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PLANEJAMENTO FAMILIAR

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA 
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO 
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL 
PLANEJAMENTO FAMILIAR: 
LIBERDADE DE ESCOLHA OU FALTA DE OPÇÃO? 
ANALISE DE UMA EXPERIÊNCIA NO HU/SC 
DANIELA LUIZA MARCHEZAN 
FLORIANÓPOLIS, 2002. 
DANIELA LUIZA MARCHEZAN 
PLANEJAMENTO FAMILIAR: 
LIBERDADE DE ESCOLHA OU FALTA DE OPÇÃO? 
ANALISE DE UMA EXPERIÊNCIA NO HU/SC 
Trabalho de Conclusão de Curso 
apresentado ao Departamento de 
Serviço Social da Universidade 
Federal de Santa Catarina, para 
obtenção do titulo de Bacharel em 
Serviço Social, orientado pela 
Professora Heloisa Maria José de 
Oliveira. 
FLORIANÓPOLIS, 2002. 
DANIELA LUIZA MARCHEZAN 
PLANEJAMENTO FAMILIAR: 
LIBERDADE DE ESCOLHA OU FALTA DE OPÇÃO? 
ANALISE DE UMA EXPERIÊNCIA NO HU/SC 
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para a 
obtenção do titulo de Bacharel em Serviço Social. 
BANCA EXAMINADORA 
Professora Heloisa Maria Jose de Oliveira, Dra. 
Presidente 
Rosilda Machado da Silva 
Chefe Serviço Social - HU 
Assistente Social 
Jucilia Vieira de Castro 
Professora UFSC 
Assistente Social 
FLORIANÓPOLIS, SETEMBRO 2002. 
Prof. 	Matys Costa 
Chafe cio ePt 	e Servo Socipl 
CSE Fsc 
AGRADECIMENTOS 
Inicialmente, agradeço a Deus, pela vida e 
por todas as bênçãos recebidas... 
A minha família, em especial à minha querida 
Alde porque sem ela, no mínimo e com certeza, este 
trabalho não se realizaria... 
Ao meu sempre companheiro Afonso, pela 
paciência e carinho, sempre... 
A minha filha Cláudia, agora razão de minha 
existência... 
A professora Heloisa, pelos ensinamentos 
preciosos e orientações para a consecução deste. 
A equipe de assistentes sociais do Hospital 
Universitário, pela amizade, convivência e 
ensinamentos prestados... 
E ás pessoas que procuraram o Serviço do 
Hospital, porque sem elas este estudo não teria 
razão... 
SUMARIO 
Lista de Tabelas 	 4 
Lista de Gráficos 	 5 
INTRODUÇÃO 	 6 
1. PLANEJAMENTO FAMILIAR — A TEORIA 	 11 
1.1. 0 Planejamento Familiar no contexto da saúde reprodutiva 	11 
1.2. A dimensão histórica do Planejamento Familiar no Brasil 	15 
2. PLANEJAMENTO FAMILIAR — A PRATICA 	 28 
2.1. 0 Planejamento Familiar no Hospital Universitário 	28 
3. PLANEJAMENTO FAMILIAR: EXERCÍCIO DE ESCOLHA OU 
FALTA DE OPCA09 	 34 
3.1. Percurso metodológico 	 34 
3.2. Perfil das mulheres que buscam a esterilização 	 37 
3.3 Desvelando motivos da busca pela esterilização 	 49 
CONCLUSÃO 	 63 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRARICAS 	 67 
LISTA DE TABELAS 
Tabela 1: Ocupação 	 40 
Tabela 2: Faixa etária 	 41 
Tabela 3: Nível de escolaridade 	 42 
Tabela 4: Nível de escolaridade dos companheiros 	 43 
Tabela 5: Renda familiar 	 44 
Tabela 6: Número de filhos 	 45 
Tabela 7: Idade ao ter o primeiro filho 	 46 
Tabela 8: Métodos contraceptivos já utilizados 	 48 
Tabela 9: Motivação para a cirurgia 	 50 
LISTA DE GRÁFICOS 
Gráfico 1: Ocupação 	 40 
Gráfico 2: Faixa etária 	 41 
Gráfico 3: Nível de escolaridade 	 42 
Gráfico 4: Nível de escolaridade do companheiro 	 43 
Gráfico 5: Renda familiar 	 44 
Gráfico 6: Número de filhos 	 45 
Gráfico 7: Idade ao ter o primeiro filho 	 47 
Gráfico 8: Métodos contraceptivos já utilizados 	 48 
Gráfico 9: Motivação para a cirurgia 	 51 
INTRODUÇÃO 
0 presente trabalho é resultante da experiência vivenciada no 
Estágio Curricular realizado de agosto de 2001 a março de 2002 no 
setor de Serviço Social do Hospital Universitário, no programa de 
Planejamento Familiar, e se constitui em requisito final para conclusão 
do curso e obtenção do titulo de bacharel em Serviço Social pela 
Universidade Federal de Santa Catarina. 
0 interesse em abordar o Planejamento Familiar, mais 
especificamente a demanda por cirurgias de esterilização definitiva, 
objeto de intervenção durante o estágio, surgiu com a verificação da 
existência de preconceitos e avaliações negativas sobre a fecundidade 
da população de baixa renda que aparecem, freqüentemente, na 
imprensa, no discurso médico e nas representações de cidadãos 
comuns. 
Além disso, o Planejamento Familiar sempre foi assunto polêmico 
e gerador de grandes debates, o que despertou o interesse em 
compreendê-lo e abordá-lo. De um lado, coloca-se o Planejamento 
Familiar como liberdade, direito e responsabilidade dos indivíduos, 
cabendo ao Estado o resguardo deste direito com ações neutras e não 
7 
intervencionistas e ainda a prestação de informações e serviços, 
respeitando a liberdade de decisão. 
De outro lado, há os que afirmam ser o Planejamento Familiar um 
instrumento politico-ideológico, tendo estreita ligação com o capital, 
que pretende atrofiar a capacidade reprodutiva da classe trabalhadora 
para reduzir despesas do sistema produtivo com a maternidade e para 
que as elites não sejam submersas demograficamente por um setor 
marginal da sociedade. 
No Brasil, os debates em torno da questão iniciaram na década de 
sessenta, quando começa, especialmente por parte da elite brasileira e 
do setor médico, o discurso que relaciona pobreza à natalidade e que 
defende intervenções para redução do ritmo do crescimento 
demográfico como condição para o crescimento econômico e 
desenvolvimento do pais. Houve grande resistência a este discurso, 
principalmente por parte da Igreja, por motivos morais e de partidos 
politicos de esquerda, que percebiam naquela posição uma 
manifestação capitalista. 
Enquanto o governo não tomava nenhuma posição, veio o controle 
populacional de fora para dentro, financiado por organismos 
internacionais e implantado pelas clinicas de planejamento familiar. 
Principalmente nos anos 70 e 80, esses serviços se multiplicaram, com 
o treinamento de profissionais e a realização de convênios com 
empresas, sindicatos, prefeituras. 
Acreditava-se que quanto maior a população, maior seria a 
barreira para o desenvolvimento e maior a chance de tensão social. Por 
mais radicais que essas teses pareçam, o aumento do número de pobres 
era considerado urna ameaça que precisava ser controlada. Através de 
clinicas com serviços de planejamento familiar, passou-se então, a 
8 
distribuir pílulas e fazer laqueaduras, sendo esses, ainda hoje, os 
métodos contraceptivos mais utilizados. 
A partir de 1975 as mulheres passaram a se manifestar, com o 
surgimento dos primeiros grupos feministas, originando um novo 
discurso baseado no direito à saúde e na autonomia das mulheres e dos 
casais e na definição do tamanho da família. 
O direito ao Planejamento Familiar veio explicito na Constituição 
Federal de 1988, no parágrafo 7 0 do artigo 226. Entre as diretrizes 
figura a liberdade de decisão do casal e a responsabilidade do Estado 
ern prover recursos educacionais e científicos para o exercício desse 
direito. 0 artigo Constitucional foi regulamentado apenas em 1996, 
pela Lei 9.263, publicada no Diário Oficial da União em novembro de 
1997. 
No Hospital Universitário em Florianópolis/SC, o programa de 
Planejamento Familiar foi implantado em maio de 1998. 
Particularmente, a pi-Mica de estagio no local possibilitou-nos o 
contato direto com mulheres que buscavam atendimento no programa, 
interessadas em se submeter a cirurgias para esterilização definitiva — 
a "laqueadura tubdria". 
Neste contato, procurou-se compreender as motivações para tal 
desiderato. Foi estruturado um projeto de pesquisa com o propósito de 
verificar, a partir da fala das próprias interessadas, se prevalece, nesta 
opção pela anticoncepçâo definitiva, uma busca pela titularidade de 
direitos sexuais e reprodutivos, pelo controle da sexualidade ou se esta 
escolha acontece a partir de circunstâncias que enfrentam ao longo de 
suas vidas, para muitas afetadas pela pobreza. 
9 
Para responder a essa questão, foram utilizados como 
procedimentos metodológicos a pesquisa bibliográfica para um 
conhecimento prévio do assunto, a observação e a pesquisaquantitativa/qualitativa, tendo como instrumento a entrevista e como 
sujeitos as pessoas inscritas no programa. No total, foram cinqüenta 
entrevistas a mulheres interessadas em laqueadura tubária. Salienta-se 
que não foram colocados os nomes completos e demais qualificadores 
das pessoas entrevistadas por motivos éticos de preservação de 
identidade. 
Não se pretende, aqui, esgotar a discussão, mas contribuir 
fazendo um resgate histórico que possibilite a compreensão dos 
caminhos que levaram à implantação do Planejamento Familiar no 
Brasil e refletir sobre as motivações que tern levado tantas mulheres 
opção pela esterilização cirúrgica quando há uma série de outros 
métodos não definitivos disponíveis. 
Em relação à estruiura, o trabalho apresentará, no primeiro 
capitulo, para uma melhor compreensão, conceitos relativos ao tema, 
como saúde reprodutiva, direitos reprodutivos e planejamento familiar, 
entre outros, bem como um histórico dos discursos que perpassaram a 
implantação do Planejamento Familiar no Brasil. Não faremos aqui 
considerações sobre relações de gênero desiguais, conjuntura 
econômica ou contexto social, mas reconhecemos que a discussão dos 
temas está relacionada a esse debate, ai inserida a política de saúde. 
