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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PLANEJAMENTO FAMILIAR: LIBERDADE DE ESCOLHA OU FALTA DE OPÇÃO? ANALISE DE UMA EXPERIÊNCIA NO HU/SC DANIELA LUIZA MARCHEZAN FLORIANÓPOLIS, 2002. DANIELA LUIZA MARCHEZAN PLANEJAMENTO FAMILIAR: LIBERDADE DE ESCOLHA OU FALTA DE OPÇÃO? ANALISE DE UMA EXPERIÊNCIA NO HU/SC Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina, para obtenção do titulo de Bacharel em Serviço Social, orientado pela Professora Heloisa Maria José de Oliveira. FLORIANÓPOLIS, 2002. DANIELA LUIZA MARCHEZAN PLANEJAMENTO FAMILIAR: LIBERDADE DE ESCOLHA OU FALTA DE OPÇÃO? ANALISE DE UMA EXPERIÊNCIA NO HU/SC Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para a obtenção do titulo de Bacharel em Serviço Social. BANCA EXAMINADORA Professora Heloisa Maria Jose de Oliveira, Dra. Presidente Rosilda Machado da Silva Chefe Serviço Social - HU Assistente Social Jucilia Vieira de Castro Professora UFSC Assistente Social FLORIANÓPOLIS, SETEMBRO 2002. Prof. Matys Costa Chafe cio ePt e Servo Socipl CSE Fsc AGRADECIMENTOS Inicialmente, agradeço a Deus, pela vida e por todas as bênçãos recebidas... A minha família, em especial à minha querida Alde porque sem ela, no mínimo e com certeza, este trabalho não se realizaria... Ao meu sempre companheiro Afonso, pela paciência e carinho, sempre... A minha filha Cláudia, agora razão de minha existência... A professora Heloisa, pelos ensinamentos preciosos e orientações para a consecução deste. A equipe de assistentes sociais do Hospital Universitário, pela amizade, convivência e ensinamentos prestados... E ás pessoas que procuraram o Serviço do Hospital, porque sem elas este estudo não teria razão... SUMARIO Lista de Tabelas 4 Lista de Gráficos 5 INTRODUÇÃO 6 1. PLANEJAMENTO FAMILIAR — A TEORIA 11 1.1. 0 Planejamento Familiar no contexto da saúde reprodutiva 11 1.2. A dimensão histórica do Planejamento Familiar no Brasil 15 2. PLANEJAMENTO FAMILIAR — A PRATICA 28 2.1. 0 Planejamento Familiar no Hospital Universitário 28 3. PLANEJAMENTO FAMILIAR: EXERCÍCIO DE ESCOLHA OU FALTA DE OPCA09 34 3.1. Percurso metodológico 34 3.2. Perfil das mulheres que buscam a esterilização 37 3.3 Desvelando motivos da busca pela esterilização 49 CONCLUSÃO 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRARICAS 67 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Ocupação 40 Tabela 2: Faixa etária 41 Tabela 3: Nível de escolaridade 42 Tabela 4: Nível de escolaridade dos companheiros 43 Tabela 5: Renda familiar 44 Tabela 6: Número de filhos 45 Tabela 7: Idade ao ter o primeiro filho 46 Tabela 8: Métodos contraceptivos já utilizados 48 Tabela 9: Motivação para a cirurgia 50 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Ocupação 40 Gráfico 2: Faixa etária 41 Gráfico 3: Nível de escolaridade 42 Gráfico 4: Nível de escolaridade do companheiro 43 Gráfico 5: Renda familiar 44 Gráfico 6: Número de filhos 45 Gráfico 7: Idade ao ter o primeiro filho 47 Gráfico 8: Métodos contraceptivos já utilizados 48 Gráfico 9: Motivação para a cirurgia 51 INTRODUÇÃO 0 presente trabalho é resultante da experiência vivenciada no Estágio Curricular realizado de agosto de 2001 a março de 2002 no setor de Serviço Social do Hospital Universitário, no programa de Planejamento Familiar, e se constitui em requisito final para conclusão do curso e obtenção do titulo de bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. 0 interesse em abordar o Planejamento Familiar, mais especificamente a demanda por cirurgias de esterilização definitiva, objeto de intervenção durante o estágio, surgiu com a verificação da existência de preconceitos e avaliações negativas sobre a fecundidade da população de baixa renda que aparecem, freqüentemente, na imprensa, no discurso médico e nas representações de cidadãos comuns. Além disso, o Planejamento Familiar sempre foi assunto polêmico e gerador de grandes debates, o que despertou o interesse em compreendê-lo e abordá-lo. De um lado, coloca-se o Planejamento Familiar como liberdade, direito e responsabilidade dos indivíduos, cabendo ao Estado o resguardo deste direito com ações neutras e não 7 intervencionistas e ainda a prestação de informações e serviços, respeitando a liberdade de decisão. De outro lado, há os que afirmam ser o Planejamento Familiar um instrumento politico-ideológico, tendo estreita ligação com o capital, que pretende atrofiar a capacidade reprodutiva da classe trabalhadora para reduzir despesas do sistema produtivo com a maternidade e para que as elites não sejam submersas demograficamente por um setor marginal da sociedade. No Brasil, os debates em torno da questão iniciaram na década de sessenta, quando começa, especialmente por parte da elite brasileira e do setor médico, o discurso que relaciona pobreza à natalidade e que defende intervenções para redução do ritmo do crescimento demográfico como condição para o crescimento econômico e desenvolvimento do pais. Houve grande resistência a este discurso, principalmente por parte da Igreja, por motivos morais e de partidos politicos de esquerda, que percebiam naquela posição uma manifestação capitalista. Enquanto o governo não tomava nenhuma posição, veio o controle populacional de fora para dentro, financiado por organismos internacionais e implantado pelas clinicas de planejamento familiar. Principalmente nos anos 70 e 80, esses serviços se multiplicaram, com o treinamento de profissionais e a realização de convênios com empresas, sindicatos, prefeituras. Acreditava-se que quanto maior a população, maior seria a barreira para o desenvolvimento e maior a chance de tensão social. Por mais radicais que essas teses pareçam, o aumento do número de pobres era considerado urna ameaça que precisava ser controlada. Através de clinicas com serviços de planejamento familiar, passou-se então, a 8 distribuir pílulas e fazer laqueaduras, sendo esses, ainda hoje, os métodos contraceptivos mais utilizados. A partir de 1975 as mulheres passaram a se manifestar, com o surgimento dos primeiros grupos feministas, originando um novo discurso baseado no direito à saúde e na autonomia das mulheres e dos casais e na definição do tamanho da família. O direito ao Planejamento Familiar veio explicito na Constituição Federal de 1988, no parágrafo 7 0 do artigo 226. Entre as diretrizes figura a liberdade de decisão do casal e a responsabilidade do Estado ern prover recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. 0 artigo Constitucional foi regulamentado apenas em 1996, pela Lei 9.263, publicada no Diário Oficial da União em novembro de 1997. No Hospital Universitário em Florianópolis/SC, o programa de Planejamento Familiar foi implantado em maio de 1998. Particularmente, a pi-Mica de estagio no local possibilitou-nos o contato direto com mulheres que buscavam atendimento no programa, interessadas em se submeter a cirurgias para esterilização definitiva — a "laqueadura tubdria". Neste contato, procurou-se compreender as motivações para tal desiderato. Foi estruturado um projeto de pesquisa com o propósito de verificar, a partir da fala das próprias interessadas, se prevalece, nesta opção pela anticoncepçâo definitiva, uma busca pela titularidade de direitos sexuais e reprodutivos, pelo controle da sexualidade ou se esta escolha acontece a partir de circunstâncias que enfrentam ao longo de suas vidas, para muitas afetadas pela pobreza. 9 Para responder a essa questão, foram utilizados como procedimentos metodológicos a pesquisa bibliográfica para um conhecimento prévio do assunto, a observação e a pesquisaquantitativa/qualitativa, tendo como instrumento a entrevista e como sujeitos as pessoas inscritas no programa. No total, foram cinqüenta entrevistas a mulheres interessadas em laqueadura tubária. Salienta-se que não foram colocados os nomes completos e demais qualificadores das pessoas entrevistadas por motivos éticos de preservação de identidade. Não se pretende, aqui, esgotar a discussão, mas contribuir fazendo um resgate histórico que possibilite a compreensão dos caminhos que levaram à implantação do Planejamento Familiar no Brasil e refletir sobre as motivações que tern levado tantas mulheres opção pela esterilização cirúrgica quando há uma série de outros métodos não definitivos disponíveis. Em relação à estruiura, o trabalho apresentará, no primeiro capitulo, para uma melhor compreensão, conceitos relativos ao tema, como saúde reprodutiva, direitos reprodutivos e planejamento familiar, entre outros, bem como um histórico dos discursos que perpassaram a implantação do Planejamento Familiar no Brasil. Não faremos aqui considerações sobre relações de gênero desiguais, conjuntura econômica ou contexto social, mas reconhecemos que a discussão dos temas está relacionada a esse debate, ai inserida a política de saúde. Privilegiaremos no primeiro capitulo a análise da história da ideologia controlista e anticontrolista no pais, procurando entender os fatores que tem levado tantas mulheres a interromper seu direito à opção de ter mais filhos. No segundo capitulo, abordaremos o funcionamento do programa no Hospital Universitário em Florianópolis e, por fim, no terceiro capitulo, traremos os resultados das entrevistas realizadas com mulheres atendidas no HU no período de estágio, que optaram pela esterilização definitiva. Nesse capitulo, faremos inicialmente algumas considerações a partir das observações realizadas em palestras sobre saúde reprodutiva e métodos contraceptivos, para depois revelar o perfil das inscritas para realização da laqueadura e suas falas a respeito. Esse conjunto de informações sera analisado tendo como referência algumas reflexões sobre a questão social e suas expressões no mundo da pobreza e da desigualdade. No item Considerações Finais, faremos, por fim, uma síntese das idéias trabalhadas neste estudo. 