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Jusnaturalismo e Positivismo Jurídico

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Trata-se de ponto fulcral de ataque dos jusnaturalista ao positivismo, por correlacionar as graves 
consequências dos totalitarismos da segunda guerra mundial. 
Desde o dilema grego apresentado por Sófocles na pela Antígona, onde o tirano Creonte insiste em 
aplicar as leis da polis, porém Antígona as viola por considerar que as leis dos deuses são eternas, 
irrevogáveis e superiores aos códigos dos homens e, por essa razão, devem ser obedecidas. Creonte, 
tirano de Tebas, promulgou lei proibindo que aqueles que atentassem contra a polis[1] fossem 
sepultados e, desta forma, estabeleceu a morte como pena por desobediência. 
Polinices, irmão de Antígona, havia combatido na guerra contra seu irmão Etéocles que apoiava 
Creonte. Etéocles era considerado herói de guerra, e fora sepultado com todas as honras de guerreiro 
ilustre, porém, Polinices não. Inconformada Antígona seguiu o direito divino que determinava que um 
membro da família deveria ser sepultado por seus parentes ou seu espírito não teria descanso. 
Por desobedecer as leis da polis, Antígona fora condenada a ser sepultada vivo, mas declarou estar de 
consciência tranquila por ter agido conforme o que ordenavam as mais sagradas leis dos deuses. 
Para Antígona[2] viver com o conhecimento de sua incapacidade de agir seria negar o significado à sua 
vida e fazer desta uma “não-existência”. Enquanto que Creonte considerava que o governante, a que o 
Estado conferia poder, deveria ser obedecido até as mínimas coisas fossem justas ou injustas e justificou 
sua atitude com a afirmação de que a desobediência do governante era uma desgraça, esta destrói os 
Estados, leva lares a ruína e, nos combates, traz consigo a derrota dos exércitos ( Sófocles, 1994). 
A velha distinção conceitual entre o direito positivo e o direito natural está presente em toda tradução 
do pensamento jurídico ocidental, sendo o direito natural àquilo que é por natureza enquanto que o 
direito positivo é aquele posto ou convencionado pelos homens. 
O direito natural[3] como ideia abstrata do fenômeno jurídico, pretendendo corresponder a uma justiça 
superior (e que pode até mesmo confrontar com o texto da lei). Assim, para respeitar um sentimento de 
justiça, o direito natural admite soluções diferenciadas, a partir de inspirações ilimitadas. O principal 
traço característico do direito natural é o reconhecimento da existência de um direito, de uma justiça, 
anterior e acima e do direito positivo vigente. 
Aristóteles foi considerado por meio como o “pai do direito natural”, mesmo no período do pré-socrático 
já havia defensores como Pitágoras, Heráclito e Sófocles que desenvolveram a ideia de que o antes do 
direito positivo estava o logos divino e os próprios deuses. 
Na Idade Média, o direito natural vinculou-se a Deus e conforme aduz São Tomás de Aquino deve presidir 
a prática humana. A filosofia estóica[4] muito influenciou a doutrina moderna do jusnaturalismo e, foi 
marcada pela generalidade, racionalidade, caráter subjetivo e a tendência para a positividade. 
Também se desenvolveu sob a ambiência do idealismo cartesiano e pela busca do saber racional e 
estável[5]. O jusnaturalismo baseou-se na crença no poder da razão individual para descobrir as regras 
do justo que fugisse à contingência, por se radicar a ordem racional (e quase matemática) advinda da 
natureza (mathesisuniversalis – matéria universal) do qual a razão participava. 
Como representantes da doutrina do direito natural racional, podemos apontar Hugo Grotius, Thomas 
Hobbes, Rousseau, Locke, Leibniz, Spinoza, Kant e Puffendorf. Desta forma, universalizou-se a razão 
humana e secularizou-se o tema. Com tais doutrinadores também se desenvolveu a teoria do 
contratualismo na qual fundo o Estado Moderno, e teve grande influência nas primeiras declarações de 
direitos que tão consagraram os direitos naturais do homem. 
Para Bobbio, com a criação do Estado Moderno[6] ocorrera um processo de monopolização da produção 
jurídica da parte do Estado e o juiz, que antes era um livre órgão da sociedade podendo escolher entre 
as várias possíveis normas a aplicar (direito positivo ou normas de direito natural como os princípios da 
razão ou equidade), tornou-se um órgão deste ou normas reconhecidas de alguma maneira pelo Estado 
consuetudinário, o direito positivo aos poucos se tornou o único e verdadeiro direito e o Estado seu 
único criador e provedor. 
Com a Escola da Exegese, por exemplo, não se negou a existência do direito natural, mas este foi 
desvalorizado e considerado sem importância para o jurista. Havia a crença de que o legislador era a 
autoridade adequada para estabelecer o que seria justo ou injusto, por isso, era devida a obediência 
total ao texto da lei. 
A teoria da obediência absoluta à lei enquanto tal foi presente especialmente no início do 
desenvolvimento teórico do positivismo ético[7], por se tratar de uma afirmação moral ou ideológica e 
não científica. A verdade é que o positivismo ético fora sustentado por poucos teóricos e, mais 
contemporaneamente rejeitado por completo pelos positivistas como John Austin, Hans Kelsen, Alf Ross 
e Herbert Hart que realizaram uma separação teórica absoluta entre direito e moral[8]. Sendo expressão 
de um momento histórico que teve como clímax o advento da modernidade. 
Hart em sua obra procurou aplicar a análise de linguagem ordinária ou linguística ao campo do direito. E 
utilizou-se das conquistas filosóficas de Ludwig Wittgenstein[9] quando da publicação da obra 
“Investigações filosóficas” onde rompeu com sua teoria fotográfica da linguagem, tal como expôs no 
célebre Tractatus e passou a dirigir sua atenção aos usos e costumes cotidianos da linguagem. 
Retratou Ihering a relação entre o direito e a moral de forma tensionada como um cabo de tempestades 
da ciência jurídica, sendo mesmo um dos temas mais complexos e centrais de toda filosofia moral e 
jurídica. 
Muitas das questões suscitadas ainda aguardam por respostas apaziguadoras, como a referente à 
eutanásia[10], como podemos defini-la: como questão moral, jurídica ou de mera consciência? Se for 
possível o Estado, através do Direito intervir no direito de cada ser humano de querer viver ou morrer. 
Cogita-se então na acepção da morte digna. 
A questão do estupro e do aborto dos fetos anencefálicos ou das mulheres estupradas que não desejem a 
gravidez. Nesse sentido, recentemente o STF decidiu positivamente sobre a constitucionalidade[11] do 
aborto de anencefálicos. Tais questões geram intensos debates onde trafegam vários desacordos 
jurídicos, sociais e religiosos. Hart enfrentou tal temática através de teoria enriquecedora e aceitável 
ainda que em alguns pontos quando aborda o conteúdo mínimo do Direito natural não seja 
completamente satisfatório. 
Para melhor compreender o ponto de vista de Hart é preciso observar o modelo positivista a partir de 
três teses principais, a saber: 1.A tese das fontes sociais; 2.A tese da separação conceitual; 3. A tese da 
discricionariedade[12] judicial. 
A primeira tese defendeu que a existência do Direito é definida pelas práticas sociais complexas e que 
estipulavam a formação das fontes sociais do Direito. A segunda tese argui as conexões entre direito e a 
moral que são contingentes. E, a terceira tese estava baseada na questão da textura aberta da 
linguagem, e em particular, da linguagem jurídica que mantém normas jurídicas com termos genéricos, 
vagos e controvertidos. 
O que nos leva à assertiva de que o Direito é parcialmente indeterminado ou incompleto e, portanto, 
quando um juiz se depara com uma norma potencialmente indeterminada ou imprecisa o julgador age 
de forma discricionária. 
A indeterminação é uma das características da norma jurídica, e todo intento de guiar o comportamento 
humano mediante normas gerais, e, isto não escapa ao Direito pode falhar. Consequentemente, a teoria 
do Direito nãopode estar imersa entre o realismo e o ceticismo perante as normas. 
