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MONOGRAFIA MULTIPARENTALIDADE UILIAM

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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por tema “Multiparentalidade e as consequências jurídicas da coexistência da filiação socioafetiva e biológica no mesmo núcleo familiar”. É cediço que a sociedade é conjunto de relações mediante as quais vários indivíduos vivem e atuam solidariamente em ordem a formar uma entidade nova e superior. Nesse contexto, destaca-se a constante transformação que a envolve e todos os seus elementos – incluindo-se o Direito –, o que, salienta-se, vem ocorrendo cada vez mais rápido.
Consequentemente, o Direito que, parafraseando Ferraz (2001, p. 55) é responsável por ordenar a conduta da sociedade, não estaria isento às mudanças ocorridas do bojo da sociedade. Salienta-se que tal mutação acontece de forma relativamente rápida o que reflete no fenômeno contemporâneo de individualização dos estilos de vida, que firma-se e/ou desdobra-se de maneira também muito rápida.
E é nesse ponto que o Direito Civil, em especial, o Direito das Famílias – matéria que lastreia o presente estudo – vem se desenvolvendo e evoluindo. E não resta dúvida que os conceitos dos institutos inerentes à matéria, dentre eles, o conceito de família vem sendo formatado.
Assim, o Direito das Família tem renovado seus institutos e conceitos à medida que a mutação na sociedade acontece. São inúmeros paradigmas que vem brotando, destacando que diversos já foram ultrapassados visando o alinhamento à atual realidade social, diversos estão em pauta de discussão e, certamente, diversos haverão de vir.
Destaca-se como uma das, senão a maior mudança no Direito das Famílias, a compreensão de que os institutos a ele inerentes, tais como, família, maternidade, paternidade, parentesco, filiação, não constituem institutos pré-formados, engessados, já prontos e sim institutos que devem ser entendidos, tanto pelos componentes da sociedade, quanto pelos operadores do direito e pelas ciências, incluindo, claro, a jurídica, como construções humanas, culturais, afetivas.
A partir disso, várias foram as alterações nos institutos, especialmente, na família que, graças à nova realidade, se despiu do caráter rígido e indissolúvel e passou a primar cada vez mais pelo princípio da afetividade, dando ensejo para que os seus membros pudessem ter a liberdade de (des)constituir suas famílias, buscando satisfação, o conforto da dignidade humana em outros arranjos familiares – cada vez mais peculiares, salienta-se – quando a anterior não supre mais as necessidades e/ou atendia as expectativas de felicidade.
Dessa forma, atualmente, os temas de direito das famílias têm sido presentes em decisões inovadoras no âmbito do Judiciário brasileiro, reexaminando conceitos, abrindo mão de dogmas que não mais se adéquam à realidade social. Prova disso é o reconhecimento da multiparentalidade, situação onde o modelo familiar com um pai e uma mãe ou até mesmo com apenas dois pais ou apenas duas mães é rompido e tem-se um novo modelo que comporta a pluralidade dessas figuras.
A multiparentalidade se compõe como uma forma de reconhecimento no mundo jurídico fato corriqueiro no mundo fático. Juramenta a existência de direitos da criança e do adolescente por meio da paternidade e/ou maternidade socioafetiva sem, necessariamente, o detrimento da biológica.
Nas palavras de Nelson Sussumu Shikicima (2014, p. 73) 
a multiparentalidade é um avanço do Direito de Família, tendo em vista que efetiva o princípio da dignidade da pessoa humana de todas as pessoas envolvidas, demonstrando que a afetividade é a principal razão do desenvolvimento psicológico, físico e emocional.
Atualmente, concretizou-se a consideração do afeto como um princípio basilar do direito das famílias e, além, como direito fundamental, há um rompimento de paradigmas, dando‐se mais valor e lugar para o afeto, para o que permeia cada uma das relações familiares.
Nesse sentido, mister destacar que há decisões no Brasil que consagram a multiparentalidade como um novo arranjo familiar. Primeiro, em novembro de 2001 pela Juíza singular da 1ª Vara Cível da Comcarca de Arquimedes – RO, após pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e o tema já é notado inclusive no Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a repercussão geral em matéria de discussão entre a prevalência ou não da paternidade afetiva em detrimento da biológica.
Há de se destacar que o reconhecimento da multiparentalidade significa um avanço significativo do Direito das famílias no Brasil, pois, efetiva o princípio da dignidade da pessoa humana dos envolvidos, bem como demonstra o respeito pelo princípio da afetividade.
O instituto da multiparentalidade se faz uma solução do Estado enquanto garantidor da tutela jurisdicional para o fato de terem, os indivíduos, a liberdade para constituir e desconstituir suas famílias. Assim, se ultrapassados os limites dos vínculos puramente biológicos ou afetivos, a criança e o adolescente, certamente, terão engenhos para que sejam garantidos seus direitos fundamentais, preservando sua proteção integral e seu desenvolvimento, gerando, inclusive, os mesmos efeitos do parentesco.
Destarte, é nesse contexto que surge a indagação: caso haja, entre o(s) pai(s)/mãe(s) biológicos e socioafetivos, litígio quanto aos interesses do menor, qual melhor forma de proceder o Judiciário, observando que, com o reconhecimento jurídico dos vínculos, todos terão os mesmos direitos? 
Tomando por base o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e o artigo 1.593 do Código Civil de 2002, tem-se que diante de eventuais litígios entre aqueles havidos de laços biológicos e/ou socioafetivos, certamente, deve ser analisado cada caso em concreto, observando que não há hierarquia entre os vínculos e prezado a melhor aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana cumulados com o melhor interesse e a proteção integral da criança e do adolescente, ou seja, a decisão deve ser a melhor para a preservação da dignidade humana no infante.
O estudo tem por objetivo analisar as consequências jurídicas da coexistência da filiação socioafetiva e biológica no mesmo núcleo familiar, identificando a extensão desse reconhecimento na doutrina e na jurisprudência bem como analisar pontualmente os seus reflexos na filiação.
O processo metodológico para a consecução deste trabalho é classificado como uma revisão bibliográfica e descritiva, no qual foi utilizado como instrumento de pesquisa material bibliográfico com embasamento teórico científico, por meio de análise de informações sobre o conceito e reflexo do instituto no ordenamento jurídico brasileiro, no qual foram coletadas informações de artigos, livros e sites da internet especializados da área, principalmente das especialidades de direito civil e naqueles que destacam as inovações no cenário jurídico contemporâneo. 
Será realizada uma revisão bibliográfica em artigos pesquisados na internet; revistas; leis e em materiais específicos, livros e periódicos em acervos bibliográficos de bibliotecas universitárias, dentre outros. 
Assim, as obras mais específicas ”Família, dignidade e afeto: possibilidades e limites jurídicos para o estabelecimento de múltiplos laços parentais”, tese de doutorado em Direito PUC/SP de André Cleófas Uchôa Cavalcante e “Multiparentalidade: Para além da dicotomia entre filiação socioafetiva e biológica”, trabalho de Conclusão de Curso - Monografia (Bacharel em Direito) UFSC de Vivian Samara Martins Reis, tais obras tiveram notória contribuição para o enriquecimento do presente trabalho, tratando de modo específico a questão da multiparentalidade e seu efeitos no âmbito do núcleo familiar bem como no ordenamento jurídico brasileiro, evidenciando as lacunas legais que atingem o instituto que é, salienta-se, relativamente novo no ordenamento jurídico pátrio. 
Impede salientar também que a análise das decisões proferidas no recurso extraordinário com agravo: are 692186 DR e nos processos nº 0012530-95.2010.8.22.0002 em Rondônia, igualmente, na Apelação nº 0006422-26.2011.8.26.0286 julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, contribuíram de maneira vultosano desenrolar da presente pesquisa, pois, são decisões inovadoras de onde emanam as questões concernentes ao instituto aqui delineado.
A alta relevância social do tema justifica o interesse na elaboração do presente trabalho. Ademais, a temática por ser atual no contexto jurídico e por se tratar de algo tão intrínseco à sociedade, quanto a família, fomentam a elaboração da presente pesquisa.
No mais, o autor do presente estudo possui estima pessoal no presente tema haja vista sua feição pelo direito de família, área em que teve contato, além da faculdade, mediante estágio no Balcão de Justiça e Cidadania da Faculdade Nobre de Feira de Santana, o que lhe possibilitou uma relação prática com a matéria, reafirmando seu interesse pela mesma.
Portanto, revela-se impericioso um estudo com o fito e analisar todo esse contexto, sendo que um Juízo estabelecido quanto à temática se faz de extrema importância, pois, proporciona segurança jurídica àqueles juridica e até mesmo socialmente envolvidos nessa conjuntura. 
 
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A fundamentação teórica consiste nas teorias basilares que dão suporte a pesquisa desenvolvida, é, portanto, o ponto de partida do trabalho científico, que será o suporte para a análise exposta no decorrer do trabalho, bem como o paradigma para interpretações e eventuais críticas.
Consoante Lakatos e Marconi (1989: p. 110), deve-se “correlacionar a pesquisa com o universo teórico, optando-se por um modelo teórico que serve de embasamento à interpretação do significado dos dados e fatos colhidos e levantados”.
