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Trata-se de ponto fulcral de ataque dos jusnaturalista ao positivismo, por correlacionar as graves consequências dos totalitarismos da segunda guerra mundial. Desde o dilema grego apresentado por Sófocles na pela Antígona, onde o tirano Creonte insiste em aplicar as leis da polis, porém Antígona as viola por considerar que as leis dos deuses são eternas, irrevogáveis e superiores aos códigos dos homens e, por essa razão, devem ser obedecidas. Creonte, tirano de Tebas, promulgou lei proibindo que aqueles que atentassem contra a polis[1] fossem sepultados e, desta forma, estabeleceu a morte como pena por desobediência. Polinices, irmão de Antígona, havia combatido na guerra contra seu irmão Etéocles que apoiava Creonte. Etéocles era considerado herói de guerra, e fora sepultado com todas as honras de guerreiro ilustre, porém, Polinices não. Inconformada Antígona seguiu o direito divino que determinava que um membro da família deveria ser sepultado por seus parentes ou seu espírito não teria descanso. Por desobedecer as leis da polis, Antígona fora condenada a ser sepultada vivo, mas declarou estar de consciência tranquila por ter agido conforme o que ordenavam as mais sagradas leis dos deuses. Para Antígona[2] viver com o conhecimento de sua incapacidade de agir seria negar o significado à sua vida e fazer desta uma “não-existência”. Enquanto que Creonte considerava que o governante, a que o Estado conferia poder, deveria ser obedecido até as mínimas coisas fossem justas ou injustas e justificou sua atitude com a afirmação de que a desobediência do governante era uma desgraça, esta destrói os Estados, leva lares a ruína e, nos combates, traz consigo a derrota dos exércitos ( Sófocles, 1994). A velha distinção conceitual entre o direito positivo e o direito natural está presente em toda tradução do pensamento jurídico ocidental, sendo o direito natural àquilo que é por natureza enquanto que o direito positivo é aquele posto ou convencionado pelos homens. O direito natural[3] como ideia abstrata do fenômeno jurídico, pretendendo corresponder a uma justiça superior (e que pode até mesmo confrontar com o texto da lei). Assim, para respeitar um sentimento de justiça, o direito natural admite soluções diferenciadas, a partir de inspirações ilimitadas. O principal traço característico do direito natural é o reconhecimento da existência de um direito, de uma justiça, anterior e acima e do direito positivo vigente. Aristóteles foi considerado por meio como o “pai do direito natural”, mesmo no período do pré-socrático já havia defensores como Pitágoras, Heráclito e Sófocles que desenvolveram a ideia de que o antes do direito positivo estava o logos divino e os próprios deuses. Na Idade Média, o direito natural vinculou-se a Deus e conforme aduz São Tomás de Aquino deve presidir a prática humana. A filosofia estóica[4] muito influenciou a doutrina moderna do jusnaturalismo e, foi marcada pela generalidade, racionalidade, caráter subjetivo e a tendência para a positividade. Também se desenvolveu sob a ambiência do idealismo cartesiano e pela busca do saber racional e estável[5]. O jusnaturalismo baseou-se na crença no poder da razão individual para descobrir as regras do justo que fugisse à contingência, por se radicar a ordem racional (e quase matemática) advinda da natureza (mathesisuniversalis – matéria universal) do qual a razão participava. Como representantes da doutrina do direito natural racional, podemos apontar Hugo Grotius, Thomas Hobbes, Rousseau, Locke, Leibniz, Spinoza, Kant e Puffendorf. Desta forma, universalizou-se a razão humana e secularizou-se o tema. Com tais doutrinadores também se desenvolveu a teoria do contratualismo na qual fundo o Estado Moderno, e teve grande influência nas primeiras declarações de direitos que tão consagraram os direitos naturais do homem. Para Bobbio, com a criação do Estado Moderno[6] ocorrera um processo de monopolização da produção jurídica da parte do Estado e o juiz, que antes era um livre órgão da sociedade podendo escolher entre as várias possíveis normas a aplicar (direito positivo ou normas de direito natural como os princípios da razão ou equidade), tornou-se um órgão deste ou normas reconhecidas de alguma maneira pelo Estado consuetudinário, o direito positivo aos poucos se tornou o único e verdadeiro direito e o Estado seu único criador e provedor. Com a Escola da Exegese, por exemplo, não se negou a existência do direito natural, mas este foi desvalorizado e considerado sem importância para o jurista. Havia a crença de que o legislador era a autoridade adequada para estabelecer o que seria justo ou injusto, por isso, era devida a obediência total ao texto da lei. A teoria da obediência absoluta à lei enquanto tal foi presente especialmente no início do desenvolvimento teórico do positivismo ético[7], por se tratar de uma afirmação moral ou ideológica e não científica. A verdade é que o positivismo ético fora sustentado por poucos teóricos e, mais contemporaneamente rejeitado por completo pelos positivistas como John Austin, Hans Kelsen, Alf Ross e Herbert Hart que realizaram uma separação teórica absoluta entre direito e moral[8]. Sendo expressão de um momento histórico que teve como clímax o advento da modernidade. Hart em sua obra procurou aplicar a análise de linguagem ordinária ou linguística ao campo do direito. E utilizou-se das conquistas filosóficas de Ludwig Wittgenstein[9] quando da publicação da obra “Investigações filosóficas” onde rompeu com sua teoria fotográfica da linguagem, tal como expôs no célebre Tractatus e passou a dirigir sua atenção aos usos e costumes cotidianos da linguagem. Retratou Ihering a relação entre o direito e a moral de forma tensionada como um cabo de tempestades da ciência jurídica, sendo mesmo um dos temas mais complexos e centrais de toda filosofia moral e jurídica. Muitas das questões suscitadas ainda aguardam por respostas apaziguadoras, como a referente à eutanásia[10], como podemos defini-la: como questão moral, jurídica ou de mera consciência? Se for possível o Estado, através do Direito intervir no direito de cada ser humano de querer viver ou morrer. Cogita-se então na acepção da morte digna. A questão do estupro e do aborto dos fetos anencefálicos ou das mulheres estupradas que não desejem a gravidez. Nesse sentido, recentemente o STF decidiu positivamente sobre a constitucionalidade[11] do aborto de anencefálicos. Tais questões geram intensos debates onde trafegam vários desacordos jurídicos, sociais e religiosos. Hart enfrentou tal temática através de teoria enriquecedora e aceitável ainda que em alguns pontos quando aborda o conteúdo mínimo do Direito natural não seja completamente satisfatório. Para melhor compreender o ponto de vista de Hart é preciso observar o modelo positivista a partir de três teses principais, a saber: 1.A tese das fontes sociais; 2.A tese da separação conceitual; 3. A tese da discricionariedade[12] judicial. A primeira tese defendeu que a existência do Direito é definida pelas práticas sociais complexas e que estipulavam a formação das fontes sociais do Direito. A segunda tese argui as conexões entre direito e a moral que são contingentes. E, a terceira tese estava baseada na questão da textura aberta da linguagem, e em particular, da linguagem jurídica que mantém normas jurídicas com termos genéricos, vagos e controvertidos. O que nos leva à assertiva de que o Direito é parcialmente indeterminado ou incompleto e, portanto, quando um juiz se depara com uma norma potencialmente indeterminada ou imprecisa o julgador age de forma discricionária. A indeterminação é uma das características da norma jurídica, e todo intento de guiar o comportamento humano mediante normas gerais, e, isto não escapa ao Direito pode