Assim teríamos ora o pesadelo[13] e ora o nobre sonho a partir do fato dos juízes sempre criarem ou 
nunca o fazê-lo, e nunca encontrar o Direito que impõem as partes do processo. 
Os dois fatos na opinião de Hart, são ilusões e o trivial é que às vezes os juízes fazem uma coisa ou 
outra. Sua teoria prega a vigília para que a interpretação do Direito não apresente excessivos 
problemas, posto que fundamentada apenas na obviedade jurídica da linguagem. 
Porém, as dúvidas surgirão em razão da textura aberta da linguagem jurídica, quando é inevitável o 
atuar judicial com discricionariedade, o que não equivale à eleição arbitrária[14]. Ressalte-se que 
mesmo diante dessa abertura do Direito a discricionariedade é limitada e intersticial. 
Porém, caberia o seguinte questionamento: a certeza do direito é inalterada se a regra de 
reconhecimento incorporasse como critérios últimos de validez jurídica, ademais do critério de filiação, 
princípios morais substantivos e de justiça? 
Tal como fazem as Constituições contemporâneas – cujo cumprimento é indispensável. Reconhece 
expressamente Hart que alguns ordenamentos jurídicos incorporaram como critérios de validez, 
princípios e valores morais. 
E, nesses casos, afirma Hart desta forma, a regra de reconhecimento pode tolerar relativo (e limitado) 
grau de incerteza, pois serão os juízes em última instância que definirão o alcance e significado da 
norma jurídica culpável.[15] 
E essa afirmação custou a Hart a pecha de ser um “jurista antidemocrático”. E, se defendendo alegou 
que nenhum jurista pode negar que nas democracias atuais, as faculdades normativas não são exercidas 
só pelo Poder Legislativo e, ainda aponta ser menos custoso para coesão social e para a democracia a 
resolução com base na discricionariedade judicial, que não dar nenhuma solução do caso concreto 
proposto. 
De qualquer forma, podemos deduzir que Hart não aceita a legalização da moral, porque existem limites 
de intervenção da moralidade nas ações privadas. Bem ilustra tal entendimento o célebre debate entre 
Hart e Lorde Patrick Devlin sobre a proposta de reforma do Parlamento sobre as leis penais vigentes na 
Inglaterra que criminalizavam a prostituição e homossexualidade. 
Não pode o Direito transformar em delito ou crime, o que na esfera moral é considerado pecado. A 
sexualidade, por exemplo, é uma questão privada e, não diz respeito ao Direito. Porém, para Devlin não 
é tão fácil separar propriamente pecado de delito já que as convicções morais são características 
históricas da identidade das normas jurídicas. 
Alterar as tradições morais[16] significa partir a identidade social e desintegrar a sociedade. Portanto, 
concluiu Lorde Devlin a preservação da moralidade positiva é instrumentalmente valiosa como meio de 
defender a sociedade dela mesma. 
Aponta Hart que as sociedades contemporâneas são caracterizadas pelas constantes mudanças sociais e 
pelo pluralismo de tradições e valores que montam as pautas morais vigentes, portanto é difícil deduzir 
um consenso moral. 
Ademais pode viger uma moral positiva aberrante e, por essa razão, o jurista deve ser cautela ao 
identificar a introdução de conteúdos morais do Direito. Tal consideração nos leva a repensar a inclusão 
dos princípios jurídicos no self positisvism que é modelo teórico que se opõe ao positivismo forte onde 
há a regra de reconhecimento[17] isenta de conteúdo valorativo. 
Algumas das basilares características do Direito tais como a generalidade, a clareza, inteligibilidade, 
perpetuidade e a publicidade das normas jurídicas, bem como o princípio da irretroatividade das leis e a 
congruência em sua aplicação que deve ser imparcial, implicam na realização do mínimo de justiça, 
ainda que seja justiça formal por parte do Direito. 
Portanto, para Hart é inegável existir as conexões em Direito e moral situadas no âmbito da justificação 
e legitimidade do Direito. Essa é a grande virtude da tese de Hart de manter um ponto de vista moral 
perante o direito positivo livre. 
O Direito como todo sistema normativo possui algumas características proeminentes como a relação que 
estabelece com linguagem, a coação, o poder, a moral e, sua capacidade de subministrar razões para 
ação. 
É a normatividade do Direito que o faz distinto perante as demais instituições sociais. Hart encaminha 
toda sua tese para o atual estágio do Direito que está inserido não chamados Estados Democráticos 
Constitucionais e, que nos permite distinguir o ponto de vista interno (participante), do ponto de vista 
externo (observador), o que resulta na dimensão de validez dos enunciados jurídicos. 
Ao identificar o direito contemporâneo Hart ainda o justifica através do positivismo jurídico, não 
negando a complexidade dos sistemas bem como a presença de princípios e valores morais. Repisamos 
que para o positivismo jurídico é crucial a separação conceitual entre direito e moral. E a relação entre 
o direito e os princípios morais não é necessária, mas sim, contingente posto que o Direito seja 
moralmente neutro. 
E tal postura procura preservar a autonomia e a liberdade individual preservando-as da interferência 
estatal exorbitada (paternalismo) e de terceiros (ditadura das maiorias ou tirania das minorias). 
O famoso embate[18] filosófico travado entre Herbert Hart e Ronald Dworkin (autor da obra “O Império 
do Direito”) tem como foco principal a separação entre direito e moral bem como a sua implicação na 
interpretação do direito e a constatação ou não da discricionariedade judicial. 
É sabido que o referido debate teve grande relevância no mundo jurídico do século XX e, em particular, 
na análise de como o judiciário e, nossos tribunais superiores interpretam o Direito, ou melhor, qual a 
concepção[19] de Direito era adotada efetivamente no crucial momento da decisão judicial. 
O esforço inicial de Hart foi ao sentido de propiciar uma construção que superasse os positivistas como 
Austin[20] e Kelsen, e propor um conceito universal capaz de ser adequado a quaisquer sistemas 
jurídicos vigentes. 
Procura o professor inglês a esquadrinhar todo o fenômeno jurídico principalmente para colmatar 
algumas lacunas deixadas por certas teorias jurídicas (principalmente no sentido de fundamentar a 
existência e alcance de todas as espécies de regras). 
Enfim, questiona sobre quais as condutas humanas que são facultativas e quais as obrigatórias, no 
interesse de diferenciar o direito das demais ordens baseadas na coerção. Também investiga a distinção 
da obrigação jurídica da obrigação moral. Finalmente propõe que o direito seja considerado uma unção 
ou união de regras. 
A primeira questão é saber, se a regra consiste em comando. Primeiramente, para se configurar uma 
regra, é certo que esta elege determinada conduta como padrão. Assim, determinar que alguém esteja 
sujeito a uma obrigação, indica que existe uma regra. 
Porém, o inverso nem sempre é verdadeiro. As regras capazes de impor obrigações e, em geral, 
pressionam e punem aqueles que se desviam destas obrigações ou condutas. A pressão limita as ações 
humanas. 
Portanto, há dois aspectos a observar quanto às regras: o interno[21] consubstanciado no modo de como 
o grupo social encara seu próprio comportamento, ou seja, seu posicionamento crítico em relação às 
regras sociais que praticam. 
Assim, a teoria do direito que o encara como ordem coercitiva apenas vislumbra o aspecto externo de 
suas regras, dando a impressão de que as pessoas agem corretamente apenas por medo de prováveis 
retaliações nos desvios de conduta. Mas desconsidera que um sujeito pode não sentir-se obrigado a 
realizar uma ação, apesar de que tenha de fazê-la em razão da higidez do regramento social. 
Outro questionamento procura saber se as regras seriam apenas aquelas que estatuem sanções punitivasem caso de seu descumprimento. Assim, procura diferenciar uma lei criminal da lei civil, que, por 
exemplo, impõe a responsabilização civil. E, ainda analisa as regras de um contrato. Ressalta Hart a 
função social da lei bem como o papel informativo e limitador das leis processuais. 