No presente estudo, a priori, será apresentado aspectos relevantes do instituto principal do tema proposto, qual seja, a família abordando demais institutos que gravitam ao seu redor como parentesco e filiação. Após, será tratado especificamente da multiparentalidade, trazendo aspectos conceituais, a possibilidade e efeitos de seu reconhecimento.
Na fundamentação teórica dos tópicos supramencionados, serão trazidos conceitos e posicionamentos de autores de grande relevância na seara tratada com o fito, de ser o presente trabalho, com total coerência.
2.1 INSTITUTO FAMILIAR: LINHAS HISTÓRICAS E CONCEITUAIS
Em regra, o instituto familiar - ou família - é onde cada ser se desenvolve nos aspectos físicos, intelectuais e morais, daí conclui-se a importância deste instituto para o próprio desenvolvimento humano e, assim sendo, não poderia deixar de ser amparado por tutela jurídica específica.
Importante destacar que este eixo fundamental da sociedade sofreu e constantemente sofre diversas alterações no decorrer do tempo, alterações estas ocasionadas por variados fatores, a exemplo de aspectos culturais, sociais, religiosos, sexuais, legais, profissionais e etc. da sociedade. A interligação direta destes fatores com a família é nítida, concluindo então que a família é edificada em consonância com valores existentes em cada tempo e espaço.
Assim, é notório que a família não é simplesmente o resultado de fato natural, mas também da mescla entre diversos fatores já mencionados, por isso, a compreensão de família sob o aspecto social e até mesmo jurídico não é absoluto, não pode ser engessado, já que se altera ao longo dos tempos e nos diferentes espaços. Tal fato exige da sociedade, em especial, dos operadores do direito constante reavaliação dos conteúdos e conceitos inerentes ao instituto familiar (VENOSA, 2013).
Para melhor entendimento do instituto familiar é importante partir do já mencionado pressuposto de que a família está em constante modificação, sendo imprescindível analisar cuidadosamente suas alterações conceituais bem como os novos arranjos familiares que vêm surgindo. Tal compreensão se faz essencial para análise da multiparentalidade, instituto que supera o dogma da parentalidade simplesmente biológica ou socioafetiva. Dessa forma, far-se-á o exame do conceito de família e suas substanciais mudanças à luz da legislação brasileira.
Delimitar o conceito de família, atualmente, é um verdadeiro desafio, decorrente de sua constante mutação e aspectos peculiares à sua definição. Cabe ao Direito, em especial o das Famílias superar tal desafio.
Até meados do século XX a legislação cuidava da família por um modelo fruto do matrimônio entre homem e mulher (LÔBO, 2012) e esse modelo se instituiu como verdadeiro dogma na sociedade, sendo essencialmente monogâmico, heterossexual e patriarcal.
As constituições de 1824 e de 1891 não tutelavam as relações familiares, apesar de, a constituição de 1891, dedicar um dispositivo à família, dispositivo este que reconhecia e tutelava a família apenas oriunda do casamento civil, (art. 72 § 4º) não considerando outras relações familiares.
Contudo, de 1934 a 1988, as cartas políticas tutelaram, em normas específicas, as relações familiares, com o fito de assegurar juridicamente a liberdade e a igualdade no bojo da família. Foi a Constituição de 1934 que, pela primeira vez, fez referência expressa à proteção especial do Estado à família, repetida nas constituições seguintes. A Constituição de 1937 trouxe os filhos naturais equiparados aos filhos legítimos, e a Constituição de 1946, assegurou assistência à maternidade, à infância e adolescência. 
Entretanto, foi a Magna Carta de 1988 a que interviu com mais abrangência no instituto familiar, alargando o seu conceito, lhe assegurando igualdade e liberdade, e a inserindo na modernidade (LÔBO, 2014). Destaca Maria Berenice Dias:
A Constituição Federal de 1988, como diz Zeno Veloso, num único dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. (DIAS, 2015, p.32).
A partir da singela leitura do texto constitucional destinado à família, é possível identificar, ao menos, três espécies do gênero família, quais sejam, aquela instituída pelo casamento, a configurada pela união estável e a chamada monoparental. Não obstante, doutrina e jurisprudência concordam que o rol das entidades familiares expostas no art. 226 da Constituição Federal de 1988 é exemplificativo e não taxativo. Neste sentido tem-se a ADI 4277 que cita o Professor Álvaro Villaça Azevedo: 
[...] a Constituição de 1988, mencionando em seu caput que a família é a ‘base da sociedade’, tendo ‘especial proteção do Estado’, nada mais necessitava o art. 226 de dizer no tocante à formação familiar, podendo o legislador constituinte ter deixado de discriminar as formas de constituição da família. Sim porque ao legislador, ainda que constituinte, não cabe dizer ao povo como deve ele constituir sua família. O importante é proteger todas as formas de constituição familiar, sem dizer o que é melhor. (STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011) 
Ao reconhecer a união estável como entidade familiar e a família monoparental, a Constituição de 88 quebrou o monopólio do casamento. Todavia, foram os princípios constitucionais os maiores responsáveis pela alteração na definição de família, pois, a tutela da família os tem como base, sendo o ponto de partida e de chegada a tutela da própria pessoa humana, descabido, então, toda e qualquer forma de violação da dignidade do homem, sob o pretexto de garantir proteção à família (ALVES, 2007). 
Dentre os princípios constitucionais, o princípio da dignidade da pessoa humana preconizado no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988 marca a mudança no conceito de família, a partir dele, o elemento essencial para a configuração da família deixa de ser jurídico, passando a ser fático, qual seja, o afeto. Assim, o fato pode ser considerado como um princípio constitucional implícito na medida em que reconhece e tutela relações afetivas diversas do casamento.
Nessa esteira, superou-se o modelo único das legislações anteriores, para admitir uma pluralidade de modelos familiares, e, em função dessa diversidade de arranjos, cada vez mais, admite-sefamília como sendo um fato social, todavia não há uma unanimidade conceitual (SIMÃO e TARTUCE, 2014). 
É de observar que a definição de família excedeu os as barreiras simplesmente jurídicas a fim de alcançar o ajuntamento de pessoas ligadas pelo vínculo afetivo. Todavia, as clássicas definições por muito tempo subordinavam a noção de família à ideia de casamento, de consanguinidade, sem, contudo, mencionar o afeto.
Em interpretação Clássica, Caio Mário considera que:
A família em sentido genérico e biológico é o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum; em senso estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos; e em sentido universal é considerada a célula social por excelência. (PEREIRA, 2012, p. 19). 
Também nesse sentido, Cezar Fiúza considera família lato sensu como agrupamento de pessoas descendentes de um ancestral comum, incluindo as ligadas por casamento ou união estável juntamente com seus parentes sucessíveis, não necessariamente descendentes, e stricto sensu como uma reunião do pai, mãe e filhos ou apenas um dos pais e seus filhos (FIÚZA, 2011).
Tais conceitos, salienta-se, já vêm sendo sobrepujados haja vista trazerem distinções já superadas. Assim, diante da diversidade de famílias, encontrar um conceito que defina precisamente o instituto é difícil. A esse respeito, Paulo Lôbo assevera que, hodiernamente, a família se compõe de duas estruturas concernentes: os vínculos e os grupos. Há três vínculos, que podem coexistir ou existir separadamente, quais sejam, os de sangue, de direito e de afetividade. É, então, a partir desses vínculos que se estruturam os diversos grupos que compõe e a família, não existindo, portanto, um modelo específico de família (LÔBO, 2014). 
A pluralidade de fatores que não permitem fixar com exatidão, atualmente, um modelo familiar invariável é inegável. Assim, é importante compreender a família em conformidade com as nuances que interagem nas relações sociais no decorrer do tempo.
Percebe-se, então, que apesar de não haver uniformidade no conceito atual de família, é nítida a mudança do instituto, onde a antiga família derivada do casamento, patriarcal, heteroparental, biológico deu lugar a uma família pluralizada, igualitária, democrática hetero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, baseada num vínculo afetivo e não pura e simplesmente no biológico.
Os novos arranjos familiares desafiam a hipótese de se criar um único conceito de família, haja vista que a certeza mais clara que se tem em relação à família é que está, cada vez mais, sendo construída tendo como base a relação de afetividade de seus membros. Fato é que a família é a base da sociedade, sendo considerada a “célula social por excelência”, onde são delineadas as normas sociais aplicadas em seu bojo e por isso tem proteção especial do Estado. (SOUZA, 2011)
Assim, o conceito de família deve ser compreendido como um conceito plúrimo, não necessariamente estando vinculado por laços de sangue ou de matrimônio, tendo, portando, como base critérios afetivos, que transcendem a ideia de casamento ou procriação, e, que passa a ser reconhecida no âmbito do direito em diversas possibilidades.
Nessa toada, a multiparentalidade surge como uma possibilidade a superação dos entendimentos arcaicos que insistem em resistir acerca da família, parentalidade, filiação e todos os aspectos inerentes ao direito fundamental à família.