falhar. Consequentemente, a teoria do Direito nãopode estar imersa entre o realismo e o ceticismo perante as normas. Assim teríamos ora o pesadelo[13] e ora o nobre sonho a partir do fato dos juízes sempre criarem ou nunca o fazê-lo, e nunca encontrar o Direito que impõem as partes do processo. Os dois fatos na opinião de Hart, são ilusões e o trivial é que às vezes os juízes fazem uma coisa ou outra. Sua teoria prega a vigília para que a interpretação do Direito não apresente excessivos problemas, posto que fundamentada apenas na obviedade jurídica da linguagem. Porém, as dúvidas surgirão em razão da textura aberta da linguagem jurídica, quando é inevitável o atuar judicial com discricionariedade, o que não equivale à eleição arbitrária[14]. Ressalte-se que mesmo diante dessa abertura do Direito a discricionariedade é limitada e intersticial. Porém, caberia o seguinte questionamento: a certeza do direito é inalterada se a regra de reconhecimento incorporasse como critérios últimos de validez jurídica, ademais do critério de filiação, princípios morais substantivos e de justiça? Tal como fazem as Constituições contemporâneas – cujo cumprimento é indispensável. Reconhece expressamente Hart que alguns ordenamentos jurídicos incorporaram como critérios de validez, princípios e valores morais. E, nesses casos, afirma Hart desta forma, a regra de reconhecimento pode tolerar relativo (e limitado) grau de incerteza, pois serão os juízes em última instância que definirão o alcance e significado da norma jurídica culpável.[15] E essa afirmação custou a Hart a pecha de ser um “jurista antidemocrático”. E, se defendendo alegou que nenhum jurista pode negar que nas democracias atuais, as faculdades normativas não são exercidas só pelo Poder Legislativo e, ainda aponta ser menos custoso para coesão social e para a democracia a resolução com base na discricionariedade judicial, que não dar nenhuma solução do caso concreto proposto. De qualquer forma, podemos deduzir que Hart não aceita a legalização da moral, porque existem limites de intervenção da moralidade nas ações privadas. Bem ilustra tal entendimento o célebre debate entre Hart e Lorde Patrick Devlin sobre a proposta de reforma do Parlamento sobre as leis penais vigentes na Inglaterra que criminalizavam a prostituição e homossexualidade. Não pode o Direito transformar em delito ou crime, o que na esfera moral é considerado pecado. A sexualidade, por exemplo, é uma questão privada e, não diz respeito ao Direito. Porém, para Devlin não é tão fácil separar propriamente pecado de delito já que as convicções morais são características históricas da identidade das normas jurídicas. Alterar as tradições morais[16] significa partir a identidade social e desintegrar a sociedade. Portanto, concluiu Lorde Devlin a preservação da moralidade positiva é instrumentalmente valiosa como meio de defender a sociedade dela mesma. Aponta Hart que as sociedades contemporâneas são caracterizadas pelas constantes mudanças sociais e pelo pluralismo de tradições e valores que montam as pautas morais vigentes, portanto é difícil deduzir um consenso moral. Ademais pode viger uma moral positiva aberrante e, por essa razão, o jurista deve ser cautela ao identificar a introdução de conteúdos morais do Direito. Tal consideração nos leva a repensar a inclusão dos princípios jurídicos no self positisvism que é modelo teórico que se opõe ao positivismo forte onde há a regra de reconhecimento[17] isenta de conteúdo valorativo. Algumas das basilares características do Direito tais como a generalidade, a clareza, inteligibilidade, perpetuidade e a publicidade das normas jurídicas, bem como o princípio da irretroatividade das leis e a congruência em sua aplicação que deve ser imparcial, implicam na realização do mínimo de justiça, ainda que seja justiça formal por parte do Direito. Portanto, para Hart é inegável existir as conexões em Direito e moral situadas no âmbito da justificação e legitimidade do Direito. Essa é a grande virtude da tese de Hart de manter um ponto de vista moral perante o direito positivo livre. O Direito como todo sistema normativo possui algumas características proeminentes como a relação que estabelece com linguagem, a coação, o poder, a moral e, sua capacidade de subministrar razões para ação. É a normatividade do Direito que o faz distinto perante as demais instituições sociais. Hart encaminha toda sua tese para o atual estágio do Direito que está inserido não chamados Estados Democráticos Constitucionais e, que nos permite distinguir o ponto de vista interno (participante), do ponto de vista externo (observador), o que resulta na dimensão de validez dos enunciados jurídicos. Ao identificar o direito contemporâneo Hart ainda o justifica através do positivismo jurídico, não negando a complexidade dos sistemas bem como a presença de princípios e valores morais. Repisamos que para o positivismo jurídico é crucial a separação conceitual entre direito e moral. E a relação entre o direito e os princípios morais não é necessária, mas sim, contingente posto que o Direito seja moralmente neutro. E tal postura procura preservar a autonomia e a liberdade individual preservando-as da interferência estatal exorbitada (paternalismo) e de terceiros (ditadura das maiorias ou tirania das minorias). O famoso embate[18] filosófico travado entre Herbert Hart e Ronald Dworkin (autor da obra “O Império do Direito”) tem como foco principal a separação entre direito e moral bem como a sua implicação na interpretação do direito e a constatação ou não da discricionariedade judicial. É sabido que o referido debate teve grande relevância no mundo jurídico do século XX e, em particular, na análise de como o judiciário e, nossos tribunais superiores interpretam o Direito, ou melhor, qual a concepção[19] de Direito era adotada efetivamente no crucial momento da decisão judicial. O esforço inicial de Hart foi ao sentido de propiciar uma construção que superasse os positivistas como Austin[20] e Kelsen, e propor um conceito universal capaz de ser adequado a quaisquer sistemas jurídicos vigentes. Procura o professor inglês a esquadrinhar todo o fenômeno jurídico principalmente para colmatar algumas lacunas deixadas por certas teorias jurídicas (principalmente no sentido de fundamentar a existência e alcance de todas as espécies de regras). Enfim, questiona sobre quais as condutas humanas que são facultativas e quais as obrigatórias, no interesse de diferenciar o direito das demais ordens baseadas na coerção. Também investiga a distinção da obrigação jurídica da obrigação moral. Finalmente propõe que o direito seja considerado uma unção ou união de regras. A primeira questão é saber, se a regra consiste em comando. Primeiramente, para se configurar uma regra, é certo que esta elege determinada conduta como padrão. Assim, determinar que alguém esteja sujeito a uma obrigação, indica que existe uma regra. Porém, o inverso nem sempre é verdadeiro. As regras capazes de impor obrigações e, em geral, pressionam e punem aqueles que se desviam destas obrigações ou condutas. A pressão limita as ações humanas. Portanto, há dois aspectos a observar quanto às regras: o interno[21] consubstanciado no modo de como o grupo social encara seu próprio comportamento, ou seja, seu posicionamento crítico em relação às regras sociais que praticam. Assim, a teoria do direito que o encara como ordem coercitiva apenas vislumbra o aspecto externo de suas regras, dando a impressão de que as pessoas agem corretamente apenas por medo de prováveis retaliações nos desvios de conduta. Mas desconsidera que um sujeito pode não sentir-se obrigado a realizar uma ação, apesar de que tenha de fazê-la em razão da higidez do regramento social. Outro questionamento procura saber se as regras seriam apenas aquelas que estatuem sanções