Em razão da diferença do conteúdo das regras[22], existe decorrentemente uma distinção entre os atos 
nulos praticados por particulares e as decisões de tribunais que violam normas processuais sobre a 
competência jurisdicional. 
Pois o primeiro ato não produzirá os efeitos jurídicos, já o outro ato, se não for impugnado 
devidamente, será juridicamente válido e passível de execução. Desta forma, a nulidade pode se 
apresentar diante o simples não preenchimento de condição essencial para o exercício do poder 
outorgado pelas leis retirando a eficácia jurídica do ato. 
Sublinha Hart que o direito resulta da combinação de regras primárias de obrigação e as secundárias de 
reconhecimento, mudança ou adjudicação. Lembre-se que a regra de reconhecimento é parte das regras 
secundárias, que segundo Hart, juntamente com as regras primárias (regras de obrigação, de tipo 
básico) ocupam o lugar central do Direito. 
Assim, as regras secundárias se dividem em regras de reconhecimento, de alteração e de julgamento, 
cada uma destas trazida como remédio para os três defeitos (ou crises) diagnosticados dentro da 
estrutura social simples das regras primárias (crise da incerteza, caráter estático e ineficácia e da 
pressão social difusa). 
Sobre a regra do reconhecimento especificamente, Hart considerou a forma mais simples de remédio 
para a incerteza do regime das regras primárias. Ao conferir a marca dotada de autoridade, introduz, 
embora de forma embrionária, a ideia de sistema jurídico posto que as regras não sejam agora apenas 
um conjunto discreto e desconexo, mas, estão de um modo simples, unificadas. 
Por outro lado, para resolver o problema da estática, cria-se o regime das regras de alteração. E, 
finalmente para solucionar a ineficácia da pressão social difusa, são necessárias as regras de 
julgamento, que também servem para determinar que alguns indivíduos detenham o poder de julgar, de 
maneira definitiva, e com legitimidade, se houver violação às regras primárias[23]. 
A textura aberta das regras advém, por sua vez, dos termos gerais aplicados para prescrever as 
condutas. Porém mesmo diante de regras gerais orais, em casos particulares concretos, podem surgir 
incertezas quanto à forma de comportamento exigido por estas. Os limites de aplicação da regra estão 
na linguagem. O que obriga o intérprete fazer uma escolha entre qual significado aplicar. E, nesse 
sentido Hart prega um poder discricionário aberto pelos limites apresentados pela linguagem. 
Reconhece explicitamente Hart a função criadora[24] dos tribunais, posto que elaborem o direito na 
mesma medida em que os funcionários da administração o fazem com sua competência de editar atos 
administrativos para dar concreção a certa lei. 
Dworkin rejeita veementemente as teorias semânticas do direito, em especial, o positivismo jurídico 
que se pauta pela incompletude do ordenamento jurídico, na medida em que não aceita que os 
indivíduos tenham outros direitos fora daqueles previstos por instituições sociais específicas e 
reconhecidas como produtoras de Direito. 
Concluiu Dworkin que o direito deve ser considerado como junção de princípios e regras, na medida em 
que ambas se conformam com padrões jurídicos a serem seguidos no caso de obrigações jurídicas. 
Hart foi favorável à separação entre direito e moral, e afirmou em sua teoria descritiva que pode 
aceitar a presença de princípios que podem ser invocados pelo julgador no momento da decisão. 
Todavia, tais princípios decorrentes de moral convencional e desde que sejam considerados como 
jurídicos pela regra de reconhecimento, podem ser utilizados de forma discricionária pelo juiz, na 
medida em que não está sujeito a padrões na decisão, assim como não possuem obrigação jurídica de 
invocá-los para resolver um determinado caso difícil. 
Em nosso judiciário, podemos observar que a formulação hartiana é mais utilizada[25], ainda que 
inconscientemente pelos julgadores. Os valores morais que utilizam para julgar não correspondem 
àqueles advindos de construção histórica- política, nem de uma moral política objetiva, ou de análise de 
decisões políticas anteriores, seguidas de uma teoria a respeito de como o direito deva ser interpretado. 
É inegável concluir que os juízes operam suas decisões conforme sua consciência, de forma que a 
margem de discricionariedade em suas decisões, colocando em xeque um caro elemento do positivismo 
que é a segurança jurídica. 
Os juízes divergem teoricamente não sobre o conceito substancial e presente do direito, mas sim, sobre 
aquilo que deveria ser o que torna ainda contemporânea e recomendável a leitura e o entendimento da 
discussão entre Hart e Dworkin[26]. 
A moralidade[27] transcende a legalidade no sentido que a censura às leis e às decisões judiciais, 
reforça a relevância da separação conceituado do direito e da moral. Enfim, realmente a moral que 
deve ser separada do Direito e tal distinção possui especial relevância no debate contemporâneo sobre o 
Direito e sua atuação principalmente para cumprir a meta de construir uma sociedade mais justa, 
igualitária e próspera. Concluímos que Hart não labora uma teoria completa de interpretação, mas nos 
fornece os essenciais elementos para melhor compreensão do problema da linguagem e função do 
direito na sociedade contemporânea. 
 
 
 O objetivo deste artigo é analisar os fatores que conduziram Chaïm Perelman (1912 – 1984), 
no decorrer do século XX, à teoria da argumentação. Como se sabe, ele não foi o único 
pensador a dedicar-se ao estudo de tal tema, podendo-se destacar ainda: Theodor Viehweg, 
Stephen Toulmin, Manuel Atienza, Aulis Aarnio, Robert Alexy, dentre outros. Porém, o 
interesse por Perelman justifica-se por ele ter sido um precursor; pela forte influência da lógica 
e do direito em suas idéias; e por ter analisado a estrutura da argumentação, desenvolvendo 
cada um dos elementos que a compõe, estabelecendo bases necessárias a todos aqueles que 
desejam iniciar-se na teoria da argumentação. 
Nas palavras de Michel Meyer: "Entre a ontologia, dotada de uma flexibilidade oca, mas infinita, 
e a racionalidade apodíctica, matemática ou silogística, mas limitada, Perelman tomou uma 
terceira via: a argumentação, que raciocina sem coagir, mas que também não obriga a 
renunciar à Razão em proveito do irracional ou do indizível" [01]. 
É importante apresentar Perelman em seu contexto histórico-social e, principalmente, no 
cenário filosófico no qual surgiu, pois com a chave de sua forma de pensar fica muito mais fácil 
compreender suas idéias. Enfocar a construção do pensamento de Perelman, como ele chegou 
à teoria da argumentação, como a retórica foi por ele resgatada, por que ela havia sido 
esquecida pelos demais, é a finalidade do presente trabalho. 
Embora existam correntes que neguem a necessidade de se analisar a origem da formação de 
uma idéia, parece não haver qualquer sentido estudar determinado filósofo sem antes situá-lo 
em um contexto, não só histórico, mas, principalmente, em um contexto filosófico, no campo 
das idéias correntes em uma época. Além disso, ainda no que tange aos primórdios de uma 
teoria, é crucial compreender as razões que conduziram o pensador a ela, ou, ao menos, tentar 
aventá-las, para que haja um sentido em seu estudo. 
Alerte-se que não há qualquer pretensão de se esgotar a matéria, mas, à mercê de certas 
insuficiências que o leitor venha a encontrar, espera-se que o trabalho cumpra o seu objetivo e 
atenda ao rigor que se exige da filosofia. 
 
1. A formação do pensador 
Chaïm Perelman (1912 – 1984) é um pensador europeu, de origempolonesa, mas que sempre 
viveu na Bélgica, desde que sua família para lá migrou em 1925. Estudou na Universidade de 
Bruxelas, onde se dedicou ao direito e à filosofia [02]. Estes dois campos marcaram a vida 
acadêmica de Perelman, embora a filosofia tenha um espaço maior em sua obra, justamente 
em virtude dos trabalhos que realizou no campo da lógica e da retórica. De qualquer forma, 
como as idéias de Perelman tratam de questões cruciais para o direito, principalmente no que 
concerne à sua aplicação prática, não é possível negar a contribuição de seu pensamento 
também para este ramo do saber. 