2.1.1 Princípios correlatos 
Mister destacar que o direito a família já encontrava abrigo no Pacto de San José da Costa Rica, cujo Brasil é signatário: art. 17, I: “A família é um elemento natural e fundamental para a sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado¨. Todavia, o direito a família só passou a ser tratado como tal após a promulgação da Constituição de 1988.
A partir da constitucionalização do Direito Civil, os princípios ganharam destaque no sistema normativo brasileiro passando a informar todo o sistema legal de modo a viabilizar o alcance da dignidade humana (DIAS, 2015). 
Luiz Roberto Barroso assevera que:
Princípios são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária são as normas eleitas pelo constituinte originário como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui (BARROSO, 2001, p. 65) 
Assim, há de ser observado que é garantido a todas as pessoas, direitos, deveres e faculdade e estas, não necessariamente, estarão determinadas em normas constitucionais ou infraconstitucionais, mas norteadas por princípios constitucionais. É inaceitável qualquer interpretação que deixe de lado a proteção do Estado à família, pois, a mesma se constitui um instrumento de desenvolvimento da pessoa humana.
A nova ordem constitucional trazida pela Magna Carta de 1988 consagrou princípios que norteariam – e assim o faz – o Direito das Famílias, quais sejam o da dignidade da pessoa humana (art.º 1, III, da CRFB); o da solidariedade (art.3º, I, da CRFB); o da pluralidade de entidades familiares (art. 226, §§ 3º e 4º, CRFB); o da isonomia entre os filhos (art. 5º caput e art. 226 § 5º da CRFB); o da convivência familiar (art. 227, caput da CRFB) e o da proteção integral da criança e adolescente (art. 227, caput da CRFB).
2.1.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana 
O princípio da dignidade da pessoa humana se constitui como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, está estampado no art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. Em se tratando do seu conceito, Ingo Sarlet alerta que: 
[...] não há como negar que uma conceituação clara do que efetivamente seja esta dignidade, inclusive para efeitos de definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, se revela no mínimo difícil de ser obtida, isto sem falar na inquestionável (e questionada) validade de se alcançar algum conceito satisfatório do que, afinal de contas, é e significa a dignidade da pessoa humana. Tal dificuldade, consoante exaustiva e corretamente destacado na doutrina, decorre [...] da circunstância de que se cuida de conceitos de contornos vagos e imprecisos (SARLET, 2010, p. 39). 
Apesar das barreiras encontradas na tentativa de delimitar o conceito do princípio em comento, o Autor supra traz que: 
 [...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, com venham a lhe garantir condições existenciais mínimas para uma vida saudável [...] em comunhão com demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integrem a rede de vida (SARLET , 2010, p.70). 
Não obstante tal dificuldade, não é difícil concluir que o princípio da dignidade da pessoa humana, pode ser considerado um dos – senão o – princípio mais universal dentre os demais princípios constitucionais, haja vista que os demais dele emanam. A Constituição Federal de 1988 quando institui a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático reconheceu que a principal finalidade estatal é justamente o tutelar o ser humano.
Na seara do Direito das Famílias, Lôbo (2014, p.39) afirma: “nessa dimensão, encontra-se a família, como o espaço comunitário por excelência para realização de uma existência digna e da vida em comunhão com as outras pessoas”.
Assim, a família tornou-se terreno propício à proteção da dignidade humana, de tal forma que qualquer disposição inerentes ao instituto deve ter por fundamento os princípios constitucionais. Dias (2015, p.45) contribui ao dizer que “a dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem”.
Assim, resta clara a ideia de que o princípio da dignidade da pessoa humana repercute no direito das famíliasno sentido de fomentar a aceitação dos mais diversos arranjos familiares, é dignidade para todas as famílias. 
2.1.1.2 Princípio da solidariedade
O princípio da solidariedade possui teor ético, tendo por base o próprio sentido literal de solidariedade qual seja a fraternidade e a reciprocidade. No bojo familiar, a solidariedade gera deveres mútuos, Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008) destaca que a solidariedade constitucional, na família, compele os parentes a auxiliarem-se, material e imaterialmente. 
Tal princípio joga por terra o individualismo conforme ensina Paulo Lôbo:
o princípio jurídico da solidariedade familiar, resulta da superação do individualismo jurídico, que é por sua vez o modo de pensar e viver a sociedade a partir dos interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com reflexos até a atualidade (LÔBO, 2014, p. 65). 
2.1.1.3 Princípio da pluralidade de entidades familiares
A Constituição de 1988 trouxe o caráter plural ao instituto da família, haja vista que não mais limitava seu conceito a uma formação exclusivamente matrimonial. Assim, consagrou-se o princípio do pluralismo ou pluralidade familiar sendo o reconhecimento do Estado à existência que novos arranjos familiares e sua tutela a esta possibilidade.
Apesar do art. 226 da Constituição vigente, consagrar, em sua redação, apenas três modalidade de família, quais sejam, a matrimonial (§§ 1º e 2º), a advinda da União Estável (§ 3º) e a monoparental (§ 4º), é cediço e pacífico, inclusive, que o rol trazido no texto constitucional não é taxativo, mas exemplificativo e não poderia ser diferente já que, atualmente, se verifica diversas modalidades de famílias que, apesar se não estarem expressamente citadas no texto, merecem, sem sombra de dúvida, proteção estatal. Inclusive este é o intuito do art. 226 em seu caput quando declara proteção especial à família.
Farias e Rosenvald (2015, p.49), salientam:
[...] A partir do momento em que as uniões matrimonializadas deixaram de ser reconhecidas como a única base da sociedade, aumentou o espectro da família. O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares. (FARIAS E ROSENVALD, 2015, p.49)
Portanto, qualquer espécie de entidade familiar, ligada por vínculos afetivos e/ou biológicos é digna de proteção estatal. 
2.1.1.4 Princípio da Isonomia entre os filhos
É cediço que houve, por muito tempo, distinção entre os filhos. Os havidos do casamento eram chamados de legítimos e os que não eram fruto do casamento denominavam-se ilegítimos.
Ocorre que a Constituição Federal de 1988 ao consagrar a dignidade humana como fundamento do Estado democrático de Direito, acabou por coibir qualquer forma de discriminação entre os filhos. Tal proibição encontra-se expressa, assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos, independente da origem da filiação, seja ela, biológica, jurídica ou socioafetiva; matrimonial ou extramatrimonal (art. 227§ 6º da CRFB).
Determinando a isonomia entre os filhos a CRFB/88 excluiu do ordenamento jurídico pátrio a distinção entre os filhos antes chamados de legítimos e ilegítimos, assim, atualmente, não há classificações para filhos.
2.1.1.5 Princípio da convivência familiar
Partindo do pressuposto que é da convivência que se criam os laços afetivos e de solidariedade, a comunhão entre os membros da família consubstancia-se no princípio constitucional da convivência familiar, disposto no art. 227 da Constituição Federal, in verbis:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (grifo meu).
Assim, o Estado acredita na convivência familiar como importante instrumento à munir à criança da base necessária a seu desenvolvimento pleno, haja vista que a personalidade do ser humano é formando também no meio em que convive, nesse caso, no seio de sua família.
Maciel (2007) explica que, além de um direito fundamental para a criança, pode ser considerada como necessidade vital igualada ao direito à vida. Tal princípio também encontra guarida no Estatuto da Criança e do adolescente em seus artigos 4º e 16, inciso V.
2.1.1.6 Princípio da proteção integral 
O princípio da proteção integral da criança e do adolescente eleva os direitos destes indivíduos à direitos prioritários na aplicação e elaboração do que lhe caibam. Essa prioridade deve ser assim respeitada tanto pela família quanto pelo Estado.
Importante destacar que desde 1959 o princípio da proteção integral da criança e do adolescente já encontrava previsão na Convenção Internacional dos Direitos da Criança da ONU que, em suma, determinava que todas as ações relativas às crianças deveriam considerar, especialmente, o “interesse maior da criança”, contudo, o princípio em comento, fora consagrado no art. 1º da Lei 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente e tem por fundamento o artigo 227 da Constituição Federal de 1988. 
Destarte, qualquer projeto a ser elaborado, qualquer decisão ou atitude a ser tomada que tenha relação direta ou indireta com qualquer criança ou adolescente, deve levar em consideração o interesse desta. É cediço que outrora, decisões judiciais eram tomadas observando o interesse dos pais, atualmente, houve uma inversão de prioridades, devendo o Estado-juiz sempre decidir contemplando o melhor interesse dos filhos.
Renato Maia brilhantemente comenta:
Partindo da premissa de que a identidade pessoal da criança e do adolescente tem ligação direta com sua identidade no grupo familiar e social, tratada por Tânia da Silva Pereira, entende-se que o estabelecimento de seu estado de filiação e em oposição, a fixação da relação jurídica de paternidade da forma adequada é o modo de garantir-lhe dignidade, respeito, convivência familiar condizente, além de ser o modo devido de coloca-lo a salvo de discriminação. A doutrina reconhece à criança e ao adolescente a titularidade de direitos de personalidade, possibilitando até a indenização por danos morais sempre que estes forem lesionados e deve também, reconhecer o direito à fixação de sua filiação de maneira condizente com seu melhor interesse como forma de proteção. (2008, p. 68-69)
Com base no princípio da proteção integral, a criança e o adolescente, constituem-se como protagonistas na relação familiar e, havendo conflito, a aplicação do direito deve servir ao melhor interesse destes.