punitivasem caso de seu descumprimento. Assim, procura diferenciar uma lei criminal da lei civil, que, por exemplo, impõe a responsabilização civil. E, ainda analisa as regras de um contrato. Ressalta Hart a função social da lei bem como o papel informativo e limitador das leis processuais. Em razão da diferença do conteúdo das regras[22], existe decorrentemente uma distinção entre os atos nulos praticados por particulares e as decisões de tribunais que violam normas processuais sobre a competência jurisdicional. Pois o primeiro ato não produzirá os efeitos jurídicos, já o outro ato, se não for impugnado devidamente, será juridicamente válido e passível de execução. Desta forma, a nulidade pode se apresentar diante o simples não preenchimento de condição essencial para o exercício do poder outorgado pelas leis retirando a eficácia jurídica do ato. Sublinha Hart que o direito resulta da combinação de regras primárias de obrigação e as secundárias de reconhecimento, mudança ou adjudicação. Lembre-se que a regra de reconhecimento é parte das regras secundárias, que segundo Hart, juntamente com as regras primárias (regras de obrigação, de tipo básico) ocupam o lugar central do Direito. Assim, as regras secundárias se dividem em regras de reconhecimento, de alteração e de julgamento, cada uma destas trazida como remédio para os três defeitos (ou crises) diagnosticados dentro da estrutura social simples das regras primárias (crise da incerteza, caráter estático e ineficácia e da pressão social difusa). Sobre a regra do reconhecimento especificamente, Hart considerou a forma mais simples de remédio para a incerteza do regime das regras primárias. Ao conferir a marca dotada de autoridade, introduz, embora de forma embrionária, a ideia de sistema jurídico posto que as regras não sejam agora apenas um conjunto discreto e desconexo, mas, estão de um modo simples, unificadas. Por outro lado, para resolver o problema da estática, cria-se o regime das regras de alteração. E, finalmente para solucionar a ineficácia da pressão social difusa, são necessárias as regras de julgamento, que também servem para determinar que alguns indivíduos detenham o poder de julgar, de maneira definitiva, e com legitimidade, se houver violação às regras primárias[23]. A textura aberta das regras advém, por sua vez, dos termos gerais aplicados para prescrever as condutas. Porém mesmo diante de regras gerais orais, em casos particulares concretos, podem surgir incertezas quanto à forma de comportamento exigido por estas. Os limites de aplicação da regra estão na linguagem. O que obriga o intérprete fazer uma escolha entre qual significado aplicar. E, nesse sentido Hart prega um poder discricionário aberto pelos limites apresentados pela linguagem. Reconhece explicitamente Hart a função criadora[24] dos tribunais, posto que elaborem o direito na mesma medida em que os funcionários da administração o fazem com sua competência de editar atos administrativos para dar concreção a certa lei. Dworkin rejeita veementemente as teorias semânticas do direito, em especial, o positivismo jurídico que se pauta pela incompletude do ordenamento jurídico, na medida em que não aceita que os indivíduos tenham outros direitos fora daqueles previstos por instituições sociais específicas e reconhecidas como produtoras de Direito. Concluiu Dworkin que o direito deve ser considerado como junção de princípios e regras, na medida em que ambas se conformam com padrões jurídicos a serem seguidos no caso de obrigações jurídicas. Hart foi favorável à separação entre direito e moral, e afirmou em sua teoria descritiva que pode aceitar a presença de princípios que podem ser invocados pelo julgador no momento da decisão. Todavia, tais princípios decorrentes de moral convencional e desde que sejam considerados como jurídicos pela regra de reconhecimento, podem ser utilizados de forma discricionária pelo juiz, na medida em que não está sujeito a padrões na decisão, assim como não possuem obrigação jurídica de invocá-los para resolver um determinado caso difícil. Em nosso judiciário, podemos observar que a formulação hartiana é mais utilizada[25], ainda que inconscientemente pelos julgadores. Os valores morais que utilizam para julgar não correspondem àqueles advindos de construção histórica- política, nem de uma moral política objetiva, ou de análise de decisões políticas anteriores, seguidas de uma teoria a respeito de como o direito deva ser interpretado. É inegável concluir que os juízes operam suas decisões conforme sua consciência, de forma que a margem de discricionariedade em suas decisões, colocando em xeque um caro elemento do positivismo que é a segurança jurídica. Os juízes divergem teoricamente não sobre o conceito substancial e presente do direito, mas sim, sobre aquilo que deveria ser o que torna ainda contemporânea e recomendável a leitura e o entendimento da discussão entre Hart e Dworkin[26]. A moralidade[27] transcende a legalidade no sentido que a censura às leis e às decisões judiciais, reforça a relevância da separação conceituado do direito e da moral. Enfim, realmente a moral que deve ser separada do Direito e tal distinção possui especial relevância no debate contemporâneo sobre o Direito e sua atuação principalmente para cumprir a meta de construir uma sociedade mais justa, igualitária e próspera. Concluímos que Hart não labora uma teoria completa de interpretação, mas nos fornece os essenciais elementos para melhor compreensão do problema da linguagem e função do direito na sociedade contemporânea. O objetivo deste artigo é analisar os fatores que conduziram Chaïm Perelman (1912 – 1984), no decorrer do século XX, à teoria da argumentação. Como se sabe, ele não foi o único pensador a dedicar-se ao estudo de tal tema, podendo-se destacar ainda: Theodor Viehweg, Stephen Toulmin, Manuel Atienza, Aulis Aarnio, Robert Alexy, dentre outros. Porém, o interesse por Perelman justifica-se por ele ter sido um precursor; pela forte influência da lógica e do direito em suas idéias; e por ter analisado a estrutura da argumentação, desenvolvendo cada um dos elementos que a compõe, estabelecendo bases necessárias a todos aqueles que desejam iniciar-se na teoria da argumentação. Nas palavras de Michel Meyer: "Entre a ontologia, dotada de uma flexibilidade oca, mas infinita, e a racionalidade apodíctica, matemática ou silogística, mas limitada, Perelman tomou uma terceira via: a argumentação, que raciocina sem coagir, mas que também não obriga a renunciar à Razão em proveito do irracional ou do indizível" [01]. É importante apresentar Perelman em seu contexto histórico-social e, principalmente, no cenário filosófico no qual surgiu, pois com a chave de sua forma de pensar fica muito mais fácil compreender suas idéias. Enfocar a construção do pensamento de Perelman, como ele chegou à teoria da argumentação, como a retórica foi por ele resgatada, por que ela havia sido esquecida pelos demais, é a finalidade do presente trabalho. Embora existam correntes que neguem a necessidade de se analisar a origem da formação de uma idéia, parece não haver qualquer sentido estudar determinado filósofo sem antes situá-lo em um contexto, não só histórico, mas, principalmente, em um contexto filosófico, no campo das idéias correntes em uma época. Além disso, ainda no que tange aos primórdios de uma teoria, é crucial compreender as razões que conduziram o pensador a ela, ou, ao menos, tentar aventá-las, para que haja um sentido em seu estudo. Alerte-se que não há qualquer pretensão de se esgotar a matéria, mas, à mercê de certas insuficiências que o leitor venha a encontrar, espera-se que o trabalho cumpra o seu objetivo e atenda ao rigor que se exige da filosofia. 