
59 “É dominante no STJ a tese de que o não-recolhimento do tributo, por si só, não constitui infração à lei suficiente a 
ensejar a responsabilidade solidária dos sócios, ainda que exerçam gerência, sendo necessário provar que agiram os 
mesmos dolosamente, com fraude ou excessos de poderes. (STJ, AgRg no RESP n. 346.109/SC, Relatora: Ministra Eliana 
Calmon, julgado em: 19/03/2002)” e “Os sócios gerentes são responsáveis, por substituição, pelos créditos referentes a 
obrigações tributárias decorrentes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei,contrato 
social ou estatutos, ou quando tenha ocorrido a dissolução irregular da sociedade, comprovada, porém a culpa. 2. O simples 
inadimplemento de obrigações tributárias não caracteriza infração legal” (REsp n. 724.077/SP, Relator: Ministro Francisco 
Peçanha Martins, julgado em 20.10.2005) 
27 
 
que implica em atingir direitos metaindividuais, pois, como demonstrado, a falta de bens e 
serviços afeta toda a coletividade, Estado, trabalhadores, consumidores, etc. “São interesses 
metaindividuais que, sendo inatingível o grau de agregação e organização necessário à sua 
afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já 
socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo 
(v.g., o interesse à pureza do ar atmosférico), podendo, por vezes, concernir a certas 
coletividades de conteúdo numérico indefinido (v.g., os consumidores). Caracterizam-se pela 
indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade do objeto, por sua intensa litigiosidade 
interna e por sua transitoriedade ou transformação em virtude de alteração na situação 
fática que os ensejou. 
... 
Embora necessariamente compartilhado por todos, não pode ser quantificado e 
dividido entre membros determinados da coletividade. Simplesmente repercutem no bem-
estar de todos ou mesmo na própria sobrevivência da sociedade. Vale dizer, se o interesse 
individualizável merece a tutela jurídica, essa proteção deve ser potencializada quando uma 
pluralidade de titulares, conquanto não-definível, esteja sendo afetada.
60
 
 
Na verdade, ao fortalecer os princípios de Direito Comercial, não se está defendendo 
exclusivamente o patrimônio privado e sim um patrimônio que gera bem-estar à coletividade, 
mesmo porque, seguindo a sociologia de Durkheim, a empresa é parte integrante desta, sua 
falta causa graves danos à mesma, ficando lançada a idéia propulsora para recozer tais 
princípios, com o intuito de que se enfraquecidos não afetam drasticamente o grande 
investidor, mas toda a sociedade. 
 
Sendo isto o que explica a sociologia jurídica à luz dos ensinamentos de Durkheim: 
"Na solidariedade característica de uma sociedade industrial, os indivíduos desenvolvem 
funções especializadas, diferentes entre si, mas, ao mesmo tempo, interdependentes. 
Durkheim, para esclarecer essa solidariedade, usa a metáfora do corpo, segundo a qual cada 
membro e cada órgão, embora desempenhem funções diferentes, estão mutuamente 
relacionados de forma que a soma das partes compõem um todo integrado e homogêneo. 
Exatamente por isso, Durkheim chamou essa solidariedade de orgânica. Ela, sendo 
característica das sociedades modernas e industriais, ao mesmo tempo está relacionada com 
os grandes grupos sociais que atingem alto grau de diferenciação interna e necessitam, por 
 
60 SHIMURA, Sérgio. Tutela Coletiva e sua efetividade. Editora Método, 2006. 27, 28p. 
28 
 
essa razão, que as funções coletivas sejam partilhadas e cada indivíduo possa desempenhar 
atividades totalmente diferentes, mas perfeitamente indispensáveis para a coletividade."
61
 
 
Assim, pode-se dizer que a sociedade como um todo vive em uma "simbiose", onde 
cada grupo integrante faz sua parte e contribui significativamente para os outros. Nesse 
contexto entram também as figuras dos empresários, como peças chaves sem as quais não há 
a possibilidade de uma convivência harmônica. 
 
Sem a presença da empresa não há como garantir uma sociedade livre, justa e 
solidária, nos termos preconizados no artigo 3º da Constituição Federal, afinal a população 
não terá empregos, desencadeando um efeito dominó, pelo qual não haverá como garantir 
respectivamente os outros objetivos dos incisos seguintes. Comprovando, aqui, que a função 
social da empresa é muito mais ampla do que se imagina, o que se repete nos direitos sociais 
previstos no artigo 6º, do mesmo diploma legal supracitado, devendo, pois serem garantidos 
os limites impostos pelo princípio da autonomia patrimonial. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
61 LOCRE, Adriana A.; FERREIRA, Helder R. S.; SOUZA, Luis Antonio S.; IZUMINO, Wania Pasinato. Sociologia 
Jurídica, Porto Alegre, Síntese, 1999, página 51. 
29 
 
6. Princípio Majoritário e a Proteção do Sócio Minoritário 
Pedro Henrique Laranjeira Barbosa 
 
 O princípio majoritário foi e ainda pode-se afirmar que é um dos pilares fundamentais 
do direito comercial pátrio e estrangeiro, mas que vem sofrendo, no âmbito interno, algumas 
modificações ante a globalização, a nova realidade do mercado de capitais brasileiro e a 
aplicação de alguns conceitos e princípios da governança corporativa. 
 
 A “majority rule” 62 está intimamente ligada ao direito de voto nas sociedades 
empresárias e é tida por alguns autores como a “democracia societária”, justificada, 
principalmente, pela impossibilidade de se conseguir, na ampla maiorias da vezes, a 
convergência da unanimidade dos sócios em uma deliberação de interesse geral 
63
, 
conduzindo a um melhor andamento e desenvolvimento da empresa. Todavia, o princípio não 
traduz, como se pode pensar, uma relação de parentesco com a democracia no campo da 
organização estatal, mas sim está diretamente conectada ao risco do empreendimento, 
estabelecendo, como regra geral, que cada participação no capital social corresponde a um 
voto e a maioria desta participação é quem definirá os rumos sociais.
64
 
 
 Em razão dos potenciais abusos que tal formulação do direito pode ocasionar em 
desfavor da própria sociedade empresária e dos minoritários, a lei estabelece algumas 
exceções para determinadas deliberações sociais
65
, punições severas quanto ao abuso do 
poder do voto, proibição do voto em hipóteses de conflito de interesses, além de inúmeros 
direitos em prol dos minoritários, restando consagrado, portanto, o princípio de proteção ao 
minoritário. 
 Não restam dúvidas que os princípios majoritário e o de proteção ao minoritário são 
amplamente protegidos e de fundamental importância em nosso ordenamento jurídico 
66
, 
 
62 Termo amplamente utilizado no direito norte-americano para designar o princípio majoritário consagrado em nosso sistema 
jurídico. 
63 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por Ações, v. II, p. 112. Ver COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO 
FILHO, Calixto. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 5a. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008; 
64 COELHO, Fábio Ulhoa. “Democratização” das Relações Entre os Acionistas In CASTRO, Rodrigo R. Monteiro; 
AZEVEDO, Luis André N. de Moura (org.). Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais. 
São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 48/49. 
65 Na lei das sociedades anônimas é possível destacar uma deliberação que demanda a unanimidade dos acionistas, aquela 
prevista no art.

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