2.1.1.7 Princípio da afetividade
Conforme já fora mencionado no presente estudo, atualmente, o liame que conecta os membros de qualquer família é o afeto, elemento ratificado juridicamente após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Paulo Lôbo acrescenta que a afetividade, é o princípio que fundamenta o Direito das Famílias contemporâneo e que de certa forma recupera a função social da família, calcando-a na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida (LOBO, 2014). 
Após a extinção da família patriarcal, marcada principalmente por intenções procriatórias, fora afirmado, no campo do direito das famílias, o princípio constitucional da afetividade, ratificando que são, essencialmente, os laços afetivos que dão suporte à família. Salienta-se que o princípio da afetividade é um princípio implícito na Constituição brasileira, tendo por fundamento os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB) e da solidariedade (art. 3º, I da CRFB).
Assim, compreendido que o conceito hodierno de família não mais se limita ao âmbito patrimonial e procriatório, entende-se que o afeto deve reger toda e qualquer relação familiar.
Compreendendo esse ponto de vista, conclui-se que o instituto familiar moderno não maisse configura como singular mas sim plural, haja vista que o afeto é capaz de, sem barreiras sociais, sexuais, religiosas, etc. interligar indivíduos diferentes, nada obstando que se constitua famílias de diversas composições, que receberão, indistintamente, tutela do Estado.
Outra consequência decorrente da afirmação constitucional do princípio da afetividade, além da ampliação do conceito de família e da possibilidade de novos arranjos, é a ampliação também do entendimento de filiação.
Nessa esteira, Carlos Roberto Gonçalves assevera que:
[...] os vínculos de afeto se sobrepõem a verdade biológica [...]. Uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como direito fundamental, prioriza-se a família socioafetiva, a não discriminação, dos filhos, a corresponsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar, e se reconhece o núcleo monoparental como entidade familiar (2012, p.34). 
Assim, a família tem seu fundamento no afeto qualquer que seja o a modalidade de arranjo familiar, pois, atualmente, a família, não mais se identifica pelo casamento e/ou pela diferença de sexo. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns (MADALENO, 2014). Por esse motivo, a família deve receber proteção na medida que seja capaz de gerar um lugar privilegiado para a boa convivência e a dignificação dos seus mais diversos membros (GAMA, 2008). 
Destarte, o principal objetivo da família é garantir a felicidade dos membros que a compõe, auxiliando em seu desenvolvimento social, psicológico e, para tanto, é essencial estar balizada nos princípios constitucionais, da igualdade, solidariedade, afetividade e nos demais, a fim de assegurar a efetiva tutela estatal às mais diversas formas de família.
2.1.2 Novas formações familiares e seus reflexos na filiação
A priori, mister destacar o conceito de parentesco. Pontes de Miranda define o instituto como a relação que vincula pessoas que descendem umas das outras, ou de autor comum (consanguinidade), que aproxima cada um dos cônjuges dos parentes do outro (afinidade), ou que estabelece, por ficção jurídica, entre o adotado e o adotante. (MIRANDA, 2000)
Assim, o parentesco pode ser consanguíneo quando originado da igualdade sanguínea; afim, quando formado por um individuo com a família de outro; civil, quando originado de contrato de adoção. Todavia, após a promulgação da Magna Carta Política de 1988, com seu artigo 227, § 6º, essas definições de parentesco não mais se justificam, haja vista a evolução da sociedade e a consagração do princípio da afetividade. 
Já a parentalidade, especificamente, consubstancia-se no elo existente dos pais entre os filhos. André Cleófas Uchôa Cavalcanti, diz que esse vínculo representa a sobrevivência da sociedade e a preservação da espécie, já que esta é formada pelos indivíduos que a compõem. (CAVALCANTI, 2007). Salienta-se que do vínculo entre pais e filhos, surge diversos direitos e deveres mútuos.
O artigo 1593 do Código Civil vigente declara que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Nesse ínterim, como já citado, o parentesco natural é o oriundo de sangue, o civil oriundo da lei e a expressão “outra origem” traduz a evolução do ordenamento jurídico, já estampada no Código Civil de 2002, vez que o código anterior considerava como civil somente o parentesco originado pela adoção.
Tal inovação se deu justamente para abranger os filhos oriundos de reprodução assistida e àqueles havidos por relações socioafetivas. Além disso, a expressão “outra origem” ratifica o reconhecimento de paternidade não oriunda de laços de sangue, mas sim de laços afetivos, cuja sociedade, salienta-se, dá mais importância.
Gonçalves (2012) acrescenta que, nesse dispositivo, a paternidade socioafetiva, fundada na posse de estado de filho, é reconhecida e, assim, a verdade socioafetiva é tão importante quanto a verdade biológica e não se baseia apenas nos laços biológicos, mas na realidade de afeto que une pais e filhos. 
Alguns autores, como Eduardo Oliveira Leite, por exemplo, são mais extremistas defendendo que a verdadeira filiação é tão somente com a afetividade intensa, sem levar em consideração a origem biológica. (LEITE, 2011)
Exemplo de parentesco socioafetivo está estampado no parágrafo segundo do artigo 1.595 do Código Civil de 2002, onde o vínculo de afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. Outro exemplo acontece quando um homem registra como filho seu, o de outrem, criando-o e educando-o como se assim o fosse. 
Verifica-se, então, alguns requisitos para a validade da paternidade socioafetiva, quais sejam, a inexistência de vício de consentimento, por exemplo, quem registra filho alheio deve saber dessa condição e o outro requisito é justamente o animus da paternidade, ou seja, o pai deve se comportar perante a sociedade como se, em todos os sentidos, o filho fosse seu.
A priori, a filiação é constituída pelo parentesco consanguíneo, ligando um indivíduo àqueles que o geraram, esta, está determinada como no primeiro grau em linha reta, Gonçalves (2011), acrescenta que a filiação é base para se estruturar as regras de parentesco e a principal e mais importante relação de parentesco, pois é a que se dá entre pais e filhos. 
Pode-se conceituar filiação, strictu sensu, como sendo a relação jurídica que liga os pais e os filhos, que pode ser oriunda de uma relação biológica ou socioafetiva, afinal, seria leviandade do Estado não considerar os filhos daqueles pais que não matem vínculos matrimoniais, pois, é uma realidade no contexto atual.
Apesar de ser tratado em diversos dispositivos e em diferentes diplomas, não há definição exata e específica acerca da filiação, sobretudo pela maneira rápida como a sociedade se transforma, respingando, consequentemente, o ordenamento jurídico.
Dá simples leitura do artigo 1.593 do atual Código Civil, extrai-se que, a priori, o critério para fixação da parentalidade é o consanguíneo, contudo não é único. Analisando mais atentamente o mesmo dispositivo à luz direito civil constitucional contemporâneo é possível concluir que, em verdade, a condição sine qua non para se esteja caracterizada a filiação é, em verdade, o exercício da autoridade paternal.
Por isso a Constituição de 1988, brilhantemente, atribui total igualdade entre os filhos, não havendo mais distinção entre “legítimos” ou adotivos, sendo, todos, apenas filhos com igualdade de direitos, conforme estabelece artigo 1.596 do Código Civil, segundo o qual, “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. 
Fato é que atribuição de parentalidade a alguém é de extrema responsabilidade haja vistas os encargos jurídicos e a eventual complexidade em agir sempre em conformidade com o melhor interesse e a proteção integral da criança e do adolescente.
O direito à constituição de família deve estar aberto a acolher novas figuras familiares e estar preparado para lidar com as consequências jurídicas destes fatos que já são uma realidade.
Como bem citou André Cleófas Uchôa Cavalcanti, novos argumentos capazes de gerar a justiça e dignidade devem ser permitidos. O direito não deve se prender a tradições autoritárias e arraigadas. (CAVALCANTI, 2007).
Ultrapassado os conceitos de parentesco, de filiação e suas espécies analisar-se-á os novos arranjos familiares que surgiram bem como seus impactos no instituto filiação, já mencionado.
A ideia de apenas um modelo legítimo de família, determinando as demais como anormais já não mais impera hodiernamente. Fato é a pluralidade de arranjos familiares e, com passar do tempo, a sociedade bem como o direito têm percebido que as ligações de parentesco não são mais apenas biológicas, mas principalmente socioafetivas, como, inclusive, vem reconhecendo a jurisprudênciae a doutrina pátria. Ilustra Luiz Edson Fachin:
A verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços da paternidade numa relação psico-afetiva, aquele, enfim, que, além de poder lhe emprestar seu nome de família, o trata como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social (FACHIN, 2009, p. 169)
É preciso ter em vista que os novos arranjos familiares que vêm surgindo não estão à sombra da família conhecida como tradicional, pois são famílias autênticas e com sua própria identidade. Tais famílias, cujo elo é primordialmente o afeto, carregam mais complexidade, afinal, o vínculo afetivo necessita de tempo para se estabelecer, sendo concretizado dia após dia contrariamente ao vínculo biológico.