1. A formação do pensador Chaïm Perelman (1912 – 1984) é um pensador europeu, de origempolonesa, mas que sempre viveu na Bélgica, desde que sua família para lá migrou em 1925. Estudou na Universidade de Bruxelas, onde se dedicou ao direito e à filosofia [02]. Estes dois campos marcaram a vida acadêmica de Perelman, embora a filosofia tenha um espaço maior em sua obra, justamente em virtude dos trabalhos que realizou no campo da lógica e da retórica. De qualquer forma, como as idéias de Perelman tratam de questões cruciais para o direito, principalmente no que concerne à sua aplicação prática, não é possível negar a contribuição de seu pensamento também para este ramo do saber. Quanto à produção de Perelman, podem-se destacar as seguintes obras: a) "Sobre a justiça" – 1945. b) "Retórica e filosofia: por uma teoria da argumentação na filosofia" – 1952 (em colaboração com Lucie Olbrechts-Tyteca); c) "Tratado da argumentação: a nova retórica" – 1958 (em colaboração com Lucie Olbrechts- Tyteca); d) "O campo da argumentação" – 1970; e) "Lógica jurídica: nova retórica" – 1976; f) "Retóricas" – 1989; g) "Ética e Direito" – 1990. Sem dúvida alguma, considera-se o "Tratado da argumentação: a nova retórica" a principal obra de Perelman no campo da filosofia [03]. São vários os comentadores que chamam a atenção à referida obra e o próprio Perelman reconhece a importância dela. O primeiro interesse de Perelman foi pela lógica formal [04], tendo escrito uma tese, em 1938, sobre Gottlob Frege (1848 – 1925). Como se sabe, Frege é considerado o criador da lógica matemática e um dos principais iniciadores da filosofia analítica, tendo influenciado pensadores como Russell (1869 – 1937), Carnap (1891 – 1970) e Wittgenstein (1889 – 1951). Ou seja, pessoas ligadas ao Círculo de Viena, grupo que pretendia purificar a filosofia, extirpando dela aquilo que entendiam ser conceitos vazios ou pseudoproblemas. A filosofia não mais deveria ocupar-se com questões ligadas ao belo, justo, bom etc, conceitos que não poderiam ser obtidos diretamente da natureza, e que dependeriam de um alto grau de subjetividade do pensador. Com efeito, a filosofia deveria concentrar-se na lógica e na linguagem, eliminando o juízo de valor. Enfim, a preocupação inicial de Perelman com a lógica formal e a influência que recebeu dos filósofos analíticos são fatores importantíssimos para compreender a evolução de seu pensamento. Trata-se de um referencial relevante para a construção da teoria da argumentação, pois a insatisfação de Perelman com o alcance da lógica formal abriu a sua mente. Segundo Perelman: A lógica teve um brilhante desenvolvimento durante os cem últimos anos, quando, deixando de repisar velhas fórmulas, propôs-se a analisar os meios de prova efetivamente utilizados pelos matemáticos. A lógica formal moderna constituiu-se como o estudo dos meios de demonstração utilizados nas ciências matemáticas. Mas o resultado foi a limitação de seu campo, pois tudo quanto é ignorado pelos matemáticos é alheio à lógica formal. Os lógicos devem completar a teoria da demonstração assim obtida com uma teoria da argumentação. [05] Ainda nesta fase, Perelman decidiu dedicar-se ao estudo da justiça. Ora, levando-se em consideração os autores que haviam influenciado sua formação, os analíticos, isso seria no mínimo contraditório. Porém, como já dito, não se deve esquecer da ligação de Perelman com o direito. Sem dúvida alguma, foi o direito que o impulsionou ao estudo da justiça, pois ela sempre foi, e talvez sempre será, um dos principais problemas ligados ao pensamento jurídico. Quando a justiça entrou no caminho de Perelman uma nova história começou a ser traçada, que o levaria à teoria da argumentação. 2. O problema da justiça Na obra "Sobre a justiça", publicada em 1945, Perelman analisa o problema da justiça, com o fim de conceituá-la. Também em outros artigos do referido período o filósofo belga dedica-se a esta questão [06]. Segundo Atienza: [...] Perelman se dedicou a realizar um trabalho sobre a Justiça (cf. Perelman, 1945; tradução em espanhol, Perelman, 1964), aplicando a esse campo o método positivista de Frege, o que supunha eliminar da idéia de justiça todo juízo de valor, pois os juízos de valor recairiam fora do campo do racional. [07] Para Perelman, nesta fase de sua vida, como não poderia deixar de ser, considerando toda a sua formação, o objeto da filosofia seria o estudo sistemático das noções confusas [08]. A justiça, obviamente, seria uma das noções mais confusas existentes. Não só isso, ela seria uma noção com o sentido emotivo muito forte. Este sentido emotivo atrapalharia a percepção do sentido conceitual, o único realmente importante para a construção de um conhecimento preciso e filosófico. Assim, seria necessário extirpar todo o subjetivismo e irracionalismo vinculado à noção de justiça. Trata-se de pensamento estritamente analítico, como se pode perceber. Assim, o filósofo belga parte de seis concepções diferentes de justiça para, então, tentar encontrar algo em comum entre elas, com a intenção de construir uma fórmula pura. Essas seis concepções são [09]: 1) a cada qual a mesma coisa; 2) a cada qual segundo seus méritos; 3) a cada qual segundo suas obras; 4) a cada qual segundo suas necessidades; 5) a cada qual segundo sua posição; 6) a cada qual segundo o que a lei lhe atribui. Perelman destaca que a idéia de justiça caminha junto com a idéia de igualdade e que, na verdade, em todas as referidas concepções está implícito o pensamento de se tratar de uma forma idêntica seres idênticos. Assim, acaba formulando a noção de justiça nos seguintes termos: "[...] um princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma" [10]. Porém, o próprio Perelman admite que esta é uma noção formal de justiça, ou seja, abstrata. Segundo o filósofo: Observe-se imediatamente que acabamos de definir uma noção puramente formal que deixa intocadas todas as divergências a propósito da justiça concreta. Essa definição não diz nem quando dois seres fazem parte de uma categoria essencial nem como é preciso tratá-los [...] Nossa definição da justiça é formal porque não determina as categorias que são essenciais para a aplicação da justiça. Ela permite que surjam divergências no momento de passar de uma fórmula comum da justiça formal para fórmulas diferentes de justiça concreta. [11] Como qualquer pessoa pode perceber, uma noção formal de justiça não permite que, em um caso concreto, seja possível verificar se foi feito justiça ou não, pois, de qualquer forma, deverão ser estabelecidos critérios que possam informar, com rigor, como distribuir cada ser a sua respectiva categoria. Tomando-se a referida fórmula de Perelman e aplicando-a na história da humanidade, verifica-se que várias situações injustas não deveriam ser assim consideradas. Por exemplo, por muito tempo os negros eram vistos como uma sub-espécie de homo sapiens e, justamente por não serem considerados homens, não tinham todos os direitos a eles inerentes. Ora, aplicando-se a noção formal de justiça chega-se à conclusão de que este tratamento diferenciado era justo, pois, afinal, seres de diferentes categorias não poderiam receber o mesmo tratamento. O mesmo ocorre para o caso da mulher e de todos os outros grupos que já foram perseguidos ou ultrajados na nossa linda e perfumada história. Enfim, Perelman tinha total ciência de que a sua noção formal de justiça, embora muito inteligente e perspicaz, não seria capaz de produzir qualquer utilidade no mundo prático. Tal formulação era totalmente inócua. O problema da passagem de uma justiça abstrata, conforme concebida por Perelman, para uma justiça concreta, não fora resolvido pelo referido filósofo. Porém, ele não poderia simplesmente desistir deste problema, pois era crucial para o seu pensamento jurídico. Ao contrário de outros juristas,como Hans Kelsen, que simplesmente negavam a existência de qualquer critério racional