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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE - FaC CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL DANIELLE CHRISTIAN SILVA MORAES PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO: UM ESTUDO DE CASO NO SENAC FORTALEZA FORTALEZA/CE 2013 DANIELLE CHRISTIAN SILVA MORAES PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO: UM ESTUDO DE CASO NO SENAC FORTALEZA Monografia submetida à aprovação Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação sob orientação Prof.ª Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves. FORTALEZA/CE 2013 M828p Moraes, Danielle Christian Silva. Pessoas com deficiência no mercado de trabalho: um estudo de caso no Senac Fortaleza / Danielle Christian Silva Moraes. – 2012. 89 f. Orientador: Profª. Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2012. 1. Trabalho. 2. Mercado de trabalho - pessoas deficientes. 3. Pessoas deficientes - inclusão. I. Gonçalves, Rúbia Cristina Martins. II. Título. CDU 331.5-056.26 CDU 323.285-055.2 CDU 658.153.2 Bibliotecária Maria Albaniza de Oliveira CRB-3/867 DANIELLE CHRISTIAN SILVA MORAES PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO: UM ESTUDO DE CASO NO SENAC FORTALEZA Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: _____ / _____ / _____ BANCA EXAMINADORA Prof.ª Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves (Orientadora) Faculdade Cearense - FaC Prof.ª Dra. Cristiane Porfírio de Oliveira do Rio Faculdade Cearense - FaC Prof.ª Ms. Valney Rocha Maciel Faculdade Cearense - FaC FORTALEZA/CE 2013 Dedico este trabalho a Deus, primeiramente, e a minha família. AGRADECIMENTOS Agradeço a minha família, principalmente meu esposo e filho por suportarem minha ausência em períodos de lazer por razões de dedicação aos estudos. A minha irmã que nunca desistiu da minha carreira profissional. A minha orientadora, pelo momento de dedicação nas orientações. E agradeço a Deus, principalmente, porque sem Ele nada disso seria possível. Todos os dias quando acordo, Não tenho mais o tempo que passou Mas tenho muito tempo Temos todo o tempo do mundo. (Legião Urbana) RESUMO O presente trabalho procura abordar de forma ampla as configurações do mercado de trabalho para as pessoas com deficiência e as políticas de qualificação para a inserção profissional diante dos antagonismos capitalistas e demandas do público em questão no competitivo mercado contemporâneo tendo como campo de investigação o SENAC. Faz mister, portanto para o enriquecimento do trabalho, analisarmos as contradições do processo capitalista e a luta de classes no contexto histórico visto aos olhos de autores marxistas que retratam minuciosamente as categorias trabalho, questão social e educação. A investigação empírica utilizou-se de metodologia qualitativa e pesquisa bibliográfica tendo como finalidade averiguar as pessoas com deficiência que trabalham no SENAC usando como instrumento necessário a análise da entrevista semi-estrurada. Os resultados confirmaram as contradições existentes no universo capitalista e no que cerne às políticas de inclusão e qualificação profissional para pessoas com deficiência através de entrevistas realizadas com seis pessoas que trabalham no SENAC Fortaleza na unidade Centro relatando as dificuldades para a inserção no mercado de trabalho, a adequação das condições e práticas de trabalho na organização, a igualdade em relação aos rendimentos salariais e postos de trabalho considerando o nível de escolaridade. PALAVRAS-CHAVES: pessoas com deficiência, trabalho, qualificação profissional e educação. ABSTRACT The present work seeks to address broadly the settings of the labor market for people with disabilities and the policies of qualification for the professional insertion before the capitalist antagonisms and demands of the public concerned in the competitive market as having contemporary research field SENAC. Makes mister, so to enrich the work, we analyze the contradictions of the capitalist and class struggle in historical context seen in the eyes of Marxist authors who meticulously depict the categories work, education and social issues. Empirical research we used qualitative methodology and literature and aims to ascertain people with disabilities who work in SENAC using as a necessary tool to analyze the semi-structured. The results confirmed the existing contradictions in the capitalist world and the heart that inclusion policies and professional training for people with disabilities through interviews with six people who work in the unit SENAC Fortaleza Center reporting difficulties in entering the labor market, the adequacy of conditions and work practices in the organization, equal wages for income and jobs considering the level of education. KEYWORDS: people with disabilities, employment, vocational training and education. LISTA DE SIGLAS BPC – BENEFICIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA CIPA – COMISSÃO INTERNA DE PREVENÇÃO CONTRA ACIDENTES CLT – CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO CONADE – CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA CORDE – COORDENADORIA NACIONAL PARA A INTEGRAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA DRT – DELEGACIA REGIONAL DO TRABALHO EPI – EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA INSS – INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO NACIONAL LOAS – LEI ORGÂNICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL MTE – MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO PRONATEC – PROGRAMA NACIONAL DE ACESSO AO ENSINO TÉCNICO E EMPREGO PSG – PROGRAMA SENAC GRATUIDADE SENAC – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL SENAI – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL SINE – SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO SIPE – SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO LISTA DE ILUSTRAÇÕES Tabela 1 – Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho.................................57 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13 I – DISCUTINDO AS CATEGORIAS DO OBJETO DE ESTUDO. ........................... 20 1.1 O Trabalho e a Teleologia ...................................................................................20 1.2 O Trabalho Como Protoforma da Práxis Social ................................................... 23 1.3 Divisão do Trabalho e Sociedade ........................................................................ 27 1.4 As Transformações no Mundo do Trabalho ........................................................ 31 1.5 A Questão Social no Brasil: Uma Análise no Contexto Histórico do Capitalismo 34 II – PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O PROCESSO DE QUALIFICAÇÃO E INCLUSÃO NO MERCADO DE TRABALHO ........................................................... 43 2.1. Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência ........................ 43 2.2. Qualificação Profissional como Exigência do Capitalismo Contemporâneo. ...... 47 2.3. Sobre a Educação Inclusiva ............................................................................... 50 2.4. Direitos e Demandas na Sociedade Capitalista ................................................. 55 III – TRABALHO COMO PERSPECTIVA DE INCLUSÃO? O PROCESSO CONTRADITÓRIO .................................................................................................... 60 3.1. Uma Análise do Campo de Investigação. ........................................................... 60 3.2. Definições e Características do Trabalho Social de Inclusão no SENAC-Ce ..... 64 3.3. O Mercado de Trabalho para Pessoas com Deficiência.................................... 67 3.4. O SENAC e as Oportunidades de Trabalho para Pessoas com Deficiência. ..... 70 3.5. Percepção das Pessoas com Deficiência. .......................................................... 