Quanto à produção de Perelman, podem-se destacar as seguintes obras: 
a) "Sobre a justiça" – 1945. 
b) "Retórica e filosofia: por uma teoria da argumentação na filosofia" – 1952 (em colaboração 
com Lucie Olbrechts-Tyteca); 
c) "Tratado da argumentação: a nova retórica" – 1958 (em colaboração com Lucie Olbrechts-
Tyteca); 
d) "O campo da argumentação" – 1970; 
e) "Lógica jurídica: nova retórica" – 1976; 
f) "Retóricas" – 1989; 
g) "Ética e Direito" – 1990. 
Sem dúvida alguma, considera-se o "Tratado da argumentação: a nova retórica" a principal 
obra de Perelman no campo da filosofia [03]. São vários os comentadores que chamam a 
atenção à referida obra e o próprio Perelman reconhece a importância dela. 
O primeiro interesse de Perelman foi pela lógica formal [04], tendo escrito uma tese, em 1938, 
sobre Gottlob Frege (1848 – 1925). Como se sabe, Frege é considerado o criador da lógica 
matemática e um dos principais iniciadores da filosofia analítica, tendo influenciado pensadores 
como Russell (1869 – 1937), Carnap (1891 – 1970) e Wittgenstein (1889 – 1951). Ou seja, 
pessoas ligadas ao Círculo de Viena, grupo que pretendia purificar a filosofia, extirpando dela 
aquilo que entendiam ser conceitos vazios ou pseudoproblemas. A filosofia não mais deveria 
ocupar-se com questões ligadas ao belo, justo, bom etc, conceitos que não poderiam ser 
obtidos diretamente da natureza, e que dependeriam de um alto grau de subjetividade do 
pensador. Com efeito, a filosofia deveria concentrar-se na lógica e na linguagem, eliminando o 
juízo de valor. 
Enfim, a preocupação inicial de Perelman com a lógica formal e a influência que recebeu dos 
filósofos analíticos são fatores importantíssimos para compreender a evolução de seu 
pensamento. Trata-se de um referencial relevante para a construção da teoria da 
argumentação, pois a insatisfação de Perelman com o alcance da lógica formal abriu a sua 
mente. Segundo Perelman: 
A lógica teve um brilhante desenvolvimento durante os cem últimos anos, 
quando, deixando de repisar velhas fórmulas, propôs-se a analisar os meios de 
prova efetivamente utilizados pelos matemáticos. A lógica formal moderna 
constituiu-se como o estudo dos meios de demonstração utilizados nas 
ciências matemáticas. Mas o resultado foi a limitação de seu campo, pois tudo 
quanto é ignorado pelos matemáticos é alheio à lógica formal. Os lógicos 
devem completar a teoria da demonstração assim obtida com uma teoria da 
argumentação. [05] 
Ainda nesta fase, Perelman decidiu dedicar-se ao estudo da justiça. Ora, levando-se em 
consideração os autores que haviam influenciado sua formação, os analíticos, isso seria no 
mínimo contraditório. Porém, como já dito, não se deve esquecer da ligação de Perelman com 
o direito. Sem dúvida alguma, foi o direito que o impulsionou ao estudo da justiça, pois ela 
sempre foi, e talvez sempre será, um dos principais problemas ligados ao pensamento jurídico. 
Quando a justiça entrou no caminho de Perelman uma nova história começou a ser traçada, 
que o levaria à teoria da argumentação. 
 
2. O problema da justiça 
Na obra "Sobre a justiça", publicada em 1945, Perelman analisa o problema da justiça, com o 
fim de conceituá-la. Também em outros artigos do referido período o filósofo belga dedica-se a 
esta questão [06]. Segundo Atienza: 
[...] Perelman se dedicou a realizar um trabalho sobre a Justiça (cf. Perelman, 
1945; tradução em espanhol, Perelman, 1964), aplicando a esse campo o 
método positivista de Frege, o que supunha eliminar da idéia de justiça todo 
juízo de valor, pois os juízos de valor recairiam fora do campo do racional. [07] 
Para Perelman, nesta fase de sua vida, como não poderia deixar de ser, considerando toda a 
sua formação, o objeto da filosofia seria o estudo sistemático das noções confusas [08]. A justiça, 
obviamente, seria uma das noções mais confusas existentes. Não só isso, ela seria uma noção 
com o sentido emotivo muito forte. Este sentido emotivo atrapalharia a percepção do sentido 
conceitual, o único realmente importante para a construção de um conhecimento preciso e 
filosófico. Assim, seria necessário extirpar todo o subjetivismo e irracionalismo vinculado à 
noção de justiça. Trata-se de pensamento estritamente analítico, como se pode perceber. 
Assim, o filósofo belga parte de seis concepções diferentes de justiça para, então, tentar 
encontrar algo em comum entre elas, com a intenção de construir uma fórmula pura. Essas 
seis concepções são [09]: 1) a cada qual a mesma coisa; 2) a cada qual segundo seus méritos; 
3) a cada qual segundo suas obras; 4) a cada qual segundo suas necessidades; 5) a cada qual 
segundo sua posição; 6) a cada qual segundo o que a lei lhe atribui. 
Perelman destaca que a idéia de justiça caminha junto com a idéia de igualdade e que, na 
verdade, em todas as referidas concepções está implícito o pensamento de se tratar de uma 
forma idêntica seres idênticos. Assim, acaba formulando a noção de justiça nos seguintes 
termos: "[...] um princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial 
devem ser tratados da mesma forma" [10]. Porém, o próprio Perelman admite que esta é uma 
noção formal de justiça, ou seja, abstrata. Segundo o filósofo: 
Observe-se imediatamente que acabamos de definir uma noção puramente 
formal que deixa intocadas todas as divergências a propósito da justiça 
concreta. Essa definição não diz nem quando dois seres fazem parte de uma 
categoria essencial nem como é preciso tratá-los [...] 
Nossa definição da justiça é formal porque não determina as categorias que 
são essenciais para a aplicação da justiça. Ela permite que surjam divergências 
no momento de passar de uma fórmula comum da justiça formal para fórmulas 
diferentes de justiça concreta. [11] 
Como qualquer pessoa pode perceber, uma noção formal de justiça não permite que, em um 
caso concreto, seja possível verificar se foi feito justiça ou não, pois, de qualquer forma, 
deverão ser estabelecidos critérios que possam informar, com rigor, como distribuir cada ser a 
sua respectiva categoria. Tomando-se a referida fórmula de Perelman e aplicando-a na história 
da humanidade, verifica-se que várias situações injustas não deveriam ser assim consideradas. 
Por exemplo, por muito tempo os negros eram vistos como uma sub-espécie de homo 
sapiens e, justamente por não serem considerados homens, não tinham todos os direitos a 
eles inerentes. Ora, aplicando-se a noção formal de justiça chega-se à conclusão de que este 
tratamento diferenciado era justo, pois, afinal, seres de diferentes categorias não poderiam 
receber o mesmo tratamento. O mesmo ocorre para o caso da mulher e de todos os outros 
grupos que já foram perseguidos ou ultrajados na nossa linda e perfumada história. 
Enfim, Perelman tinha total ciência de que a sua noção formal de justiça, embora muito 
inteligente e perspicaz, não seria capaz de produzir qualquer utilidade no mundo prático. Tal 
formulação era totalmente inócua. O problema da passagem de uma justiça abstrata, conforme 
concebida por Perelman, para uma justiça concreta, não fora resolvido pelo referido filósofo. 
Porém, ele não poderia simplesmente desistir deste problema, pois era crucial para o seu 
pensamento jurídico. Ao contrário de outros juristas,como Hans Kelsen, que simplesmente 
negavam a existência de qualquer critério racional para estabelecer o que é justo, Perelman 
ainda acreditava que a justiça não era mero resultado de sentimentos e ressentimentos dos 
homens. E este era o seu conflito, como compatibilizar estes pensamentos, pois com o 
instrumental da filosofia analítica ele estava simplesmente encurralado. Segundo Atienza: 
O problema que surge, então, é que a introdução desses últimos critérios [para 
enquadrar os seres em diferentes categorias] implica necessariamente que se 
assumam juízos de valor, o que leva Perelman a propor a questão de como se 
raciocina a propósito de valores. [12] 
Aqui se encontra a virada de pensamento de Perelman, que o direcionou para a teoria da 
argumentação, através da qual se destacaria entre os pensadores do século XX. Seu interesse 
para descobrir "como se raciocina a propósito de valores", para usar a expressão de Atienza, 
fez com que procurasse soluções nos antigos pensadores e, então, deparasse-se com a 
retórica. 