1. PLANEJAMENTO FAMILIAR — A TEORIA 1.1. 0 Planejamento Familiar no contexto da saúde reprodutiva Em sentido amplo e contemporâneo, a saúde é, sobretudo, uma questão de cidadania e não um estado biológico, independente do social. A definição de saúde reprodutiva, internacionalmente adotada pela Organização Mundial da Saúde, estabelecida no Plano de Ação da Conferência Mundial de População e Desenvolvimento — Cairo, 1994 — e reiterada pela Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher — Pequim, 1995 — 6: "A saúde reprodutiva é um estado de completo bem-estar físico, mental e social em todas as matérias concernentes ao sistema reprodutivo, suas funções e processos, e não simples ausência de doença ou enfermidade. A saúde reprodutiva implica, por conseguinte, que a pessoa possa ter uma vida sexual segura e satisfatória, tendo a capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes faze-lo. Está implícito nesta última condição o direito de homens e mulheres de serem informados e de terem acesso aos métodos eficientes, seguros, aceitáveis e financeiramente compatíveis de 12 planejamento familiar, assim como a outros métodos de regulação da fecundidade 11 sua escolha e que não contrariem a lei, bem como o direito de acesso a serviços apropriados de saúde que propiciem as mulheres as condições de passar com segurança pela gestação e parto, proporcionando aos casais uma chance melhor de ter um filho sadio." Assim, saúde reprodutiva é compreendida, sobretudo, como urna questão de cidadania e não mais como um estado biológico, independente do social. Implica em que os indivíduos possam ter uma vida sexual prazerosa e segura, podendo reproduzir-se com a liberdade de decidir "se, quando e com que freqüência" irão fazê-lo. Da mesma forma, os direitos reprodutivos não se limitam A proteção da reprodução, mas abarcam um conjunto de direitos individuais e sociais que devem interagir na busca do pleno exercício da sexualidade e reprodução humana. Os direitos reprodutivos se fundamentam no reconhecimento do direito básico de todos os casais de decidirem livremente e com responsabilidade sobre o número de filhos que desejam ter, sobre o espaçamento dos nascimentos e sobre o momento de ter um filho. Reconhece-se também, o direito básico informação e ao acesso aos meios para obtê-la, e o direito de se distinguir o mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. A formulação dos direitos reprodutivos está centrada na noção de sexualidade, aspecto fundamental da vida que está presente desde o nascimento até a morte, não se restringindo apenas a atividades ligadas ao funcionamento do aparelho genital, transcende a satisfação de uma necessidade biológica, buscando satisfazer a desejos e não s6 a necessidades. 13 O advento da anticoncepção provocou mudanças substanciais no exercício da sexualidade, pois promoveu concretamente sua cisão da procriação. Em conformidade com a definição de saúde reprodutiva, a assistência à saúde reprodutiva, também de acordo com a Organização Mundial de saúde, é definida como "a constelação de métodos, técnicas e serviços que contribuem para a saúde e o bem-estar reprodutivo, prevenindo e resolvendo os problemas de saúde reprodutiva. Isto inclui igualmente a saúde sexual, cuja finalidade é a melhoria da qualidade de vida e das relações pessoais e não o mero aconselhamento e assistência relativos à reprodução e as doenças sexualmente transmissíveis". 0 conjunto de informações e serviços de planejamento familiar constitui um meio essencial para a obtenção e realização dos direitos reprodutivos e da saúde reprodutiva. São, portanto, um elemento central dos programas de saúde reprodutiva. 0 exercício dos direitos reprodutivos requer uma rede de infra-estrutura social que contemple, dentre outros aspectos, serviços de saúde acessíveis e humanizados. COSTA (1992), ressalta que o planejamento familiar é uma ação social, incluindo os componentes de informação, educação e assistência na reprodução. Segundo ele, é preciso que os serviços de educação e assistência em reprodução sejam integrados a outros programas. O planejamento familiar, na sua concepção, busca a plenitude da vida humana, e isto não se consegue unicamente com a pratica da anticoncepção. E preciso ter em mente que nenhuma ação social cumpre integralmente seus objetivos se não conscientizar sua população-alvo, se não fortalecer a família e a comunidade, se não facilitar a integração comunitária, e se não oferecer aos casais as 14 informações e os meios de exercitar sua faculdade reprodutiva segundo suas próprias decisões. 0 Planejamento Familiar está previsto no artigo 226, parágrafo 7°, da Constituição Federal: "Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas." Por outro lado, alguns autores como RODRIGUES (1990), afirmam ser o planejamento familiar uma forma de controle da natalidade. Para ela, "o Planejamento Familiar é um programa de ação para intervir no comportamento reprodutivo das pessoas, especialmente as de baixa renda, transformando-se num instrumento de política populacional, mas se apresentando como uma forma de democratizar métodos modernos de contracepção entre as classes subalternas". Para melhorentendimento do presente trabalho, faz-se necessário esclarecer ainda o que se compreende por contracepção e esterilização cirúrgica. Contracepção, segundo RODRIGUES (1990) é uma medida preventiva que frustra a concepção, quando há efetivo exercício da sexualidade, usando meios mecânicos, químicos ou comportamentais. Caracteriza-se como uma atitude individual, privada e geralmente espontânea. 15 Esterilização cirúrgica, segundo RODRIGUES (1990) não é um método de contracepção. Trata-se da eliminação da capacidade reprodutiva do indivíduo, embora haja uma pequena margem de possibilidade de regeneração espontânea ou cirúrgica daquele potencial. A feminina é denominada laqueadura tubdria, e a masculina, vasectomia. Após esta exposição conceitual, abordaremos o contexto histórico ern que se insere o debate sobre planejamento familiar no Brasil. Ao faze-lo, aprofundaremos alguns conceitos até aqui tratados de forma mais sucinta. 1.2. A dimensão história do Planejamento Familiar no Brasil As discussões em torno do Planejamento Familiar começaram em meados da década de sessenta. Até então, havia uma relativa consensualidade em torno do pró-natalismo, o que fez com que ele não se manifestasse enquanto tema de debates ou polêmicas públicos. Prevalecia a idéia de que a evolução da sociedade brasileira passava pela expansão em qualidade e quantidade da população. A partir de 1965, novas formas de ver a questão populacional ganharam corpo. A burguesia brasileira, setores médicos e alguns setores do governo militar, aliavam-se as tendências internacionais de contenção populacional. A relação entre pobreza e natalidade adquiriu ampla visibilidade na sociedade brasileira, segundo AVILA (1993). Teorias neo-malthusianas legitimavam o senso comum que associava 16 miséria a um alto crescimento demográfico, ignorando que a pobreza decorre do modelo de desenvolvimento implantado no pais. Duas posturas antagônicas conviviam na sociedade e no governo brasileiro em relação As políticas populacionais. FONSECA (1993), identifica estas posturas como "coalizão antinatalista e coalizão anticontrolista". A primeira colocou no mesmo lado atores sociais como o governo norte-americano, preocupado com uma eventual "cubanização" do Nordeste brasileiro e depois com repercussões sociais e políticas de uma suposta explosão demográfica que estaria em curso no terceiro mundo; militares da Escola Superior de Guerra, que passaram a ver no crescimento populacional uma ameaça "segurança nacional"; grandes empresários que percebiam na taxa de crescimento demográfico um obstáculo ao desenvolvimento nacional e, grupos médicos interessados em abrir espaço para o exercício do Planejamento Familiar no pais. A segunda, a coalisão anticontrolista, formou-se por reação primeira. Congregou a Igreja Católica, que por razões de ordem moral posicionou-se contra o uso de anticoncepcionais; a "esquerda", por perceber no discurso antinatalista uma manifestação capitalista e, frações das Forças Armadas, nacionalistas de direita que, por razões geopoliticas defendiam a necessidade de que os "espaços vazios" do território brasileiro fossem ocupados via aumento da população, em nome da segurança nacional. Conforme CARDOSO (1983), a força do catolicismo foi extremamente significativa, especialmente porque esteve ligada A formação de grupos populares. Ela cita os argumentos da hierarquia católica, expressos pelo Cardeal Aloisio Lorscheider, Dom Eugenio Sales e Dom José Maria Pires, em jornal feminista, da época: "A 17 mulher brasileira não precisa de ',Hulas de graça, mas sim de comida para ela e seus filhos". De acordo com PENA (1991), a tendência histórica que permitiu a manutenção da ideologia liberal de não intervenção, ao mesmo tempo em que favoreceu a ação de agentes privados, que forneceram anticoncepção para a população, transformou o Pais em um "Estado de Duas Caras", quando se analisa política e população. Embora não implementasse uma política oficial de contenção do crescimento demográfico, permitiu que instituições não governamentais aplicassem