71 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 84 APÊNDICE ................................................................................................................ 87 13 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem o objetivo de analisar o processo de inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho e as necessidades de formação profissional frente às novas exigências impostas pelo capitalismo. O interesse pelo tema pesquisado surgiu a partir de uma experiência de estágio junto ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC no período de abril de 2010 a abril de 2012, através da qual houve a oportunidade de participar de um novo projeto, ainda em debate, direcionado para pessoas com deficiência e o seu processo de inclusão no mercado de trabalho. Diante da expectativa de se ver o projeto concluído e posto em prática, nos interessou, portanto, averiguar as condições dessas pessoas com deficiência, suas limitações no mercado de trabalho e todo o processo de inclusão e exclusão dentro da sociedade capitalista. Faz-se importante frisar que o acesso das pessoas com deficiência à formação e ao mercado de trabalho contribui para a redução da pobreza e a construção de uma sociedade livre de preconceitos e discriminações. Analisando as categorias referentes ao objeto de estudo, iremos trabalhar com pesquisas de autores que se fundamentam no processo histórico do trabalho e nas suas características que embasam a sua essência e a sua desfiguração tendo como consequência a alienação do homem como trabalhador. Autores como Karl Marx (1988; 1998), que construiu as bases para a formulação de conhecimentos que englobam o mundo do trabalho, e Gyorgy LuKács (1979) terão importante contribuição no caminho dessa pesquisa. Outros autores como Marilda Iamamoto (2008) e Ricardo Antunes (1999;2007), que partem de pressupostos dos estudos de Marx para conceituar as transformações sociais, contribuirão com suas concepções teóricas sobre o trabalho e a questão social para compreender as mutações ocorridas historicamente no universo do capitalismo. Demerval Saviani (2004; 2007), que aborda as relações do trabalho com a educação, possibilitará meios de compreender as configurações atuais do mercado 14 de trabalho e a exigência de trabalhadores qualificados para o desenvolvimento econômico. Marx (1998) idealiza pressupostos constitutivos importantes ao processo de trabalho o qual define como elementos que contribuem para o projeto final destinado pelo trabalhador que são o trabalho, puro e simples; a matéria; e os meios que serão utilizados no processo de produção, ou seja, os instrumentos realizados para transformar a matéria. O trabalho é fonte de realização do ser humano e segundo Marx (1998), o processo de trabalho é uma interação entre o homem e a natureza na qual é regulada por ações que direcionam um meio e um fim. Por meio do trabalho o homem condiciona ações inerentes ao corpo buscando modificar e transformar aquilo já tem em mente. Segundo Marx (1998), o homem utiliza tais elementos para construir o objeto especificado em sua mente e transforma a natureza a fim de priorizar suas necessidades, feito isso, o trabalho extingue-se e tem-se então o produto final. Através da produtividade do trabalho, a classe dominante opera a condição de mais- valia e estabelece as regras para manter-se no poder. Com o alardeamento do acúmulo capitalista, as desigualdades sociais encontram-se imbricadas no processo de desenvolvimento do Brasil e caracteriza-se, segundo Marilda Iamamoto, peculiar na historicidade do país. Iamamoto (2008) prioriza o contexto histórico da sociedade brasileira e as formas de dominação do capitalismo vinculadas à contemporaneidade, pois de acordo com seu pensamento, as marcas históricas prevalecem até os dias atuais, surgem apenas modificações recriadas através da modernidade. A partir de novas intervenções históricas construídas dentro dos moldes capitalistas, a questão social surge reconfigurada e demandante de políticas sociais no cenário contemporâneo do Brasil. A crise do capitalismo a partir da década de 1970 produziu efeitos que dinamizaram o apoderamento da classe dominante através da exploração trabalhista 15 e elevação da taxa de juros a fim de obter lucratividade. Com efeito, a consequência da desregulamentação do capital é o aumento do desemprego e com isso o alargamento da competitividade, pois com a crise financeira, a redução de custos do capital atinge a figura do trabalhador, que torna-se polivalente para suprir as necessidades do empresariado. A intensificação do trabalho, a redução de postos de emprego e a precarização e/ou ausência de direitos trabalhistas agravam as redes de sociabilidade, causando o isolamento e a individualização. Em contrapartida, o Estado aliado e comprometido com a classe dominante, desvincula-se do papel de promover políticas sociais e subverte os direitos da população à crise financeira do capital, ou seja, “conclama-se a necessidade de reduzir a ação do Estado para o atendimento das necessidades das grandes maiorias mediante a restrição de gastos sociais (...)” (Iamamoto, 2008, p.144). Diante dessa conjuntura, Iamamoto (2008) deixa claro que a debilidade das formas de sociabilidade está cada vez mais evidente nos segmentos trabalhistas da modernidade na qual o cidadão é livre para fazer suas escolhas e assumir os riscos que a comprometem. Reluz-se então as transformações produzidas pelo advento do neoliberalismo e o surgimento da “velha questão social” metamorfoseada. As contradições inerentes aos meios de produção capitalista transcorre por meio de lutas sindicais com o propósito de garantia de direitos da classe trabalhadora e a redução da jornada de trabalho a fim de minimizar as desigualdades sociais. Nesse contexto, as lutas em favor dos menos favorecidos protagoniza a questão social e demandas por ações do Estado que visam ampliar políticas sociais bem como o aumento de postos de trabalho e a regulamentação de leis trabalhistas. Os sentidosdo trabalho são abordados por Ricardo Antunes (1999) de uma forma peculiar que menciona as ideologias, discursos, hegemonias e reprodução que envolve a classe-que-vive-do-trabalho e as relações de subordinação e estranhamento a partir da produção capitalista. 16 O autor profere sobre as mutações ocorridas no mundo do trabalho e a necessidade de ir além da aparência manifesta pelo capitalismo alertando sobre as mediações de segunda ordem do trabalho que introduz elementos fetichizadores e alienantes de controle social metabólico. É evidente então que com a modernização do capital, a educação e a qualificação profissional tornam-se imprescindíveis para o indivíduo se manter no mercado de trabalho e ter suporte suficiente para exercer as funções que o mercado competitivo exige. Demerval Saviani (2004) enfatiza bem essa problemática da educação frente às novas tendências do capitalismo. O autor vai dizer que a educação passa a ser entendida como algo decisivo para o desenvolvimento econômico e que a mesma potencializa o trabalho, isto é, a educação é de suma importância para a fase funcional do sistema capitalista e sobrepõe-se como fonte qualificadora da mão-de- obra. O estímulo à educação faz parte da envergadura do capital de reproduzir-se e manter-se no poder e não o contrário, equivale assim incitar a formação intelectual na qual traduz-se em sinônimo de qualidade na produção capitalista, todavia o trabalhador continua alienado e subordinado à classe dominante. Nesse projeto surge o termo inclusão educacional que tem a finalidade de fortalecer ideias legais e político-filosóficas em benefício de pessoas com deficiência com atendimento educacional especializado, principalmente na rede pública de ensino, a criação de programas de prevenção com atendimento exclusivo e a qualificação profissional como forma de determinar o acesso ao mercado de trabalho. (Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica, 