Privilegiaremos no primeiro capitulo a análise da história da ideologia 
controlista e anticontrolista no pais, procurando entender os fatores 
que tem levado tantas mulheres a interromper seu direito à opção de 
ter mais filhos. No segundo capitulo, abordaremos o funcionamento do 
programa no Hospital Universitário em Florianópolis e, por fim, no 
terceiro capitulo, traremos os resultados das entrevistas realizadas 
com mulheres atendidas no HU no período de estágio, que optaram 
pela esterilização definitiva. Nesse capitulo, faremos inicialmente 
algumas considerações a partir das observações realizadas em 
palestras sobre saúde reprodutiva e métodos contraceptivos, para 
depois revelar o perfil das inscritas para realização da laqueadura e 
suas falas a respeito. Esse conjunto de informações sera analisado 
tendo como referência algumas reflexões sobre a questão social e suas 
expressões no mundo da pobreza e da desigualdade. No item 
Considerações Finais, faremos, por fim, uma síntese das idéias 
trabalhadas neste estudo. 
1. PLANEJAMENTO FAMILIAR — A TEORIA 
1.1. 0 Planejamento Familiar no contexto da saúde reprodutiva 
Em sentido amplo e contemporâneo, a saúde é, sobretudo, uma 
questão de cidadania e não um estado biológico, independente do 
social. 
A definição de saúde reprodutiva, internacionalmente adotada 
pela Organização Mundial da Saúde, estabelecida no Plano de Ação da 
Conferência Mundial de População e Desenvolvimento — Cairo, 1994 — 
e reiterada pela Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da 
Mulher — Pequim, 1995 — 6: 
"A saúde reprodutiva é um estado de 
completo bem-estar físico, mental e social em 
todas as matérias concernentes ao sistema 
reprodutivo, suas funções e processos, e não 
simples ausência de doença ou enfermidade. A 
saúde reprodutiva implica, por conseguinte, que a 
pessoa possa ter uma vida sexual segura e 
satisfatória, tendo a capacidade de reproduzir e a 
liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes 
faze-lo. Está implícito nesta última condição o 
direito de homens e mulheres de serem informados 
e de terem acesso aos métodos eficientes, seguros, 
aceitáveis e financeiramente compatíveis de 
12 
planejamento familiar, assim como a outros 
métodos de regulação da fecundidade 11 sua 
escolha e que não contrariem a lei, bem como o 
direito de acesso a serviços apropriados de saúde 
que propiciem as mulheres as condições de passar 
com segurança pela gestação e parto, 
proporcionando aos casais uma chance melhor de 
ter um filho sadio." 
Assim, saúde reprodutiva é compreendida, sobretudo, como urna 
questão de cidadania e não mais como um estado biológico, 
independente do social. Implica em que os indivíduos possam ter uma 
vida sexual prazerosa e segura, podendo reproduzir-se com a liberdade 
de decidir "se, quando e com que freqüência" irão fazê-lo. 
Da mesma forma, os direitos reprodutivos não se limitam A 
proteção da reprodução, mas abarcam um conjunto de direitos 
individuais e sociais que devem interagir na busca do pleno exercício 
da sexualidade e reprodução humana. Os direitos reprodutivos se 
fundamentam no reconhecimento do direito básico de todos os casais 
de decidirem livremente e com responsabilidade sobre o número de 
filhos que desejam ter, sobre o espaçamento dos nascimentos e sobre o 
momento de ter um filho. Reconhece-se também, o direito básico 
informação e ao acesso aos meios para obtê-la, e o direito de se 
distinguir o mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. 
A formulação dos direitos reprodutivos está centrada na noção de 
sexualidade, aspecto fundamental da vida que está presente desde o 
nascimento até a morte, não se restringindo apenas a atividades 
ligadas ao funcionamento do aparelho genital, transcende a satisfação 
de uma necessidade biológica, buscando satisfazer a desejos e não s6 a 
necessidades. 
13 
O advento da anticoncepção provocou mudanças substanciais no 
exercício da sexualidade, pois promoveu concretamente sua cisão da 
procriação. 
Em conformidade com a definição de saúde reprodutiva, a 
assistência à saúde reprodutiva, também de acordo com a Organização 
Mundial de saúde, é definida como "a constelação de métodos, 
técnicas e serviços que contribuem para a saúde e o bem-estar 
reprodutivo, prevenindo e resolvendo os problemas de saúde 
reprodutiva. Isto inclui igualmente a saúde sexual, cuja finalidade é a 
melhoria da qualidade de vida e das relações pessoais e não o mero 
aconselhamento e assistência relativos à reprodução e as doenças 
sexualmente transmissíveis". 
0 conjunto de informações e serviços de planejamento familiar 
constitui um meio essencial para a obtenção e realização dos direitos 
reprodutivos e da saúde reprodutiva. São, portanto, um elemento 
central dos programas de saúde reprodutiva. 0 exercício dos direitos 
reprodutivos requer uma rede de infra-estrutura social que contemple, 
dentre outros aspectos, serviços de saúde acessíveis e humanizados. 
COSTA (1992), ressalta que o planejamento familiar é uma ação 
social, incluindo os componentes de informação, educação e 
assistência na reprodução. Segundo ele, é preciso que os serviços de 
educação e assistência em reprodução sejam integrados a outros 
programas. O planejamento familiar, na sua concepção, busca a 
plenitude da vida humana, e isto não se consegue unicamente com a 
pratica da anticoncepção. E preciso ter em mente que nenhuma ação 
social cumpre integralmente seus objetivos se não conscientizar sua 
população-alvo, se não fortalecer a família e a comunidade, se não 
facilitar a integração comunitária, e se não oferecer aos casais as 
14 
informações e os meios de exercitar sua faculdade reprodutiva 
segundo suas próprias decisões. 
0 Planejamento Familiar está previsto no artigo 226, parágrafo 
7°, da Constituição Federal: 
"Fundado nos princípios da dignidade da 
pessoa humana e da paternidade responsável, o 
planejamento familiar é livre decisão do casal, 
competindo ao Estado propiciar recursos 
educacionais e científicos para o exercício desse 
direito, vedada qualquer forma coercitiva por 
parte de instituições oficiais ou privadas." 
Por outro lado, alguns autores como RODRIGUES (1990), 
afirmam ser o planejamento familiar uma forma de controle da 
natalidade. Para ela, 
"o Planejamento Familiar é um programa de 
ação para intervir no comportamento reprodutivo 
das pessoas, especialmente as de baixa renda, 
transformando-se num instrumento de política 
populacional, mas se apresentando como uma 
forma de democratizar métodos modernos de 
contracepção entre as classes subalternas". 
Para melhorentendimento do presente trabalho, faz-se necessário 
esclarecer ainda o que se compreende por contracepção e esterilização 
cirúrgica. 
Contracepção, segundo RODRIGUES (1990) é uma medida 
preventiva que frustra a concepção, quando há efetivo exercício da 
sexualidade, usando meios mecânicos, químicos ou comportamentais. 
Caracteriza-se como uma atitude individual, privada e geralmente 
espontânea. 
15 
Esterilização cirúrgica, segundo RODRIGUES (1990) não é um 
método de contracepção. Trata-se da eliminação da capacidade 
reprodutiva do indivíduo, embora haja uma pequena margem de 
possibilidade de regeneração espontânea ou cirúrgica daquele 
potencial. A feminina é denominada laqueadura tubdria, e a masculina, 
vasectomia. 
Após esta exposição conceitual, abordaremos o contexto histórico 
ern que se insere o debate sobre planejamento familiar no Brasil. Ao 
faze-lo, aprofundaremos alguns conceitos até aqui tratados de forma 
mais sucinta. 
1.2. A dimensão história do Planejamento Familiar no Brasil 
As discussões em torno do Planejamento Familiar começaram 
em meados da década de sessenta. Até então, havia uma relativa 
consensualidade em torno do pró-natalismo, o que fez com que ele não 
se manifestasse enquanto tema de debates ou polêmicas públicos. 
Prevalecia a idéia de que a evolução da sociedade brasileira passava 
pela expansão em qualidade e quantidade da população. 
A partir de 1965, novas formas de ver a questão populacional 
ganharam corpo. A burguesia brasileira, setores médicos e alguns 
setores do governo militar, aliavam-se as tendências internacionais de 
contenção populacional. A relação entre pobreza e natalidade adquiriu 
ampla visibilidade na sociedade brasileira, segundo AVILA (1993). 
Teorias neo-malthusianas legitimavam o senso comum que associava 
16 
miséria a um alto crescimento demográfico, ignorando que a pobreza 
decorre do modelo de desenvolvimento implantado no pais. 
Duas posturas antagônicas conviviam na sociedade e no governo 
brasileiro em relação As políticas populacionais. FONSECA (1993), 
identifica estas posturas como "coalizão antinatalista e coalizão 
anticontrolista". A primeira colocou no mesmo lado atores sociais 
como o governo norte-americano, preocupado com uma eventual 
"cubanização" do Nordeste brasileiro e depois com repercussões 
sociais e políticas de uma suposta explosão demográfica que estaria 
em curso no terceiro mundo; militares da Escola Superior de Guerra, 
que passaram a ver no crescimento populacional uma ameaça 
"segurança nacional"; grandes empresários que percebiam na taxa de 
crescimento demográfico um obstáculo ao desenvolvimento nacional e, 
grupos médicos interessados em abrir espaço para o exercício do 
Planejamento Familiar no pais. 
A segunda, a coalisão anticontrolista, formou-se por reação 
primeira. Congregou a Igreja Católica, que por razões de ordem moral 
posicionou-se contra o uso de anticoncepcionais; a "esquerda", por 
perceber no discurso antinatalista uma manifestação capitalista e, 
frações das Forças Armadas, nacionalistas de direita que, por razões 
geopoliticas defendiam a necessidade de que os "espaços vazios" do 
território brasileiro fossem ocupados via aumento da população, em 
nome da segurança nacional. 
Conforme CARDOSO (1983), a força do catolicismo foi 
extremamente significativa, especialmente porque esteve ligada A 
formação de grupos populares. Ela cita os argumentos da hierarquia 
católica, expressos pelo Cardeal Aloisio Lorscheider, Dom Eugenio 
Sales e Dom José Maria Pires, em jornal feminista, da época: "A 
17 
mulher brasileira não precisa de ',Hulas de graça, mas sim de comida 
para ela e seus filhos". 
De acordo com PENA (1991), a tendência histórica que permitiu a 
manutenção da ideologia liberal de não intervenção, ao mesmo tempo 
em que favoreceu a ação de agentes privados, que forneceram 
anticoncepção para a população, transformou o Pais em um "Estado de 
Duas Caras", quando se analisa política e população. 