para estabelecer o que é justo, Perelman ainda acreditava que a justiça não era mero resultado de sentimentos e ressentimentos dos homens. E este era o seu conflito, como compatibilizar estes pensamentos, pois com o instrumental da filosofia analítica ele estava simplesmente encurralado. Segundo Atienza: O problema que surge, então, é que a introdução desses últimos critérios [para enquadrar os seres em diferentes categorias] implica necessariamente que se assumam juízos de valor, o que leva Perelman a propor a questão de como se raciocina a propósito de valores. [12] Aqui se encontra a virada de pensamento de Perelman, que o direcionou para a teoria da argumentação, através da qual se destacaria entre os pensadores do século XX. Seu interesse para descobrir "como se raciocina a propósito de valores", para usar a expressão de Atienza, fez com que procurasse soluções nos antigos pensadores e, então, deparasse-se com a retórica. Importante salientar que nesta época não só Perelman começou a ter tais preocupações. Os valores, com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), voltaram à tona e o pensamento racionalista cartesiano foi sendo bombardeado por várias frentes, seja pelos integrantes da Escola de Frankfurt, seja por pensadores voltados ao direito, como Theodor Viehweg (1907 – 1988) e Stephen Toulmin (1922 - ). Perelman deparou-se com a retórica, mais exatamente com a obra de Aristóteles (384 a.c – 322 a.c.), para tentar resolver a problemática dos valores, daquelas questões que não poderiam ser matematizadas, mas que deveriam comportar uma abordagem racional. 3. Platão versus Aristóteles O filósofo belga primeiramente interessou-se pelo Organon [13] de Aristóteles, principalmente pelas partes dos "Primeiros analíticos", que expõe uma teoria do silogismo, dos "Segundos analíticos", que desenvolve uma teoria do silogismo demonstrativo, e dos "Tópicos", onde se encontra uma teoria dos argumentos dialéticos. Outra obra importante de Aristóteles, visitada por Perelman, foi a "Retórica". Conforme ele explica: "Nossa análise concerne às provas que Aristóteles chama de dialéticas, examinadas por ele nos Tópicos, e cuja utilização mostra na Retórica" [14]. Para Aristóteles existiriam duas formas de raciocinar: a analítica e a dialética. Com efeito, o raciocínio analítico estaria ligado à idéia de demonstração. Apresentando-se as premissas, respeitando-se as regras de inferência, chegar-se-ia a uma conclusão necessária. Ou seja, existe uma verdade a ser almejada e alcançada. Ao mesmo tempo, existe a figura do erro. Para um determinado problema existe apenas uma única resposta correta e pensar de forma diversa significa estar enganado. Aplica-se integralmente os três princípios da lógica clássica, a saber, o princípio da identidade, da não-contradição e do terceiro excluído. Trata-se da forma de pensar do matemático ou do cientista. Eles não podem admitir a coexistência de duas explicações diferentes para um mesmo fenômeno. Alguma estará, inevitavelmente, errada. Quando duas pessoas estão defendendo teorias diversas neste campo há uma diferença qualitativa entre cada uma delas, a atribuir a característica de certa ou errada. Segundo Perelman: O raciocínio more geometrico era o modelo proposto aos filósofos desejosos de construir um sistema de pensamento que pudesse alcançar a dignidade de uma ciência. De fato, uma ciência racional não pode contentar-se com opiniões mais ou menos verossímeis, mas elabora um sistema de proposições necessárias, que se impõe a todos os seres racionais e sobre as quais o acordo é inevitável. Daí resulta que o desacordo é sinal de erro. [15] Por outro lado, o raciocínio dialético opera com o verossímil [16]. Não está ligado à idéia de explicação, mas sim com a de justificação [17]. Neste raciocínio também há premissas, regras de inferência e conclusão, porém, a dinâmica é outra. O princípio da não-contradição não encontra espaço. É possível o convívio de dois enunciados, sem que um esteja, necessariamente, equivocado. Não se busca qual a solução do problema, mas sim qual a melhor solução. Há, assim, uma diferença quantitativa entre as posições divergentes. Segundo Perelman: "Enquanto os raciocínios demonstrativos, as inferências formais são corretos ou incorretos, os argumentos, as razões fornecidas pró ou contra uma tese têm maior ou menor força e fazem variar a intensidade da adesão de um auditório" [18]. Esta espécie de raciocínio é fundamental para quem lida com valores, por ser necessária a sua coexistência. Os políticos, filósofos, juristas, por exemplo, trabalham com o raciocínio dialético. Nenhum deles tem a pretensão de dar uma resposta definitiva aos questionamentos postos, mas sim aquela mais convincente para determinado momento. Observe-se que há uma enorme diferença entre ter a solução verdadeira e ter a solução mais convincente. Diferentemente do raciocínio analítico, o raciocínio dialético tem uma ligação direta com a ação, com a tomada de decisão e formação de uma opinião. Por exemplo, qual a melhor forma de prestar serviços educacionais? O correto é deixar tudo a cargo do Poder Público, ou permitir a intervenção de entidades particulares? De uma forma prevalece o valor igualdade, pois todos estarão recebendo o mesmo tratamento, a mesma educação, da outra, prevalece o valor liberdade, pois não seria necessário seguir um único modelo de educação estabelecido previamente pelo Estado. Trata-se de um problema que não pode ser resolvido analiticamente, embora muitos tentem fazê-lo. Então, como resolvê-lo? Com o raciocínio dialético. Trazendo argumentos que justifiquem a tomada de uma posição, convincente dentro de um contexto. Para Perelman a retórica, filha do raciocínio dialético, convence através do discurso [19]. Não é a evidência, não é a experiência, nem a inspiração divina, que fazem uma tese ser aceita no campo da argumentação, mas sim a força do discurso. Há uma ligação direta com a linguagem, elemento fundamental para a argumentação. Ao mesmo tempo, a retórica não trabalha com provas demonstrativas, que são a base da metodologia científica, nem com o conceito de verdade, como o faz a ciência. Enfim, foi justamente a distinção entre raciocínios analíticos e dialéticos que chamou a atenção de Perelman para a obra de Aristóteles. Segundo Atienza: "Perelman parte – como já indiquei – da distinção básica de origem aristotélica entre raciocínios analíticos ou lógico-formais, por um lado, e raciocínios dialéticos ou retóricos, por outro, e situa sua teoria da argumentação nesse segundo item" [20]. É importante destacar que, para Aristóteles, inexistiria qualquer relação hierárquica entre essas espécies de pensar. Ou seja, quando ele segmenta o raciocínio, em momento algum coloca o raciocínio dialético em um patamar inferior ao analítico, deixando sempre bem claro, que os campos de cada um são distintos [21], não cabendo equipará-los. Porém, conquanto esta fosse a posição de Aristóteles, muitos outros acreditavam que o raciocínio dialético, a retórica, seria algo inferior. E aqui é necessário compreender as figuras de Platão (428/27 a.c – 347 a.c.) e a dos sofistas. Como se sabe, na Grécia clássica, os sofistas eram mestres que ensinavam seus discípulos mediante retribuição pecuniária e que se destacavam por ter uma visão relativista da verdade. Ou seja, para os sofistas o verdadeiro dependeria do consenso dos homens. Desta forma, a verdade estaria vinculada unicamente à capacidade de convencimento do interlocutor e à adesão dos ouvintes. Por outro lado, nesta mesma época, havia aqueles que defendiam uma visão absoluta de verdade, como era o caso de Platão. Para Platão a verdade é única. A obtenção do conhecimento conduz a um mesmo lugar e qualquerdesvio significa uma deturpação, um equívoco. Assim, tomando-se a classificação de