medidas de controle demográfico através de programas de planejamento familiar que distribuíam anticoncepcionais orais e praticavam a esterilização (BARROSO, 1984). Algumas análises apontam esta situação como uma "omissão planejada", ou seja, uma política implícita de regulação em que o governo não atuava, mas permitia a ação de agências internacionais no controle da natalidade. Instituições privadas como a Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar no Brasil — BEMFAM, desenvolviam um projeto educativo difundindo as vantagens de uma família reduzida e o uso de práticas anticonceptivas. Criada em 1963, a BEMFAM foi idealizada por médicos que tinham como objetivo informar sobre métodos anticonceptivos para tentar evitar o grande número de abortos provocados no pais que, segundo estes médicos ocorriam por falta de informações e acesso as práticas anticonceptivas. De acordo com SOBRINHO (1993), agências internacionais não governamentais patrocinavam as atividades da entidade, entre elas a 18 Federação Internacional do Planejamento Familiar — IPPF. Ainda conforme o autor, mais que a distribuição de pílulas ou DIUs, o grande produto da BEMFAM foi à construção de um discurso de convencimento, de uma ideologia justificativa do planejamento familiar. Com sede no Rio de Janeiro, mas com intervenções em quase todo o pais, a Sociedade tinha como estratégia o treinamento de profissionais de saúde para a pratica do planejamento familiar e a prestação direta de assistência exclusiva em ações contraceptivas, através de suas unidades próprias ou conveniadas, como prefeituras, sindicatos, secretarias de saúde, etc. No período de 1967 a 1982, três mil setecentos e seis bolsistas foram treinados em cursos de planejamento familiar e, em média, dez municípios por mês implantavam um programa comunitário de planejamento familiar — ern alguns estados do Nordeste esta média era bem mais elevada. Além da BEMFAM, já na metade dos anos 60, tínhamos no pais a presença de um conjunto de instituições internacionais preocupadas com a questão demográfica, quer seja financiando pesquisas na area de fisiologia e reprodução humana, quer seja estimulando o incremento dos serviços de planejamento familiar, através de seus financiamentos. Canesqui (1981), cita a World Neighbors, financiando o Serviço de Orientação Familiar de Sao Paulo e o Programa de Planejamento Familiar de Campinas, a Ford Fundation, financiando pesquisas na area de reprodução humana nas Universidades do Rio de Janeiro e Bahia; o Population Council, financiando o Laboratório de Fisiologia e Reprodução da Faculdade Nacional do Rio de Janeiro e estudos de Fertilidade da Escola de Sociologia e Política de São Paulo; a Organização Mundial da Saúde, com o programa de Treinamento em Dinâmica Populacional na Universidade de Sao Paulo. 19 Denúncias de "esterilização maciça" em mulheres na Amazônia originaram uma Comissão Parlamentar de Inquérito — CPI, no Congresso Nacional, em 1967. SOBRINHO (1993), transcreve o trecho de alguns depoimentos, dos quais destaco o de Glycori de Paiva, diretor-tesoureiro da BEMFAM: "Há uma grande dificuldade para as pessoas verem o óbvio que é o excesso populacional atrapalhando o desenvolvimento. 0 problema é evitar o agravamento desta situação. Essa gente não está influenciando na economia do Pais. Essa gente está pesando inteiramente sobre os outros. Há alguma coisa a fazer para o enriquecimento da sociedade. E não posso conceber esse enriquecimento quando o Pais anualmente por via uterina recebe 2,6 milhões de pessoas novas para fazer o que? Que capacidade de remuneração posso dar a esses indivíduos deseducados, com vocabulário reduzido de 250,300 palavras? Essa gente me parece gravosa ao sistema social. Ela está pesando como um resto na economia brasileira. Não vou matá-la. Apenas quero que a biologia o faça." A Comissão ouviu 25 depoentes, realizou 31 reuniões, reuniu centenas de documentos sobre o assunto, mas não concluiu seus trabalhos. Quatro anos depois, em 1971, a BEMFAM, que tem expressado seu pensamento através do depoimento de um de seus diretores, como acabou de ser visto, foi declarada como sendo entidade de utilidade pública federal. somente em 1974 que o Brasil enuncia, em Bucareste, durante a I Conferência Mundial sobre População, patrocinada pela Organização das Nações Unidas ONU, uma posição oficial enfatizando que a decisão quanto à composição familiar é uma prerrogativa do casal, 20 demonstrando a indefinição por parte dos governos brasileiros, que atribuem a responsabilidade da reprodução ao casal, ao mesmo tempo em que permitem a intervenção de organismos não governamentais que financiam e estimulam o controle populacional (BARROSO, 1984). Documento apresentado nessa Conferência (1974) pelo embaixador brasileiro Miguel Ozório de Almeida, transcrito por SOBRINHO (1993), coloca que "a capacidade de recursos ao controle da natalidade não deve ser um privilégio das famílias abastadas e, por isso, cabe ao estado proporcionar as informações e os meios que possam ser solicitados por famílias de recursos reduzidos". 0 governo fez duas tentativas para implementar ações dessa natureza: o Plano de Prevenção à Gravidez de Alto Risco, e o Programa Nacional de Paternidade Responsável, que pela oposição, especialmente da Igreja Católica, não se concretizaram. A partir de 1975, as mulheres passaram a se manifestar com o surgimento dos primeiros grupos feministas, que vieram a ter influência ponderável nos rumos do debate. Conforme CARDOSO (1983), elas começaram a desmentir na prática a premissa básica dos adeptos do natalismo, que viam na pobreza a única razão para o desejo das mulheres controlarem sua fecundidade. Para ela, desde que a sociedade passou a aceitar outros papéis femininos além da função materna, a vida reprodutiva das mulheres se encurtou. As mulheres brasileiras processavam uma ruptura com o clássico papel social que lhes era atribuído: o de mãe e "rainha do lar". Gradativamente incrementavam o seu comparecimento no mercado de trabalho, ampliando suas aspirações de cidadania. Controlar a fecundidade, realizar em seu corpo a anticoncepção, passa a ser aspiração e desejo de muitas mulheres. As vivências mais plenas da sexualidade reforçavam esta necessidade. No entanto, os serviços públicos de saúde estavam despreparados para esta demanda. 21 CARDOSO (1993), procura definir qual seria o posicionamento coerente com as aspirações das mulheres: o "controle democrático" da concepção. Para que o controle da fecundidade seja um direito de todas, é preciso que o Estado o promova, sem impô-lo. Com o surgimento do novo discurso, baseado nos princípios do direito à saúde e na autonomia das mulheres e dos casais na definição do tamanho de sua prole, em 1983 o Ministério da Saúde divulga o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher — PAISM, que seria desenvolvido pela rede pública de assistência à saúde, ajustando- se as necessidades epidemiológicas e requerimentos de cada localidade, de cada população. Pela primeira vez na história das políticas sociais brasileiras, uma política governamental incluiu o planejamento familiar entre suas tarefas. A noção, antes de controle, passa a ser de planejamento, com a participação efetiva da mulher. Porém, os poucos programas implementados foram insuficientes e muitas vezes incompletos, tanto no atendimento como no oferecimento dos diferentes métodos anticonceptivos. Em muitos casos, o acesso à informação e aos diferentes métodos de controle da prole estavam restritos ao fornecimento de pílulas anticoncepcionais orais, sem o devido acompanhamento médico e tinham as mulheres como o alvo principal de seus programas, ignorando a participação do homem no processo reprodutivo. No mesmo ano em que o PAISM foi concebido, em 1983, uma CPI foi criada com o objetivo de investigar os problemas vinculados ao aumento populacional brasileiro. No final, a Comissão Parlamentar de Inquérito chegou a quatro conclusões: 1 — a necessidade de 22 formação de uma atitude consciente coletiva: a da "paternidade responsável"; 2 — a identificação do "planejamento da prole" como sendo um direito humano, cabendo a decisão ao casal devidamente informado; 3 — a responsabilidade do Estado em fornecer tais informações, e os meios; 4 — a constatação de que tal responsabilidade ultrapassa os limites do Ministério da Saúde, devendo ficar a cargo de um Conselho Nacional de População e Planejamento Familiar, interministerial e vinculado diretamente A Presidência da República. 0 estranho, conforme coloca-nos SOBRINHO (1993), é que essas sugestões, bem como inúmeros parágrafos do relatório da CPI foram totalmente copiados de uma conferência pronunciada por Walter Rodrigues, diretor-executivo da BEMFAM, no ano anterior. Neste contexto, a pílula anticoncepcional e a esterilização cirúrgica feminina já eram os métodos anticonceptivos mais usados no pais. Os dados da BEMFAM citados por Sobrinho (1993), mostram que em 1986, das mulheres entre 15 e 44 anos, em união e usuárias de métodos anticonceptivos, 25,2% usavam a pílula anticoncepcional e 26,9% haviam optado pela esterilização cirúrgica. Em 1996, os dados indicam que a esterilização feminina correspondia a 57% do uso de métodos de anticoncepção, entre mulheres em união na faixa etária considerada, mostrando claramente urn declínio no uso dos métodos reversíveis. A esterilização cirúrgica, que era considerada ilegal, enquadrando-se no Artigo 129 do Código Penal, já vinha se difundindo no Brasil desde a década de setenta. A Lei Brasileira não proibia explicitamente a esterilização, mas proibia a mutilação física (Artigo 129 do Código Penal, Lesões Corporais) e a esterilização cirúrgica era considerada como uma lesão corporal em que ocorre a perda ou 23 inutilização de um membro, sentido ou função, portanto ilegal, passível de ser punida. MEDIC! (1995), coloca que a laqueadura, nas últimas décadas, passou a ser procurada no Brasil, em larga escala, pelas populações de baixa renda e chega a ser utilizada até mesmo, como moeda de troca política em tempos de eleição. Conforme o autor, dados de organismos internacionais revelam que os números de esterilização de mulheres, no Brasil, são quatro vezes superiores A média estabelecida nos países desenvolvidos. Ele relaciona a esterilização à ausência de políticas governamentais definidas para o planejamento familiar, levando 11 opção por soluções definitivas que nem sempre são as mais adequadas. 