Embora não implementasse uma política oficial de contenção do 
crescimento demográfico, permitiu que instituições não 
governamentais aplicassem medidas de controle demográfico através 
de programas de planejamento familiar que distribuíam 
anticoncepcionais orais e praticavam a esterilização (BARROSO, 
1984). 
Algumas análises apontam esta situação como uma "omissão 
planejada", ou seja, uma política implícita de regulação em que o 
governo não atuava, mas permitia a ação de agências internacionais no 
controle da natalidade. Instituições privadas como a Sociedade Civil 
de Bem-Estar Familiar no Brasil — BEMFAM, desenvolviam um 
projeto educativo difundindo as vantagens de uma família reduzida e o 
uso de práticas anticonceptivas. 
Criada em 1963, a BEMFAM foi idealizada por médicos que 
tinham como objetivo informar sobre métodos anticonceptivos para 
tentar evitar o grande número de abortos provocados no pais que, 
segundo estes médicos ocorriam por falta de informações e acesso as 
práticas anticonceptivas. 
De acordo com SOBRINHO (1993), agências internacionais não 
governamentais patrocinavam as atividades da entidade, entre elas a 
18 
Federação Internacional do Planejamento Familiar — IPPF. Ainda 
conforme o autor, mais que a distribuição de pílulas ou DIUs, o grande 
produto da BEMFAM foi à construção de um discurso de 
convencimento, de uma ideologia justificativa do planejamento 
familiar. 
Com sede no Rio de Janeiro, mas com intervenções em quase todo 
o pais, a Sociedade tinha como estratégia o treinamento de 
profissionais de saúde para a pratica do planejamento familiar e a 
prestação direta de assistência exclusiva em ações contraceptivas, 
através de suas unidades próprias ou conveniadas, como prefeituras, 
sindicatos, secretarias de saúde, etc. No período de 1967 a 1982, três 
mil setecentos e seis bolsistas foram treinados em cursos de 
planejamento familiar e, em média, dez municípios por mês 
implantavam um programa comunitário de planejamento familiar — ern 
alguns estados do Nordeste esta média era bem mais elevada. 
Além da BEMFAM, já na metade dos anos 60, tínhamos no pais a 
presença de um conjunto de instituições internacionais preocupadas 
com a questão demográfica, quer seja financiando pesquisas na area de 
fisiologia e reprodução humana, quer seja estimulando o incremento 
dos serviços de planejamento familiar, através de seus financiamentos. 
Canesqui (1981), cita a World Neighbors, financiando o Serviço de 
Orientação Familiar de Sao Paulo e o Programa de Planejamento 
Familiar de Campinas, a Ford Fundation, financiando pesquisas na 
area de reprodução humana nas Universidades do Rio de Janeiro e 
Bahia; o Population Council, financiando o Laboratório de Fisiologia 
e Reprodução da Faculdade Nacional do Rio de Janeiro e estudos de 
Fertilidade da Escola de Sociologia e Política de São Paulo; a 
Organização Mundial da Saúde, com o programa de Treinamento em 
Dinâmica Populacional na Universidade de Sao Paulo. 
19 
Denúncias de "esterilização maciça" em mulheres na Amazônia 
originaram uma Comissão Parlamentar de Inquérito — CPI, no 
Congresso Nacional, em 1967. 
SOBRINHO (1993), transcreve o trecho de alguns depoimentos, 
dos quais destaco o de Glycori de Paiva, diretor-tesoureiro da 
BEMFAM: 
"Há uma grande dificuldade para as pessoas 
verem o óbvio que é o excesso populacional 
atrapalhando o desenvolvimento. 
0 problema é evitar o agravamento desta 
situação. Essa gente não está influenciando na 
economia do Pais. Essa gente está pesando 
inteiramente sobre os outros. Há alguma coisa a 
fazer para o enriquecimento da sociedade. E não 
posso conceber esse enriquecimento quando o Pais 
anualmente por via uterina recebe 2,6 milhões de 
pessoas novas para fazer o que? Que capacidade 
de remuneração posso dar a esses indivíduos 
deseducados, com vocabulário reduzido de 250,300 palavras? Essa gente me parece gravosa ao 
sistema social. Ela está pesando como um resto na 
economia brasileira. Não vou matá-la. Apenas 
quero que a biologia o faça." 
A Comissão ouviu 25 depoentes, realizou 31 reuniões, reuniu 
centenas de documentos sobre o assunto, mas não concluiu seus 
trabalhos. Quatro anos depois, em 1971, a BEMFAM, que tem 
expressado seu pensamento através do depoimento de um de seus 
diretores, como acabou de ser visto, foi declarada como sendo 
entidade de utilidade pública federal. 
somente em 1974 que o Brasil enuncia, em Bucareste, durante a 
I Conferência Mundial sobre População, patrocinada pela Organização 
das Nações Unidas ONU, uma posição oficial enfatizando que a 
decisão quanto à composição familiar é uma prerrogativa do casal, 
20 
demonstrando a indefinição por parte dos governos brasileiros, que 
atribuem a responsabilidade da reprodução ao casal, ao mesmo tempo 
em que permitem a intervenção de organismos não governamentais que 
financiam e estimulam o controle populacional (BARROSO, 1984). 
Documento apresentado nessa Conferência (1974) pelo 
embaixador brasileiro Miguel Ozório de Almeida, transcrito por 
SOBRINHO (1993), coloca que "a capacidade de recursos ao controle 
da natalidade não deve ser um privilégio das famílias abastadas e, 
por isso, cabe ao estado proporcionar as informações e os meios que 
possam ser solicitados por famílias de recursos reduzidos". 0 governo 
fez duas tentativas para implementar ações dessa natureza: o Plano de 
Prevenção à Gravidez de Alto Risco, e o Programa Nacional de 
Paternidade Responsável, que pela oposição, especialmente da Igreja 
Católica, não se concretizaram. 
A partir de 1975, as mulheres passaram a se manifestar com o 
surgimento dos primeiros grupos feministas, que vieram a ter 
influência ponderável nos rumos do debate. Conforme CARDOSO 
(1983), elas começaram a desmentir na prática a premissa básica dos 
adeptos do natalismo, que viam na pobreza a única razão para o desejo 
das mulheres controlarem sua fecundidade. Para ela, desde que a 
sociedade passou a aceitar outros papéis femininos além da função 
materna, a vida reprodutiva das mulheres se encurtou. As mulheres 
brasileiras processavam uma ruptura com o clássico papel social que 
lhes era atribuído: o de mãe e "rainha do lar". Gradativamente 
incrementavam o seu comparecimento no mercado de trabalho, 
ampliando suas aspirações de cidadania. Controlar a fecundidade, 
realizar em seu corpo a anticoncepção, passa a ser aspiração e desejo 
de muitas mulheres. As vivências mais plenas da sexualidade 
reforçavam esta necessidade. No entanto, os serviços públicos de 
saúde estavam despreparados para esta demanda. 
21 
CARDOSO (1993), procura definir qual seria o posicionamento 
coerente com as aspirações das mulheres: o "controle democrático" da 
concepção. Para que o controle da fecundidade seja um direito de 
todas, é preciso que o Estado o promova, sem impô-lo. 
Com o surgimento do novo discurso, baseado nos princípios do 
direito à saúde e na autonomia das mulheres e dos casais na definição 
do tamanho de sua prole, em 1983 o Ministério da Saúde divulga o 
Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher — PAISM, que 
seria desenvolvido pela rede pública de assistência à saúde, ajustando-
se as necessidades epidemiológicas e requerimentos de cada 
localidade, de cada população. 
Pela primeira vez na história das políticas sociais brasileiras, uma 
política governamental incluiu o planejamento familiar entre suas 
tarefas. A noção, antes de controle, passa a ser de planejamento, com a 
participação efetiva da mulher. Porém, os poucos programas 
implementados foram insuficientes e muitas vezes incompletos, tanto 
no atendimento como no oferecimento dos diferentes métodos 
anticonceptivos. 
Em muitos casos, o acesso à informação e aos diferentes métodos 
de controle da prole estavam restritos ao fornecimento de pílulas 
anticoncepcionais orais, sem o devido acompanhamento médico e 
tinham as mulheres como o alvo principal de seus programas, 
ignorando a participação do homem no processo reprodutivo. 
No mesmo ano em que o PAISM foi concebido, em 1983, uma 
CPI foi criada com o objetivo de investigar os problemas vinculados 
ao aumento populacional brasileiro. No final, a Comissão Parlamentar 
de Inquérito chegou a quatro conclusões: 1 — a necessidade de 
22 
formação de uma atitude consciente coletiva: a da "paternidade 
responsável"; 2 — a identificação do "planejamento da prole" como 
sendo um direito humano, cabendo a decisão ao casal devidamente 
informado; 3 — a responsabilidade do Estado em fornecer tais 
informações, e os meios; 4 — a constatação de que tal responsabilidade 
ultrapassa os limites do Ministério da Saúde, devendo ficar a cargo de 
um Conselho Nacional de População e Planejamento Familiar, 
interministerial e vinculado diretamente A Presidência da República. 
0 estranho, conforme coloca-nos SOBRINHO (1993), é que essas 
sugestões, bem como inúmeros parágrafos do relatório da CPI foram 
totalmente copiados de uma conferência pronunciada por Walter 
Rodrigues, diretor-executivo da BEMFAM, no ano anterior. 
Neste contexto, a pílula anticoncepcional e a esterilização 
cirúrgica feminina já eram os métodos anticonceptivos mais usados no 
pais. Os dados da BEMFAM citados por Sobrinho (1993), mostram que 
em 1986, das mulheres entre 15 e 44 anos, em união e usuárias de 
métodos anticonceptivos, 25,2% usavam a pílula anticoncepcional e 
26,9% haviam optado pela esterilização cirúrgica. Em 1996, os dados 
indicam que a esterilização feminina correspondia a 57% do uso de 
métodos de anticoncepção, entre mulheres em união na faixa etária 
considerada, mostrando claramente urn declínio no uso dos métodos 
reversíveis. 
A esterilização cirúrgica, que era considerada 	ilegal, 
enquadrando-se no Artigo 129 do Código Penal, já vinha se difundindo 
no Brasil desde a década de setenta. A Lei Brasileira não proibia 
explicitamente a esterilização, mas proibia a mutilação física (Artigo 
129 do Código Penal, Lesões Corporais) e a esterilização cirúrgica era 
considerada como uma lesão corporal em que ocorre a perda ou 
23 
inutilização de um membro, sentido ou função, portanto ilegal, 
passível de ser punida. 