Importante salientar que nesta época não só Perelman começou a ter tais preocupações. Os 
valores, com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), voltaram à tona e o pensamento 
racionalista cartesiano foi sendo bombardeado por várias frentes, seja pelos integrantes da 
Escola de Frankfurt, seja por pensadores voltados ao direito, como Theodor Viehweg (1907 – 
1988) e Stephen Toulmin (1922 - ). 
Perelman deparou-se com a retórica, mais exatamente com a obra de Aristóteles (384 a.c – 
322 a.c.), para tentar resolver a problemática dos valores, daquelas questões que não 
poderiam ser matematizadas, mas que deveriam comportar uma abordagem racional. 
 
3. Platão versus Aristóteles 
O filósofo belga primeiramente interessou-se pelo Organon [13] de Aristóteles, principalmente 
pelas partes dos "Primeiros analíticos", que expõe uma teoria do silogismo, dos "Segundos 
analíticos", que desenvolve uma teoria do silogismo demonstrativo, e dos "Tópicos", onde se 
encontra uma teoria dos argumentos dialéticos. Outra obra importante de Aristóteles, visitada 
por Perelman, foi a "Retórica". Conforme ele explica: "Nossa análise concerne às provas que 
Aristóteles chama de dialéticas, examinadas por ele nos Tópicos, e cuja utilização mostra na 
Retórica" [14]. 
Para Aristóteles existiriam duas formas de raciocinar: a analítica e a dialética. Com efeito, o 
raciocínio analítico estaria ligado à idéia de demonstração. Apresentando-se as premissas, 
respeitando-se as regras de inferência, chegar-se-ia a uma conclusão necessária. Ou seja, 
existe uma verdade a ser almejada e alcançada. Ao mesmo tempo, existe a figura do erro. 
Para um determinado problema existe apenas uma única resposta correta e pensar de forma 
diversa significa estar enganado. Aplica-se integralmente os três princípios da lógica clássica, a 
saber, o princípio da identidade, da não-contradição e do terceiro excluído. Trata-se da forma 
de pensar do matemático ou do cientista. Eles não podem admitir a coexistência de duas 
explicações diferentes para um mesmo fenômeno. Alguma estará, inevitavelmente, errada. 
Quando duas pessoas estão defendendo teorias diversas neste campo há uma diferença 
qualitativa entre cada uma delas, a atribuir a característica de certa ou errada. Segundo 
Perelman: 
O raciocínio more geometrico era o modelo proposto aos filósofos desejosos de 
construir um sistema de pensamento que pudesse alcançar a dignidade de 
uma ciência. De fato, uma ciência racional não pode contentar-se com opiniões 
mais ou menos verossímeis, mas elabora um sistema de proposições 
necessárias, que se impõe a todos os seres racionais e sobre as quais o 
acordo é inevitável. Daí resulta que o desacordo é sinal de erro. [15] 
Por outro lado, o raciocínio dialético opera com o verossímil [16]. Não está ligado à idéia de 
explicação, mas sim com a de justificação [17]. Neste raciocínio também há premissas, regras de 
inferência e conclusão, porém, a dinâmica é outra. O princípio da não-contradição não encontra 
espaço. É possível o convívio de dois enunciados, sem que um esteja, necessariamente, 
equivocado. Não se busca qual a solução do problema, mas sim qual a melhor solução. Há, 
assim, uma diferença quantitativa entre as posições divergentes. Segundo Perelman: 
"Enquanto os raciocínios demonstrativos, as inferências formais são corretos ou incorretos, os 
argumentos, as razões fornecidas pró ou contra uma tese têm maior ou menor força e fazem 
variar a intensidade da adesão de um auditório" [18]. Esta espécie de raciocínio é fundamental 
para quem lida com valores, por ser necessária a sua coexistência. 
Os políticos, filósofos, juristas, por exemplo, trabalham com o raciocínio dialético. Nenhum 
deles tem a pretensão de dar uma resposta definitiva aos questionamentos postos, mas sim 
aquela mais convincente para determinado momento. Observe-se que há uma enorme 
diferença entre ter a solução verdadeira e ter a solução mais convincente. Diferentemente do 
raciocínio analítico, o raciocínio dialético tem uma ligação direta com a ação, com a tomada de 
decisão e formação de uma opinião. Por exemplo, qual a melhor forma de prestar serviços 
educacionais? O correto é deixar tudo a cargo do Poder Público, ou permitir a intervenção de 
entidades particulares? De uma forma prevalece o valor igualdade, pois todos estarão 
recebendo o mesmo tratamento, a mesma educação, da outra, prevalece o valor liberdade, 
pois não seria necessário seguir um único modelo de educação estabelecido previamente pelo 
Estado. Trata-se de um problema que não pode ser resolvido analiticamente, embora muitos 
tentem fazê-lo. Então, como resolvê-lo? Com o raciocínio dialético. Trazendo argumentos que 
justifiquem a tomada de uma posição, convincente dentro de um contexto. 
Para Perelman a retórica, filha do raciocínio dialético, convence através do discurso [19]. Não é a 
evidência, não é a experiência, nem a inspiração divina, que fazem uma tese ser aceita no 
campo da argumentação, mas sim a força do discurso. Há uma ligação direta com a 
linguagem, elemento fundamental para a argumentação. Ao mesmo tempo, a retórica não 
trabalha com provas demonstrativas, que são a base da metodologia científica, nem com o 
conceito de verdade, como o faz a ciência. 
Enfim, foi justamente a distinção entre raciocínios analíticos e dialéticos que chamou a atenção 
de Perelman para a obra de Aristóteles. Segundo Atienza: "Perelman parte – como já indiquei – 
da distinção básica de origem aristotélica entre raciocínios analíticos ou lógico-formais, por um 
lado, e raciocínios dialéticos ou retóricos, por outro, e situa sua teoria da argumentação nesse 
segundo item" [20]. 
É importante destacar que, para Aristóteles, inexistiria qualquer relação hierárquica entre essas 
espécies de pensar. Ou seja, quando ele segmenta o raciocínio, em momento algum coloca o 
raciocínio dialético em um patamar inferior ao analítico, deixando sempre bem claro, que os 
campos de cada um são distintos [21], não cabendo equipará-los. Porém, conquanto esta fosse a 
posição de Aristóteles, muitos outros acreditavam que o raciocínio dialético, a retórica, seria 
algo inferior. E aqui é necessário compreender as figuras de Platão (428/27 a.c – 347 a.c.) e a 
dos sofistas. 
Como se sabe, na Grécia clássica, os sofistas eram mestres que ensinavam seus discípulos 
mediante retribuição pecuniária e que se destacavam por ter uma visão relativista da verdade. 
Ou seja, para os sofistas o verdadeiro dependeria do consenso dos homens. Desta forma, a 
verdade estaria vinculada unicamente à capacidade de convencimento do interlocutor e à 
adesão dos ouvintes. Por outro lado, nesta mesma época, havia aqueles que defendiam uma 
visão absoluta de verdade, como era o caso de Platão. 
Para Platão a verdade é única. A obtenção do conhecimento conduz a um mesmo lugar e 
qualquerdesvio significa uma deturpação, um equívoco. Assim, tomando-se a classificação de 
Aristóteles, percebe-se que para Platão apenas o pensar analítico poderia ser considerado 
rigoroso e racional. Daí as fortes críticas que formulou aos sofistas, dizendo que eram 
manipuladores de opiniões e criadores de ilusões. 