Aristóteles, percebe-se que para Platão apenas o pensar analítico poderia ser considerado rigoroso e racional. Daí as fortes críticas que formulou aos sofistas, dizendo que eram manipuladores de opiniões e criadores de ilusões. A influência de Platão na sociedade ocidental foi enorme, tanto que até hoje vinculamos a palavra sofista a um aspecto negativo, ligado à idéia de falso. Para verificar a aversão de Platão aos sofistas, ver a obra "O Sofista", ou então, "Górgias". Enfim, como os sofistas dedicavam-se à retórica e à oratória, o que ficou para as gerações futuras é que a retórica estaria ligada ao aparente, ao falso. Aqui se começa a compreender porque a retórica e o pensamento dialético foram aos poucos sendo deixados de lado, até encontrar o seu declínio na modernidade. Para Platão havia apenas uma verdade e ela deveria ser encontrada em todos os campos, inclusive, na política, na ética, no direito e na filosofia. Conforme explica Perelman: Diante da multiplicidade dos caracteres humanos, da pluralidade das opiniões, o papel tradicional dos filósofos era, estabelecendo uma hierarquia entre esses caracteres, ensinando o verdadeiro sentido das palavras, fornecer a resposta válida, objetivamente fundada, que haveria de se impor a todos os seres dotados de razão. [22] Essa visão absoluta não se coaduna com o pensamento argumentativo e, diga-se ainda, com a própria sociedade ocidental contemporânea, que cada vez mais relativiza as suas verdades e valores. Além do pensamento platônico, o que também contribuiu para o declínio da retórica foi a forma de sua utilização. Segundo Perelman: Se, entre os antigos, a retórica se apresentava como o estudo de uma técnica para o uso do vulgo, impaciente por chegar rapidamente a conclusões, por formar uma opinião para si, sem se dar ao trabalho prévio de uma investigação séria, quanto a nós, não queremos limitar o estudo da argumentação àquela que é adaptada a um público de ignorantes. É este aspecto da retórica que explica ter ela sido ferozmente combatida por Platão em seu Górgias e foi ele que favoreceu seu declínio na opinião filosófica. [23] Importante dizer que o fato de Aristóteles ter admitido os raciocínios dialéticos não significa que ele concordasse com os abusos cometidos pelos retóricos. Muito menos significa que tenha apoiado os sofistas, pelo contrário, Aristóteles é outro grande crítico deles. Porém, diferentemente de Platão, Aristóteles admitiu uma segmentação da forma de pensar, reconhecendo que certos problemas deveriam ser abordados com foco na verdade e outros voltados para o verossímil. E nisso se opõe frontalmente o pensamento de Platão e de Aristóteles. É certo que a retórica continuou a ser estudada na idade média, tendo inclusive feito parte do currículo das universidades daquela época, integrando o trivium, juntamente com a gramática e a dialética [24]. No entanto, foi relegada a um segundo plano, justamente por prevalecer no pensamento filosófico a posição de Platão, de que existiria uma única verdade e que a missão dos filósofos seria justamente buscá-la, eliminando as falsas concepções espalhadas na mente dos homens. De qualquer forma, embora já se tenha iniciado a análise das razões pelas quais os filósofos teriam desprezado a retórica, é crucial deixar claro que é em Aristóteles que Perelman encontra a base para a formação de sua teoria da argumentação, principalmente nos "Tópicos" do Organon e na "Retórica". A vitória de Descartes? Pois bem, como já dito, a visão platônica não se coaduna com a idéia de raciocínio dialético aristotélico, pois depende da idéia de verdade. Porém, mesmo assim, a retórica não perdeu seu espaço durante a idade média e continuou a ser estudada nas universidades. O grande golpe, que a fez cambalear durante três séculos, veio com a modernidade, mais especificamente, com o pensamento de René Descartes (1596 – 1650). De acordo com Perelman: Ora, a concepção claramente expressa por Descartes, na primeira parte do ‘Discurso do método’, era a de considerar ‘quase como falso tudo quanto era apenas verossímil’. Foi ele que, fazendo da evidência a marca da razão, não quis considerar racionais senão as demonstrações que, a partir de idéias claras e distintas, estendiam, mercê de provas apodícticas, a evidência dos axiomas a todos os teoremas. [25] Buscando diretamente as palavras de Descartes: Há muito tempo eu notara que, quanto aos costumes, por vezes é necessário seguir, como se fossem indubitáveis, opiniões que sabemos serem muito incertas, como já foi dito acima; mas, como então desejava ocupar-me somente da procura da verdade, pensei que precisava fazer exatamente o contrário, e rejeitar como absolutamente falso tudo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se depois disso não restaria em minha crença alguma coisa que fosse inteiramente indubitável. [26] Perelman afirma que: Descartes e os racionalistas puderam deixar de lado a retórica na medida em que a verdade das premissas era garantida pela evidência, resultante do fato de se referirem a idéias claras e distintas, a respeito das quais nenhuma discussão era possível. Pressupondo a evidência do ponto de partida, os racionalistas desinteressaram-se de todos os problemas levantados pelo manejo de uma linguagem. [27] Enfim, é nítida a relevância que Perelman concede ao pensamento cartesiano como causa do declínio da retórica. Afinal, Descartes reduziu o alcance da razão. Assim, todos os problemas e questões que não se adequavam ao seu método simplesmente foram excluídos do campo do racional. Trata-se de característica também dos empiristas, conforme reconhece Perelman: Para os partidários das ciência experimentais e indutivas, o que conta é menos a necessidade das proposições do que a sua verdade, sua conformidade com os fatos. O empirista considera como prova não ‘a força à qual o espírito cede e vê-se obrigado a ceder, mas aquela à qual ele deveria ceder, aquela que, impondo-se a ele, tornaria a sua crença conforme ao fato’. Embora a evidência por ele reconhecida não seja a da intuição racional, mas a da intuição sensível, embora o método por ele preconizado não seja o das ciências dedutivas, mas o das ciências experimentais, ainda assim está convencido de que as únicas provas válidas são as provas reconhecidas pelas ciências naturais. [28] Em síntese, racionalistas ou empiristas, consolidados pela epistemologia da modernidade, ambos desconsideraram a retórica. Ela era relacionada ao aparente, ao efêmero, ao falso. O método científico implantou-se na mentalidade de todos e o paradigma científico apoderou-se da razão. E, desta forma, todo o campo valorativo acabou sendo deixado de lado. Para Perelman, na modernidade: Somente os juízos de realidade seriam a expressão de um conhecimento objetivo, empírica e racionalmente fundado, sendo os juízos de valor, por definição, irracionais, subjetivos, dependentes das emoções, interesses e decisões arbitrárias de indivíduos e grupos de toda espécie. [29] A evidência cartesiana não deixou espaço para qualquer discussão. Aliás, segundo Perelman: "Uma evidência imediata resolve o problema da passagem da verdade para a crença ou da crença para a verdade" [30]. Há apenas uma tese correta e quem não lhe aderir estará equivocado. E se, por acaso, o problema não era calculável, então não seria resolvido com a razão, mas sim com base em outros fatores (emoção, vontade, sorte). Embora nem todos concordassem com Descartes, cite-se, por exemplo, o pensamento de Giambattista Vico (1668 - 1744), não há dúvida alguma de que por um determinado período, ele restou vitorioso. Também não há como negar que sem o rigor defendido por Descartes a ciência não teria alcançado os patamaresque hoje se conhece. Cabe lembrar, conforme salientado pelo próprio Perelman, que o declínio da retórica também foi resultado de uma