0 Instituto Nacional de Seguridade Social — INSS, não financiava a cirurgia, mas ela passou a ocorrer com uma freqüência cada vez maior, principalmente associada a partos cesários (Barroso, 1984). Essa pratica cirúrgica tem sido freqüentemente denunciada pela imprensa, como sendo indiscriminada, suscitando polêmicas. As criticas mais freqüentes denunciam que esta prática incide sobre as populaçõ es mais carentes como uma forma velada de controle populacional. MINELLA (1998), em estudo feito na cidade de Florianópolis, registra caso em que a esterilização foi realizada sem o consentimento da paciente. Trata-se de uma mulher com oito filhos, esterilizada aos quarenta anos. Segundo ela, "o médico contou da ligadura seis dias após a cesariana. Disse que eu não podia mais ter filhos. Ele disse: eu fechei a sua fábrica". A falta de regulamentação quanto A esterilização cirúrgica e seu uso gerou debates que colocaram a questão dos direitos reprodutivosem pauta. E, a partir de 1991, alguns parlamentares, em parceria com 24 movimentos organizados de mulheres, instauraram uma CPI da esterilização, que documentou os riscos para a saúde das mulheres face aos abusos dessa prática, conduzida de forma indiscriminada e clandestina. Essa situação se traduziu em um projeto de lei aprovado no Congresso Nacional —Lei 9263, de 12 de janeiro de 1996, que além de regulamentar o exercício dos direitos reprodutivos, dentro de uma visão de atendimento integral à saúde, proibindo a utilização de ações políticas para qualquer tipo de controle demográfico, regulamenta a esterilização no pais, prevendo a possibilidade de que mulheres e homens com pelo menos dois filhos vivos, ou com mais de 25 anos, independente do número de filhos, possam recorrer a hospitais públicos para solicitarem espontaneamente a esterilização. O artigo que trata da regulamentação da esterilização foi vetado pelo Executivo no dia 15 de janeiro de 1996. 0 presidente Fernando Henrique Cardoso baseou sua decisão em parecer jurídico que considera a esterilização uma "clara mutilação". A imprensa veiculou, na época, que o presidente afirmou ter cometido um erro ao vetar esse artigo e pediria que o Congresso derrubasse seu veto, o que só veio a acontecer em 14 de agosto de 1997. A partir da publicação no Diário Oficial da União, ocorrido no dia 27 de novembro de 1997, a rede pública de saúde deveria assumir a esterilização, preparando os Hospitais públicos para o cumprimento da Lei de Planejamento Familiar. Para tanto, os hospitais deveriam dispor de equipes multidisciplinares para aconselhar e desencorajar a esterilização precoce. A Lei proibe a esterilização de mulheres durante o parto ou aborto, "exceto nos casos de comprovada necessidade", como é o caso de cesarianas sucessivas. Também diz a Lei que é proibido exigir atestado de esterilização para qualquer fim. Quem 25 cometer este crime poderá sofrer pena de reclusão de um a dois anos e pagar multa. Ficou estabelecido ainda, que a cirurgia só pode ser feita pelo menos sessenta dias após a manifestação da vontade, registrada no prontuário do interessado e assinada pelo mesmo. Neste período, ele deve ser informado dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldade de reversão e opções de contracepção reversíveis. A manifestação da vontade não pode ser considerada válida se for assinada quando a pessoa interessada estiver bêbada, drogada, vivendo uma situação muito difícil de forma que seu estado emocional esteja alterado ou que esteja com problemas de saúde mental temporário ou permanente. Apesar de não implementar uma política oficial, mas permitir que instituições não governamentais aplicassem medidas de controle demográfico no Brasil, através de programas de planejamento familiar, chegamos ao ano de 2001 com 77% das mulheres casadas ou em união estável em idade fértil (de 15 a 49 anos), utilizando métodos contraceptivos, conforme consta no relatório "A Situação da População Mundial 2001", da ONU, publicado na Folha de São Paulo. E' a maior taxa das Américas do Sul e Central e semelhante As registradas em países desenvolvidos, como Estados Unidos (76%), Canadá (75%) e Suécia (78%). Segundo a mesma fonte, a alta taxa de mulheres que utilizam métodos contraceptivos no pais é uma das explicações para o fato de que a população no Brasil crescerá, até 2050, menos do que a de outros países populosos pobres ou em desenvolvimento. Com isso, o Brasil, que hoje é a quinta maior população do planeta, será na metade do século a oitava maior. O pais deverá ser ultrapassado por Paquistão, Nigéria e Bangladesh. 26 No caso da taxa de fecundidade, os censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE mostram que chegava a 4,5 filhos por mulher em 1980, passou para 3,5 em 1984, 2,7 em 1991 e 2,3 em 2000, devendo cair ainda mais e chegar, segundo a ONU, em 2,15 filhos por mulher em 2005. Conforme nos coloca SUPLICY (1999), pesquisas realizadas nos anos 90 mostraram que mesmo corn a acentuada queda da natalidade em todas as regiões do Brasil, a pobreza não diminuiu. RODRIGUES (1990), por sua vez, destaca que a queda da natalidade não está acompanhada por um crescimento econômico e um desenvolvimento das instituições políticas. Pelo contrário, continuamos com a concentração fundiária, a concentração de renda, saúde pública precária, déficit habitacional e alta taxa de analfabetismo, entre outros problemas. Denuncia ainda que, se as mulheres reduziram a sua fecundidade nos últimos anos, isto não ocorreu porque tivessem conseguido mais politização ou um melhor nível de participação no consumo e na circulação de informações, mas porque foram exauridas por uma crise econômica sem paralelo na história brasileira. Ainda conforme RODRIGUES (1990), a esterilização vem sendo encarada como uma fórmula simples e boa para resolver graves problemas, tornando-se uma panaceia especialmente para a mulher que se acha incapaz de controlar a sua fecundidade e, principalmente, para a sociedade que espera interferir na capacidade reprodutiva das mulheres pobres, sem que se tentem soluções para os outros problemas econômico-sociais apresentados como justificativa para a esterilização. 27 Assim, ela é prescrita quando: a mulher é doente, já tem vários filhos, é muito pobre, foi mãe ainda muito jovem, está com mais de 35 anos, tem baixo quociente intelectual, é promiscua, seu marido não coopera na contracepção etc. ou seja, corta-se radicalmente algo ruim, sem a preocupação, em qualquer momento, de resolver os problemas por eles mesmos. comum ouvir o argumento de que a esterilização é importante para resolver um problema social, entretanto, tal arranjo não toca em questões essenciais, pois a mulher, após a cirurgia, continua analfabeta, desnutrida, vivendo mal, dominada pelo marido e pelos patrões, enfim, continua vivendo miseravelmente. Após essa revisão bibliográfica sobre os diferentes discursos que perpassam a questão do planejamento familiar no pais, abordar-se-d, a seguir, o funcionamento do Programa de Planejamento Familiar no Hospital Universitário, destacando-se a atuação do Serviço Social, o fluxograma de atendimento e a demanda pelas cirurgias de esterilização definitiva. 2. PLANEJAMENTO FAMILIAR — A PRATICA 2.1. 0 Planejamento Familiar no Hospital Universitário Inaugurado em maio de 1980, o Hospital Universitário Professor Polydoro Hernani de São Thiago — HU, tem por finalidade promover a assistência, o ensino, a pesquisa e a extensão na área de saúde e afins, e prestar assistência à comunidade na area de saúde, em todos os níveis de complexidade, de forma universalizada e igualitária. Atende exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde — SUS, tendo uma Area física de 27.397,32 metros quadrados, com 282 leitos, sendo 37 não ativados. Seu corpo clinico é constituído de professores dos Departamentos do Centro de Ciências da Saúde que utilizam o HU como centro de ensino e de pesquisa; de médicos e demais profissionais da enfermagem, farmácia-bioquímica, nutrição, serviço social, odontologia, psicologia e engenharia biomédica, que possuem elevados indices de qualificação e titulação, aliados ao grande interesse na pesquisa e prática clinica, que conferem ao hospital força e prestigio social e comunitário. 