2001 p. 09 e 10). No Brasil, o atendimento às pessoas com deficiência teve início na época do Império, com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, atual Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857, hoje denominado Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro. Em 1961, o atendimento educacional às pessoas com deficiência passa a ser fundamentado pelas disposições da Lei de Diretrizes e 17 Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei nº 4.024/61, que aponta o direito dos excepcionais à educação, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino. Nesse contexto, a educação inclusiva tem participação no projeto de educação básica no Brasil e organiza-se a partir de pressupostos da prática pedagógica social1. Analisa-se então uma progressão nos âmbitos educacionais em que “prevalecem as ideias de respeito às diferenças individuais e do direito à igualdade de oportunidades que todos devem ter , sem discriminação ou privilégios.” ( Tendências e desafios da educação especial, 1994, p.125). Quando se fala em pessoas com deficiência convém questionar seus conceitos, limites e diferenciações. O autor João Ribas (1998) em seu livro “O que são pessoas deficientes?” relata que as pessoas não são fisicamente iguais, ou seja, cada ser humano tem sua cor de pele, sua raça, altura e etc. Portanto, as pessoas com deficiência possuem diferenças das demais, pois possuem sinais ou sequelas mais notáveis, mas segundo o autor a realidade natural desses indivíduos não pode ser transpassada para a realidade social, ou seja, nós construímos a sociedade em que vivemos e “pensar numa sociedade melhor para as pessoas deficientes é necessariamente pensar numa sociedade melhor para todos”. (Ribas, 1998, p. 13). Vários entraves se manifestam para a inclusão da pessoa com deficiência, mas desde abril de 2004 foi decretada uma lei que exige que as empresas com mais de cem empregados, utilizem a contratação de um deficiente (MTE, 2007, p. 03). As leis são promulgadas, porém, causa desânimo o fato da exigência por parte do patronato, de garantir o profissional adequado para compor seu quadro de funcionários com capacitação profissional que atenda suas expectativas. O Método Dialético, que permeia a exploração dessa pesquisa, propõe analisar as contradições do universo capitalista postulados em sua fase histórica 1 Disponível em: http://portal.mec.gov.br; Acesso em 21/11/212. http://portal.mec.gov.br/ 18 contracenando com as classes trabalhadoras, de modo a focalizar as pessoas com deficiência no mercado de trabalho e sua qualificação profissional. A pesquisa, de cunho qualitativo, permite uma interação entre o objeto e os sujeitos pesquisados dentro do campo empírico em que possibilitará uma análise investigativa que busca responder as indagações propostas no decorrer da pesquisa. Para o enriquecimento da pesquisa fez-se necessário um estudo bibliográfico voltado ontologicamente ao capitalismo e às classes trabalhadoras e seus antagonismos históricos ao longo dos séculos vistos aos olhos de autores que retalham minuciosamente a busca da classe subalterna pela imposição junto ao capital. Correlacionar-se-á então, as formas de sociabilidade das pessoas com deficiência no Brasil, buscando apontar de forma enumerada as fases de superações no decorrer das metamorfoses do capitalismo. Ressaltamos que além da pesquisa bibliográfica, realizamos a pesquisa de campo qualitativa. O tema a ser investigado é bastante amplo, no entanto não nos debruçamos muito na pesquisa por razões do curto período de tempo, mas nos propomos a nos aprofundar em estudos futuros. No que cerne ao campo de investigação, a pesquisa foi realizada na Instituição SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – na unidade do centro de Fortaleza, que lida com as concepções de inclusão social para pessoas com deficiência trabalhando de modo a integrar a qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho para esse público em questão. Os instrumentos utilizados no decorrer da pesquisa para reunir informações sobre o tema estão relacionados ao aprofundamento bibliográfico sobre o projeto pedagógico do SENAC em relação às pessoas com deficiência e entrevistas aos seis profissionais (Cf Apêndice) inseridos no mercado de trabalho através da instituição. A entrevista, como técnica instrumental de pesquisa, tem a capacidade de coletar dados que enriquecem o trabalho do pesquisador e segundo Minayo (2007), 19 “A entrevista é acima de tudo uma conversa a dois, ou entre vários interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador. Ela tem o objetivo de construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo entrevistador de temas igualmente pertinentes com vistas a este objetivo” (Minayo, 2007, p.64). Em relação aos capítulos abordamos, logo no início, o trabalho como fonte de transformação da natureza humana tendo como referência as concepções marxianas. A categoria trabalho foi desenvolvida de forma peculiar, ou seja, desde à sua transposição teleológica para a alienação do trabalhador através da exploração capitalista dando concretude às lutas classistas e a amplitude da questão social. No segundo capítulo, fizemos uma análise das exigências de qualificação profissional para a inserção no mercado de trabalho, tendo como foco as pessoas com deficiência e a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência. No terceiro capítulo analisamos o campo de investigação – SENAC – e os principais projetos de inclusão social desenvolvidos pela a empresa. Partimos da concepção do projeto de inserção das pessoas com deficiência nas ações educativas do SENAC e inserção no mercado de trabalho. Emseguida dialogamos as percepções das pessoas com deficiência que trabalham na instituição com referenciais teóricos que analisam a inserção profissional das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. 20 I – DISCUTINDO AS CATEGORIAS DO OBJETO DE ESTUDO O trabalho constitui-se como protoforma da práxis social e como fonte de realização da vontade humana. Ao falarmos de trabalho ressaltamos a importância de discorrer em nossa pesquisa o pensamento de Marx (1998) e seus seguidores tornando como parte importante o movimento dialético. No princípio da pesquisa sobre as pessoas com deficiência no mercado de trabalho nos propomos investigar o trabalho como forma inerente à realização humana e as contradições impostas pelo capitalismo a partir da exploração dos trabalhadores tendo como consequência a divisão e luta das classes (burguesia e proletariado). O fenômeno da luta de classes perpassa a historicidade do capitalismo diante das suas artimanhas para se manter no poder. As classes subalternas, porém, exploradas e destituídas de direitos, lutam por melhores condições de vida, redução na jornada de trabalho e proteções trabalhistas. A questão social possui formas multifacetadas, o que requer o olhar inclinado do Estado na defesa de seus direitos e políticas que assegurem mudanças contestáveis por parte do empresariado. A questão social reflete no país acontecimentos recorrentes da época da colonização brasileira. Sobre o tema Marilda Iamamoto (2008) demonstra que a questão social no Brasil ressurge metamorfoseada apresentando “traços” novos de acordo com as inovações presentes na contemporaneidade. A importância de falarmos sobre o trabalho e suas configurações reflete no fato de que as pessoas com deficiência sempre estiveram à margem do capitalismo e que a luta por direitos e igualdade só tornou-se concreta no Brasil com a Constituição de 1988 e a Política Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho em 1991. 