Cumpre destacar que o Direito das famílias foi elaborado sob o prisma do modelo familiar monoparental, matrimonial e procriatório, assim, apesar da diversidade de novos modelos familiares, não há, ainda, tratamento legal específico ao tema. Como bem expõe Lôbo (2014), aumentaram-se as possibilidades de divórcios, porem esqueceu-se de tratar sobre as consequências jurídicas advindas das recomposições familiares.
Novos arranjos familiares surgem a todo momento, e com as mais variadas configurações e, apesar da alta relevância do tema, o tratamento jurídico é incipiente. Pode-se considerar como a disposição que tutela mais de perto esse fenômeno, o artigo 1.595 do Código Civil de 2002, que estabelece o parentesco por afinidade do cônjuge ou do companheiro aos parentes do outro, sendo estes ascendentes, descendentes ou irmãos. Todavia, não há no ordenamento tutela àquelas relações entre os parentes afins de que trata o art. 1.595 CC/02 e as novas formações familiares. 
Não é incomum ver padrastos e madrastas exercendo efetivamente as funções de pai e de mãe. A doutrina emprega como critério ao reconhecimento da parentalidade socioafetiva a posse do estado de filho. A comprovação se dá, como já dito, com exercício da autoridade paternal, ou seja, quando um indivíduo que não é genitor biológico se comporta como se assim o fosse, contribuindo efetivamente na criação, educação, desenvolvimento dos filhos, independente se vínculo de sangue. (LÔBO, 2014).
É inegável o vínculo afetivo criado entre esses padrastos, madrastas e seus enteados e o direito, como regulador das relações sociais, não poderia deixar de reconhecer e tutelar tal situação como uma forma de família, ainda que não haja previsão anterior expressa à mesma.
O afeto, verdadeiramente, é um elemento que deu nova roupagem ao direito de família. Os laços que instituem a família moderna se tornou mais importante que a forma com a qual ela se estrutura. Assim, o afeto, não obstante ser um elemento psíquico pode perfeitamente ser objeto de tutela da ciência jurídica, afinal, a partir do momento em que o afeto impulsiona os membros de uma família a adotarem determinados comportamentos, torna-se relevante e deve ser regulado pela ciência que tutela as relações sociais.
Impede resaltar que o poder familiar não é excluído daquele que, em se tratando de divórcio, não ficou com a guarda do filho, pois, esse tem a faculdade de fiscalizar a manutenção da vida do menor, podendo, inclusive visitar o filho e tê-lo em sua companhia, é o que se extrai da redação do art. 1.589 do Código Civil de 2002: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.
Em caso de guarda compartilhada, onde ambos os pais biológicos têm a responsabilidade pela educação, moradia, lazer, tudo no melhor interesse da criança, não é improvável a ocorrência de eventuais conflitos entre a criação dada pelo padrasto ou madrasta. Nesse ponto, há lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, não trazendo soluções expressas à esse tipo de conflito. O instituto familiar atual está, a passos largos, distinto da antiga família e o direito não está atualizado a ponto de regular especificamente as novidades que o instituto atual trás.
Destarte, o exercício de fato dos deveres próprios do poder familiar, gera vínculos parentais e, consequentemente, produzem efeitos na esfera jurídica. É cediço que a paternidade e maternidade, geralmente, se expressa pela autoridade parental. Quando o parentesco é definido unicamente pelo critério biológico, a comprovação de vínculos se torna apenas objetiva, afastando a incidência do afeto, pois é critério subjetivo. Todavia, é o critério afetivo que está em consonância com as formações familiares modernas.
Apesar de raso, é possível notar no ordenamento jurídico pátrio, a tutela de uma outra modalidade de família. A Lei nº 11.924/2009 regula, de forma sucinta a relação ente padrasto ou madrasta e enteado, autorizando o enteado ou a enteada a adotar o nome da família do padrasto ou da madrasta.
É certa a configuração de parentalidade entre enteado e padrasto ou madrasta, desta forma, percebe-se que dois vínculos se cruzam: um do pai biológico separado e outro do padrasto. Pois bem, a lei 11.924 de 2009 abre a possibilidade de que seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta no seu registro de nascimento, desde que haja expressa concordância. Nessa esteira, também já é ventilada no Superior Tribunal de Justiça a possibilidade do padrasto requerer a destituição do poder familiar em face do pai biológico, se comprovada alguma das causas de perda do poder familiar, para fins de adoção (LÔBO, 2014).
Destarte, é inegável a mutação da sociedade, o surgimento de novos valores, e direito deve acompanha-los e regê-los, a fim de tornar melhor a vida em sociedade, que, inegavelmente, necessita de regulação, pois, a mesma, com certa frequência, enfrenta conflitos entre o ideial outrora estabelecido de família, composta por pai, mãe e filho(s) e as famílias plúrimas que existem da realidade. Todavia, conforme fartamente já mencionado, não obstante as tradições indicando que a filiação é aquele unicamente decorrente do critério biológico, cada vez mais floresce, na sociedade, o sentimento de habitualidade em relação aos demais vínculos de filiação, leia-se, àquelas advindos do afeto.
É inconteste que, não mais, a paternidade se justifica por critérios meramente biológicos, mas sim, pela presença no cotidiano, pela participação no desenvolvimento do(s) filho(s), pela postura de pai, pela construção diária, constante dos vínculos afetivos.
É notável que, não raramente há, nos relacionamentos, desgastes normais ocasionados pro fatores diversos o que trazem por consequência a desfazimento desse relacionamento e, posteriormente, o surgimento de novas formas união muitas vezes compostas por indivíduos que outrora saíram do modelo tradicional de família.
O crescente número de uniões que se desfazem, aliado ao crescente número de constituições familiares diversas que se constituem, trazem a tona novos modelos familiares que abarcam diversas “espécies” de filhos. É a realidade da multiparentalidade, que simplesmente expressa o que há tempos já ocorre nas atuais configurações familiares, quebrando o dogma dos conceitos tradicionais de filiação.
Pode-se destacar como uma das mais, ou até mesmo a mais frequente forma de família aquela onde após o divórcio, a criança ou adolescente passa a conviver com um dos pais acompanhando pelo novo cônjuge ou companheiro. Assim, origina-se um agrupamento familiar composto por partes de mais de uma forma tradicional de família, onde parte da família é do primeiro casamento de um dos indivíduos. Tem-se, então, um mix entre pais e filhos, compondo uma família complexa, onde há a união dos filhos dos cônjuges ou companheiros com seus ex-cônjuges ou ex-companheiros com os filhos oriundos do relacionamento atual, formando um modelo familiar completamente distante do modelo engessado composto pelo pai, pela mãe e seusfilhos.
Deste modo, é natural que o filho conviva com seu pai ou mãe e seu padrasto ou madrasta e eventuais irmãos ou meio-irmãos e, ainda, manter contato com seu pai ou mãe biológicos. Portando, pode, então, acontecer de haver na concepção dessa criança dois pais ou duas mães, sendo um vínculo biológico e outro afetivo.
André Cleófas Uchôa Cavalcanti, acrescenta que se faz importante também destacar a modificação no conceito de incesto, posto que na atualidade tem muito mais força a condição jurídica de uma criança do que suas origens biológicas. Neste sentido, não é possível se relacionar com irmãos, sejam estes consanguíneos ou adotivos. Por isso, conclui-se que a noção de incesto foi ampliada e perdeu o foco unicamente biológico. (CAVALCANTI, 2007).
Mister indicar ainda a ocorrência de casos de concepções heterólogas, onde há material genético de terceiros e homólogas onde o material genético é do próprio casal. No caso das concepções heterólogas, clarividente está a multiparentalidade ao passo que estão presentes os pais biológicos e afetivos e, no caso das concepções homólogas tenho em vista que material genético do casal é inserido em outra mulher, sem dúvidas, a criança terá, duas mães biológicas.
2.1.3. Critérios determinantes da filiação
Tendo em vista vasta abrangência do conceito de filiação e as diversas variações nos modelos familiares e consequentes constituições de vínculos de filiação, se faz necessária a análise desses chamados critérios determinantes da filiação, a saber: critério legal, critério biológico e critério socioafetivo. Preciso, ainda, salientar a ausência de hierarquia entre tais critérios, haja vista o imperativo constitucional já analisado cuja vedação à diferenciação entre filhos de caráter discriminatório é vedada.
O critério legal, fora o primeiro a ser aplicado como forma de aferição de paternidade, onde está será determinada em consonância com o que dispuser a lei, inclusive suas presunções. Sua origem está no Direito Romano e sua aplicação se dá em diversos ordenamentos jurídicos pelo mundo, a presunção chamada pater is est quem justae nuptiae demonstrant traduz-se em dizer que os filhos havidos na constância do casamento se presumem como descentes do marido da mãe.
Neste ínterim, Farias e Rosenvald (2015, p.565) preconizam que: 
Desde o Código de Hamurabi, a ciência jurídica vem admitindo a presunção de paternidade dos filhos nascidos de uma relação familiar casamentária. É um verdadeiro exercício de lógica aplicada: considerando que as pessoas casadas mantêm relações sexuais entre si, bem como admitindo a exclusividade (decorrente da fidelidade existente entre elas) dessas conjunções carnais entre o casal, infere-se que o filho nascido de uma mulher casada, na constância das núpcias, por presunção, é do seu marido.