29 A instituição vem sofrendo grande pressão em função da demanda de população que não consegue atendimento nos postos e unidades municipais/estaduais e que vê o HU como centro de atendimento público, gratuito e de elevado nível de competência técnica. Somente os atendimentos feitos através da emergência atingem a média de 400 pacientes/dia. Atualmente, o Hospital Universitário passa por algumas dificuldades impostas pela conjunturaatual. Tabelas de retribuição de serviços defasadas em relação aos custos operacionais, dificuldade de atualização de equipamentos e obras, racionalização de procedimentos e investimentos no treinamento de recursos humanos, em todos os níveis, tam se constituído em grande desafio para a instituição. O Serviço Social faz parte da equipe de saúde do HU desde a sua fundação, em 1980, procurando oferecer um atendimento capaz de contribuir para as reais demandas da sociedade, visando compreender o homem na sua totalidade, uma vez que a questão da doença não pode ser entendida de forma fragmentada. Suas funções principais são a prestação de serviços assistenciais concretos e a escuta qualificada, no sentido de decodificar anseios e angústias da população atendida no Hospital. Por outro lado, serve de ponte entre o usuário e a instituição, mediando a cultura dominante, a do saber médico, e a cultura popular, do senso comum, vivenciada pelo usuário. A formação do assistente social não é especifica na area da saúde, mas possibilita aos profissionais atuarem com competência nas diferentes dimensões da questão social, e, como tal, com habilidades de elaborar, implementar, coordenar e executar as políticas sociais, inclusive as de saúde. 30 0 Conselho Nacional da Saúde, através da Resolução CNS n° 218 de seis de março de 1997, reconheceu o assistente social, juntamente com outras categorias, como profissional de saúde de nível superior. Sobre o assunto, já havia, desde seis de junho de 1990, parecer do Conselho Federal de Serviço Social — CFESS, Associação Nacional de Assistentes Sociais — ANAS e Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social: "O Serviço Social se insere na equipe de saúde como profissional que articula o recorte social, tanto no sentido das formas de promoção, bem como das causalidades das formas de adoecer intervindo em todos os níveis dos programas de saúde. O Assistente Social como profissional de Saúde tem competência para atuar junto aos fenômenos socioculturais e econômicos que reduzem a eficiência da prestação dos serviços no setor, quer seja ao nível de promoção, prestação e/ou recuperação de saúde. O Assistente Social é, pois, um profissional de saúde que vem colaborar a posição que emerge da categoria — fruto de avanços obtidos na trajetória histórica da profissão, buscando a garantia da qualidade da prestação de serviços de saúde, numa perspectiva de universalidade e integralidade à população brasileira." Com nove profissionais, o Serviço Social está estruturado para atender as seguintes áreas do Hospital Universitário: • Internação: Clinicas Cirúrgicas I e II, UTI, Clinicas Masculinas I e II, Clinica Feminina, Pediatria, Ginecologia e Maternidade; • Ambulatório: Plantão e Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa, Ensino e Assistência Geronto- Geridtrica; 31 • Atenção a Patologias Especificas (diabéticos e renais); • Hemoterapia (Banco de Sangue); • Voluntariado; • Emergência; • Planejamento Familiar; • Comissão de Atendimento à Criança Vitima de Maus Tratos; • Núcleo DESENVOLVER. A inserção do Serviço Social nestes espaços decorre de duas ordens: uma interna resultante da divisão do trabalho entre os integrantes da equipe multiprofissional e outra da demanda da população atendida. Do programa de Planejamento Familiar no HU, implantado em maio de 1998 para atender a Lei 9263, fazem parte profissionais de serviço social, enfermagem e medicina, sendo que o serviço social trabalha com uma dimensão de assistência educativa, buscando promover o direito ao acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis, inclusive a esterilização cirúrgica, que garantam à mulher, ao homem ou ao casal, a decisão livre e consciente sobre o número de filhos que desejam ter. 0 fluxograma de atendimento na instituição prevê uma primeira consulta com médico, que encaminha o interessado ao Serviço Social para agendar palestra sobre saúde reprodutiva e métodos contraceptivos, apresentada quinzenalmente pela enfermagem e serviço social, informando sobre as várias formas de evitar a gravidez. 32 Após a participação na palestra, o candidato à esterilização passa por entrevista no Serviço Social. É o momento em que a assistente social busca, individualmente, levar o interessado a refletir sobre as conseqüências do procedimento cirúrgico, quanto à impossibilidade de uma nova gestação caso venha ocorrer h perda de um filho ou começo de um novo relacionamento, por exemplo. Na entrevista, busca-se discutir com cada pessoa o melhor método para ela impedir uma gravidez indesejada, sem prejudicar sua saúde nem tirar seu direito de escolha. A entrevista se faz fundamental, também, para identificar os casos prioritários, como maior número de filhos, problemas de saúde, idade, situação financeira, bem como para orientar quanto aos próximos passos no programa caso mantenha o interesse na esterilização. Depois da entrevista, o interessado marca retorno com médico. No retorno, o homem interessado em vasectomia irá agendar sua cirurgia, e a mulher que deseja laqueadura só então entrará para a lista de espera. O tempo médio de espera pela realização da cirurgia, contado a partir do retorno com o médico é de três meses para o homem e passa de um ano para a mulher, tendo sido registrados, inclusive, casos de nova gestação neste tempo de espera. Atualmente o Hospital Universitário realiza três esterilizações cirúrgicas femininas e quatro masculinas por semana. É a instituição que realiza o maior número de procedimentos através do SUS na Grande Florianópolis. No Hospital Regional São José, são realizadas seis laqueaduras e oito vasectomias por mês. Já o Hospital Florianópolis procede duas esterilizações cirúrgicas femininas por mês e duas masculinas por semana. Na Maternidade Carmela Dutra, o 33 número de atendimentos realizados varia de acordo corn as vagas no centro cirúrgico, não sendo possível fazer nenhuma estimativa. A partir do levantamento realizado pode-se dizer que, na Grande Florianópolis, são realizadas mensalmente pelo Sistema Único de Saúde 20 cirurgias para laqueadura tubária e 32 para vasectomia, o que representa 240 laqueaduras e 384 vasectomias por ano. Durante o ano de 2001, participaram de palestra do Planejamento Familiar no Hospital Universitário 611 pessoas, sendo 192 interessadas em laqueadura tubdria e 187 em vasectomia, sendo as outras 237 pessoas maridos/esposas dos inscritos, que também acompanharam a palestra. Esse resultado, que aparece em partes quase iguais entre homens e mulheres interessados na esterilização, contrap6e-se ao que rotineiramente se constata, que é a participação predominantemente feminina na anticoncepção. Pode ser uma indicação de mudança de atitude masculina quanto As re1aç6es de gênero na área da anticoncepção ou sugerir que a responsabilidade reprodutiva está começando a ser assumida pelos homens. Resgatado o contexto histórico do Planejamento Familiar no Brasil e abordado o funcionamento do Programa de Planejamento Familiar no Hospital Universitário de Florianópolis, o próximo capitulo aliará teoria e prática. Esclareceremos a metodologia adotada no decorrer da pesquisa, revelaremos os dados levantados para responder a questão investigada — a que necessidades vem respondendo a esterilização cirúrgica feminina — e, finalmente, a partir das teorias levantadas e das respostas dadas pelas mulheres pesquisadas, refletiremos sobre os resultados obtidos neste trabalho. 3. PLANEJAMENTO FAMILIAR: EXERCÍCO DE CIDADANIA OU FALTA DE OPÇÃO? 3.1. Percurso metodológico A pesquisa que realizamos junto ao Programa de Planejamento Familiar do Hospital Universitário e cujos resultados relatamos neste TCC, tem como objetivo compreender a que necessidadesvem respondendo o uso da esterilização definitiva feminina, ou sejal se prevalece na opção pela laqueadura tubária uma busca, por parte das mulheres, pela titularidade de direitos sexuais e reprodutivos, pelo controle da sexualidade, ou se esta escolha acontece a partir de circunstancias que elas enfrentam ao longo de suas vidas, para muitas afetadas pela pobreza. Realizada no Hospital Universitário, em Florianópolis, a pesquisa nasceu da constatação de uma repressão difusa que a sociedade vem fazendo a famílias numerosas. As criticas e censuras que se ouvem em relação as mães pobres, como se fossem elas as responsáveis pelos problemas sociais do pais, nos despertaram o interesse em conhecer os discursos que perpassam a questão da contracepção. 35 Inicialmente, elaborou-se uma revisão bibliográfica sobre o tema, resgatando desde discussões ocorridas a partir da década de sessenta, quando no Brasil começa o discurso que relaciona pobreza natalidade, até a publicação da Lei do Planejamento Familiar, em 1997, que regulamenta a esterilização cirúrgica no pais. Conforme CERVO e BERVIAN (1983), “qualquer espécie de pesquisa, em qualquer área, supõe e exige uma pesquisa bibliográfica prévia, quer para o levantamento da situação da questão, quer para a fundamentação teórica, ou ainda para justificar os limites e contribuições da própria pesquisa" A partir desta revisão bibliográfica, verificou-se a existência de duas visões distintas: uma que passa pela liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes se reproduzir e outra que denuncia ser a esterilização uma forma de renúncia à integridade como mulher. Consideramos então, necessária a reflexão quanto ao entendimento que as mulheres fazem de suas condições no momento da decisão por ligadura. Como nos coloca MANN (1979), espiar e escutar são duas tarefas primordiais do investigador social. Assim, a observação e a entrevista se fizeram instrumentos fundamentais para alcançar os objetivos propostos na pesquisa. Com relação à observação, acompanhei seis palestras sobre saúde reprodutiva e métodos contraceptivos, direcionada aos inscritos para esterilização definitiva. Registrou-se uma média de 56 pessoas, ou 28 casais em cada palestra. Assim, pudemos avaliar a qualidade da participação dos interessados na cirurgia e identificar as dúvidas mais freqüentes quanto ao procedimento. 