1.1 O Trabalho e a Teleologia Ao iniciarmos o nosso ponto de reflexão sobre as categorias de análise do presente estudo, devemos focalizar, antes de tudo, o trabalho como processo 21 natural da força humana em que se determina através da natureza de acordo com o pensamento de Marx (1998) e a ontologia do ser social segundo Lukács (1979). O trabalho nada mais é que um processo de participação entre o homem e a natureza, transformando-a e articulando-a segundo suas intenções previstas no pensamento. O homem ao defrontar-se com a natureza como uma de suas forças, põe em movimento as forças naturais de seu corpo com a finalidade de construir o que antes foi-lhe determinado em pensamento e por conseguinte, utiliza-se dessa força para dar concretude ao seu pensamento. Segundo Marx (1998), o homem ao modificar a natureza, tem sua própria natureza modificada quando desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. É nesse contexto que Marx classifica o trabalho como uma forma exclusivamente humana quando o define: No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade (Marx, 1998, p.212). Marx (1998) vai além ao definir que o ato de trabalho, tendo como resultado o produto, produz uma configuração que articula meio e objeto de trabalho como núcleos fundantes do processo produtivo. É nesse patamar, então que o homem ao adaptar um objeto exterior às suas necessidades, cria um produto através de um trabalho produtivo unindo trabalho manual e trabalho intelectual (Marx, 1998). A partir desse ponto verifica-se a alteração do produto, que antes era individual, tornar-se então em produto social, produto que agora gera trabalho coletivo exigindo, para sua confecção, diferentes membros determinados em variadas operações. Para efetuar um trabalho produtivo não é necessário que se execute um trabalho manual, basta apenas ser um membro do trabalho coletivo ou desempenhar uma função qualquer dele. Porém, não é isso o que caracteriza de uma maneira especial o trabalho produtivo no sistema 22 capitalista. (Marx, 1998,p.152) Para Antunes (1999) o ser social cria e recria as próprias condições da sua reprodução e faz isso a partir de sua vida societal por meio do trabalho e luta por sua existência. Ou seja, o trabalho segundo o autor, é um saber teleológico que consiste em uma definição prévia idealizado a partir da consciência humana. Segundo o pensamento de Lukács (1979): “(...) através do trabalho, uma posição teleológica é realizada no interior do ser material, como nascimento de uma nova objetividade. A primeira consequência disso é que o trabalho torna-se protoforma de toda a práxis social (...) sua forma originária desde que o ser social se constitui. O simples fato de que o trabalho é a realização de uma posição teleológica é para todos uma experiência elementar da vida cotidiana” (Lukács, 1979, p.99). Para analisar mais a fundo a concepção de trabalho, Antunes se fundamenta através de posições de Luckács (1979) quando menciona as complexas relações entre a teleologia e a causalidade. Segundo o autor a “teleologia está presente na própria colocação de finalidades e a causalidade é dada pela materialidade fundante, pelo movimento que se desenvolve em suas próprias bases(...)” (Antunes, 1999, p.137). Aprofundando, o autor diz que há uma inteira relação de reciprocidade entre teleologia e causalidade, composta de uma essência dada pela realização material de uma idealidade posta, é portanto, um fim previamente idealizado em que transforma a realidade material introduzindo-lhe algo qualitativa e radicalmente novo em relação ao que era antes, ou seja, a natureza pura e simples. Ao comparar o trabalho com as formas precedentes do ser, orgânicas e inorgânicas, o autor exemplifica dizendo que o trabalho está na ontologia do ser social como uma categoria qualitativamente nova em que o ato teleológico é seu elemento constitutivo central e, por conseguinte, que funda a especificidade do ser social. É por meio do trabalho e através da realização de suas necessidades que o 23 homem se insere na vida em sociedade e deixa, portanto, de ser epifenômeno2 e de ter uma consciência meramente adaptável ao meio ambiente para tornar-se uma atividade autogovernada. De acordo com Antunes “o lado ativo e produtivo do ser social torna-se pela primeira vez ele mesmo visível através do pôr teleológico presente no processo de trabalho e da práxis social” (1999, p.138). O trabalho, segundo o autor, “não é um mero ato decisório, mas um processo, de uma contínua cadeia temporal que busca sempre novas alternativas” (Antunes, 1999, p.138). O desenvolvimento do trabalho está na busca de alternativas presentes na práxis humana, significa apoiar-se sobre decisões entre alternativas presentes, é “(...) ir além da animalidade por meio do salto humanizador conferido pelo trabalho, o ir além da consciência epifenômenica, determinada de modo meramente biológico, adquire então, com o desenvolvimento do trabalho, um momento de refortalecimento, uma tendência em direção à universalidade” (Antunes, 1999, p.138). Dentro da esfera da necessidade humana e da realização desta têm-se o trabalho como elemento mediador em que se dá uma vitória do comportamento consciente sobre a mera espontaneidade do instinto biológico. A intervenção do trabalho como mediador entre a necessidade e a satisfação imediata no processo de autorrealização humana, “(...) do avanço do ser conscienteem relação ao seu instintivo, bem como do seu avanço em relação à natureza, configura-se o trabalho como referencial ontológico fundante da práxis social” (Antunes, 1999, p.138). 1.2 O Trabalho Como Protoforma da Práxis Social O sentido do trabalho segundo Antunes (1999) é entendido de forma 2 Um "Epifenômeno" designa aquilo que é adicionado a um fenômeno sem exercer qualquer influência sobre ele. A palavra epifenômeno refere-se a condição ou a algo "sobre" ou "acima" do fenômeno, derivando de uma causa primária. É produto direto do termo fenômeno. Desta forma, a mente é produzida por algum fenômeno e nossa compreensão exclusivamente científica endereça os processos cerebrais como fenômeno da mente. Já para as correntes filosóficas dualistas, a "mente" é um fenômeno por si mesmo, independente do cérebro. Ela é a razão única, ou causa de si mesma.(Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Epifen%C3%B3meno ; Acesso em: 03/11/2012). http://pt.wikipedia.org/wiki/Epifen%C3%B3meno 24 genérica e abstrata com a relação metabólica entre o ser social e a natureza. Em seu sentido primitivo, o trabalho aparece como ato laborativo em que objetos naturais são transformados em coisas úteis. A seguir, tem-se sua forma desenvolvida, como práxis social e paralelamente a essa relação homem-natureza desenvolvem-se inter-relações com outros seres sociais com vistas à produção de valores-de-uso. A partir de então, surge a práxis social interativa com o objetivo de convencer outros seres sociais a realizar determinado ato teleológico. Ao analisarmos a temática trabalho, deparamo-nos com um paradoxo, uma contradição: ao mesmo tempo em que o trabalho constrói o homem, ele também o destrói. Dessa maneira, primeiramente iremos analisar de que modo o trabalho é um fator positivo para a estruturação dos homens e dos grupos sociais e de que modo o trabalho é um fator de negação da potencialidade humana. Iniciemos então com a positividade do trabalho, que se encontra em seu sentido ontológico. O trabalho é a forma fundante do ser social, forma primeira ou protoforma da atividade humana, da práxis (Antunes, 1999). Nesse sentido, o trabalho se torna humano através da atividade de intercâmbio entre o homem e a natureza, no qual ele a transforma de acordo com as suas necessidades e simultaneamente ele também se transforma. O trabalho é também uma atividade essencialmente humano, pois ele é dotado de teleologia e configura-se como um projeto que é previamente planejado de modo intencional pela mente do homem, como ser da práxis, visando uma determinada finalidade. Esse é o fator que diferencia o trabalho humano do trabalho de todos os outros animais, ou seja, ele é intencional (Marx, 1998). A posição teleológica de esfera