No direito brasileiro também há espaço para presunções, estas, expostas no art. 1597 do Código Civil vigente, que dispõe: 
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Da análise do dispositivo em tela nota-se que o critério legal determinante da filiação decorre da lei que, inclusive, abarca presunções que, destaca-se, não mais se tem como absoluta. Com desenvolvimento da tecnologia aplicada nos métodos de sequenciamento do genoma humano, a presunção antes absoluta passou a ter caráter relativo, trazendo por consequência até mesmo à relativização da coisa julgada em inúmeras ações de investigação de paternidade. Então, a presunção pater is est se tornou uma presunção relativa ou júris tantum, admitindo prova em contrário.
No que tange as presunções estabelecidas no art. 1.597 do Código Civil, no caso do inciso I, incumbe ao réu o ônus da prova de sua não paternidade, manuseando uma ação negatória de paternidade; no caso do inciso II é notável que, de igual forma, incumbe ao também ao réu comprovar sua não paternidade no bojo de uma ação de reconhecimento de paternidade; nos incisos III, IV e V, também contemplado pela presunção pater is est, referem-se à meios de concepção artificial onde a paternidade é atribuída ao marido da mulher submetida ao procedimento.
No mais, o art. 1.600 do Código Civil conota a concretização da pater is est no ordenamento jurídico, dispondo que não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade, a exceção apenas se dá caso haja impotência devidamente comprovada à época da concepção, é o texto do artigo 1.599 também do Código Civil de 2002.
Em relação ao art. 1599 CC, Gonçalves (2012, p.328-329) aclara que:
[...] a esterilidade pode ter sido provocada mediante cirurgia de vasectomia no homem, que é reversível em muitos casos, ou por fatores físicos que, após tratamento médico adequado, tenham sido afastados, restabelecendo-se a capacidade do paciente de gerar filhos. Daí a razão pela qual o citado art. 1.599 do Código Civil de 2002 exige prova da impotência “à época da concepção”.
Importante destacar que há lacuna à atribuição de paternidade no caso – corriqueiro – em que não há, nem houve coabitação. Ainda, percebe-se outro ponto obscuro na matéria, qual seja, o fato de o Código Civil não abarcar a presunção de dos filhos oriundos de relações de união estável, indo na contramão do ordenamento, haja vista a tutela constitucional ao instituto no art. 226.
Pois bem, atentando-se à lacuna legal no que tange a presunção de filiação nas uniões estáveis, em 2012 o Supremo Tribunal de Justiça publicou acórdão dispondo sobre a matéria:
DIREITO CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. PRESUNÇÃO DE CONCEPÇÃO DE FILHOS. A presunção de concepção dos filhos na constância do casamento prevista no art. 1.597, II, do CC se estende à união estável. Para a identificação da união estável como entidade familiar, exige-se a convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família com atenção aos deveres de lealdade, respeito, assistência, de guarda, sustento e educação dos filhos em comum. O art. 1.597, II, do CC dispõe que os filhos nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal presumem-se concebidos na constância do casamento. Assim, admitida pelo ordenamento jurídico pátrio (art. 1.723 do CC), inclusive pela CF (art. 226, § 3º), a união estável e reconhecendo-se nela a existência de entidade familiar, aplicam-se as disposições contidas no art. 1.597, II, do CC ao regime de união estável. Precedentes citados do STF: ADPF 132-RJ, DJe 14/10/2011; do STJ: REsp 1.263.015-RN, DJe 26/6/2012, e REsp 646.259-RS, DJe 24/8/2010. (REsp 1.194.059-SP, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 6/11/2012).
Apesar do reconhecimento do STJ da presunção da paternidade de prole concebida na constância de união estável ainda há algumas diferenças no que tange à paternidade oriunda do casamento e a oriunda da união estável, a saber, o fato de, no casamento, bastar apenas a certidão de casamento apresentada pela mãe para que o oficial registre o nome do marido como pai, de outra banda, em relação a união estável há dificuldades a serem enfrentadas, principalmente, pela falta de instrumento jurídico apto a consignação do registro do companheiro como pai da criança. Apesar disso, não deve haver óbice à aquisição do direito.
Desta forma, para que se registre um filho advindo de união estável, se faz necessária a declaração de nascimento feita pelo pai e declaração de que convive em união estável com a mãe, feitas perante o oficial de registros públicos, se o oficial tiver dúvidas deve suscitá-las aojuiz, mas não pode recusar de antemão o registro (LÔBO, 2014).
Impede dedicar especial atenção também ao art. 1.603 do Código Civil que institui a chamada paternidade registral: “art. 1.603. A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil”.
Acerca disso, Dias (2015, p.357) ensina que “com o registro de nascimento constitui-se a paternidade registral (CC 1.603), que goza de presunção de veracidade (CC 1.604). Prestigia a lei o registro de nascimento como meio de prova da filiação”.
Adiante a autora complementa: “não cabe a alegação de erro quando a paternidade foi assumida de forma livre e voluntária. A paternidade decorre do estado de filiação, independentemente de sua origem, se biológica ou afetiva”. Dias (2015, p.357)
O registro de filiação é ato jurídico irrevogável, assim, não poderá o pai se arrepender de ato e tentar desconstituí-lo. A anulabilidade pode surgir apenas em caso de vícios de vontade, é o que entende a jurisprudência:
DIREITO DAS FAMÍLIAS - DEMANDA DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO - "ADOÇÃO À BRASILEIRA" IRREVOGABILIDADE - APELANTE QUE EFETUOU O REGISTRO APÓS TER CONHECIMENTO DO RESULTADO NEGATIVO DO EXAME DE DNA - AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO IMPOSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO DO ATO JURÍDICO POR MERA CONVENIÊNCIA DO INTERESSADO - PROIBIÇÃO DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO - IRRELEVÂNCIA, IN CASU, DA NÃO CONFIGURAÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA – MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE SE MANTÉM. 1. Apelação contra sentença de improcedência em demanda declaratória de inexistência de filiação cumulada com anulação de registro de nascimento .2. O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, o que não é o caso. 3. O próprio apelante em seu depoimento afirma que reconheceu a paternidade posteriormente ao resultado negativo do exame de DNA. De modo que não subsiste a alegação de que foi induzido a erro pela genitora da apelada. 4. Denota-se evidente má-fé do apelante, que efetuou o registro sabendo que não era o pai biológico, motivo pelo qual não pode alegar a própria torpeza em seu proveito.5. Precedente do STJ reconhecendo a proibição do venire contra factum proprium nas relações familiares. 6 ."Adoção à brasileira". Irrevogabilidade.7. Inexistência de vínculo socioafetivo. Irrelevância, salvo no interesse do menor. [...] NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO (TJRJ, AC n. 0013343-03.2010.8.19.0004, São Gonçalo. Rel. Des. Marcelo Lima Buhatem, j. em 18/01/2012) 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO. RELAÇÃO SOCIOAFETIVA. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. NÃO COMPROVAÇÃO DE ERRO OU FALSIDADE DE REGISTRO. [...]
IRREVOGABILIDADE DO RECONHECIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, AC n. 2010.014307-1, Gaspar. Rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. em 07/02/2011) 
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE PATERNIDADE - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - APELADO QUE REGISTROU FILHA SABENDO QUE NÃO ERA SUA INEXISTÊNCIA DE ERRO - ADOÇÃO À BRASILEIRA - IRREVOGABILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.609 DO CÓDIGO CIVIL - CARACTERIZAÇÃO DE PATERNIDADE "SÓCIO-AFETIVA" - ARREPENDIMENTO INADMISSÍVEL RECURSOPROVIDO. (TJPR, 32 AC n. 555423-8, Prudentópolis. Rel. Des. Antonio Domingos Ramina Junior, j, em 02/09/2009)
Desta forma, o pai registral não terá legitimidade para ingressar com ação de anulação do registro de nascimento se inexistir vício material ou formal capaz de ensejar sua desconstituição. 
Por fim, destaca-se que o uso da presunção pater is recebe a rotulação, por alguns autores, como uma “mentira jurídica pela manutenção da paz familiar”, como por exemplo Fachin (1992, p.33):
O sistema do Código, ainda que quisesse buscar através da regra pater is est a coincidência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, na ocorrência de dúvida entre a verdade da filiação e a suposta paz familiar, sacrifica a primeira em favor da segunda. Dá, assim, preferência a um critério “nupcialista da paternidade” (segundo o qual é reconhecido como pai aquele que contraiu núpcias com sua mãe) e não um critério “biologista da paternidade”, que atende à verdadeira filiação do ponto de vista biológico. 
Assim, o critério da verdade puramente legal perdeu espaço para o critério biológico a partir do surgimento de avançadas técnicas para determinar a paternidade.
O critério biológico se consubstancia na determinação do vínculo biológico através do exame de DNA, seu objetivo é determinar a filiação por meio dos vínculos genéticos, sanguíneos. 