A influência de Platão na sociedade ocidental foi enorme, tanto que até hoje vinculamos a 
palavra sofista a um aspecto negativo, ligado à idéia de falso. Para verificar a aversão de 
Platão aos sofistas, ver a obra "O Sofista", ou então, "Górgias". Enfim, como os sofistas 
dedicavam-se à retórica e à oratória, o que ficou para as gerações futuras é que a retórica 
estaria ligada ao aparente, ao falso. 
Aqui se começa a compreender porque a retórica e o pensamento dialético foram aos poucos 
sendo deixados de lado, até encontrar o seu declínio na modernidade. Para Platão havia 
apenas uma verdade e ela deveria ser encontrada em todos os campos, inclusive, na política, 
na ética, no direito e na filosofia. Conforme explica Perelman: 
Diante da multiplicidade dos caracteres humanos, da pluralidade das opiniões, 
o papel tradicional dos filósofos era, estabelecendo uma hierarquia entre esses 
caracteres, ensinando o verdadeiro sentido das palavras, fornecer a resposta 
válida, objetivamente fundada, que haveria de se impor a todos os seres 
dotados de razão. [22] 
Essa visão absoluta não se coaduna com o pensamento argumentativo e, diga-se ainda, com a 
própria sociedade ocidental contemporânea, que cada vez mais relativiza as suas verdades e 
valores. 
Além do pensamento platônico, o que também contribuiu para o declínio da retórica foi a forma 
de sua utilização. Segundo Perelman: 
Se, entre os antigos, a retórica se apresentava como o estudo de uma técnica 
para o uso do vulgo, impaciente por chegar rapidamente a conclusões, por 
formar uma opinião para si, sem se dar ao trabalho prévio de uma investigação 
séria, quanto a nós, não queremos limitar o estudo da argumentação àquela 
que é adaptada a um público de ignorantes. É este aspecto da retórica que 
explica ter ela sido ferozmente combatida por Platão em seu Górgias e foi ele 
que favoreceu seu declínio na opinião filosófica. [23] 
Importante dizer que o fato de Aristóteles ter admitido os raciocínios dialéticos não significa que 
ele concordasse com os abusos cometidos pelos retóricos. Muito menos significa que tenha 
apoiado os sofistas, pelo contrário, Aristóteles é outro grande crítico deles. Porém, 
diferentemente de Platão, Aristóteles admitiu uma segmentação da forma de pensar, 
reconhecendo que certos problemas deveriam ser abordados com foco na verdade e outros 
voltados para o verossímil. E nisso se opõe frontalmente o pensamento de Platão e de 
Aristóteles. 
É certo que a retórica continuou a ser estudada na idade média, tendo inclusive feito parte do 
currículo das universidades daquela época, integrando o trivium, juntamente com a gramática e 
a dialética [24]. No entanto, foi relegada a um segundo plano, justamente por prevalecer no 
pensamento filosófico a posição de Platão, de que existiria uma única verdade e que a missão 
dos filósofos seria justamente buscá-la, eliminando as falsas concepções espalhadas na mente 
dos homens. 
De qualquer forma, embora já se tenha iniciado a análise das razões pelas quais os filósofos 
teriam desprezado a retórica, é crucial deixar claro que é em Aristóteles que Perelman 
encontra a base para a formação de sua teoria da argumentação, principalmente nos "Tópicos" 
do Organon e na "Retórica". 
 
 
A vitória de Descartes? 
Pois bem, como já dito, a visão platônica não se coaduna com a idéia de raciocínio dialético 
aristotélico, pois depende da idéia de verdade. Porém, mesmo assim, a retórica não perdeu 
seu espaço durante a idade média e continuou a ser estudada nas universidades. O grande 
golpe, que a fez cambalear durante três séculos, veio com a modernidade, mais 
especificamente, com o pensamento de René Descartes (1596 – 1650). De acordo com 
Perelman: 
Ora, a concepção claramente expressa por Descartes, na primeira parte do ‘Discurso do 
método’, era a de considerar ‘quase como falso tudo quanto era apenas verossímil’. Foi ele 
que, fazendo da evidência a marca da razão, não quis considerar racionais senão as 
demonstrações que, a partir de idéias claras e distintas, estendiam, mercê de provas 
apodícticas, a evidência dos axiomas a todos os teoremas. [25] 
Buscando diretamente as palavras de Descartes: 
Há muito tempo eu notara que, quanto aos costumes, por vezes é necessário 
seguir, como se fossem indubitáveis, opiniões que sabemos serem muito 
incertas, como já foi dito acima; mas, como então desejava ocupar-me somente 
da procura da verdade, pensei que precisava fazer exatamente o contrário, e 
rejeitar como absolutamente falso tudo em que pudesse imaginar a menor 
dúvida, a fim de ver se depois disso não restaria em minha crença alguma 
coisa que fosse inteiramente indubitável. [26] 
Perelman afirma que: 
Descartes e os racionalistas puderam deixar de lado a retórica na medida em 
que a verdade das premissas era garantida pela evidência, resultante do fato 
de se referirem a idéias claras e distintas, a respeito das quais nenhuma 
discussão era possível. Pressupondo a evidência do ponto de partida, os 
racionalistas desinteressaram-se de todos os problemas levantados pelo 
manejo de uma linguagem. [27] 
Enfim, é nítida a relevância que Perelman concede ao pensamento cartesiano como causa do 
declínio da retórica. Afinal, Descartes reduziu o alcance da razão. Assim, todos os problemas e 
questões que não se adequavam ao seu método simplesmente foram excluídos do campo do 
racional. Trata-se de característica também dos empiristas, conforme reconhece Perelman: 
Para os partidários das ciência experimentais e indutivas, o que conta é menos 
a necessidade das proposições do que a sua verdade, sua conformidade com 
os fatos. O empirista considera como prova não ‘a força à qual o espírito cede 
e vê-se obrigado a ceder, mas aquela à qual ele deveria ceder, aquela que, 
impondo-se a ele, tornaria a sua crença conforme ao fato’. Embora a evidência 
por ele reconhecida não seja a da intuição racional, mas a da intuição sensível, 
embora o método por ele preconizado não seja o das ciências dedutivas, mas o 
das ciências experimentais, ainda assim está convencido de que as únicas 
provas válidas são as provas reconhecidas pelas ciências naturais. [28] 
Em síntese, racionalistas ou empiristas, consolidados pela epistemologia da modernidade, 
ambos desconsideraram a retórica. Ela era relacionada ao aparente, ao efêmero, ao falso. O 
método científico implantou-se na mentalidade de todos e o paradigma científico apoderou-se 
da razão. E, desta forma, todo o campo valorativo acabou sendo deixado de lado. Para 
Perelman, na modernidade: 
Somente os juízos de realidade seriam a expressão de um conhecimento 
objetivo, empírica e racionalmente fundado, sendo os juízos de valor, por 
definição, irracionais, subjetivos, dependentes das emoções, interesses e 
decisões arbitrárias de indivíduos e grupos de toda espécie. [29] 
A evidência cartesiana não deixou espaço para qualquer discussão. Aliás, segundo Perelman: 
"Uma evidência imediata resolve o problema da passagem da verdade para a crença ou da 
crença para a verdade" [30]. Há apenas uma tese correta e quem não lhe aderir estará 
equivocado. E se, por acaso, o problema não era calculável, então não seria resolvido com a 
razão, mas sim com base em outros fatores (emoção, vontade, sorte). Embora nem todos 
concordassem com Descartes, cite-se, por exemplo, o pensamento de Giambattista Vico (1668 
- 1744), não há dúvida alguma de que por um determinado período, ele restou vitorioso. 
Também não há como negar que sem o rigor defendido por Descartes a ciência não teria 
alcançado os patamaresque hoje se conhece. 
Cabe lembrar, conforme salientado pelo próprio Perelman, que o declínio da retórica também 
foi resultado de uma postura interna da própria retórica, um certo movimento autofágico, em 
virtude do enfoque dado a ela, concentrado em aspectos técnicos, e questões muito mais 
ligadas à oratória [31] e a erística [32]. Estes dois campos sempre estiveram contidos na retórica. 