MEDIC! (1995), coloca que a laqueadura, nas últimas décadas, 
passou a ser procurada no Brasil, em larga escala, pelas populações de 
baixa renda e chega a ser utilizada até mesmo, como moeda de troca 
política em tempos de eleição. Conforme o autor, dados de organismos 
internacionais revelam que os números de esterilização de mulheres, 
no Brasil, são quatro vezes superiores A média estabelecida nos países 
desenvolvidos. Ele relaciona a esterilização à ausência de políticas 
governamentais definidas para o planejamento familiar, levando 11 
opção por soluções definitivas que nem sempre são as mais adequadas. 
0 Instituto Nacional de Seguridade Social — INSS, não financiava 
a cirurgia, mas ela passou a ocorrer com uma freqüência cada vez 
maior, principalmente associada a partos cesários (Barroso, 1984). 
Essa pratica cirúrgica tem sido freqüentemente denunciada pela 
imprensa, como sendo indiscriminada, suscitando polêmicas. As 
criticas mais freqüentes denunciam que esta prática incide sobre as 
populaçõ es mais carentes como uma forma velada de controle 
populacional. 
MINELLA (1998), em estudo feito na cidade de Florianópolis, 
registra caso em que a esterilização foi realizada sem o consentimento 
da paciente. Trata-se de uma mulher com oito filhos, esterilizada aos 
quarenta anos. Segundo ela, "o médico contou da ligadura seis dias 
após a cesariana. Disse que eu não podia mais ter filhos. Ele disse: eu 
fechei a sua fábrica". 
A falta de regulamentação quanto A esterilização cirúrgica e seu 
uso gerou debates que colocaram a questão dos direitos reprodutivosem pauta. E, a partir de 1991, alguns parlamentares, em parceria com 
24 
movimentos organizados de mulheres, instauraram uma CPI da 
esterilização, que documentou os riscos para a saúde das mulheres 
face aos abusos dessa prática, conduzida de forma indiscriminada e 
clandestina. 
Essa situação se traduziu em um projeto de lei aprovado no 
Congresso Nacional —Lei 9263, de 12 de janeiro de 1996, que além de 
regulamentar o exercício dos direitos reprodutivos, dentro de uma 
visão de atendimento integral à saúde, proibindo a utilização de ações 
políticas para qualquer tipo de controle demográfico, regulamenta a 
esterilização no pais, prevendo a possibilidade de que mulheres e 
homens com pelo menos dois filhos vivos, ou com mais de 25 anos, 
independente do número de filhos, possam recorrer a hospitais 
públicos para solicitarem espontaneamente a esterilização. 
O artigo que trata da regulamentação da esterilização foi vetado 
pelo Executivo no dia 15 de janeiro de 1996. 0 presidente Fernando 
Henrique Cardoso baseou sua decisão em parecer jurídico que 
considera a esterilização uma "clara mutilação". A imprensa veiculou, 
na época, que o presidente afirmou ter cometido um erro ao vetar esse 
artigo e pediria que o Congresso derrubasse seu veto, o que só veio a 
acontecer em 14 de agosto de 1997. 
A partir da publicação no Diário Oficial da União, ocorrido no 
dia 27 de novembro de 1997, a rede pública de saúde deveria assumir a 
esterilização, preparando os Hospitais públicos para o cumprimento da 
Lei de Planejamento Familiar. Para tanto, os hospitais deveriam dispor 
de equipes multidisciplinares para aconselhar e desencorajar a 
esterilização precoce. A Lei proibe a esterilização de mulheres durante 
o parto ou aborto, "exceto nos casos de comprovada necessidade", 
como é o caso de cesarianas sucessivas. Também diz a Lei que é 
proibido exigir atestado de esterilização para qualquer fim. Quem 
25 
cometer este crime poderá sofrer pena de reclusão de um a dois anos e 
pagar multa. 
Ficou estabelecido ainda, que a cirurgia só pode ser feita pelo 
menos sessenta dias após a manifestação da vontade, registrada no 
prontuário do interessado e assinada pelo mesmo. Neste período, ele 
deve ser informado dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, 
dificuldade de reversão e opções de contracepção reversíveis. A 
manifestação da vontade não pode ser considerada válida se for 
assinada quando a pessoa interessada estiver bêbada, drogada, vivendo 
uma situação muito difícil de forma que seu estado emocional esteja 
alterado ou que esteja com problemas de saúde mental temporário ou 
permanente. 
Apesar de não implementar uma política oficial, mas permitir que 
instituições não governamentais aplicassem medidas de controle 
demográfico no Brasil, através de programas de planejamento familiar, 
chegamos ao ano de 2001 com 77% das mulheres casadas ou em união 
estável em idade fértil (de 15 a 49 anos), utilizando métodos 
contraceptivos, conforme consta no relatório "A Situação da 
População Mundial 2001", da ONU, publicado na Folha de São Paulo. 
E' a maior taxa das Américas do Sul e Central e semelhante As 
registradas em países desenvolvidos, como Estados Unidos (76%), 
Canadá (75%) e Suécia (78%). 
Segundo a mesma fonte, a alta taxa de mulheres que utilizam 
métodos contraceptivos no pais é uma das explicações para o fato de 
que a população no Brasil crescerá, até 2050, menos do que a de 
outros países populosos pobres ou em desenvolvimento. Com isso, o 
Brasil, que hoje é a quinta maior população do planeta, será na metade 
do século a oitava maior. O pais deverá ser ultrapassado por 
Paquistão, Nigéria e Bangladesh. 
26 
No caso da taxa de fecundidade, os censos do Instituto Brasileiro 
de Geografia e Estatística — IBGE mostram que chegava a 4,5 filhos 
por mulher em 1980, passou para 3,5 em 1984, 2,7 em 1991 e 2,3 em 
2000, devendo cair ainda mais e chegar, segundo a ONU, em 2,15 
filhos por mulher em 2005. 
Conforme nos coloca SUPLICY (1999), pesquisas realizadas nos 
anos 90 mostraram que mesmo corn a acentuada queda da natalidade 
em todas as regiões do Brasil, a pobreza não diminuiu. RODRIGUES 
(1990), por sua vez, destaca que a queda da natalidade não está 
acompanhada por um crescimento econômico e um desenvolvimento 
das instituições políticas. Pelo contrário, continuamos com a 
concentração fundiária, a concentração de renda, saúde pública 
precária, déficit habitacional e alta taxa de analfabetismo, entre outros 
problemas. 
Denuncia ainda que, se as mulheres reduziram a sua fecundidade 
nos últimos anos, isto não ocorreu porque tivessem conseguido mais 
politização ou um melhor nível de participação no consumo e na 
circulação de informações, mas porque foram exauridas por uma crise 
econômica sem paralelo na história brasileira. 
Ainda conforme RODRIGUES (1990), a esterilização vem sendo 
encarada como uma fórmula simples e boa para resolver graves 
problemas, tornando-se uma panaceia especialmente para a mulher que 
se acha incapaz de controlar a sua fecundidade e, principalmente, para 
a sociedade que espera interferir na capacidade reprodutiva das 
mulheres pobres, sem que se tentem soluções para os outros problemas 
econômico-sociais apresentados como justificativa para a 
esterilização. 
27 
Assim, ela é prescrita quando: a mulher é doente, já tem vários 
filhos, é muito pobre, foi mãe ainda muito jovem, está com mais de 35 
anos, tem baixo quociente intelectual, é promiscua, seu marido não 
coopera na contracepção etc. ou seja, corta-se radicalmente algo ruim, 
sem a preocupação, em qualquer momento, de resolver os problemas 
por eles mesmos. 
comum ouvir o argumento de que a esterilização é importante 
para resolver um problema social, entretanto, tal arranjo não toca em 
questões essenciais, pois a mulher, após a cirurgia, continua 
analfabeta, desnutrida, vivendo mal, dominada pelo marido e pelos 
patrões, enfim, continua vivendo miseravelmente. 
Após essa revisão bibliográfica sobre os diferentes discursos que 
perpassam a questão do planejamento familiar no pais, abordar-se-d, a 
seguir, o funcionamento do Programa de Planejamento Familiar no 
Hospital Universitário, destacando-se a atuação do Serviço Social, o 
fluxograma de atendimento e a demanda pelas cirurgias de 
esterilização definitiva. 
2. PLANEJAMENTO FAMILIAR — A PRATICA 
2.1. 0 Planejamento Familiar no Hospital Universitário 
Inaugurado em maio de 1980, o Hospital Universitário Professor 
Polydoro Hernani de São Thiago — HU, tem por finalidade promover a 
assistência, o ensino, a pesquisa e a extensão na área de saúde e afins, 
e prestar assistência à comunidade na area de saúde, em todos os 
níveis de complexidade, de forma universalizada e igualitária. Atende 
exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde — SUS, tendo uma Area 
física de 27.397,32 metros quadrados, com 282 leitos, sendo 37 não 
ativados. 
Seu corpo clinico é constituído de professores dos Departamentos 
do Centro de Ciências da Saúde que utilizam o HU como centro de 
ensino e de pesquisa; de médicos e demais profissionais da 
enfermagem, farmácia-bioquímica, nutrição, serviço social, 
odontologia, psicologia e engenharia biomédica, que possuem elevados 
indices de qualificação e titulação, aliados ao grande interesse na 
pesquisa e prática clinica, que conferem ao hospital força e prestigio 
social e comunitário. 
29 
A instituição vem sofrendo grande pressão em função da demanda 
de população que não consegue atendimento nos postos e unidades 
municipais/estaduais e que vê o HU como centro de atendimento 
público, gratuito e de elevado nível de competência técnica. Somente 
os atendimentos feitos através da emergência atingem a média de 400 
pacientes/dia. 
Atualmente, o Hospital Universitário passa por algumas 
dificuldades impostas pela conjunturaatual. Tabelas de retribuição de 
serviços defasadas em relação aos custos operacionais, dificuldade de 
atualização de equipamentos e obras, racionalização de procedimentos 
e investimentos no treinamento de recursos humanos, em todos os 
níveis, tam se constituído em grande desafio para a instituição. 
O Serviço Social faz parte da equipe de saúde do HU desde a sua 
fundação, em 1980, procurando oferecer um atendimento capaz de 
contribuir para as reais demandas da sociedade, visando compreender 
o homem na sua totalidade, uma vez que a questão da doença não pode 
ser entendida de forma fragmentada. Suas funções principais são a 
prestação de serviços assistenciais concretos e a escuta qualificada, no 
sentido de decodificar anseios e angústias da população atendida no 
Hospital. Por outro lado, serve de ponte entre o usuário e a instituição, 
mediando a cultura dominante, a do saber médico, e a cultura popular, 
do senso comum, vivenciada pelo usuário. 