Segundo Chaves (2015) esse critério busca definir a filiação através dos vínculos consanguíneos e genéticos. Determina-se a filiação com base na carga genética do indivíduo, ou seja, a paternidade ou a maternidade é definida com esteio no vínculo biológico existente, afastando-se outras perquirições e debates.
Para Maria Berenice Dias, até hoje, quando se fala em filiação e em reconhecimento de filho, a referência é a verdade genética. Entretanto, a autora destaca que dois fenômenos romperam com o princípio da origem biológica como determinante do vínculo de parentalidade. O primeiro deve-se ao fato da família não mais se identificar com o casamento, o segundo foi o avanço científico e a descoberta do DNA. Para a autora, esses dois acontecimentos produziram resultados paradoxais, pois estabeleceu a diferença entre pai e genitor. Ao se descobrir a verdade biológica, distingue-se ou identifica-se o pai, aquele que cria e dá amor e genitor que somente gera (DIAS, 2015). 
Constantemente há casos de, os pais, se recusarem a assumir e registrar seus filhos, e é justamente nesses casos que incide o critério biológico a fim de fixar o estado de filiação, sendo o exame de DNA o instrumento utilizado. Se comprovado o vínculo biológico, ainda que inexista afeto, deve o juiz determinar a filiação com o fito de resguardar os direitos da criança.
Notável, então, que o exame de DNA é importante instrumento na determinação da filiação pelo critério biológico. É importante entender que nessa relação de critério biológico, coexistem duas verdades, a saber, a primeira de que o DNA comprova o vínculo biológico e a segunda de que o estado de fato de filiação é decorrente dos vínculos afetivos.
Apesar da credibilidade do exame de DNA, há quem atribua dúvida seus resultados, descredibilizando seus métodos sob a alegação de que está sujeito a fraudes e falhas. De outra banda, parte da doutrina defende que se trata de um exame praticamente incólume a erros.
Pois bem, diante da celeuma o STJ editou a súmula 301 com o seguinte teor: “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.
Assim, nota-se a adoção, pelo ordenamento pátrio, de uma presunção à imputação da paternidade no bojo do critério biológico, diversa da presunção pater is est. No entanto, esclarece-se que a súmula 301 do STJ não vincula a decisão do juiz que pode o qual pode apreciar outros critérios na determinação da paternidade, como por exemplo, afetivo.
Em relação ao critério afetivo, há significantes contribuições de outros ramos da ciência, como por exemplo a psicanálise, que ajudam a entender os fundamentos do critério afetivo ao constatar que a figura de pai trata-se de uma figura construída ao longo do convívio quotidiano, independentemente de transmissão de carga genética. (FARIAS e ROSENVALD, 2015).
Cunha (2009) conceitua afeto como “um aspecto subjetivo e intrínseco do ser humano que atribui significado e sentido à sua existência, que constrói o seu psiquismo a partir das relações com outros indivíduos”.
É inegável que deve, o direito, considerar o afeto atribuindo-lhe efeitos jurídicos, afinal, as relações afetivas que acontecem no âmbito sentimental repercutem no âmbito social e jurídico.
Brilhantemente, Pereira (1999, p.62-63), dispõe sobre filiação:
[...] constitui, segundo a Psicanálise, uma função. É essa função paterna exercida por um pai que édeterminante e estruturante dos sujeitos. Portanto, o pai pode ser uma série de pessoas ou personagens: o genitor, o marido da mãe, o amante oficial, o companheiro da mãe, o protetor da mulher durante a gravidez, o tio, o avô, aquele que cria a criança, aquele que dá seu sobrenome, aquele que reconhece a criança legal ou ritualmente, aquele que fez a adoção..., enfim, aquele que exerce a função de pai.
O critério para constatar a filiação afetiva reside no estado de posse de filiação que é justamente a situação fática onde indivíduos vivem como se pais e filhos fossem independentes de laços biológicos.
A doutrina traz, preponderamente, dois requisitos necessários à caracterização da filiação afetiva, a saber, ser o indivíduo tratado e educado e ter reputação de filho perante a família e a sociedade em que se vivem. Ainda, alguns autores trazem outro critério, qual seja, ter o filho o apelido do pai, o que não se entende ser tão necessário a caracterização do estado de fato de filho.
A própria doutrina vem dando maior relevância ao requisito do tratamento, já que este elemento é que o melhor reflete o relacionamento entre pais e filhos, englobando, educação, manutenção de vida, convivência, instrução, etc.
Por se tratar, o afeto, um critério tão subjetivo, fica difícil apontar lapso temporal para concretização do estado de filho, desta forma, caberá ao juiz, observando o melhor interesse a proteção integral do menor, declarar, caso a caso, a configuração do vínculo afetivo.
Neste contexto, Fachin (1992, p.162) leciona que
Diante do caso concreto, restará ao juiz o mister de julgar a ocorrência, ou não, de posse de estado, o que não retira desse conceito suas virtudes, embora exponha sua flexibilidade. E isso há de compreender-se: trata-se de um lado da existência, de um elemento de fato, e é tarefa difícil, senão impossível, enjaular em conceitos rígidos a realidade da vida em constante mutação.
Interessante entender que não se faz necessário que no momento da discussão em juízo esteja presente o afeto, até mesmo porque, geralmente, quando recorre à via judicial o afeto já é findo. Farias e Rosenvald (2015, p. 594) esclarecem que:
O importante é provar que o afeto esteve presente durante a convivência, que o afeto foi elo que entrelaçou aquelas pessoas ao longo de suas existências. Equivale a dizer: que a personalidade do filho foi firmada sobre aquele vínculo afetivo, mesmo que, naquele exato instante, não exista mais.
Todos os meios de prova em direito admitidos poderão ser utilizados na busca pela comprovação do estado de filho, desde que comprovem ou sejam necessário para comprovar os requisitos comentados.
Em se tratando de dispositivos legais, tem-se que o art. 1.593 é o grande responsável pela afirmação de outras possibilidades de filiação serem reconhecidas pelo ordenamento jurídico, vejamos: “art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.
É justamente na expressão “outra origem” que está a abertura para as diversas possibilidades que, de fato, vêm se concretizando atualmente no mundo fático. Dias (2015, p.363) atesta que “a filiação que resulta da posse de estado de filho constitui modalidade de parentesco civil de ‘outra origem’, isto é, de origem afetiva (CC 1.593)”.
Em consonância com esse entendimento, fora editados os enunciados 108 e 256 das Jornadas de Direito Civil:
108: Art. 1.603: No fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consangüínea e também a socioafetiva; 256: Art. 1.593: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.
É esse mesmo o entendimento do SJT:
Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também ‘parentescos de outra origem’, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural. (STJ, AC. unân.3ªT., REsp 1000356/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 25.5.10, DJe 7.6.10).
Também, há o Projeto de Lei do Estatuto das Famílias, datado de 2007 e elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Familia (IBDFAM), que traz a posse do estado de filho em seu artigo 71, §2º: “também se prova a filiação por qualquer modo admissível em direito, quando houver posse de estado de filho”.
Vale destacar que nesses casos, além de ser considerado o interesse do filho em ser assim reconhecido é importante também considerar a dignidade da pessoa do pai que quer ser assim registrado, com base no papel que já desempenha na vida do menor.
Ante o exposto, nota-se que, diante das mudanças que ocorreram no direito das famílias, as questões afetivas ganharam espaço no ordenamento, sendo melhor ventiladas tanto na doutrina quanto na jurisprudência, embasando constantemente decisões judiciais. Há, então, a mudança de paradigma na constante valorização do afeto no âmbito familiar.
3 MULTIPARENTALIDADE
As famílias recompostas, na busca por sua afirmação e consequente tutela, encontram barreiras dentro do próprio ordenamento jurídico, talvez pelo fato de este não acompanhar o ritmo veloz que as mudanças sociais ocorrem. Em decorrência disto, os novos institutos familiares desempenham papel de extrema importância social e jurídica, qual seja chamar atenção e questionar os pontos dentro do ordenamento que não mais condizem a realidade social.
É o que acontece, por exemplo, ao se observar o art. 1.636 do código civil de 2002, que dispõe: 
Art. 1.636 O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.
Observa-se que, na segunda parte do dispositivo em tela, o ordenamento assevera que o pai ou a mãe que contrai novas núpcias ou convive em união estável, exerce o poder familiar sobre o os filhos do antigo relacionamento sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro, ou seja, “veda” a participação do novo cônjuge ou companheiro na manutenção de vida dos filhos de sua esposa ou companheira. 
Nota-se que o ordenamento falhou ao dispor de tal forma, afinal, por meio da proteção integral, o menor deve receber tutela de forma mais abrangente possível e, com tal dispositivo, o legislador acaba por restringir a tutela da criança e do adolescente.
Como dito no introito, as chamadas novas famílias questionam dispositivos como o artigo comentado, pois, é cediço que, na realidade fática, é difícil exercer o poder familiar sem a interferência de eventual cônjuge ou companheiro, devido a fatores como a convivência por exemplo.