36 E para finalmente compreender o que queriam as mulheres que naquele momento buscavam a esterilização, realizou-se entrevistas com as inscritas para cirurgia no Hospital Universitário. De um total de 192 mulheres que participaram no ano de 2001 de palestras na instituição sobre saúde reprodutiva e métodos contraceptivos (obrigatória para quem deseja se submeter à laqueadura), retirou-se uma amostra num percentual aproximado de 25%. ou seja, 50 mulheres. A opção pela entrevista como instrumento de pesquisa se deu porque a consideramos a técnica mais adequada na coleta dos dados pretendidos, especialmente os qualitativos. Conforme CHIZZOTTI (1991), "A entrevista é o procedimento mais usual no trabalho de campo. Através dela, o pesquisador busca obter informações contidas na fala dos atores sociais. Ela não significa uma conversa despretenciosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto da pesquisa, que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada." As entrevistas realizadas foram do tipo estruturada, ou seja, com perguntas previamente formuladas. Assim, para a coleta dos dados, elaborou-se um formulário com perguntas abertas, que têm uma livre resposta, de modo a registrar tanto aspectos ligados a variáveis sociais e econômicas quanto aspectos relacionados à percepção das entrevistadas acerca da esterilização cirúrgica. Assim, trata-se de um estudo quantitativo, por buscar dados objetivos e também qualitativo ou de opiniões, por buscar verificar como a realidade se apresenta a este determinado grupo de pessoas. Procurou-se registrar tão 37 cuidadosamente quanto possível os dados relatados, com o intuito de responder a questão de pesquisa. Os dados permitiram a construção do perfil das mulheres investigadas de modo a recuperar, em primeiro lugar, as informações objetivas relativas b. ocupação, idade, renda, nível de escolaridade e número de filhos. Em segundo lugar, foram resgatados os depoimentos que avaliaram os motivos da busca pela esterilização definitiva, conforme os depoimentos das inscritas para a cirurgia. Os dados quantitativos serão apresentados em forma de gráficos e tabelas, enquanto os qualitativos serão transcritos. Procurou-se proporcionar as entrevistadas a oportunidade de falar a partir da própria lógica, cuidando para não cair no senso comum e acabar reproduzindo o que se quer escutar. No decorrer deste estudo, a tarefa que se impõe é revelar de maneira mais precisa possível o que foi dito e, a partir dai, o que foi interpretado. 3.2. Perfil das mulheres que buscam a esterilização Durante a realização do estagio curricular obrigatório, foram acompanhadas seis palestras sobre saúde reprodutiva e métodos contraceptivos, destinadas aos inscritos para esterilização cirúrgica no Hospital Universitário e, no papel de observadora, pôde-se chegar a algumas considerações. Organizada pelo Serviço Social e apresentada pela equipe de enfermagem, as palestras tiveram como objetivo informar as pessoas 38 que desejavam submeter-se A. laqueadura tubária/vasectomia, sobre os diferentes métodos contraceptivos disponíveis como tabelinha, coito interrompido, temperatura basal, camisinha, diafragma, DIU, etc, além da própria esterilização cirúrgica, explicando as vantagens e desvantagens de cada método. A participação é obrigatória para qualquer um que pretenda submeter-se à cirurgia. Assinaram o livro de presença 78 pessoas no dia 27 de julho de 2001, 34 no dia 02 de agosto, 34 em 25 de outubro, 46 cm 30 de outubro e 62 ern 06 de dezembro do mesmo ano, além de 75 já em 28 de fevereiro de 2002, o que representou uma média de 56 pessoas por palestra. Cada uma durou aproximadamente duas horas, sempre no período da tarde. Como não tinham com quem deixar os filhos pequenos, muitos pais acabavam levando-os junto, especialmente crianças de colo, fator esse que muitas vezes acabava tirando a concentração do assunto que estava sendo tratado. Outro ponto prejudicial era o fato da palestra acontecer em horário de trabalho para boa parte dos participantes. Por diversas vezes as instrutoras foram questionadas neste sentido. Queriam saber a que horas terminaria a palestra, para poderem voltar logo a seus compromissos. A participação, desta forma, parece-nos apenas uma obrigação, sem um comprometimento efetivo em conhecer melhor o próprio corpo e os métodos contraceptivos existentes como alternativa cirurgia.Cabe destacar aqui, que não houve nenhum registro de desistência da esterilização após a participação nas palestras. Mas ao mesmo tempo, muitas mulheres demonstraram não ter claros os possíveis efeitos que a cirurgia para esterilização poderia causar. As dúvidas mais freqüentes, manifestadas pelas participantes, 39 eram quanto a possibilidade de ficarem frigidas, doentes, gordas ou ansiosas. A resposta do pessoal da enfermagem era de que não existiria nenhuma razão fisiológica para isso, e que somente o "fator psicológico" poderia influenciar neste sentido. E ainda, que sem a preocupação com a possibilidade de uma nova gravidez, a tendência seria das mulheres se sentirem mais tranqüilas e conseqüentemente mais à vontade em suas relações sexuais. Já o perfil das mulheres pesquisadas, foi construido tendo como base questões relativas à ocupação, faixa etária, nível de escolaridade, renda familiar, número de filhos,idade ao ter o primeiro filho e mçtodos contraceptivos já utilizados, como veremos a seguir. Considerando-se inicialmente a ocupação, entre as mulheres inscritas para laqueadura tubária, prevaleceu nitidamente as donas-de- casa (42%), verificando-se em segundo lugar as que trabalhavam como empregadas domésticas (16%), em terceiro as que atuavam como serventes (12%). 0 quarto maior percentual (10%) foi de mulheres que se encontravam desempregadas. Também registrou-se a procura por parte de comerciarias (8%), professoras (6%), manicures (4%) e garçonetes (2%). Quanto A. ocupação do companheiro, prevaleceu o setor informal, tendo-se verificado as seguintes ocupações: pedreiro, motorista, porteiro, servente, mecânico, jardineiro, ambulante, montador de móveis, comerciário e comissário de policia. 0 percentual de desempregados entre os companheiros das inscritas para laqueadura tubdria chegou a 16 por cento. 16% Tabela 1: ocupação 40 Ocupação Total Absoluto Total relativo Dona-de-casa 21 42% Empregada doméstica 8 16% Servente 6 12% Desempregada 5 10% Comerciaria 4 8% Professora 3 6% Manicure 2 4% Garçonete 1 2% TOTAL 50 100% Gráfico 1: Ocupação Ocupação 6% 4% 2% donas-de-casa • empregadas domésticas O serventes o desempregadas • come rcia rias O professoras • manicures o garçonetes Faixa etária 10% 18% 28% 20% 41 A faixa etária, entre as mulheres entrevistadas, variou de 19 a 45 anos, nos seguintes percentuais: 19 a 24 anos, 18%, 25 a 29 anos, 26%, 30 a 34 anos, 20%, 35 a 39 anos, 28 % e de 40 a 45 anos, 10%. Estudos demonstram que submeter-se à esterilização ainda jovem é um fator estatisticamente significativo associado ao arrependimento. Vieira (1998), em pesquisa realizada em Areas periféricas de São Paulo, estimou que 65% das mulheres que se arrependeram foram esterilizadas antes dos 28 anos. Nessa faixa de idade, encontravam-se aproximadamente 40% das entrevistadas inscritas para realização de laqueadura no Hospital Universitário. Tabela 2: Faixa etária Faixa etária 19 a 24 anos 25 a 29 anos 30 a 34 anos 35 a 39 anos 40 a 45 anos TOTAL Total Absoluto Total relativo 9 18% 1 :3 26% 10 20% 14 28% 5 10% 50 100% Gráfico 2: Faixa etária 019 a 24 anos I II 25 a 29 anos 0 30 a 34 anos 035 a 39 anos •40 a 45 anos 42 Quanto ao nível de escolaridade das mulheres, 84% não passaram do primeiro grau, sendo que destas 34% freqüentaram a escola apenas no ensino fundamental, de primeira a quarta série, e as 50% restantes ficaram entre a quinta e oitava séries. Apenas dez por cento concluíram o segundo grau e seis por cento chegaram a obter graduação em nível superior. Tabela 3: Nível de escolaridade Nível de escolaridade Total Absoluto Total relativo la a 4' série 17 34% 5' a 8' série S 50% 2° grau 5 10% 3° grau 3 6% TOTAL 50 100% Gráfico 3: Nível de escolaridade Nível de escolaridade 10% 34% 50% El la a 4 série • 5a a 8' série 020 grau 03° grau 43 0 nível de escolaridade dos companheiros acompanhou, em termos gerais, o das mulheres. Assim, 32% deles tinham cursado apenas o ensino fundamental, 48% pararam de estudar entre a quinta e a oitava séries, 18% completaram o segundo grau e outros 2% concluíram o terceiro grau. Tabela 4: Nível de escolaridade dos companheiros Nível de escolaridade Total Absoluto Total relativo la a 4 8 série 16 32% 5 8 a 8 8 série 24 50% 2° grau 9 18% 3° grau 1 6% TOTAL 50 100% Gráfico 4: Nível de escolaridade dos companheiros Nível de escolaridade dos companheiros 18% 2% 32% 48% Ol a a 4a série • 5a a 8a série 02° grau I 03° grau 44 Sobre o rendimento mensal do grupo familiar, 34% das entrevistadas declararam que a renda da família chega a no máximo dois salários mínimos. Outras 32% conseguem renda de até quatro