A formação do assistente social não é especifica na area da saúde, 
mas possibilita aos profissionais atuarem com competência nas 
diferentes dimensões da questão social, e, como tal, com habilidades 
de elaborar, implementar, coordenar e executar as políticas sociais, 
inclusive as de saúde. 
30 
0 Conselho Nacional da Saúde, através da Resolução CNS n° 218 
de seis de março de 1997, reconheceu o assistente social, juntamente 
com outras categorias, como profissional de saúde de nível superior. 
Sobre o assunto, já havia, desde seis de junho de 1990, parecer do 
Conselho Federal de Serviço Social — CFESS, Associação Nacional de 
Assistentes Sociais — ANAS e Associação Brasileira de Ensino de 
Serviço Social: 
"O Serviço Social se insere na equipe de 
saúde como profissional que articula o recorte 
social, tanto no sentido das formas de promoção, 
bem como das causalidades das formas de adoecer 
intervindo em todos os níveis dos programas de 
saúde. O Assistente Social como profissional de 
Saúde tem competência para atuar junto aos 
fenômenos socioculturais e econômicos que 
reduzem a eficiência da prestação dos serviços no 
setor, quer seja ao nível de promoção, prestação 
e/ou recuperação de saúde. O Assistente Social é, 
pois, um profissional de saúde que vem colaborar 
a posição que emerge da categoria — fruto de 
avanços obtidos na trajetória histórica da 
profissão, buscando a garantia da qualidade da 
prestação de serviços de saúde, numa perspectiva 
de universalidade e integralidade à população 
brasileira." 
Com nove profissionais, o Serviço Social está estruturado para 
atender as seguintes áreas do Hospital Universitário: 
• Internação: Clinicas Cirúrgicas I e II, UTI, 
Clinicas Masculinas I e II, Clinica Feminina, 
Pediatria, Ginecologia e Maternidade; 
• Ambulatório: Plantão e Núcleo Interdisciplinar 
de Pesquisa, Ensino e Assistência Geronto-
Geridtrica; 
31 
• Atenção a Patologias Especificas (diabéticos e 
renais); 
• Hemoterapia (Banco de Sangue); 
• Voluntariado; 
• Emergência; 
• Planejamento Familiar; 
• Comissão de Atendimento à Criança Vitima de 
Maus Tratos; 
• Núcleo DESENVOLVER. 
A inserção do Serviço Social nestes espaços decorre de duas 
ordens: uma interna resultante da divisão do trabalho entre os 
integrantes da equipe multiprofissional e outra da demanda da 
população atendida. 
Do programa de Planejamento Familiar no HU, implantado em 
maio de 1998 para atender a Lei 9263, fazem parte profissionais de 
serviço social, enfermagem e medicina, sendo que o serviço social 
trabalha com uma dimensão de assistência educativa, buscando 
promover o direito ao acesso igualitário a informações, meios, 
métodos e técnicas disponíveis, inclusive a esterilização cirúrgica, que 
garantam à mulher, ao homem ou ao casal, a decisão livre e consciente 
sobre o número de filhos que desejam ter. 
0 fluxograma de atendimento na instituição prevê uma primeira 
consulta com médico, que encaminha o interessado ao Serviço Social 
para agendar palestra sobre saúde reprodutiva e métodos 
contraceptivos, apresentada quinzenalmente pela enfermagem e 
serviço social, informando sobre as várias formas de evitar a gravidez. 
32 
Após a participação na palestra, o candidato à esterilização passa 
por entrevista no Serviço Social. É o momento em que a assistente 
social busca, individualmente, levar o interessado a refletir sobre as 
conseqüências do procedimento cirúrgico, quanto à impossibilidade de 
uma nova gestação caso venha ocorrer h perda de um filho ou começo 
de um novo relacionamento, por exemplo. Na entrevista, busca-se 
discutir com cada pessoa o melhor método para ela impedir uma 
gravidez indesejada, sem prejudicar sua saúde nem tirar seu direito de 
escolha. 
A entrevista se faz fundamental, também, para identificar os 
casos prioritários, como maior número de filhos, problemas de saúde, 
idade, situação financeira, bem como para orientar quanto aos 
próximos passos no programa caso mantenha o interesse na 
esterilização. Depois da entrevista, o interessado marca retorno com 
médico. 
No retorno, o homem interessado em vasectomia irá agendar sua 
cirurgia, e a mulher que deseja laqueadura só então entrará para a lista 
de espera. O tempo médio de espera pela realização da cirurgia, 
contado a partir do retorno com o médico é de três meses para o 
homem e passa de um ano para a mulher, tendo sido registrados, 
inclusive, casos de nova gestação neste tempo de espera. 
Atualmente o Hospital Universitário realiza três esterilizações 
cirúrgicas femininas e quatro masculinas por semana. É a instituição 
que realiza o maior número de procedimentos através do SUS na 
Grande Florianópolis. No Hospital Regional São José, são realizadas 
seis laqueaduras e oito vasectomias por mês. Já o Hospital 
Florianópolis procede duas esterilizações cirúrgicas femininas por mês 
e duas masculinas por semana. Na Maternidade Carmela Dutra, o 
33 
número de atendimentos realizados varia de acordo corn as vagas no 
centro cirúrgico, não sendo possível fazer nenhuma estimativa. 
A partir do levantamento realizado pode-se dizer que, na Grande 
Florianópolis, são realizadas mensalmente pelo Sistema Único de 
Saúde 20 cirurgias para laqueadura tubária e 32 para vasectomia, o 
que representa 240 laqueaduras e 384 vasectomias por ano. 
Durante o ano de 2001, participaram de palestra do Planejamento 
Familiar no Hospital Universitário 611 pessoas, sendo 192 
interessadas em laqueadura tubdria e 187 em vasectomia, sendo as 
outras 237 pessoas maridos/esposas dos inscritos, que também 
acompanharam a palestra. 
Esse resultado, que aparece em partes quase iguais entre homens 
e mulheres interessados na esterilização, contrap6e-se ao que 
rotineiramente se constata, que é a participação predominantemente 
feminina na anticoncepção. Pode ser uma indicação de mudança de 
atitude masculina quanto As re1aç6es de gênero na área da 
anticoncepção ou sugerir que a responsabilidade reprodutiva está 
começando a ser assumida pelos homens. 
Resgatado o contexto histórico do Planejamento Familiar no 
Brasil e abordado o funcionamento do Programa de Planejamento 
Familiar no Hospital Universitário de Florianópolis, o próximo 
capitulo aliará teoria e prática. Esclareceremos a metodologia adotada 
no decorrer da pesquisa, revelaremos os dados levantados para 
responder a questão investigada — a que necessidades vem 
respondendo a esterilização cirúrgica feminina — e, finalmente, a partir 
das teorias levantadas e das respostas dadas pelas mulheres 
pesquisadas, refletiremos sobre os resultados obtidos neste trabalho. 
3. PLANEJAMENTO FAMILIAR: EXERCÍCO DE 
CIDADANIA OU FALTA DE OPÇÃO? 
3.1. Percurso metodológico 
A pesquisa que realizamos junto ao Programa de Planejamento 
Familiar do Hospital Universitário e cujos resultados relatamos neste 
TCC, tem como objetivo compreender a que necessidadesvem 
respondendo o uso da esterilização definitiva feminina, ou sejal se 
prevalece na opção pela laqueadura tubária uma busca, por parte das 
mulheres, pela titularidade de direitos sexuais e reprodutivos, pelo 
controle da sexualidade, ou se esta escolha acontece a partir de 
circunstancias que elas enfrentam ao longo de suas vidas, para muitas 
afetadas pela pobreza. 
Realizada no Hospital Universitário, em Florianópolis, a pesquisa 
nasceu da constatação de uma repressão difusa que a sociedade vem 
fazendo a famílias numerosas. As criticas e censuras que se ouvem em 
relação as mães pobres, como se fossem elas as responsáveis pelos 
problemas sociais do pais, nos despertaram o interesse em conhecer os 
discursos que perpassam a questão da contracepção. 
35 
Inicialmente, elaborou-se uma revisão bibliográfica sobre o tema, 
resgatando desde discussões ocorridas a partir da década de sessenta, 
quando no Brasil começa o discurso que relaciona pobreza 
natalidade, até a publicação da Lei do Planejamento Familiar, em 
1997, que regulamenta a esterilização cirúrgica no pais. Conforme 
CERVO e BERVIAN (1983), 
“qualquer espécie de pesquisa, em qualquer 
área, supõe e exige uma pesquisa bibliográfica 
prévia, quer para o levantamento da situação da 
questão, quer para a fundamentação teórica, ou 
ainda para justificar os limites e contribuições da 
própria pesquisa" 
A partir desta revisão bibliográfica, verificou-se a existência de 
duas visões distintas: uma que passa pela liberdade de decidir sobre 
quando e quantas vezes se reproduzir e outra que denuncia ser a 
esterilização uma forma de renúncia à integridade como mulher. 
Consideramos então, necessária a reflexão quanto ao entendimento que 
as mulheres fazem de suas condições no momento da decisão por 
ligadura. 
Como nos coloca MANN (1979), espiar e escutar são duas 
tarefas primordiais do investigador social. Assim, a observação e a 
entrevista se fizeram instrumentos fundamentais para alcançar os 
objetivos propostos na pesquisa. 
Com relação à observação, acompanhei seis palestras sobre 
saúde reprodutiva e métodos contraceptivos, direcionada aos inscritos 
para esterilização definitiva. Registrou-se uma média de 56 pessoas, 
ou 28 casais em cada palestra. Assim, pudemos avaliar a qualidade da 
participação dos interessados na cirurgia e identificar as dúvidas mais 
freqüentes quanto ao procedimento. 
36 
E para finalmente compreender o que queriam as mulheres que 
naquele momento buscavam a esterilização, realizou-se entrevistas 
com as inscritas para cirurgia no Hospital Universitário. De um total 
de 192 mulheres que participaram no ano de 2001 de palestras na 
instituição sobre saúde reprodutiva e métodos contraceptivos 
(obrigatória para quem deseja se submeter à laqueadura), retirou-se 
uma amostra num percentual aproximado de 25%. ou seja, 50 
mulheres. 