interativa visa atuar teleologicamente sobre outros seres sociais configurando-se como expressões mais desenvolvidas e crescentemente complexificadas da práxis social, guardando por isso maior distanciamento em relação ao trabalho, às posições teleológicas primárias. As ações interativas acabam assumindo uma supremacia frente aos níveis inferiores, mesmo se constituindo como base de sua existência, nesse sentido 25 Lukács (1979) as define como secundárias, “ em relação ao sentido originário do trabalho, das posições teleológicas primárias, que tem um estatuto ontológico fundante” (Lukács, 1979, p.24). Na análise de Antunes (1999), o trabalho é a forma fundamental, mais simples e elementar daqueles complexos cuja interação dinâmica constitui-se na especificidade do ser social. O trabalho realiza materialmente o relacionamento radicalmente novo do metabolismo com a natureza, enquanto as formas mais complexificadas da práxis social tem na reprodução humana em sociedade a sua inseparável pré-condição. É a partir de tal análise, portanto, que o autor vai dizer que as formas mais avançadas da práxis social encontram no ato laborativo sua base originária e que, por mais complexas, diferenciadas e distanciadas, elas se constituem em prolongamento e avanço e não em uma esfera inteiramente autônoma e desvinculada das posições teleológicas primárias. Segundo Lukács (1979): A auto elevação em relação às formas anteriores, o caráter autóctone que o ser social adquire, expressa-se precisamente pela supremacia dessas categorias onde o novo e o mais alto desenvolvimento desse tipo de ser ganha expressão em relação aos que lhe deram fundamento” (Lukács, 1979, p.33). Verifica-se que nas posições teleológicas secundárias, a subjetividade adquire um sentido novo prosseguindo-se de sua real complexificação. No que se refere à objetividade, configura-se um autocontrole que emerge inicialmente a partir do trabalho, no domínio crescente sobre sua esfera biológica e espontânea. A partir desses dois fenômenos dá-se uma nova forma de inter-relação entre subjetividade e objetividade, entre teleologia e causalidade, no interior do modo humano e societal de preenchimento das necessidades. O processo de humanização do homem em seu sentido amplo constitui-se a partir da gênese do trabalho e de seu desenvolvimento. É nesse aspecto que o trabalho altera a natureza e autotransforma o próprio ser que trabalha. A natureza humana é também metamorfoseada a partir do processo laborativo, dada a 26 existência de uma posição teleológica e de uma realização prática. Nesse processo de transformação – entre natureza e homem ou vice-versa – Antunes (1999) compreende que surge então um novo ser social em que a consciência humana deixa de ser um epifenômeno biológico e se constitui num momento ativo e essencial da vida cotidiana. A consciência humana é, portanto, um fato ontológico objetivo e a busca de uma vida cheia de sentido, dotada de autenticidade, encontra no trabalho seu lócus primeiro de realização. A busca de uma vida cheia de sentido consiste, socialmente, na composição de seres sociais para sua auto-realização individual e coletivamente. Na palavras de Antunes: “Dizer que uma vida cheia de sentido encontra na esfera do trabalho seu primeiro momento de realização é totalmente diferente de dizer que uma vida cheia de sentido se resume exclusivamente ao trabalho, o que seria um completo absurdo. Na busca de uma vida cheia de sentido, a arte,a poesia, a pintura, a literatura, a música, o momento de criação, o tempo de liberdade, tem um significado muito especial. Se o trabalho se torna autodeterminado, autônomo e livre, e por isso dotado de sentido, será também (...) por meio da arte, da poesia, da pintura, da literatura, da música, do uso autônomo do tempo livre e da liberdade que o ser social poderá se humanizar e se emancipar em seu sentido mais profundo” (Antunes, 1999, p.143). Vale dizer que o sentido do trabalho, simples e abstrato, como criador de valores de uso, configura cada ato laborativo a partir de seu pôr teleológico que o desencadeia, ou seja, sem o ato teleológico, nenhum trabalho seria possível. Dessa forma o ato teleológico, expresso por meio da colocação de finalidades é, portanto, uma manifestação vinculada à liberdade dentro do processo de trabalho. É, pois, um momento efetivo de interação entre subjetividade e objetividade, causalidade e teleologia, necessidade e liberdade. Segundo as análises de Antunes (1999), o trabalho é portanto, protoforma da práxis social, constitui-se como momento fundante, categoria originária em que os nexos entre causalidade e teleologia se desenvolvem de modo substancialmente novo. O trabalho é categorizado como mediação, o qual permite um salto ontológico 27 entre os seres anteriores e o ser que se torna social, ou seja, ao mesmo tempo em que transforma a relação metabólica entre homem e natureza e num patamar superior, entre os próprios seres sociais, autotransforma o própriohomem e a sua natureza humana. 1.3 Divisão do Trabalho e Sociedade De acordo com as reflexões sobre a categoria trabalho e a ontologia do ser social cabe-nos questionar sobre o trabalho em sociedade tendo como embate a divisão socioeconômica das classes. Nesse sentido, ao analisarmos a obra de Marx (1998) nos propugnamos a compreender a divisão social do trabalho e a correspondente limitação dos indivíduos nas esferas profissionais particulares. A divisão social do trabalho, segundo Marx, surge através da troca entre ramos de produção que são originalmente diversos e independentes entre si. Conforme Marx, (...) quando a divisão fisiológica do trabalho constitui o ponto de partida, os órgãos particulares de um todo unificado e compacto se desprendem uns dos outros, se dissociam, sob a influência da troca de mercadorias com outras comunidades, e tornam-se independentes até o ponto em que a conexão entre os diversos trabalhos se processa por intermédio dos produtos como mercadorias. No primeiro caso, o que era independente se torna dependente; no segundo, o que era dependente se torna independente (Marx, 1998, p.407). Marx (1998) afirma que o fundamento de toda divisão do trabalho desenvolvida e processada através da mercadoria é a separação entre a cidade e o campo e que de certa maneira essa divisão depende da magnitude e densidade da população, que correspondem à aglomeração dos operários numa oficina. Seguindo o pensamento Marxiano, sendo a produção e a circulação de mercadorias condições fundamentais do modo de produção capitalista, a divisão manufatureira do trabalho pressupõe que a divisão do trabalho na sociedade tenha atingido certo grau de desenvolvimento, nesse sentido há uma reciprocidade em tal pensamento quando afirma que “ a divisão manufatureira do trabalho, reagindo, 28 desenvolve e multiplica a divisão social do trabalho” (Marx, 1998, p. 408). Ocorre então que com a diferenciação das ferramentas Marx (1998) afirma que se diferenciam cada vez mais os ofícios que fazem tais ferramentas. Com a divisão territorial do trabalho ocorre o confinamento de ramos particulares de produção em áreas determinadas de um país, recebendo novo impulso com a atividade manufatureira que explora todas as peculiaridades. O processamento da divisão do trabalho na sociedade acontece através da compra e venda de produtos dos diferentes ramos de trabalho. Marx (1998) relata então sobre a conexão, dentro das manufaturas, dos trabalhos parciais que se realizam através da venda de diferentes forças de trabalho ao mesmo capitalista que as empregam como força de trabalho coletiva. A divisão do trabalho, de acordo com Marx (1998), pressupõe a concentração dos meios de produção nas mãos de um capitalista, ou seja, a divisão social do trabalho, dispersão dos meios de produção entre produtores de mercadorias, independentes entre si. De acordo com Marx (1998), a divisão do trabalho em uma determinada nação