postura interna da própria retórica, um certo movimento autofágico, em virtude do enfoque dado a ela, concentrado em aspectos técnicos, e questões muito mais ligadas à oratória [31] e a erística [32]. Estes dois campos sempre estiveram contidos na retórica. O grande problema foi quando eles se engrandeceram e passaram a ocupar muito espaço na referida disciplina. Aliás, sobre a erística, deve-se destacar a obra de Arthur Schopenhauer (1788- 1860) chamada "Dialética Erística", através da qual o referido filósofo expõe inúmeras formas de se ganhar uma discussão sem ter qualquer razão. Este tipo de trabalho, em virtude das indevidas interpretações, acabavam por contribuir à deturpação da imagem da retórica e ao distanciamento endêmico dos filósofos em relação a ela. De qualquer forma, à margem deste fator interno, o paradigma científico foi crucial para que os estudiosos perdessem o interesse pela retórica. Assim, para que ela voltasse à cena, era necessário que o referido paradigma fosse abalado e isto aconteceu de forma difusa no decorrer do século XIX, graças a discussões ligadas às ciências humanas, e durante todo o século XX, quando a própria ciência natural começou a ser questionada, principalmente depois do advento da mecânica quântica e das teorias de Albert Einstein (1879 - 1955). Para Perelman: Se, como demonstrou Thomas S. Kuhn, em sua obra consagrada às revoluções científicas, cada busca científica insere-se em uma visão do mundo e em uma metodologia, que não podem dispensar juízos de valor, apreciações preliminares a qualquer teoria e a qualquer classificação, a qualquer elaboração de uma terminologia apropriada, relegar tais juízos de valor ao arbitrário e ao irracional retira todo fundamento científico do edifício da ciência, o qual garante os juízos de realidade cuja objetividade parecia a mais segura. [33] Que fique claro, a teoria da argumentação está ligada a uma ruptura do paradigma cientificista, à constatação de sua insuficiência. Perelman não acredita que ela tenha vindo para suplantar a teoria científica, mas sim para complementá-la: "Os lógicos devem completar a teoria da demonstração assim obtida com uma teoria da argumentação" [34]. Em termos estritos, é a própria lógica formal que está em xeque quando se questiona o paradigma científico, pois ela está em sua base. Os cientistas não podem viver sem os princípios da identidade, não-contradição e do terceiro excluído. Para eles o que importa são as regras de inferência, já que todas as premissas estão pressupostas. Como se sabe, quando o paradigma está consolidado, as premissas tornam-se axiomas, ou seja, proposições evidentes em si mesmas e indemonstráveis, não cabendo qualquer discussão em relação a elas. Portanto, o cientista não tem que se preocupar com a força dos argumentos, mas simplesmente com o respeito às regras de inferência, pois isto o leva a uma conclusão correta. O grande problema é que alguns campos da vida humana não se encaixam nesta estrutura, como é o caso da filosofia e do direito. A lógica formal e os princípios da identidade, não-contradição e terceiro excluído integram a base do pensamento cientificista, seja de um racionalista, que se valerá da dedução, seja de um empirista, com sua indução. Porém, apenas com este instrumental não se consegue trabalhar com valores. Segundo Atienza: [...] a lógica dedutiva só nos oferece critérios de correção formais, mas não se ocupa das questões materiais ou de conteúdo que, claramente, são relevantes quando se argumenta em contextos que não sejam os das ciências formais (lógica e matemática) [...] é possível que a lógica (lógica dedutiva) não permita nem sequer estabelecer requisitos necessários com relação ao que deve ser um bom argumento; como veremos, um argumento não lógico – no sentido de não dedutivo – pode ser, contudo, um bom argumento. [35] O grande pecado do cientificismo e da lógica formal é não dar conta de questões valorativas. E aqui vem o grande questionamento de Perelman: Deveríamos, então, tirar dessa evolução da lógica e dos incontestáveis progressos por ela realizados a conclusão de que a razão é totalmente incompetente nos campos que escapam ao cálculo e de que, onde nem a experiência, nem a dedução lógica podem fornecer-nos a solução de um problema, só nos resta abandonarmo-nos às forças irracionais, aos nossos instintos, à sugestão ou à violência? [36] Perelman nega-se a acreditar que os valores tenham sido abandonados pela razão. Porém, acredita que, quando se está diante de valores, outra é a forma de raciocinar. Daí a importância da retórica. Para o filósofo belga: Percebemos nesse ponto uma nítida diferença entre o discurso sobre o real e o discurso sobre os valores. De fato, aquilo que se opõe ao verdadeiro só pode ser falso, e o que é verdadeiro ou falso para alguns deve sê-lo para todos: não se tem de escolher entre o verdadeiro e o falso. Mas aquilo que se opõe a um valor não deixa de ser um valor, mesmo que a importância que lhe concedamos, o apego que lhe testemunhamos não impeçam de sacrificá-lo eventualmente para salvaguardar o primeiro. [37] Assim, como em um ciclo que se fecha, retorna-se ao momento que Perelman decidiu estudar a justiça, conforme exposto nos item anteriores deste trabalho. A lógica formal e o pensamento positivista não lhe deram as ferramentas para solucionar os problemas que o perturbavam, então teve que ampliar os seus horizontes, romper as amarras que prendiam a razão e partir para a teoria da argumentação. Perelman percebeu que: Com o desmoronamento da filosofia prática, com a negação do valor de todo raciocínio prático, todos os valores práticos, tais como a justiça, a eqüidade, o bem comum, o razoável, passam a ser simples palavras vazias que cada um poderá encher de um sentido conforme a seus interesses. [38] Enfim, foi para não deixar os valores no campo do arbítrio, da violência, do irracional, que Chaïm Perelman partiu em busca da argumentação, de uma teoria que explicasse como no conflito de idéias uma prevalece e a outra sucumbe pela força do discurso. 5. CONCLUSÃO Em síntese, este trabalho, com o alcance e profundidade que se espera de um artigo, apresentou a origem do pensamento de Chaïm Perelman (1912 – 1984) no campo da teoria da argumentação. Conclui-se que, inicialmente, o filósofo belga teve uma forte influência dos filósofos analíticos, que o fez pensar em um mundo sem juízos de valor. Desta forma, aventou uma noção formal de justiça ("os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma") que, não obstante seu rigor e precisão, não seria aplicável a casos concretos. Foi aí que Perelman teve o seu momento epifânico e decidiu verificar como raciocinar a respeito de valores. Tornou-se um grande crítico de René Descartes e de toda a concepção racionalista cientificista que pretendia tratar as ciências humanas (v. g. a filosofia e o direito) nos mesmos moldes das ciências ligadas à natureza. Nesta nova busca, Perelman deparou-se com a obra de Aristóteles (Organon e Retórica), especificamente com os chamados raciocínios dialéticos, o que acabou inspirando-o a desenvolver sua teoria da argumentação, por ele nomeada como "nova retórica". A Tópica na argumentação jurídica segundo Theodor Wiehweg 14/jun/2011 A partir da Teoria da Argumentação, começaram a ser analisadas tentativas de trazer racionalidade ao discurso jurídico. Theodor Viehweg sugeriu a sua teoria tópico-problemática para tal função. Por Tayana Wood Schalcher INTRODUÇÃO A proposta do presente trabalho é apresentar a teoria tópica de Theodor Viehweg, um dos maiores luminares na construção da Teoriada Argumentação, a qual surgiu na segunda metade do século XX com o objetivo de propor mecanismos de controle de racionalidade sobre o discurso jurídico, buscando critérios seguros para fundamentar as decisões. Tentar-se-á realizar uma análise e estabelecer onde se encontra a tópica de Viehweg diante da questão do tema proposto - Teoria da Argumentação: racionalidade ou artificialismo? Ou seja, buscar-se-á determinar se a tópica de Viehweg é uma teoria que possibilita a racionalidade ou o artificialismo na argumentação. Para isso, em um primeiro momento será feita uma abordagem sobre o surgimento da tópica e o seu objetivo de romper com o método sistemático-dedutivo. Em um segundo momento, serão apresentadas as características da tópica, desenvolvendo seu conceito e suas particularidades. Logo após, serão apresentadas as críticas feitas a essa teoria. 