A opção pela entrevista como instrumento de pesquisa se deu 
porque a consideramos a técnica mais adequada na coleta dos dados 
pretendidos, especialmente os qualitativos. Conforme CHIZZOTTI 
(1991), 
"A entrevista é o procedimento mais usual no 
trabalho de campo. Através dela, o pesquisador 
busca obter informações contidas na fala dos 
atores sociais. Ela não significa uma conversa 
despretenciosa e neutra, uma vez que se insere 
como meio de coleta dos fatos relatados pelos 
atores, enquanto sujeitos-objeto da pesquisa, que 
vivenciam uma determinada realidade que está 
sendo focalizada." 
As entrevistas realizadas foram do tipo estruturada, ou seja, com 
perguntas previamente formuladas. Assim, para a coleta dos dados, 
elaborou-se um formulário com perguntas abertas, que têm uma livre 
resposta, de modo a registrar tanto aspectos ligados a variáveis sociais 
e econômicas quanto aspectos relacionados à percepção das 
entrevistadas acerca da esterilização cirúrgica. Assim, trata-se de um 
estudo quantitativo, por buscar dados objetivos e também qualitativo 
ou de opiniões, por buscar verificar como a realidade se apresenta a 
este determinado grupo de pessoas. Procurou-se registrar tão 
37 
cuidadosamente quanto possível os dados relatados, com o intuito de 
responder a questão de pesquisa. 
Os dados permitiram a construção do perfil das mulheres 
investigadas de modo a recuperar, em primeiro lugar, as informações 
objetivas relativas b. ocupação, idade, renda, nível de escolaridade e 
número de filhos. Em segundo lugar, foram resgatados os depoimentos 
que avaliaram os motivos da busca pela esterilização definitiva, 
conforme os depoimentos das inscritas para a cirurgia. Os dados 
quantitativos serão apresentados em forma de gráficos e tabelas, 
enquanto os qualitativos serão transcritos. 
Procurou-se proporcionar as entrevistadas a oportunidade de falar 
a partir da própria lógica, cuidando para não cair no senso comum e 
acabar reproduzindo o que se quer escutar. 
No decorrer deste estudo, a tarefa que se impõe é revelar de 
maneira mais precisa possível o que foi dito e, a partir dai, o que foi 
interpretado. 
3.2. Perfil das mulheres que buscam a esterilização 
Durante a realização do estagio curricular obrigatório, foram 
acompanhadas seis palestras sobre saúde reprodutiva e métodos 
contraceptivos, destinadas aos inscritos para esterilização cirúrgica no 
Hospital Universitário e, no papel de observadora, pôde-se chegar a 
algumas considerações. 
Organizada pelo Serviço Social e apresentada pela equipe de 
enfermagem, as palestras tiveram como objetivo informar as pessoas 
38 
que desejavam submeter-se A. laqueadura tubária/vasectomia, sobre os 
diferentes métodos contraceptivos disponíveis como tabelinha, coito 
interrompido, temperatura basal, camisinha, diafragma, DIU, etc, além 
da própria esterilização cirúrgica, explicando as vantagens e 
desvantagens de cada método. 
A participação é obrigatória para qualquer um que pretenda 
submeter-se à cirurgia. Assinaram o livro de presença 78 pessoas no 
dia 27 de julho de 2001, 34 no dia 02 de agosto, 34 em 25 de outubro, 
46 cm 30 de outubro e 62 ern 06 de dezembro do mesmo ano, além de 
75 já em 28 de fevereiro de 2002, o que representou uma média de 56 
pessoas por palestra. Cada uma durou aproximadamente duas horas, 
sempre no período da tarde. 
Como não tinham com quem deixar os filhos pequenos, muitos 
pais acabavam levando-os junto, especialmente crianças de colo, fator 
esse que muitas vezes acabava tirando a concentração do assunto que 
estava sendo tratado. Outro ponto prejudicial era o fato da palestra 
acontecer em horário de trabalho para boa parte dos participantes. Por 
diversas vezes as instrutoras foram questionadas neste sentido. 
Queriam saber a que horas terminaria a palestra, para poderem voltar 
logo a seus compromissos. 
A participação, desta forma, parece-nos apenas uma obrigação, 
sem um comprometimento efetivo em conhecer melhor o próprio corpo 
e os métodos contraceptivos existentes como alternativa 
cirurgia.Cabe destacar aqui, que não houve nenhum registro de 
desistência da esterilização após a participação nas palestras. 
Mas ao mesmo tempo, muitas mulheres demonstraram não ter 
claros os possíveis efeitos que a cirurgia para esterilização poderia 
causar. As dúvidas mais freqüentes, manifestadas pelas participantes, 
39 
eram quanto a possibilidade de ficarem frigidas, doentes, gordas ou 
ansiosas. 
A resposta do pessoal da enfermagem era de que não existiria 
nenhuma razão fisiológica para isso, e que somente o "fator 
psicológico" poderia influenciar neste sentido. E ainda, que sem a 
preocupação com a possibilidade de uma nova gravidez, a tendência 
seria das mulheres se sentirem mais tranqüilas e conseqüentemente 
mais à vontade em suas relações sexuais. 
Já o perfil das mulheres pesquisadas, foi construido tendo como 
base questões relativas à ocupação, faixa etária, nível de escolaridade, 
renda familiar, número de filhos,idade ao ter o primeiro filho e 
mçtodos contraceptivos já utilizados, como veremos a seguir. 
Considerando-se inicialmente a ocupação, entre as mulheres 
inscritas para laqueadura tubária, prevaleceu nitidamente as donas-de-
casa (42%), verificando-se em segundo lugar as que trabalhavam como 
empregadas domésticas (16%), em terceiro as que atuavam como 
serventes (12%). 0 quarto maior percentual (10%) foi de mulheres que 
se encontravam desempregadas. Também registrou-se a procura por 
parte de comerciarias (8%), professoras (6%), manicures (4%) e 
garçonetes (2%). 
Quanto A. ocupação do companheiro, prevaleceu o setor informal, 
tendo-se verificado as seguintes ocupações: pedreiro, motorista, 
porteiro, servente, mecânico, jardineiro, ambulante, montador de 
móveis, comerciário e comissário de policia. 0 percentual de 
desempregados entre os companheiros das inscritas para laqueadura 
tubdria chegou a 16 por cento. 
16% 
Tabela 1: ocupação 
40 
Ocupação Total Absoluto Total relativo 
Dona-de-casa 21 42% 
Empregada doméstica 8 16% 
Servente 6 12% 
Desempregada 5 10% 
Comerciaria 4 8% 
Professora 3 6% 
Manicure 2 4% 
Garçonete 1 2% 
TOTAL 50 100% 
Gráfico 1: Ocupação 
Ocupação 
6% 4% 2% 
donas-de-casa 
• empregadas 
domésticas 
O serventes 
o desempregadas 
• come rcia rias 
O professoras 
• manicures 
o garçonetes 
Faixa etária 
10% 
	
18% 
28% 
20% 
41 
A faixa etária, entre as mulheres entrevistadas, variou de 19 a 45 
anos, nos seguintes percentuais: 19 a 24 anos, 18%, 25 a 29 anos, 
26%, 30 a 34 anos, 20%, 35 a 39 anos, 28 % e de 40 a 45 anos, 10%. 
Estudos demonstram que submeter-se à esterilização ainda jovem é um 
fator estatisticamente significativo associado ao arrependimento. 
Vieira (1998), em pesquisa realizada em Areas periféricas de São 
Paulo, estimou que 65% das mulheres que se arrependeram foram 
esterilizadas antes dos 28 anos. Nessa faixa de idade, encontravam-se 
aproximadamente 40% das entrevistadas inscritas para realização de 
laqueadura no Hospital Universitário. 
Tabela 2: Faixa etária 
Faixa etária 
19 a 24 anos 
25 a 29 anos 
30 a 34 anos 
35 a 39 anos 
40 a 45 anos 
TOTAL 
Total Absoluto Total relativo 
9 18% 
1 :3 26% 
10 20% 
14 28% 
5 10% 
50 100% 
Gráfico 2: Faixa etária 
019 a 24 anos I 
II 25 a 29 anos 
0 30 a 34 anos 
035 a 39 anos 
•40 a 45 anos 
42 
Quanto ao nível de escolaridade das mulheres, 84% não passaram 
do primeiro grau, sendo que destas 34% freqüentaram a escola apenas 
no ensino fundamental, de primeira a quarta série, e as 50% restantes 
ficaram entre a quinta e oitava séries. Apenas dez por cento 
concluíram o segundo grau e seis por cento chegaram a obter 
graduação em nível superior. 
Tabela 3: Nível de escolaridade 
Nível de escolaridade Total Absoluto Total relativo 
la a 4' série 17 34% 
5' a 8' série S 50% 
2° grau 5 10% 
3° grau 3 6% 
TOTAL 50 100% 
Gráfico 3: Nível de escolaridade 
Nível de escolaridade 
10% 
34% 
50% 
El la a 4 série 
• 5a a 8' série 
020 grau 
03° grau 
 
43 
0 nível de escolaridade dos companheiros acompanhou, em 
termos gerais, o das mulheres. Assim, 32% deles tinham cursado 
apenas o ensino fundamental, 48% pararam de estudar entre a quinta e 
a oitava séries, 18% completaram o segundo grau e outros 2% 
concluíram o terceiro grau. 
Tabela 4: Nível de escolaridade dos companheiros 
Nível de escolaridade 	Total Absoluto 	Total relativo 
la a 4 8 série 	 16 	 32% 
5 8 a 8 8 série 
 
24 	 50% 
 
2° grau 
 
9 	 18% 
3° grau 	 1 	 6% 
TOTAL 
	
50 	 100% 
Gráfico 4: Nível de escolaridade dos companheiros 
Nível de escolaridade dos 
companheiros 
18% 	2% 	
32% 
48% 
Ol a a 4a série 
• 5a a 8a série 
02° grau 
I 03° grau 
 
44 
Sobre o rendimento mensal do grupo familiar, 34% das 
entrevistadas declararam que a renda da família chega a no máximo 
dois salários mínimos. Outras 32% conseguem renda de até quatro 
salários mínimos mensais. Quatorze por cento informaram estar sem 
nenhuma renda quando da entrevista, vivendo com auxilio de suas 
famílias de origem, comunidade e programas sociais. Dez por cento 
apresentou renda familiar de até cinco salários mínimos e outros 10 % 
acima de cinco salários. 