obriga, em primeiro lugar, à separação entre o trabalho industrial e comercial e o trabalho agrícola e, como consequência, tem-se a separação entre o campo a cidade e consequentemente à oposição dos seus interesses. Desse modo o desenvolvimento da cidade conduz à separação do trabalho comercial e do trabalho industrial. (...) devido à divisão de trabalho no interior dos diferentes ramos, assiste-se ao desenvolvimento de diversas subdivisões entre os indivíduos que cooperam em trabalhos determinados. A posição de quaisquer destas subdivisões particulares relativamente às outras é condicionada pelo modo de exploração do trabalho agrícola, industrial e comercial (patriarcado, escravatura, ordens e classes). O mesmo acontece quando o comércio se desenvolve entre as diversas nações (Marx, 1998, p. 12). A divisão manufatureira do trabalho distorce o sentido natural do trabalho como práxis humana ao pressupor que a autoridade incondicional do capitalista sobre os seres humanos os transforma em simples membros de um mecanismo que 29 a ele pertence. A divisão social do trabalho faz confrontarem-se produtores independentes de mercadorias e que, segundo Marx (1998), não reconhecem outra autoridade além da concorrência, da coação exercida sobre eles pela pressão que se propugna através de interesses de ambas as partes, ou seja “O mesmo espírito burguês que louva (...) a divisão manufatureira do trabalho, a condenação do trabalhador a executar perpetuamente uma operação parcial e sua subordinação completa ao capitalismo, com a mesma ênfase denuncia todo o controle e regulamentação sociais conscientes do processo de produção como um ataque aos invioláveis direitos de propriedade, de liberdade e de iniciativa do gênio capitalista” (Marx, 1998, p.411). Através do pensamento de Marx (1998), consentimos então ao afirmar que na sociedade em que rege o modo capitalista de produção, condicionam-se reciprocamente a anarquia da divisão social do trabalho e o despotismo da divisão manufatureira do trabalho. Mais além, Marx (1998) transcreve que enquanto a divisão social do trabalho, diante do processo de troca de mercadorias ou não, é inerente às mais diversas formações econômicas da sociedade, a divisão do trabalho na manufatura é uma criação específica do modo de produção capitalista. Dentro da produção manufatureira a força de trabalho constitui-se como ponto de partida para revolucioná-la, já na indústria moderna Marx vai dizer que a revolução está no instrumental do trabalho e que é mister, portanto, investigar como o instrumental de trabalho se transforma de ferramenta manual em máquina e, assim, fixar a diferença que existe entre a máquina e a ferramenta. A maquinaria, nas análises de Marx (1998), consiste em três partes distintas: o motor, a transmissão e a máquina-ferramenta. O motor traduz-se em força motriz de todo o mecanismo; a transmissão regula o movimento e transforma-o quando necessário; a máquina-ferramenta constitui-se num mecanismo que realiza com suas ferramentas as mesmas operações que antes eram realizadas pelo trabalhador com ferramentas semelhantes. Na concepção de Marx (1998), mesmo com a força motriz do homem ou de outra máquina, a coisa não muda em sua essência, ou seja, a ferramenta 30 propriamente dita se transfere do homem para um mecanismo, a máquina toma o lugar da simples ferramenta, mas o homem continua sendo o primeiro motor. O número de ferramentas com que o homem pode operar ao mesmo tempo é limitado pelo número de seus instrumentos naturais de produção que são seus órgãos físicos. Depois então que os instrumentos se transformam de ferramentas manuais para ferramentas incorporadas a um aparelho mecânico, Marx (1998) vai dizer que a máquina adquire uma forma independente e inteiramente livre dos limites da força humana. Nesse sentido, com o crescimento das invenções e a procura crescente de novas máquinas, cada vez mais se diferenciava em ramos autônomos a produção de máquinas e se desenvolvia a divisão do trabalho nas manufaturas que construíam máquinas. É nesse patamar, portanto, que a manufatura se constitui em base técnica imediata da indústria moderna. Melhor contextualizando, a manufatura produzia a maquinaria e por conseguinte a máquina eliminava o artesanato e a manufatura nos ramos de produção de que se apoderava. Com efeito, a revolução no modo de produção de um ramo industrial acaba se propagando a outros e não obstante, a indústria moderna teve então de apoderar-se de seu instrumento característico de produção, ou seja, a própria máquina, e de produzir máquinas com máquinas. Nas palavras de Marx: O instrumental de trabalho, ao converter-se em maquinaria, exige a substituição da força humana por forças naturais, e da rotina empírica, pela aplicação consciente da ciência. Na manufatura, a organização do processo de trabalhosocial é puramente subjetiva, uma combinação de trabalhadores parciais. No sistema de máquinas, tem a indústria moderna o organismo de produção inteiramente objetivo que o trabalhador encontra pronto e acabado como condição material da produção. Na cooperação simples e mesmo na cooperação fundada na divisão do trabalho, a supressão do trabalhador individualizado pelo trabalhador coletivizado parece ser algo mais ou menos contingente. A maquinaria, (…) só funciona por meio de trabalho diretamente coletivizado ou comum. O caráter cooperativo do processo de trabalho torna-se uma necessidade técnica imposta pela natureza do próprio instrumental de trabalho (Marx, 1998, p. 442). 31 É válido dizer então que, o capital faz o operário trabalhar não mais com uma ferramenta manual, mas com uma máquina que maneja os próprios instrumentos e que, nesse processo a indústria moderna aumenta extradiornariamente a produtividade do trabalho ao incorporar as gigantescas forças naturais e a ciência ao valioso processo de produção. Sob esse aspecto, Marx (1998) enfatiza afirmando que o ponto de partida da indústria moderna é pois, a revolução do instrumental de trabalho e esse instrumental assume uma forma mais desenvolvida no sistema orgânico de máquinas da fábrica, o que de fato, gera consequências imediatas da produção mecanizada sobre o trabalhador. Dentre as consequências tem-se a apropriação pelo capital das forças de trabalho suplementares, o trabalho de mulheres e crianças, o prolongamento da jornada de trabalho bem como a intensificação deste. Nisso, podemos compreender que a tendência do capital é alardear os rumos de conflitudes entre as classes subalternas ao mesmo tempo em que procura compensar-se por meio desta com a elevação sistemática do grau de intensidade do trabalho como base de ampliação da mais-valia. 1.4 As Transformações no Mundo do Trabalho Com as crescentes mudanças ocorridas no mundo do trabalho, verifica-se constantemente a desproletarização do trabalho industrial fabril nos países de primeiro mundo com afetação mínima na industrialização nos chamados países emergentes. Concomitantemente, tem-se notado a ampliação do trabalho assalariado e sua heterogeneização com acentuada inserção feminina dentro da classe operária. Paralelo a essas circunstâncias, presencia-se no universo trabalhista as formas de precarização dos meios de subsistência da vida humana em que Ricardo Antunes a define como subproletarização que marca um duplo sentido no capitalismo avançado. Como resultado dessas transformações, surge o aumento do desemprego estrutural atingindo dramaticamente toda a esfera global gerando o que podemos chamar de uma via de mão dupla dentro dos anseios do capital moderno, ou seja, se 32 de um lado tem-se a redução do operário industrial; de outro vê-se o aumento do subproletariado, o trabalho precário, a terceirização de mão-de-obra, trabalho parcial, temporário e a informalidade. Os trabalhadores, dentro dessa esfera de transformação do capital, têm entre si algo em comum: a precariedade do emprego e da remuneração bem como o vinculo ao trabalho protegido, que consiste em lhes garantir direitos trabalhistas de acordo com a lei vigente, no entanto o capitalismo burla esse direito de modo a precarizar as proteções trabalhistas. Segundo Harvey (1992) “ a atual tendência dos mercados de trabalho é reduzir o número de trabalhadores centrais e empregar cada vez mais uma força de trabalho que entra facilmente e é demitida sem custos...”