salários mínimos mensais. Quatorze por cento informaram estar sem nenhuma renda quando da entrevista, vivendo com auxilio de suas famílias de origem, comunidade e programas sociais. Dez por cento apresentou renda familiar de até cinco salários mínimos e outros 10 % acima de cinco salários. Tabela 5: Renda familiar Renda familiar Total Absoluto Total relativo Até 2 salários mínimos 17 34% Até 4 salários mínimos 16 32% Até 5 salários mínimos 5 10% Acima de 5 salários 5 10% Nenhuma renda 7 14% TOTAL 50 100% Gráfico 5: Renda familiar Renda familiar 14% "11.1111034% 10%■__ Iff 10% 32% Até 2 salários minimos O Até 4 salários mínimos DAté 5 salários mínimos Acima de 5 salários minimos DI Sem rendimentos 1:1Um filho Dois filhos O Três filhos o Quatro filhos • Acima de quatro filhos 16% 14% 16% 22% 32% 45 Com relação ao número de filhos, entre as mulheres entrevistadas o maior percentual, 32%, foi de três filhos, 22% tinham dois filhos, 16% quatro filhos e 14% apenas um filho quando da opção pela esterilização. Os 16% restantes são de mulheres com cinco filhos ou mais. 0 número de filhos seria menor caso as mulheres tivessem maior conhecimento sobre os métodos anticonceptivos, já que 28% das entrevistadas disseram ter passado por gestações não desejadas, apesar desta pergunta não ter sido feita a elas. Entre as entrevistadas, 22% estavam grávidas quando se inscreveram no programa de Planejamento Familiar desejando se submeter à laqueadura tubdria. Tabela 6: Número de filhos Número de filhos Total Absoluto Total relativo Um filho 7 14% Dois filhos 11 22% Três filhos 16 32% Quatro filhos 8 16% Acima de quatro filhos 8 16% TOTAL 50 100% Gráfico 6: Número de filhos Número de filhos 46 Um fator importante constatado durante as entrevistas diz respeito A idade em que as interessadas na esterilização definitiva tiveram seus primeiros filhos. Das entrevistadas, 28% haviam se tornado mães ainda na adolescência — período compreendido entre os 12 e os 18 anos de idade, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA. É o caso de Ana Paula, que teve seu primeiro filho aos 14 anos. Quando da entrevista, aos 19 anos, já era mãe de três filhos, sendo que havia passado ainda por dois abortos. Tendo estudado até a terceira série do ensino fundamental, não trabalha e mora na casa de sua mãe, juntamente com outros seis irmãos. Disse nunca ter usado nenhum método contraceptivo, revelando outro aspecto que é a desinformação. Conforme os dados levantados, 10% das entrevistadas tiveram seu primeiro filho entre os 14 e 16 anos de idade, 28% entre 17 e 19 anos, 38% entre os 20 e os 22 anos. Outras 14% das mulheres pesquisadas se tornaram mães entre os 23 e os 25 anos, 6% de 26 a 28 anos e 4% acima de 28 anos de idade. Tabela 7: idade ao ter o primeiro filho Idade ao ter 10 filho Total Absoluto Total relativo 14 a 16 anos 5 10% 17 a 19 anos 14 28% 20 a 22 anos 19 38% 23 a 25 anos 7 14% 26 a 28 anos 3 6% Acima de 28 anos 2 4% TOTAL 50 100% Idade ao ter o primeiro filho 014 a 16 anos 0 17 a 19 anos 020 a 22 anos 0 23 a 25 anos ill 26 a 28 anos O acima de 28 anos 6% 4% 10% 28% 38% Gráfico 7: idade ao ter o primeiro filho Como Ana Paula, 6% das mulheres entrevistadas disseram nunca ter utilizado nenhum método para evitar uma gravidez indesejada. A pílula prevaleceu como método contraceptivo mais usado, tendo sido adotada por 58% das mulheres, sendo que duas disseram ter engravidado mesmo tomando pílula; 14% já utilizaram camisinha; 12% colocaram dispositivo intra-uterino — DIU, havendo também dois casos em que mulheres disseram ter engravidado usando o método. Foram citados ainda o coito interrompido (6%) e a tabelinha (4%). Estes dados demonstram que o conhecimento e a prática de métodos contraceptivosnaturais ou de barreira são limitados. 47 Tabela 8: Métodos contraceptivos já utilizados Método Total Absoluto Total relativo Pílula 29 58% Camisinha 7 14% DIU 6 12% Coito interrompido 3 6% Tabelinha 2 4% Nenhum 3 6% TOTAL 50 100% Gráfico 8: Métodos contraceptivos já utilizados Métodos já utilizados 4% 0 Pílula 6% , 6% • Camisinha 12% . I O DIU 58% 0 Coito interrompido 14% • Tabelinha O Nenhum Inobstante o uso dos métodos, o número de abortos que as mulheres declararam ter tido foi alto, chegando ao percentual de 42%. Não foi possível verificar se os mesmos foram espontâneos ou provocados, mas há indícios, pela fala de algumas mulheres, que 48 49 muitos deles tenham sido provocados, como Teresinha, de 36 anos, que disse estar gravida por não ter tido coragem de abortar novamente. As respostas relativas ao porquê da esterilização , que a nosso entender constituem a parte substancialmente mais significativa deste estudo, serão apresentadas a seguir. Além de levantar dados sócio- econômicos, durante a entrevista com cinqüenta inscritas para realização de laqueadura tubdria, perguntou-se sobre os motivos que as levaram à opção pela esterilização, como sera relatado. 3.3 Desvelando motivos da busca pela esterilização Dentre os motivos que levaram as mulheres entrevistadas nesse estudo a optarem pela esterilização definitiva, destacaram-se claramente as preocupações com dificuldades financeiras, sendo que. de 50 mulheres, 32 levantaram esta questão. Como não se tratava de uma pergunta fechada, geralmente mais de uma resposta era dada. Assim, também apareceram como motivos para cirurgia de laqueadura tubária: desejo de dar atenção e condições adequadas aos filhos que já têm (10); preocupação com a situação difícil em que se encontra o mundo, com muita violência e drogas (10); falta de condições emocionais para ter mais filhos (8); necessidade de trabalhar, não tendo com quem deixar as crianças (8). Sentimento de sobrecarga no cuidado com os filhos (7); vontade de parar com a pílula (6); problemas de saúde (5); planos de voltar a estudar (2); sofre violência por parte do marido (1); não tem tempo (1), e quer ter uma vida sexual tranqüila, sem o risco de engravidar (1). Na tabela e no gráfico a seguir, é possível visualizarmos melhor a freqüência de cada resposta. 50 Tabela 9: Motivação para a cirurgia Motivo Total Absoluto Total relativo Dificuldades financeiras 32 64% Vontade de oferecer condições melhores aos filhos que já têm 10 20% Preocupação com violência e drogas 10 20% Falta de condições emocionais 8 16% Necessidade de trabalhar e não ter com quem deixar os filhos 7 14% Sentimento de sobrecarga 7 14% Vontade de parar com a pílula 6 12% Problemas de saúde 5 10% Pianos para voltar a estudar 2 4% Marido violento 1 2% Falta de tempo para filhos 1 2% Quer vida sexual tranqüila, sem o risco de engravidar 1 2% 35 30 25 20 - 15 - 10 5 - o- F ad e In c on d lO e s em oc io ne is Gráfico 9: Motivação para a cirurgia 5 1 II II II III mor am, air ow N i 5 i 1 2 p Is t f i ; 2 -8 'e a E i 5 E § a k i :4 g S li : 1 ti g i S i rr f .1 g 1 g Tendo em vista o objetivo deste trabalho, considera-se oportuno relatar a seguir alguns depoimentos, resgatando aspectos relativos motivação para a esterilização cirúrgica. Mabel tem 35 anos, concluiu o segundo grau, é manicure, mãe de três filhos. Sobre sua decisão acerca da laqueadura, comenta: "nit° tenho condições de sustentar mais filhos; filho e muito bom, mas dá 52 muito gasto; minha mile teve quinze filhos, enteio tenho medo só de pensar em engravidar de novo, mesmo tomando anticoncepcional". Roseli, de 34 anos, cursou até a oitava série, dona-de-casa, gravida do quarto filho, a respeito da intençao de se esterilizar afirma: "não posso tomar anticoncepcional, meu marido não gosta de camisinha, não quer ouvir falar em vasectomia, engravidei com a tabelinha e entrei em depressão por causa disso, não queria ter mais filhos". Simone tem 28 anos, estudou até a quarta série, trabalha como doméstica e esta esperando o segundo filho. Diz que "nossa intenção era ter s6 um filho, mas acabei engravidando"... "eu e meu marido já não tivemos estudo. Quero que meus filhos possam ter. É Inuit() difícil conseguir um trabalho melhor sem estudo"... "fazer filho é difícil é dar condições a eles". Fatima de 30 anos, curso até a oitava série, é servente, tem dois filhos. Quer fazer a laqueadura porque: "me preocupo bastante em como dar estudo para os filhos; onde estuda um não estudam dois- . Ela é de uma família de nove filhos e considera que "se fossem menos poderia ter estudado mais, completado o segundo grau, conseguido um emprego melhor". Nelma, com 22 anos, estudou até a quarta série; dona-de-casa, mde de três filhos, teve o primeiro aos 16 anos, renda familiar de 1,5 salário mínimo por mês, relata que "não consigo dar nem sequer o básico aos filhos que já tenho, nem imagino se engravidasse de novo...". Janaina, de 19 anos, cursou até a quarta série, é dona-de-casa e tem dois filhos. Quer fazer a cirurgia porque 'não vou dar conta se 53 liver mais filhos, preciso trabalhar e não tenho com quem deixar as crianças, não tenho conseguido praticamente nem sair de casa por causa dos filhos, eles tem limitado minha vida". Maria, de 32 anos, estudou até a quinta série, dona-de-casa, grávida do quarto filho, não quer mais ter filhos porque "i muita coisa para se preocupar, o custo de vida esta cada vez mais alto, então quero fechar a fábrica". Eliane tem 31 anos, cursou somente o primeiro ano do ensino fundamental, é comerciaria, tem cinco filhos e, segundo ela, "não tenho condigiies financeiras nem emocionais para ter mais filhos, tenho que batalhar muito para sustentar a casa e não consigo dar atenção aos filhos". Terezinha. 