Tabela 5: Renda familiar 
Renda familiar Total Absoluto Total relativo 
Até 2 salários mínimos 17 34% 
Até 4 salários mínimos 16 32% 
Até 5 salários mínimos 5 10% 
Acima de 5 salários 5 10% 
Nenhuma renda 7 14% 
TOTAL 50 100% 
Gráfico 5: Renda familiar 
Renda familiar 
14% 
"11.1111034% 
10%■__ 
Iff 
10% 
32% 
Até 2 salários 
minimos 
O Até 4 salários 
mínimos 
DAté 5 salários 
mínimos 
Acima de 5 salários 
minimos 
DI Sem rendimentos 
1:1Um filho 
Dois filhos 
O Três filhos 
o Quatro filhos 
• Acima de quatro 
filhos 
16% 
	
14% 
16% 
 
22% 
32% 
45 
Com relação ao número de filhos, entre as mulheres entrevistadas 
o maior percentual, 32%, foi de três filhos, 22% tinham dois filhos, 
16% quatro filhos e 14% apenas um filho quando da opção pela 
esterilização. Os 16% restantes são de mulheres com cinco filhos ou 
mais. 0 número de filhos seria menor caso as mulheres tivessem maior 
conhecimento sobre os métodos anticonceptivos, já que 28% das 
entrevistadas disseram ter passado por gestações não desejadas, apesar 
desta pergunta não ter sido feita a elas. Entre as entrevistadas, 22% 
estavam grávidas quando se inscreveram no programa de Planejamento 
Familiar desejando se submeter à laqueadura tubdria. 
Tabela 6: Número de filhos 
Número de filhos 	Total Absoluto 	Total relativo 
Um filho 
	
7 	 14% 
Dois filhos 	 11 	 22% 
Três filhos 	 16 	 32% 
Quatro filhos 	 8 	 16% 
Acima de quatro filhos 	 8 	 16% 
TOTAL 
	
50 	 100% 
Gráfico 6: Número de filhos 
Número de filhos 
46 
Um fator importante constatado durante as entrevistas diz 
respeito A idade em que as interessadas na esterilização definitiva 
tiveram seus primeiros filhos. Das entrevistadas, 28% haviam se 
tornado mães ainda na adolescência — período compreendido entre os 
12 e os 18 anos de idade, conforme o Estatuto da Criança e do 
Adolescente — ECA. É o caso de Ana Paula, que teve seu primeiro 
filho aos 14 anos. Quando da entrevista, aos 19 anos, já era mãe de 
três filhos, sendo que havia passado ainda por dois abortos. Tendo 
estudado até a terceira série do ensino fundamental, não trabalha e 
mora na casa de sua mãe, juntamente com outros seis irmãos. Disse 
nunca ter usado nenhum método contraceptivo, revelando outro 
aspecto que é a desinformação. Conforme os dados levantados, 10% 
das entrevistadas tiveram seu primeiro filho entre os 14 e 16 anos de 
idade, 28% entre 17 e 19 anos, 38% entre os 20 e os 22 anos. Outras 
14% das mulheres pesquisadas se tornaram mães entre os 23 e os 25 
anos, 6% de 26 a 28 anos e 4% acima de 28 anos de idade. 
Tabela 7: idade ao ter o primeiro filho 
Idade ao ter 10 filho Total Absoluto Total relativo 
14 a 16 anos 5 10% 
17 a 19 anos 14 28% 
20 a 22 anos 19 38% 
23 a 25 anos 7 14% 
26 a 28 anos 3 6% 
Acima de 28 anos 2 4% 
TOTAL 50 100% 
Idade ao ter o primeiro filho 
014 a 16 anos 
0 17 a 19 anos 
020 a 22 anos 
0 23 a 25 anos 
ill 26 a 28 anos 
O acima de 28 anos 
6% 4% 
	
10% 
28% 
38% 
Gráfico 7: idade ao ter o primeiro filho 
Como Ana Paula, 6% das mulheres entrevistadas disseram nunca 
ter utilizado nenhum método para evitar uma gravidez indesejada. A 
pílula prevaleceu como método contraceptivo mais usado, tendo sido 
adotada por 58% das mulheres, sendo que duas disseram ter 
engravidado mesmo tomando pílula; 14% já utilizaram camisinha; 12% 
colocaram dispositivo intra-uterino — DIU, havendo também dois casos 
em que mulheres disseram ter engravidado usando o método. 
Foram citados ainda o coito interrompido (6%) e a tabelinha 
(4%). Estes dados demonstram que o conhecimento e a prática de 
métodos contraceptivosnaturais ou de barreira são limitados. 
47 
Tabela 8: Métodos contraceptivos já utilizados 
Método Total Absoluto Total relativo 
Pílula 29 58% 
Camisinha 7 14% 
DIU 6 12% 
Coito interrompido 3 6% 
Tabelinha 2 4% 
Nenhum 3 6% 
TOTAL 50 100% 
Gráfico 8: Métodos contraceptivos já utilizados 
Métodos já utilizados 
4% 
0 Pílula 
6% , 6% 
• Camisinha 
12% 	. 	 I O DIU 
58% 0 
Coito interrompido 
14% 	 • Tabelinha 
O Nenhum 
Inobstante o uso dos métodos, o número de abortos que as 
mulheres declararam ter tido foi alto, chegando ao percentual de 42%. 
Não foi possível verificar se os mesmos foram espontâneos ou 
provocados, mas há indícios, pela fala de algumas mulheres, que 
48 
49 
muitos deles tenham sido provocados, como Teresinha, de 36 anos, 
que disse estar gravida por não ter tido coragem de abortar novamente. 
As respostas relativas ao porquê da esterilização , que a nosso 
entender constituem a parte substancialmente mais significativa deste 
estudo, serão apresentadas a seguir. Além de levantar dados sócio-
econômicos, durante a entrevista com cinqüenta inscritas para 
realização de laqueadura tubdria, perguntou-se sobre os motivos que 
as levaram à opção pela esterilização, como sera relatado. 
3.3 Desvelando motivos da busca pela esterilização 
Dentre os motivos que levaram as mulheres entrevistadas nesse 
estudo a optarem pela esterilização definitiva, destacaram-se 
claramente as preocupações com dificuldades financeiras, sendo que. 
de 50 mulheres, 32 levantaram esta questão. Como não se tratava de 
uma pergunta fechada, geralmente mais de uma resposta era dada. 
Assim, também apareceram como motivos para cirurgia de laqueadura 
tubária: desejo de dar atenção e condições adequadas aos filhos que já 
têm (10); preocupação com a situação difícil em que se encontra o 
mundo, com muita violência e drogas (10); falta de condições 
emocionais para ter mais filhos (8); necessidade de trabalhar, não 
tendo com quem deixar as crianças (8). Sentimento de sobrecarga no 
cuidado com os filhos (7); vontade de parar com a pílula (6); 
problemas de saúde (5); planos de voltar a estudar (2); sofre violência 
por parte do marido (1); não tem tempo (1), e quer ter uma vida sexual 
tranqüila, sem o risco de engravidar (1). Na tabela e no gráfico a 
seguir, é possível visualizarmos melhor a freqüência de cada resposta. 
50 
Tabela 9: Motivação para a cirurgia 
Motivo Total Absoluto Total relativo 
Dificuldades financeiras 32 64% 
Vontade de oferecer condições 
melhores aos filhos que já têm 
10 20% 
Preocupação com violência e drogas 10 20% 
Falta de condições emocionais 8 16% 
Necessidade de trabalhar e não ter 
com quem deixar os filhos 
7 14% 
Sentimento de sobrecarga 7 14% 
Vontade de parar com a pílula 6 12% 
Problemas de saúde 5 10% 
Pianos para voltar a estudar 2 4% 
Marido violento 1 2% 
Falta de tempo para filhos 1 2% 
Quer vida sexual tranqüila, sem o 
risco de engravidar 
1 2% 
35 
30 
25 
20 - 
15 - 
10 
5 - 
o- 
F
ad
e 
In
 c
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d
lO
e
s 
em
oc
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Gráfico 9: Motivação para a cirurgia 
5 1 
II II II III mor am, air ow 
N 	i 	5 	i 	1 	2 	p 
Is 	
t 
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g 	 S 
li 	 : 	1 	ti 	g i S i 	 rr 	 f 	.1 g 
1 	 g 
Tendo em vista o objetivo deste trabalho, considera-se oportuno 
relatar a seguir alguns depoimentos, resgatando aspectos relativos 
motivação para a esterilização cirúrgica. 
Mabel tem 35 anos, concluiu o segundo grau, é manicure, mãe de 
três filhos. Sobre sua decisão acerca da laqueadura, comenta: "nit° 
tenho condições de sustentar mais filhos; filho e muito bom, mas dá 
52 
muito gasto; minha mile teve quinze filhos, enteio tenho medo só de 
pensar em engravidar de novo, mesmo tomando anticoncepcional". 
Roseli, de 34 anos, cursou até a oitava série, dona-de-casa, 
gravida do quarto filho, a respeito da intençao de se esterilizar afirma: 
"não posso tomar anticoncepcional, meu marido não gosta de 
camisinha, não quer ouvir falar em vasectomia, engravidei com a 
tabelinha e entrei em depressão por causa disso, não queria ter mais 
filhos". 
Simone tem 28 anos, estudou até a quarta série, trabalha como 
doméstica e esta esperando o segundo filho. Diz que "nossa intenção 
era ter s6 um filho, mas acabei engravidando"... "eu e meu marido já 
não tivemos estudo. Quero que meus filhos possam ter. É Inuit() difícil 
conseguir um trabalho melhor sem estudo"... "fazer filho é 
difícil é dar condições a eles". 
Fatima de 30 anos, curso até a oitava série, é servente, tem dois 
filhos. Quer fazer a laqueadura porque: "me preocupo bastante em 
como dar estudo para os filhos; onde estuda um não estudam dois- . 
Ela é de uma família de nove filhos e considera que "se fossem menos 
poderia ter estudado mais, completado o segundo grau, 
conseguido um emprego melhor". 
Nelma, com 22 anos, estudou até a quarta série; dona-de-casa, 
mde de três filhos, teve o primeiro aos 16 anos, renda familiar de 1,5 
salário mínimo por mês, relata que "não consigo dar nem sequer o 
básico aos filhos que já tenho, nem imagino se engravidasse de 
novo...". 
Janaina, de 19 anos, cursou até a quarta série, é dona-de-casa e 
tem dois filhos. Quer fazer a cirurgia porque 'não vou dar conta se 
53 
liver mais filhos, preciso trabalhar e não tenho com quem deixar as 
crianças, não tenho conseguido praticamente nem sair de casa por 
causa dos filhos, eles tem limitado minha vida". 
Maria, de 32 anos, estudou até a quinta série, dona-de-casa, 
grávida do quarto filho, não quer mais ter filhos porque "i muita coisa 
para se preocupar, o custo de vida esta cada vez mais alto, então 
quero fechar a fábrica". 