(1992, p.144). De acordo com Antunes (2007), a classe-que-vive-do-trabalho está cada vez mais complexa, pois nela estão inseridos homens e mulheres formando uma grande massa heterogênea que comporta indivíduos particulares com identidades e subjetividades singulares e que no decorrer do processo produtivo e/ou vida social cada um irá expor essa individualidade. Outro agravante se configura nesse universo controverso do capitalismo, ou seja, verifica-se o aumento gradativo do assalariamento dos setores médios por conta da expansão do setor de serviços. Isso significa dizer que segundo pesquisas sobre o desenvolvimento das sociedades industrializadas, verifica-se um grau de elevação que se imbrica no setor de serviços abrangendo gradativamente esse segmento comercial. Antunes relata que “ deve-se afirmar, entretanto, que a constatação do crescimento desse setor não nos deve levar à aceitação da tese das sociedades pós-industriais, pós- capitalistas (...) da maioria dos serviços. Pois não se trata de setores com acumulação de capital autônomo; ao contrário, o setor de serviços permanece dependente da acumulação industrial propriamente dita e (...) da capacidade das indústrias correspondentes de realizar mais-valia nos mercados mundiais” (2007,p. 55). As inquietações referentes ao trabalho e ao capitalismo produz consequências que refletem a uma dupla direção na classe trabalhadora: a redução do trabalhador operário ao mesmo tempo em que necessita de qualificação 33 profissional do trabalhador e paralelo a isso, desqualifica significativamente outra massa de empregados. Ricardo Antunes (2007) relata que essas mudanças do trabalho vivo pelo trabalho morto, ou seja, essa troca de valores, oferece ao trabalhador a chance de regular o processo de produção, porém, essa lógica tem elucidações abstratas que envolve novas formas de capturar e alienar o trabalhador dentro do processo produtivo do capital. Segundo Marx (1998): O capital mesmo é a contradição em processo, (pelo fato de) que tende a reduzir a um mínimo de tempo de trabalho, enquanto que, por outro lado, converte o tempo de trabalho na forma de tempo de trabalho necessário, para aumentá-lo na forma de trabalho excedente. (...) Por um lado desperta para a vida todos os poderes da ciência e da natureza, assim como da cooperação e do intercâmbio social, para fazer com que a criação da riqueza seja (relativamente) independente do tempo de trabalho empregado por ela (1998, p. 257). A outra consequência que atua paralelamente dentro da classe trabalhadora é a desqualificação do operariado industrial, concentrando dois paradigmas contemporâneos, isto é, ocorre uma desespecialização3 do trabalho operário advento do fordismo e concentra uma grande massa de trabalhadores à deriva e oscilantes entre a terceirização, subcontratos, informalidade e etc. A introdução dos trabalhadores flexíveis decorrentes do toyotismo dentro das grandes indústrias, possibilitou a desespecialização do trabalho dos operários com o intuito do capitalismo adquirir vantagens no processo de produção ao mesmo tempo em que aumentava a intensidade do trabalho. Ricardo Antunes (2007) divide a “periferia da força de trabalho” em dois subgrupos: o primeiro ele classifica como trabalhadores em tempo integral e que estão incluídos secretárias, trabalho rotineiro, setor financeiro e etc. O segundo está situado na periferia e com maior flexibilidade nas rotinas trabalhistas; nesse grupo 3 O mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo contém múltiplas processualidades, ou seja, verifica-se a desproletarização do trabalho industrial e fabril nos países de capitalismo avançado com maior ou menor repercussão em áreas industrializadas do Terceiro Mundo. Em outras palavras, houve uma diminuição da classe operária industrial tradicional, mas, paralelamente, efetivou-se uma expressiva expansão do trabalho assalariado, a partir da enorme ampliação do assalariamento no setor de serviços.(Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/5RicardoAntunes.pdf; Acesso em: 03/11/2012)). http://www.estudosdotrabalho.org/5RicardoAntunes.pdf 34 estão incluídos os trabalhadores subcontratados, os temporários, e em tempo parcial; verifica – se portanto a expansãosignificativa desse grupo nas últimas décadas. As configurações apontadas por Ricardo Antunes (2007) no mundo do trabalho, evidenciam o contraste provocado pelo capitalismo dentro da classe trabalhadora em que ao mesmo tempo este exige a qualificação profissional também provoca a desqualificação em diversos ramos do processo produtivo gerando enfim, uma contradição em âmbito trabalhistas. 1.5 A Questão Social no Brasil: Uma Análise no Contexto Histórico do Capitalismo As desigualdades sociais atingem o processo de desenvolvimento do Brasil construindo sob a égide do capital os paradoxos que configuram os reflexos da questão social no país. A hegemonia do capitalismo e os distúrbios lançados por ele na sociedade não são recentes, as marcas históricas persistem na contemporaneidade, diferencia-se somente o modo de agir de acordo com a modernidade em que ele está inserido e infiltra-se de forma mascarada com a mesma essência precedente ao longo da história. Iamamoto nos diz que “ o novo surge pela mediação do passado, transformado e recriado em novas formas nos processos sociais do presente” (Iamamoto, 2008, p.128). No atual mercado mundial, o Brasil consegue controlar sua economia e se destaca no comércio exterior, ou seja, aparece no cenário como um país de economia emergente e direciona uma forma particular no trato com a organização da produção, com as relações entre o Estado e a sociedade. Diante dessa atuação, a formação do universo político-cultural das classes, grupos e indivíduos sociais encontra-se comprometida com a lógica capitalista e subverte seus direitos para o crescimento e autonomia da economia do país no grande cenário do comércio internacional. Dentro desse cenário, Celso Furtado (2003) destaca as tendências da 35 economia internacional contemporânea. Para o autor, três ordens de fatores iriam contribuir para que um novo tipo de sistema internacional se estruturasse, proporcionando-lhe coerência e estabilidade. Dentre eles estavam os fatores de ordem política, fatores ligados à posição da economia americana no mundo e os fatores decorrentes do sistema monetário internacional que se apoiava nas instituições de Bretton Woodes4. Nesse sentido, diferentemente da antiga economia mundial que se baseava em um mercado internacional de produtos, a nova começou a definir-se em um sistema multinacional em que, um dos traços mais significativos diante dessa mudança estava no papel estratégico do Estado, o qual assumia-se como sujeito estabilizador das economias nacionais. O uso de políticas monetária e fiscal para proporcionar estabilidade aos sistemas econômicos nacionais (...) abriu nova fase evolutiva ao capitalismo, cujo alcance ainda não pôde ser percebido em toda sua complexidade (Furtado, 2003, p. 57). É, portanto, nesse capitalismo pós-cíclico5 que as funções econômicas do Estado encontram-se atreladas às funções de natureza da empresa, tornando-as como centro de decisões no processo do poder econômico. Nisso, o autor nos diz que a estabilidade dos sistemas econômicos favoreceu a tendência já manifesta anteriormente de abandono dos preços flexíveis para então serem administrados, o que de certa forma, beneficiaria as empresas que estavam em condições de planejar a longo prazo (maior poder financeiro). 