O grande problema foi quando eles se engrandeceram e passaram a ocupar muito espaço na 
referida disciplina. Aliás, sobre a erística, deve-se destacar a obra de Arthur Schopenhauer 
(1788- 1860) chamada "Dialética Erística", através da qual o referido filósofo expõe inúmeras 
formas de se ganhar uma discussão sem ter qualquer razão. Este tipo de trabalho, em virtude 
das indevidas interpretações, acabavam por contribuir à deturpação da imagem da retórica e 
ao distanciamento endêmico dos filósofos em relação a ela. 
De qualquer forma, à margem deste fator interno, o paradigma científico foi crucial para que os 
estudiosos perdessem o interesse pela retórica. Assim, para que ela voltasse à cena, era 
necessário que o referido paradigma fosse abalado e isto aconteceu de forma difusa no 
decorrer do século XIX, graças a discussões ligadas às ciências humanas, e durante todo o 
século XX, quando a própria ciência natural começou a ser questionada, principalmente depois 
do advento da mecânica quântica e das teorias de Albert Einstein (1879 - 1955). Para 
Perelman: 
Se, como demonstrou Thomas S. Kuhn, em sua obra consagrada às 
revoluções científicas, cada busca científica insere-se em uma visão do mundo 
e em uma metodologia, que não podem dispensar juízos de valor, apreciações 
preliminares a qualquer teoria e a qualquer classificação, a qualquer 
elaboração de uma terminologia apropriada, relegar tais juízos de valor ao 
arbitrário e ao irracional retira todo fundamento científico do edifício da ciência, 
o qual garante os juízos de realidade cuja objetividade parecia a mais 
segura. [33] 
Que fique claro, a teoria da argumentação está ligada a uma ruptura do paradigma cientificista, 
à constatação de sua insuficiência. Perelman não acredita que ela tenha vindo para suplantar a 
teoria científica, mas sim para complementá-la: "Os lógicos devem completar a teoria da 
demonstração assim obtida com uma teoria da argumentação" [34]. 
Em termos estritos, é a própria lógica formal que está em xeque quando se questiona o 
paradigma científico, pois ela está em sua base. Os cientistas não podem viver sem os 
princípios da identidade, não-contradição e do terceiro excluído. Para eles o que importa são 
as regras de inferência, já que todas as premissas estão pressupostas. Como se sabe, quando 
o paradigma está consolidado, as premissas tornam-se axiomas, ou seja, proposições 
evidentes em si mesmas e indemonstráveis, não cabendo qualquer discussão em relação a 
elas. Portanto, o cientista não tem que se preocupar com a força dos argumentos, mas 
simplesmente com o respeito às regras de inferência, pois isto o leva a uma conclusão correta. 
O grande problema é que alguns campos da vida humana não se encaixam nesta estrutura, 
como é o caso da filosofia e do direito. 
A lógica formal e os princípios da identidade, não-contradição e terceiro excluído integram a 
base do pensamento cientificista, seja de um racionalista, que se valerá da dedução, seja de 
um empirista, com sua indução. Porém, apenas com este instrumental não se consegue 
trabalhar com valores. Segundo Atienza: 
[...] a lógica dedutiva só nos oferece critérios de correção formais, mas não se 
ocupa das questões materiais ou de conteúdo que, claramente, são relevantes 
quando se argumenta em contextos que não sejam os das ciências formais 
(lógica e matemática) [...] é possível que a lógica (lógica dedutiva) não permita 
nem sequer estabelecer requisitos necessários com relação ao que deve ser 
um bom argumento; como veremos, um argumento não lógico – no sentido de 
não dedutivo – pode ser, contudo, um bom argumento. [35] 
O grande pecado do cientificismo e da lógica formal é não dar conta de questões valorativas. E 
aqui vem o grande questionamento de Perelman: 
Deveríamos, então, tirar dessa evolução da lógica e dos incontestáveis 
progressos por ela realizados a conclusão de que a razão é totalmente 
incompetente nos campos que escapam ao cálculo e de que, onde nem a 
experiência, nem a dedução lógica podem fornecer-nos a solução de um 
problema, só nos resta abandonarmo-nos às forças irracionais, aos nossos 
instintos, à sugestão ou à violência? [36] 
Perelman nega-se a acreditar que os valores tenham sido abandonados pela razão. Porém, 
acredita que, quando se está diante de valores, outra é a forma de raciocinar. Daí a 
importância da retórica. Para o filósofo belga: 
Percebemos nesse ponto uma nítida diferença entre o discurso sobre o real e o 
discurso sobre os valores. De fato, aquilo que se opõe ao verdadeiro só pode 
ser falso, e o que é verdadeiro ou falso para alguns deve sê-lo para todos: não 
se tem de escolher entre o verdadeiro e o falso. Mas aquilo que se opõe a um 
valor não deixa de ser um valor, mesmo que a importância que lhe 
concedamos, o apego que lhe testemunhamos não impeçam de sacrificá-lo 
eventualmente para salvaguardar o primeiro. [37] 
Assim, como em um ciclo que se fecha, retorna-se ao momento que Perelman decidiu estudar 
a justiça, conforme exposto nos item anteriores deste trabalho. A lógica formal e o pensamento 
positivista não lhe deram as ferramentas para solucionar os problemas que o perturbavam, 
então teve que ampliar os seus horizontes, romper as amarras que prendiam a razão e partir 
para a teoria da argumentação. Perelman percebeu que: 
Com o desmoronamento da filosofia prática, com a negação do valor de todo raciocínio prático, 
todos os valores práticos, tais como a justiça, a eqüidade, o bem comum, o razoável, passam a 
ser simples palavras vazias que cada um poderá encher de um sentido conforme a seus 
interesses. [38] 
Enfim, foi para não deixar os valores no campo do arbítrio, da violência, do irracional, que 
Chaïm Perelman partiu em busca da argumentação, de uma teoria que explicasse como no 
conflito de idéias uma prevalece e a outra sucumbe pela força do discurso. 
 
5. CONCLUSÃO 
Em síntese, este trabalho, com o alcance e profundidade que se espera de um artigo, 
apresentou a origem do pensamento de Chaïm Perelman (1912 – 1984) no campo da teoria da 
argumentação. 
Conclui-se que, inicialmente, o filósofo belga teve uma forte influência dos filósofos analíticos, 
que o fez pensar em um mundo sem juízos de valor. Desta forma, aventou uma noção formal 
de justiça ("os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma") 
que, não obstante seu rigor e precisão, não seria aplicável a casos concretos. Foi aí que 
Perelman teve o seu momento epifânico e decidiu verificar como raciocinar a respeito de 
valores. 
Tornou-se um grande crítico de René Descartes e de toda a concepção racionalista cientificista 
que pretendia tratar as ciências humanas (v. g. a filosofia e o direito) nos mesmos moldes das 
ciências ligadas à natureza. Nesta nova busca, Perelman deparou-se com a obra de Aristóteles 
(Organon e Retórica), especificamente com os chamados raciocínios dialéticos, o que acabou 
inspirando-o a desenvolver sua teoria da argumentação, por ele nomeada como "nova 
retórica". 
 
A Tópica na 
argumentação jurídica 
segundo Theodor 
Wiehweg 
 
14/jun/2011 
A partir da Teoria da Argumentação, começaram a 
ser analisadas tentativas de trazer racionalidade ao 
discurso jurídico. Theodor Viehweg sugeriu a sua 
teoria tópico-problemática para tal função. 
Por Tayana Wood Schalcher 
INTRODUÇÃO 
A proposta do presente trabalho é apresentar a teoria tópica de 
Theodor Viehweg, um dos maiores luminares na construção da Teoriada Argumentação, a qual surgiu na segunda metade do século XX 
com o objetivo de propor mecanismos de controle de racionalidade 
sobre o discurso jurídico, buscando critérios seguros para 
fundamentar as decisões. 
Tentar-se-á realizar uma análise e estabelecer onde se encontra a 
tópica de Viehweg diante da questão do tema proposto - Teoria da 
Argumentação: racionalidade ou artificialismo? Ou seja, buscar-se-á 
determinar se a tópica de Viehweg é uma teoria que possibilita a 
racionalidade ou o artificialismo na argumentação. 