Eliane tem 31 anos, cursou somente o primeiro ano do ensino 
fundamental, é comerciaria, tem cinco filhos e, segundo ela, "não 
tenho condigiies financeiras nem emocionais para ter mais filhos, 
tenho que batalhar muito para sustentar a casa e não consigo dar 
atenção aos filhos". 
Terezinha. 36 anos, concluiu o primeiro grau, está desempregada, 
seu último trabalho foi como dama-de-companhia de uma idosa. 
Grávida do terceiro filho, diz que "já .fiz dois abortos porque não 
queria ter engravidado, desta vez não tive coragem de abortar 
novamente, não quero ter mais filhos, vou ficar mais segura fazendo a 
cirurgia, vivo de favor na casa de uma amiga, depois do parto quero 
voltar a trabalhar para poder ficar de novo com as duas outras filhas; 
elas estão com meu ex-marido, mas sei que não estão bem cuidadas; 
esta gravidez não era esperada, hoje em dia é loucura ter mais filhos; 
vou ficar tranqüila por não ter mais risco de engravidar". 
Adriana tem 27 anos, estudou até a segunda série, está 
desempregada e tem cinco filhos. Relata que não recebe nenhum 
auxilio financeiro do ex-marido , tendo sobrevivido graças ao auxilio 
dos vizinhos, que ajudam com a alimentação. "Eu e meu marido já nos 
separamos e reatamos algumas vezes. Tenho medo de me acertar com 
ele e acabar engravidando novamente". 
54 
Geovana, 31 anos, estudou até a quinta série, dona-de-casa, tem 
três filhos. Ela diz que "nil() tenho condições de ter mais filhos. A vida 
já está muito dura, com mais filhos seria ainda mais difícil 
sobreviver, hoje é complicado garantir até o básico e na medida que 
os filhos vão crescendo vão aumentando também suas necessidades". 
Com relação aos métodos contraceptivos disponíveis, Geovana relata 
que "acho o anticoncepcional (pílula) prejudicial e o posto de saúde 
nem sempre tem camisinha para dar. Como não quero mais filhos 
prefiro ligar e não ler mais preocupação com isso". 
Lúcia, de 30 anos, cursou até a segunda série, trabalha como 
doméstica, tem três filhos. Para ela "no mundo como está, com tantas 
drogas e violência, é difícil pensar em ter filhos; em casa você ensina 
as coisas, mas na rua as influências são perigosas, não se sabe comovai ser". Além disso "já é muito difícil dar aos filhos as coisas que 
eles precisam, com mais filhos a situação seria ainda pior". 
Janice, aos 32 anos, freqüentou até a sexta série, trabalha como 
servente e é mãe de quatro filhos. Apesar de ser casada, diz "me sinto 
sozinha cuidando dos quatro filhos, fico sempre dependendo da creche 
para poder trabalhar." 
Vanda, de 44 anos, estudou até a terceira série, dona-de-casa, 
mãe de três filhos, o mais novo com pouco mais de um mês quando da 
entrevista, contou que "engravidei com o DIU; estou com problemas 
sérios de depressão e stress, estou muito tensa com a situação; quase 
não durmo, a noite porque o neném acorda, e de dia por que tenho que 
cuidar da casa"... "por causa da gravidez, tive que deixar de 
trabalhar e as condições financeiras que já não eram boas, ficaram 
ainda piores". 
55 
Andréa, 31 anos, está cursando o segundo grau, desempregada, 
tem dois filhos. Disse que está já há três anos tentando fazer a 
laqueadura e considera que "não adianta ter filhos e ficar sofrendo". 
Ela vem de uma família com dezesseis irmãos, o que fez que 
passassem por privações. Para ela "se tiver mais filhos, vai ficar ainda 
mais difícil conseguir um emprego". 
Alessandra tem 31 anos, fez curso superior e é professora de 
línguas, tem quatro filhos. Sobre a decisão de fazer a laqueadura, 
comenta que foi motivada por "tempo e dinheiro, pois é muito caro 
criar um filho dando uma boa educação, ocupa muito tempo, exige 
muita disponibilidade; filhos exigem demais, todos querem atenção ao 
mesmo tempo, trabalho fora, sustento a casa, meu marido não está 
trabalhando fora então é ele quem tem cuidado das crianças, faz 
almoço, del banho, leva para a escola". 
Márcia tem 27 anos, está cursando a sétima série, trabalha como 
servente em uma creche, tem quatro filhos e, com a cirurgia "espero 
me fortalecer, me sentir mais segura. Tenho me anulado como pessoa, 
meu marido é violento, usuário de drogas, muitas vezes chega em casa 
às cinco da manhã e tenho que transar com ele; ter mais filhos 
tornaria a situação mais difícil de suportar, ele ameaça me matar se 
for embora". 
A análise do perfil das mulheres inscritas para realização de 
laqueadura tubiria no Hospital Universitário e suas percepções 
acerca da cirurgia permitem afirmar que a opção pela 
esterilização definitiva não tem passado pela busca de titularidade 
de direitos sexuais e reprodutivos, mas ocorre, em grande medida, 
dentro de um conjunto de circunstancias que elas se sentem 
impotentes para alterar, dai a opção pela cirurgia. 
56 
Ao se considerar a vontade das mulheres de não mais 
engravidar, ha que se contextualizar suas condições de vida e 
principalmente sua capacidade de autonomia em relação à existência 
de outros interesses. As razões que têm levado à solicitação voluntária 
da esterilização, considerada por muitos autores como uma lesão, 
como forma de não engravidar, transcende o âmbito individual. 
CARNEIRO e WERNEWCK (1992) já colocavam que em 
diversos graus e modos, mulheres em diferentes países, ocupações, 
classes, raças, idades e situações conjugais encontram suas decisões 
reprodutivas estruturadas por um conjunto de condições sobre as quais 
têm muito pouco controle. Para elas, o argumento de que as mulheres 
pedem a ligadura é de inspiração liberal. 
Na base deste modelo está a noção de que os serviços e produtos 
do planejamento familiar, como qualquer outra mercadoria, circula 
livremente no mercado sujeito as leis de oferta e procura, que são 
adquiridos voluntariamente por consumidores que agem com base em 
suas preferências pessoais e que as escolhas feitas pelos consumidores 
são sempre a verdadeira expressão de seus desejos. 
Pois bem, analisando os dados apurados no estudo, foi possível 
relacionar, primeiramente, os níveis de escolaridade ao tipo de 
ocupação e salário dos casais. Com pouca instrução, a maioria trabalha 
em atividades que não exigem muita qualificação e consequentemente 
oferecem pequena remuneração. Entre as mulheres inscritas para a 
laqueadura tubária, 34% não passou sequer do ensino fundamental e, 
entre seus companheiros, 32% têm no máximo quatro anos de estudo. 
Concomitantemente, verificou-se uma renda familiar que, em 34% dos 
casos não passa de dois salários mínimos mensais. 
57 
Esses dados refletem a situação do pais. Números da Pesquisa 
Nacional por Amostra de Domicílios PNAD, realizada pelo IBGE em 
1999 mostram que, em média, o brasileiro tem 5,7 anos de estudo. 
Quanto ao rendimento médio mensal familiar, a mesma pesquisa indica 
que, no Brasil, 27,6% das famílias ganham no máximo dois salários 
minimos. 
As perspectivas de melhores condições de trabalho e renda para 
essas pessoas são difíceis de visualizar. Pelo contrário, matéria 
publicada em edição especial da revista Veja em maio de 2002 mostra 
que estudar cinco anos apenas, algo muito comum no Brasil, não 
garante emprego a ninguém. Conforme a matéria, a taxa de 
escolaridade média de quem está empregado subiu e isso exige que os 
candidatos a uma vaga estudem mais. Outro dado igualmente 
importante é que subiu também a taxa de escolaridade dos 
desempregados. Ainda segundo a Veja, cerca de dois milhões de 
postos de trabalho foram fechados na última década no pais e metade 
dos jovens que chegaram ao mercado de trabalho na década de 90 não 
encontrou uma vaga. 
Aliás, o desemprego é um dos fatores que se faz presente na 
vida de muitas mulheres que estão buscando espontaneamente a 
esterilização. 0 presente estudo revela que, entre as entrevistadas, 
10% estavam desempregadas. Entre seus companheiros, o percentual 
chegou a 16%. 
Sem renda, usam de diferentes estratégias de sobrevivência, 
como recorrer à assistência governamental ou ajuda de parentes e 
vizinhos. Essa situação atinge atualmente milhões de brasileiros que 
não têm sequer o poder de adquirir os bens necessários para satisfazer 
suas reais demandas e, como colocam CARNEIRO e WERNECK 
(1992), não adquiriram ainda o direito de existir! 
58 
Cabe colocar aqui o mito da cultura da pobreza, segundo o qual 
os pobres não melhoram suas condições de vida porque não querem. 
Conforme ABRANCHES (1987), 
"Não melhoram porq ue as oportunidades para 
fazê-lo são menos acessíveis a eles, pobres, e 
porque não lhes sobra tempo e espaço para 
acumular, ainda que gratuitamente, os recursos 
necessários para alcançar melhores condições de 
vida. Para sobreviver, consomem mais horas 
trabalhando ou em busca de qualquer trabalho, 
horas que são subtraidas à educação, à busca de 
melhores opções de trabalho e renda, aos cuidados 
com a saúde, ao exercício da criatividade, à op cão 
política e ao lazer. Forçados a tal sobrecarga. e 
de tantos modos desgastantes, para a qual 
mobilizam toda a família — os adultos inte gras, os 
inválidos, os velhos e as crianças — são impotentes 
diante das imposições da necessidade, que lhes 
retiram toda liberdade: não deixam escolha." 
Diante destas dificuldades, boa parte das mulheres entrevistadas 
manifestou a vontade de dar condições de vida a seus filhos diferentes 
das que possuem. Uma das maiores preocupações neste sentido é de 
garantir que os filhos tenham estudo e assim possam conseguir 
trabalhar em atividades que ofereçam uma melhor remuneração. Para 
isso, consideram necess4rio limitar o número de nascimentos. Assim, a 
necessidade de não ter mais filhos é respaldada pela vontade de criar 
melhor os filhos. Oferecer aos filhos condições mais dignas é 
satisfazer a si mesmas. 
Como vimos, a busca pela esterilização tem ocorrido 
predominantemente por mulheres de baixa renda, so bretudo donas-de-
casa, com reduzido nível de escolaridade e poucas informações sobre 
métodos contraceptivos. As que estão no mercado de trabalho, em sua 
maioria, desenvolve atividades que não exigem muita qualificação,

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