1 A TÓPICA DE THEODOR VIEHWEG NO DIREITO A tópica referida por Theodor Viehweg foi desenvolvida por Aristóteles e sua forma problemática já fazia parte prática jurídica dos romanos, que subordinavam-se às decisões dos casos concretos de onde tiravam seus fundamentos de validade. Como confirma Fiuza: Os pretores e jurisconsultos romanos, dada a pobreza do texto legal, desenvolveram, principalmente na época clássica ( 126 a.C. a 285 d.C.), uma forma de pensar tópico-problemática, solucionando os conflitos concretos de forma casuística, com base na opinio communis e na argumentação retórica. A justiça se construía com base nas decisões concretas, das quais se extraíam princípios que serviam de fundamento de validade a cada nova decisão. 1 Viehweg resgata a forma tópico-problemática da antiguidade clássica como uma outra forma de fundamentar o raciocínio. Ele “reintroduz a argumentação como ferramenta do direito para a busca da decisão.” 2 Originada “[...] simultaneamente como uma teoria dos lugares comuns e como uma teoria da argumentação e dos raciocínios dialéticos” 3, a tópica provocou a partir da década de 50 mudanças no direito, cujo instrumento utilizado para analisar os raciocínios jurídicos, até então, estava fixado no positivismo jurídico de método sistemático lógico-dedutivo, como afirma Margarida Camargo: A lógica formal, de feição cartesiana, não dava mais resposta satisfatória à complexidade das questões jurídicas. Daí verificarmos, na filosofia do direito do século XX, toda uma tendência em si resgatar a antiga arte retórica dos gregos e a prática jurídica dos romanos, para construir um modelo de fundamentação mas condizente à legitimação judicial, visando a validez e a eficácia. 4 As barbáries cometidas pelo nazismo sob a proteção da lei fizeram necessário construir um novo modelo de legitimação para as decisões jurídicas Assim, a tópica surge como um contraponto ao modo de pensar sistemático-dedutivo. 2 CARACTERÍSTICAS A tópica é uma parte da retórica conceituada por Theodor Viehweg como uma “técnica de pensar problemas.” Isto é, um estilo de pensamento, uma técnica de interpretação do direito cuja finalidade é indicar meios de como se agir diante de problemas, buscando sempre encontrar uma solução justa para qualquer caso. A teoria tópica veio para romper com o método sistemático-dedutivo, com a lógica formal que interpreta o direito como um sistema fechado. Ela tem uma idéia contrária, interpreta o direito como um sistema aberto (não há certezas absolutas, nada é indiscutível), parte do simplesmente provável, de conhecimentos fragmentários, ou seja, seus pontos de partida são abertos para discussão, são tentativas eternas de compreensão. Lorenzetti apud Fiuza confirma: “O Direito não é um sistema meramente dedutivo, é sim um sistema dialético, orientado ao problema, é uma recompilação de pontos de vista sobre o problema em permanente movimento; é aberto e pragmático”.5 A tópica parte do reflexo para a reflexão, do específico para o geral, ou seja, a partir do problema encontra-se a solução da qual são retirados os fundamentos de validade. Além disso, a tópica se dirige para o problema e em razão deste. Viehweg acredita, que a tópica “é a forma adequada para o direito equacionar suas questões”, pois para ele o direito é “arte de pensar problemas”. A tópica apresenta como características fundamentais: ser problemática; buscar e analisar premissas, tendo esta atividade como principal, já que para a tópica a ênfase recai nas premissas; e usar como argumentos iniciais do diálogo os topos ou lugares-comuns que consistem em idéias aceitas consensualmente e como uma grande força persuasiva. Manuel Atienza confirma: Viehweg caracteriza la tópica como un ars inveniendi, como uma técnica del pensamiento problemático em la que el centro lo ocupa la noción de topos o lugar común. Ello significa que, para él, lo que importa em la argumentación jurídica no es la ars iudicandi, esto es, la técnica consistente em infrir unas proposiciones de otras [...], sino el ars inveniendi, el descubrimiento y examen de las premisas. 6 Essas características apresentadas, que envolvem o objeto, a atividade e o instrumento da tópica, respectivamente, são inteiramente ligadas entre si. Assim, a tópica orienta e dá forma ao discurso jurídico com a intenção de persuadir o ouvinte. Vale lembrar, que esta com seu processo dialético enriquece o discurso através do confronto entre as teses e antíteses. Inicialmente na tópica, buscam-se as premissas para problematizá- las e argumentar com base nelas tentando encontrar soluções de como resolver o problema. Para isso, são utilizados os topos, já citados acima, isoladamente. Para Viehweg, isso é uma tópica de primeiro grau. Já quando são delimitadas áreas argumentativas, com a intenção de dar mais segurança ao procedimento, e são elaborados conjuntos de topos conforme certos critérios problemáticos, tem-se para Viehweg a tópica de segundo grau. 3 CRÍTICAS À TEORIA TÓPICA A tópica de Viehweg é alvo de críticas e aqui serão mencionadas algumas delas, como serem seus conceitos julgados imprecisos e esta permanecer em um nível de grande generalidade, subestimando a lei, a dogmática e os precedentes, como se vê respectivamente, em Otte apud Alexy e Manuel Atienza: É necessário saber o que se deve entender por “teoria tópica” (...), pode significar três coisas diferentes: (1) uma técnica de buscar premissas para um argumento; (2) uma teoria quanto a natureza das premissas; e (3), uma teoria sobre a aplicação das premissas nos argumentos justificativos da lei. 7 A tópica não permite ver o papel importante que a lei (sobretudo a lei), a dogmática e o precedente desempenham no raciocínio jurídico: ela fica na estrutura superficial dos argumentos padrões e não analisa a sua estrutura profunda, permanecendo num nível de grande generalidade que está distante do nível da aplicação como tal do Direito. 8 Manuel Atienza julga ser o modelo tópico ingênuo, tendo em vista que Viehweg afirma que a jurisprudência deve buscar soluções justas, a partir de conceitos e proposições extraídos da própria justiça. Este afirma ainda, não ser a tópica uma teoria autêntica ou suficiente da argumentação, no entanto reconhece que “na tradição do pensamento da tópica jurídica inaugurada por Viehweg pode-se encontrar sugestões e estímulos de inegável valor para quem deseja começar a estudar - e a praticar - o raciocínio jurídico”. 9 CONCLUSÃO A teoria da argumentação surgiu na segunda metade do século XX com a intenção de trazer racionalidade e assim segurança ao discurso jurídico. Theodor Viehweg, propôs a sua teoria tópica tentando alcançaresse objetivo. Porém, como ficou claro no decorrer do presente trabalho, a tópica não é um tipo de argumentação racional, todas as suas características trazem insegurança ao discurso jurídico. Pensar caso a caso, ser problemática, utilizar opiniões aceitas e defendê-las ou rebatê-las de acordo “com a vontade do cliente”, podendo ter um mesmo caso soluções diferentes não traz nenhum critério seguro às decisões jurídicas, o que prova ser a tópica uma teoria baseada no artificialismo.
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