Para isso, em um primeiro momento será feita uma abordagem sobre 
o surgimento da tópica e o seu objetivo de romper com o método 
sistemático-dedutivo. Em um segundo momento, serão apresentadas 
as características da tópica, desenvolvendo seu conceito e suas 
particularidades. Logo após, serão apresentadas as críticas feitas a 
essa teoria. 
 
1 A TÓPICA DE THEODOR VIEHWEG NO DIREITO 
A tópica referida por Theodor Viehweg foi desenvolvida por 
Aristóteles e sua forma problemática já fazia parte prática jurídica 
dos romanos, que subordinavam-se às decisões dos casos concretos 
de onde tiravam seus fundamentos de validade. Como confirma 
Fiuza: 
Os pretores e jurisconsultos romanos, dada a pobreza do texto legal, 
desenvolveram, principalmente na época clássica ( 126 a.C. a 285 
d.C.), uma forma de pensar tópico-problemática, solucionando os 
conflitos concretos de forma casuística, com base na opinio 
communis e na argumentação retórica. A justiça se construía com 
base nas decisões concretas, das quais se extraíam princípios que 
serviam de fundamento de validade a cada nova decisão. 1 
Viehweg resgata a forma tópico-problemática da antiguidade clássica 
como uma outra forma de fundamentar o raciocínio. Ele “reintroduz a 
argumentação como ferramenta do direito para a busca da 
decisão.” 2 
Originada “[...] simultaneamente como uma teoria dos lugares 
comuns e como uma teoria da argumentação e dos raciocínios 
dialéticos” 3, a tópica provocou a partir da década de 50 mudanças no 
direito, cujo instrumento utilizado para analisar os raciocínios 
jurídicos, até então, estava fixado no positivismo jurídico de método 
sistemático lógico-dedutivo, como afirma Margarida Camargo: 
A lógica formal, de feição cartesiana, não dava mais resposta 
satisfatória à complexidade das questões jurídicas. Daí verificarmos, 
na filosofia do direito do século XX, toda uma tendência em si 
resgatar a antiga arte retórica dos gregos e a prática jurídica dos 
romanos, para construir um modelo de fundamentação mas 
condizente à legitimação judicial, visando a validez e a eficácia. 4 
As barbáries cometidas pelo nazismo sob a proteção da lei fizeram 
necessário construir um novo modelo de legitimação para as decisões 
jurídicas Assim, a tópica surge como um contraponto ao modo de 
pensar sistemático-dedutivo. 
2 CARACTERÍSTICAS 
A tópica é uma parte da retórica conceituada por Theodor Viehweg 
como uma “técnica de pensar problemas.” Isto é, um estilo de 
pensamento, uma técnica de interpretação do direito cuja finalidade é 
indicar meios de como se agir diante de problemas, buscando sempre 
encontrar uma solução justa para qualquer caso. 
A teoria tópica veio para romper com o método sistemático-dedutivo, 
com a lógica formal que interpreta o direito como um sistema 
fechado. Ela tem uma idéia contrária, interpreta o direito como um 
sistema aberto (não há certezas absolutas, nada é indiscutível), parte 
do simplesmente provável, de conhecimentos fragmentários, ou seja, 
seus pontos de partida são abertos para discussão, são tentativas 
eternas de compreensão. Lorenzetti apud Fiuza confirma: “O Direito 
não é um sistema meramente dedutivo, é sim um sistema dialético, 
orientado ao problema, é uma recompilação de pontos de vista sobre 
o problema em permanente movimento; é aberto e pragmático”.5 
A tópica parte do reflexo para a reflexão, do específico para o geral, 
ou seja, a partir do problema encontra-se a solução da qual são 
retirados os fundamentos de validade. Além disso, a tópica se dirige 
para o problema e em razão deste. Viehweg acredita, que a tópica “é 
a forma adequada para o direito equacionar suas questões”, pois para 
ele o direito é “arte de pensar problemas”. 
A tópica apresenta como características fundamentais: ser 
problemática; buscar e analisar premissas, tendo esta atividade como 
principal, já que para a tópica a ênfase recai nas premissas; e usar 
como argumentos iniciais do diálogo os topos ou lugares-comuns que 
consistem em idéias aceitas consensualmente e como uma grande 
força persuasiva. Manuel Atienza confirma: 
Viehweg caracteriza la tópica como un ars inveniendi, como uma 
técnica del pensamiento problemático em la que el centro lo ocupa la 
noción de topos o lugar común. Ello significa que, para él, lo que 
importa em la argumentación jurídica no es la ars iudicandi, esto es, 
la técnica consistente em infrir unas proposiciones de otras [...], sino 
el ars inveniendi, el descubrimiento y examen de las premisas. 6 
Essas características apresentadas, que envolvem o objeto, a 
atividade e o instrumento da tópica, respectivamente, são 
inteiramente ligadas entre si. Assim, a tópica orienta e dá forma ao 
discurso jurídico com a intenção de persuadir o ouvinte. Vale lembrar, 
que esta com seu processo dialético enriquece o discurso através do 
confronto entre as teses e antíteses. 
Inicialmente na tópica, buscam-se as premissas para problematizá-
las e argumentar com base nelas tentando encontrar soluções de 
como resolver o problema. Para isso, são utilizados os topos, já 
citados acima, isoladamente. Para Viehweg, isso é uma tópica de 
primeiro grau. Já quando são delimitadas áreas argumentativas, com 
a intenção de dar mais segurança ao procedimento, e são elaborados 
conjuntos de topos conforme certos critérios problemáticos, tem-se 
para Viehweg a tópica de segundo grau. 
 
3 CRÍTICAS À TEORIA TÓPICA 
A tópica de Viehweg é alvo de críticas e aqui serão mencionadas 
algumas delas, como serem seus conceitos julgados imprecisos e esta 
permanecer em um nível de grande generalidade, subestimando a lei, 
a dogmática e os precedentes, como se vê respectivamente, em Otte 
apud Alexy e Manuel Atienza: 
É necessário saber o que se deve entender por “teoria tópica” (...), 
pode significar três coisas diferentes: (1) uma técnica de buscar 
premissas para um argumento; (2) uma teoria quanto a natureza das 
premissas; e (3), uma teoria sobre a aplicação das premissas nos 
argumentos justificativos da lei. 7 
A tópica não permite ver o papel importante que a lei (sobretudo a 
lei), a dogmática e o precedente desempenham no raciocínio jurídico: 
ela fica na estrutura superficial dos argumentos padrões e não analisa 
a sua estrutura profunda, permanecendo num nível de grande 
generalidade que está distante do nível da aplicação como tal do 
Direito. 8 
Manuel Atienza julga ser o modelo tópico ingênuo, tendo em vista 
que Viehweg afirma que a jurisprudência deve buscar soluções 
justas, a partir de conceitos e proposições extraídos da própria 
justiça. Este afirma ainda, não ser a tópica uma teoria autêntica ou 
suficiente da argumentação, no entanto reconhece que “na tradição 
do pensamento da tópica jurídica inaugurada por Viehweg pode-se 
encontrar sugestões e estímulos de inegável valor para quem deseja 
começar a estudar - e a praticar - o raciocínio jurídico”. 9 
 
CONCLUSÃO 
A teoria da argumentação surgiu na segunda metade do século XX 
com a intenção de trazer racionalidade e assim segurança ao discurso 
jurídico. Theodor Viehweg, propôs a sua teoria tópica tentando 
alcançaresse objetivo. Porém, como ficou claro no decorrer do 
presente trabalho, a tópica não é um tipo de argumentação racional, 
todas as suas características trazem insegurança ao discurso jurídico. 
Pensar caso a caso, ser problemática, utilizar opiniões aceitas e 
defendê-las ou rebatê-las de acordo “com a vontade do cliente”, 
podendo ter um mesmo caso soluções diferentes não traz nenhum 
critério seguro às decisões jurídicas, o que prova ser a tópica uma 
teoria baseada no artificialismo.

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