Como fartamente dito, nesses novos modelos de família o que une os componentes é o afeto e cada membro que integra uma família recomposta, traz consigo bagagens da antiga família de qual antes fazia parte e esse é um fator que dificulta na solidificação de seu instituto familiar, pois, seus integrantes vêm com hábitos de suas famílias originárias, como modelos de educação, tradições, crenças, etc. Deste modo, ultrapassada tais dificuldades, o elo afetivo ganha força de forma que se torna extremamente difícil evitar que padrastos e madrastas exerçam funções parentais, quando o elo afetivo já se concretizou.
O legislador, atento às mudanças sociais dispões acerca da situação, elaborando o Projeto de Lei nº 2.285/07, vulgo Estatuto das Famílias, prevê:
Art. 91. Constituindo os pais nova entidade familiar, os direitos e deveres decorrentes da autoridade parental são exercidos com a colaboração do novo cônjuge ou convivente ou parceiro.
Parágrafo único. Cada cônjuge, convivente ou parceiro deve colaborar de modo apropriado no exercício da autoridade parental, em relação aos filhos do outro, e representá-lo, quando as circunstâncias o exigirem.
Resta claro que o artigo 1.635 CC não passa de ficção jurídica a medidaque não está em conformidade com a realidade fática. Limitar, reduzir a abrangência da tutela dos interesses do menor, fere os princípios da proteção integral bem como do melhor interesse da criança.
Salienta-se que, não necessariamente, o elo afetivo irá se concretizar, todavia, são múltiplos os fatores inclinados à contribuir para que isso aconteça, como por exemplo, quando se perde o vínculo afetivo entre os filhos biológicos e seus pais e ainda que não ocorra, não é obstáculo para impedir que laços afetivos se desenvolvam. Fato é que, não raramente, a figura paterna ou maternal passa a ser vista tanto nos genitores biológicos quanto em terceiros, exsurge, então, a multiparentalidade.
3.1 NOÇÕES CONCEITUAIS
Por se tratar de tema ainda recente no direito das famílias, há leves nuances nos conceitos de multiparentalidade trazidos pela doutrina, contudo, todos conotam a mesma ideia, qual seja a da existência simultânea de vínculos biológicos e afetivos entre pais e filhos.
A professora Maria Berenice Dias (2015) conceitua a multiparentalidade ou, como gosta de tratar, pluriparentalidade, em síntese, como a possibilidade de um indivíduo ter mais de um pai e/ou mãe.
Sendo mais específico, Cassetari (2015) ressalta que, na hipótese em que o indivíduo possui duas mães ou dois pais em seu registro de nascimento não se configura a multiparentalidade, em sua concepção, a multiparentalidade resta configurada quando haver três ou mais pessoas no registro de nascimento como pais. Nesse diapasão, o citado autor entende que se haver apenas dois pais e/ou mães registrados em certidão de nascimento, dar-se-á o nome de biparentalidade se for mãe e pai de sexos distintos, bipaternidade ou bimaternidade quando pais ou mães do mesmo sexo. Entende-se, contudo, que esse não é o entendimento dominante.
Chaves e Rosenvald (2015) bem lembram que, se a relação paterno ou materno-filial for oriunda de uma adoção por casal homoafetivo, por exemplo, não se configurará multiparentalidade, afinal, estabelecerá o vínculo de filho com apenas duas pessoas sejam elas duas mães ou dois pais e a multiparentalidade advoga a tese de múltiplos vínculos paternos e/ou maternos num mesmo núcleo familiar.
Assim, fato é que a multiparentalidade é a possibilidade jurídica de se inserir no registro civil de uma pessoa, o nome de mais de um pai ou mais de uma mãe. Constitui-se como um fenômeno social contemporâneo onde uma mesma pessoa possui duas ou mais paternidades e/ou maternidades.
3.2 POSSIBILIDADE DE COEXISTÊNCIA DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA E FILIAÇÃO BIOLÓGICA
Como já mencionado no limiar da presente abordagem, a ciência do direito enquanto reguladora das relações sociais deve ater-se as mudanças sociais, entre elas, àquelas ocorridas no bojo familiar.
É esse o contexto da multiparentalidade que se fundamenta em premissas constitucionais, a saber, a dignidade da pessoa humana, igualdade entre os filhos bem como a afetividade e ainda a chamada teoria tridimensional do Direito de Família, trazida por Belmiro Pedro Marx Welter na sua tese de doutorado defendida em 2007 na Academia da UNISINOS/RS.
A Teoria Tridimensional do Direito das famílias sustenta que a compreensão do humano transcende o comportamento do mundo genérico, ou seja, o mundo das coisas, como até agora tem sido sustentado pela cultura jurídica ocidental, mas engloba, também, o modo de ser em família e em sociedade e ainda o modo de se relacionar consigo mesmo (mundo ontológico). Assim, compreende-se que o ser humano não existe só, mas que sua existência se dá na interação das existências, biológica, afetiva e ontológica.
Welter (2012), leciona que o ser humano é biológico, na medida que herda as qualidades de seus pais (aspectos físicos), é afetivo ou desafetivo pois está inserido dentro da universalidade e facticidade das relações sociais, do mundo em família, e por fim, é ontológico, porque dialoga consigo mesmo, e compreende a si mesmo.
Isto posto, resta que reconhecer juridicamente que a família não é formada com vistas à procriação, mas sim com a liberdade de constituição é medida que se impõe. Os conceitos inerentes à família não são conceitos prévios, haja vista, a família ser, segundo Welter (2012), linguagem, diálogo, conversação infinita e modos de ser no mundo genético, de ser no mundo (des)afetivo e de ser no mundo ontológico. 
Destarte, compreendendo que o ser humano é, num mesmo tempo, biológico, (des)afetivo e ontológico, conclui-se pela existência de uma “trilogia familiar” e por, conseguinte, pela possibilidade de estabelecimento de três vínculos paternos/maternos para cada pessoa humana (FARIAS e ROSENVALD, 2015). 
Acerca da possibilidade jurídica do reconhecimento da multiparentalidade, impende trazer à baila parte da doutrina de Maria Gorteh Macedo Valadares, in verbis: 
O direito, como guardião das relações sociais deve se ater as mudanças advindas das relações familiares, tendo uma postura ativa. Julgar pela impossibilidade jurídica da pluriparentalidade em todo e qualquer caso concreto, sob o pretexto de que uma pessoa só pode ter um pai ou uma mãe, não atende às expectativas jurídicas de uma sociedade multifacetada. Os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente, da Solidariedade familiar, da Igualdade das filiações e da paternidade responsável devem ser a base e a estrutura das decisões ligadas à pluriparentalidade (2013, p. XX). 
O reconhecimento da multiparentalidade exige cautela, afinal, diversos efeitos surgem de tal reconhecimento, efeitos relacionados a herança, alimentos, sobrenome, a possibilidade de estabelecer filiação com diversos pais e mães podendo gerar intenções meramente patrimoniais, etc. Todavia, a doutrina e, principalmente, a jurisprudência inclina-se a valorizar a já mencionada teoria tridimensional da condição humana, que valoriza a influência genética, a afetiva e a ontológica na formação da pessoa, e consequentemente, a afirmar o reconhecimento da multiparentalidade a fim estabelecer filiações genéticas e afetivas num mesmo núcleo familiar.
Um dos propulsores ao reconhecimento do instituto é o crescente fenômeno das chamadas famílias recompostas, onde pessoas que saem de suas entidades familiares, formam outras. Esse fenômeno fomenta a multiparentalidade a medida que normalmente o padrasto ou madrasta quase que inevitavelmente passam a exercer a função de pais e mães, sem, todavia, que os genitores biológicos deixem de desempenhar seus papéis. Neste sentido:
Uma vez desvinculada a função parental da ascendência biológica, sendo a paternidade e a maternidade atividades realizadas em prol do desenvolvimento dos filhos menores, a realidade social brasileira tem mostrado que essas funções podem ser exercidas por “mais de um pai“ ou “mais de uma mãe” simultaneamente, sobretudo, no que toca à dinâmica e ao funcionamento das relações interpessoais travadas em núcleos familiares recompostos, pois é inevitável a participação do pai/mãe afim nas tarefas inerentes ao poder parental, pois ele convive diariamente com a criança; participa dos conflitos familiares, dos momentos de alegria e de comemoração. Também simboliza a autoridade que, geralmente, é compartilhada com o genitor biológico. Por ser integrante da família, sua opinião é relevante, pois a família é funcionalizada à promoção da dignidade de seus membros. (RODRIGUES, 2013)
Salienta-se que são inúmeras e corriqueiras as situações capazes de exemplificar a multiparentalidade, como a narrada acima, e as indagações pertinentes são, geralmente, as mesmas: um vínculo (biológico ou afetivo) sobrepõe-se a outro? Há espaço para se conceber a multiparentalidade no ordenamento jurídico pátrio?
Em relação à afirmação de um vínculo – socioafetivo ou biológico – em detrimento do outro, não há regra que estabeleça, o que há é uma celeuma tanto doutrinária quanto jurisprudencial acerca do assunto, haja vista que nem sempre o puro e simples critério biológico expressa fielmente papel de pai ou mãe vivido na realidade fática. No mais, impende salientar que um critério,

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