36 anos, concluiu o primeiro grau, está desempregada, seu último trabalho foi como dama-de-companhia de uma idosa. Grávida do terceiro filho, diz que "já .fiz dois abortos porque não queria ter engravidado, desta vez não tive coragem de abortar novamente, não quero ter mais filhos, vou ficar mais segura fazendo a cirurgia, vivo de favor na casa de uma amiga, depois do parto quero voltar a trabalhar para poder ficar de novo com as duas outras filhas; elas estão com meu ex-marido, mas sei que não estão bem cuidadas; esta gravidez não era esperada, hoje em dia é loucura ter mais filhos; vou ficar tranqüila por não ter mais risco de engravidar". Adriana tem 27 anos, estudou até a segunda série, está desempregada e tem cinco filhos. Relata que não recebe nenhum auxilio financeiro do ex-marido , tendo sobrevivido graças ao auxilio dos vizinhos, que ajudam com a alimentação. "Eu e meu marido já nos separamos e reatamos algumas vezes. Tenho medo de me acertar com ele e acabar engravidando novamente". 54 Geovana, 31 anos, estudou até a quinta série, dona-de-casa, tem três filhos. Ela diz que "nil() tenho condições de ter mais filhos. A vida já está muito dura, com mais filhos seria ainda mais difícil sobreviver, hoje é complicado garantir até o básico e na medida que os filhos vão crescendo vão aumentando também suas necessidades". Com relação aos métodos contraceptivos disponíveis, Geovana relata que "acho o anticoncepcional (pílula) prejudicial e o posto de saúde nem sempre tem camisinha para dar. Como não quero mais filhos prefiro ligar e não ler mais preocupação com isso". Lúcia, de 30 anos, cursou até a segunda série, trabalha como doméstica, tem três filhos. Para ela "no mundo como está, com tantas drogas e violência, é difícil pensar em ter filhos; em casa você ensina as coisas, mas na rua as influências são perigosas, não se sabe comovai ser". Além disso "já é muito difícil dar aos filhos as coisas que eles precisam, com mais filhos a situação seria ainda pior". Janice, aos 32 anos, freqüentou até a sexta série, trabalha como servente e é mãe de quatro filhos. Apesar de ser casada, diz "me sinto sozinha cuidando dos quatro filhos, fico sempre dependendo da creche para poder trabalhar." Vanda, de 44 anos, estudou até a terceira série, dona-de-casa, mãe de três filhos, o mais novo com pouco mais de um mês quando da entrevista, contou que "engravidei com o DIU; estou com problemas sérios de depressão e stress, estou muito tensa com a situação; quase não durmo, a noite porque o neném acorda, e de dia por que tenho que cuidar da casa"... "por causa da gravidez, tive que deixar de trabalhar e as condições financeiras que já não eram boas, ficaram ainda piores". 55 Andréa, 31 anos, está cursando o segundo grau, desempregada, tem dois filhos. Disse que está já há três anos tentando fazer a laqueadura e considera que "não adianta ter filhos e ficar sofrendo". Ela vem de uma família com dezesseis irmãos, o que fez que passassem por privações. Para ela "se tiver mais filhos, vai ficar ainda mais difícil conseguir um emprego". Alessandra tem 31 anos, fez curso superior e é professora de línguas, tem quatro filhos. Sobre a decisão de fazer a laqueadura, comenta que foi motivada por "tempo e dinheiro, pois é muito caro criar um filho dando uma boa educação, ocupa muito tempo, exige muita disponibilidade; filhos exigem demais, todos querem atenção ao mesmo tempo, trabalho fora, sustento a casa, meu marido não está trabalhando fora então é ele quem tem cuidado das crianças, faz almoço, del banho, leva para a escola". Márcia tem 27 anos, está cursando a sétima série, trabalha como servente em uma creche, tem quatro filhos e, com a cirurgia "espero me fortalecer, me sentir mais segura. Tenho me anulado como pessoa, meu marido é violento, usuário de drogas, muitas vezes chega em casa às cinco da manhã e tenho que transar com ele; ter mais filhos tornaria a situação mais difícil de suportar, ele ameaça me matar se for embora". A análise do perfil das mulheres inscritas para realização de laqueadura tubiria no Hospital Universitário e suas percepções acerca da cirurgia permitem afirmar que a opção pela esterilização definitiva não tem passado pela busca de titularidade de direitos sexuais e reprodutivos, mas ocorre, em grande medida, dentro de um conjunto de circunstancias que elas se sentem impotentes para alterar, dai a opção pela cirurgia. 56 Ao se considerar a vontade das mulheres de não mais engravidar, ha que se contextualizar suas condições de vida e principalmente sua capacidade de autonomia em relação à existência de outros interesses. As razões que têm levado à solicitação voluntária da esterilização, considerada por muitos autores como uma lesão, como forma de não engravidar, transcende o âmbito individual. CARNEIRO e WERNEWCK (1992) já colocavam que em diversos graus e modos, mulheres em diferentes países, ocupações, classes, raças, idades e situações conjugais encontram suas decisões reprodutivas estruturadas por um conjunto de condições sobre as quais têm muito pouco controle. Para elas, o argumento de que as mulheres pedem a ligadura é de inspiração liberal. Na base deste modelo está a noção de que os serviços e produtos do planejamento familiar, como qualquer outra mercadoria, circula livremente no mercado sujeito as leis de oferta e procura, que são adquiridos voluntariamente por consumidores que agem com base em suas preferências pessoais e que as escolhas feitas pelos consumidores são sempre a verdadeira expressão de seus desejos. Pois bem, analisando os dados apurados no estudo, foi possível relacionar, primeiramente, os níveis de escolaridade ao tipo de ocupação e salário dos casais. Com pouca instrução, a maioria trabalha em atividades que não exigem muita qualificação e consequentemente oferecem pequena remuneração. Entre as mulheres inscritas para a laqueadura tubária, 34% não passou sequer do ensino fundamental e, entre seus companheiros, 32% têm no máximo quatro anos de estudo. Concomitantemente, verificou-se uma renda familiar que, em 34% dos casos não passa de dois salários mínimos mensais. 57 Esses dados refletem a situação do pais. Números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD, realizada pelo IBGE em 1999 mostram que, em média, o brasileiro tem 5,7 anos de estudo. Quanto ao rendimento médio mensal familiar, a mesma pesquisa indica que, no Brasil, 27,6% das famílias ganham no máximo dois salários minimos. As perspectivas de melhores condições de trabalho e renda para essas pessoas são difíceis de visualizar. Pelo contrário, matéria publicada em edição especial da revista Veja em maio de 2002 mostra que estudar cinco anos apenas, algo muito comum no Brasil, não garante emprego a ninguém. Conforme a matéria, a taxa de escolaridade média de quem está empregado subiu e isso exige que os candidatos a uma vaga estudem mais. Outro dado igualmente importante é que subiu também a taxa de escolaridade dos desempregados. Ainda segundo a Veja, cerca de dois milhões de postos de trabalho foram fechados na última década no pais e metade dos jovens que chegaram ao mercado de trabalho na década de 90 não encontrou uma vaga. Aliás, o desemprego é um dos fatores que se faz presente na vida de muitas mulheres que estão buscando espontaneamente a esterilização. 0 presente estudo revela que, entre as entrevistadas, 10% estavam desempregadas. Entre seus companheiros, o percentual chegou a 16%. Sem renda, usam de diferentes estratégias de sobrevivência, como recorrer à assistência governamental ou ajuda de parentes e vizinhos. Essa situação atinge atualmente milhões de brasileiros que não têm sequer o poder de adquirir os bens necessários para satisfazer suas reais demandas e, como colocam CARNEIRO e WERNECK (1992), não adquiriram ainda o direito de existir! 58 Cabe colocar aqui o mito da cultura da pobreza, segundo o qual os pobres não melhoram suas condições de vida porque não querem. Conforme ABRANCHES (1987), "Não melhoram porq ue as oportunidades para fazê-lo são menos acessíveis a eles, pobres, e porque não lhes sobra tempo e espaço para acumular, ainda que gratuitamente, os recursos necessários para alcançar melhores condições de vida. Para sobreviver, consomem mais horas trabalhando ou em busca de qualquer trabalho, horas que são subtraidas à educação, à busca de melhores opções de trabalho e renda, aos cuidados com a saúde, ao exercício da criatividade, à op cão política e ao lazer. Forçados a tal sobrecarga. e de tantos modos desgastantes, para a qual mobilizam toda a família — os adultos inte gras, os inválidos, os velhos e as crianças — são impotentes diante das imposições da necessidade, que lhes retiram toda liberdade: não deixam escolha." Diante destas dificuldades, boa parte das mulheres entrevistadas manifestou a vontade de dar condições de vida a seus filhos diferentes das que possuem. Uma das maiores preocupações neste sentido é de garantir que os filhos tenham estudo e assim possam conseguir trabalhar em atividades que ofereçam uma melhor remuneração. Para isso, consideram necess4rio limitar o número de nascimentos. Assim, a necessidade de não ter mais filhos é respaldada pela vontade de criar melhor os filhos. Oferecer aos filhos condições mais dignas é satisfazer a si mesmas. Como vimos, a busca pela esterilização tem ocorrido predominantemente por mulheres de baixa renda, so bretudo donas-de- casa, com reduzido nível de escolaridade e poucas informações sobre métodos contraceptivos. As que estão no mercado de trabalho, em sua maioria, desenvolve atividades que não exigem muita qualificação,
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