4 As Conferências de Bretton Woods, definindo o Sistema Bretton Woods de gerenciamento econômico internacional, estabeleceram em julho de 1944 as regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo. O sistema Bretton Woods foi o primeiro exemplo, na história mundial, de uma ordem monetária totalmente negociada, tendo como objetivo governar as relações monetárias entre Nações-Estado independentes (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordos_de_Bretton_Woods; Acesso em 20/11/2012). 5 Desde 1825, um fenômeno econômico mundial se repete de forma periódica. Clement Juglar registrou a repetição, a partir de 1862. Segundo ele, as crises econômicas se repetem num período que varia entre 7 e 11 anos. Embora estudos comprovem a sua existência, no pós-segunda guerra mundial, os economistas acabaram com o problema chamando o capitalismo de “pós-cíclico”. As flutuações econômicas, termo que passou a designar as crises, eram então acidentes do capitalismo que facilmente poderiam ser resolvidos (Disponível em: www.blogpost.com.br; Acesso em: 01/01/2012). http://pt.wikipedia.org/wiki/1944 http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordos_de_Bretton_Woods http://www.blogpost.com.br/ 36 As mutações ocorridas na esfera econômica traduzem-se na possibilidade, quase ilimitada, do capital diversificar-se funcional e geograficamente sugerindo-se que a eficácia econômica é a grande razão de ser da empresa-gigante. Nesse sentido, quanto mais diversificada a experiência da empresa em setores funcionais e áreas geográficas, mais amplos são os horizontes que se abrem. A curto prazo, a grande empresa pode intensificar os investimentos nas economias que apresentam possibilidades imediatas, mediante a mobilização de recursos financeiros retirados de outras áreas. A longo prazo mais longo ela se beneficia do fato de que planeja num horizonte temporal mais amplo e dispõe de grande poder financeiro (Furtado, 2003, p.60). É mister saber que, o processo de exploração de novos produtos torna-se uma das principais vantagens de concentração de renda para o empresariado e, paralelo a isso está a ampliação industrial e comercial. A concentração significa a via de acesso ao poder financeiro e permite a maximização de vantagens das ações diversificadas e do planejamento a mais longo prazo. Voltando ao papel do Estado, José Paulo Neto (1992) avalia que este sempre interveio no processo econômico a partir dos interesses dos donos do poder e que (...) na certeira caracterização marxiana, o representante do capitalista coletivo, atuara como o cioso guardião das condições externas da produção capitalista. Ultrapassava a fronteira de garantidor da propriedade privada dos meios de produção burgueses somente em situações precisas – donde um intervencionismo emergencial, episódico, pontual. Na idade do monopólio, ademais da preservação das condições externas da produção capitalista, a intervenção estatal incide na organização e na dinâmica econômicas desde dentro, e de forma contínua e sistemática. Mais exatamente, no capitalismo monopolista, as funções políticas do Estado imbricam-se organicamente com as suas funções econômicas (Netto, 1992, p. 21). No contexto da reflexão de Netto (1992), podemos concluir a nítida inflexão do Estado em favor do capitalismo monopolista, o que caracteriza-se como uma imbricação orgânica entre os aparatos privados dos monopólios e as instituições estatais, ou seja, entre o público e o privado. Nesse âmbito de refuncionalização do Estado para atender aos interesses do capital, as necessidades e demandas da classe trabalhadora tornam-se latentes 37 e paralelamente a isso tem-se um aumento significativo da questão social no país. Com tal reorganização, o Estado passa a incumbir-se da preservação e do controle da força de trabalho ocupada e excedente, combinando repressão policial com outras formas de ação que garantem o consenso. Segundo Netto (1992), essa função do Estado surge para favorecer o grande capital, ou seja, para que o mesmo possa valorizar-se e reproduzir-se. Não se trata aqui, simplesmente da “socialização dos custos” (...) obviamente que este é o fenômeno geral, através do qual o Estado transfere recursos sociais e públicos aos monopólios. O processo é mais abrangente e preciso: quer pelas contradições de fundo do ordenamento capitalista da economia, quer pelas contradições intermonopolistas e entre os monopólios e o conjunto da sociedade – o Estado– como instância da política econômica do monopólio – é obrigado não só a assegurar continuamente a reprodução e manutenção da força de trabalho, ocupada e excedente, mas é compelido (...) a regular a sua pertinência a níveis determinados de consumo e a sua disponibilidade para ocupação sazonal, bem como a instrumentalizar mecanismos gerais que garantam a sua mobilização e alocação em função das necessidades e projetos do monopólio (Netto,1992, p.23). Ao relatar fatos da sociedade capitalista podemos observar que o modo de produzir, distribuir e acumular bens materiais e riqueza é um produto histórico, ou seja, é o resultado da ação de homens e mulheres que , diante de suas necessidades, reproduzem as relações sociais (Mota, 2010). Tais condições e relações, segundo Mota (2010), continuam a revelar a coexistência planetária de uma polaridade: riqueza e pauperismo. Cabe então pensar em tais temas no âmbito do desenvolvimento histórico do capitalismo, pois de acordo com a autora O modo de produção capitalista, ao mesmo tempo em que institui o trabalhador assalariado e o patronato, também produz o fenômeno do pauperismo, responsável pelo surgimento da pobreza como questão social (Mota, 2010, p.25). Em meados do século XIX até o início do século XXI, o modo de produção capitalista, na concreção das formações econômico-sociais que o corporificam 38 planetariamente, transformou-se notavelmente. Segundo a autora (Mota, 2010), na contemporaneidade há uma diferença central em relação ao passado, ou seja, há uma diminuição e restrição no horizonte economicamente expansivo do capitalismo, no quadro da crise geral do assalariamento, dos mecanismos públicos de proteção aos riscos sociais do trabalho e da organização política dos trabalhadores e na expansão e hipertrofia do capital financeiro, do desemprego constante e da nítida diminuição do dever e responsabilidades sociais do Estado. Com o crescimento das desigualdades sociais, torna-se evidente o processo de mudanças entre o novo e o velho em que alteram-se em direções contrapostas, ou seja, “a modernidade das forças produtivas do trabalho social convive com padrões retrógrados nas relações no trabalho, radicalizando a questão social” (Iamamoto, 2008, p.139). Segundo Iamamoto (2008), o desenvolvimento desigual é causado por contraposições de interesses no qual a hegemonia de uma categoria condiciona o enfraquecimento de outra: a desigualdade entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social, entre a expansão das forças produtivas e as relações sociais na formação capitalista. É nesse terreno que o capitalismo mascara a essência da realidade e atribui fetichismos e mistificações que obscurecem os efeitos de sua produção e acumulação e operacionaliza o atraso da sociedade brasileira que está no centro do capitalismo (Martins Apud Iamamoto, 1994). Iamamoto (2008) relata o progresso da sociedade brasileira no contexto histórico no qual Martins considera como “sociologia da história lenta”, ou seja, o país ainda convive com padrões retrógrados articulados pelo capitalismo, o qual alude-se de novas roupagens para transpor de forma lenta as transformações sociais. O desafio, portanto, segundo o referido autor é compreender as articulações do capitalismo empreendidas em seu tempo e as diferentes relações reproduzidas em sua lógica (Martins Apud Iamamoto, 1994). Nesse patamar podemos considerar que a burguesia produz a desigualdade 39 ao longo da história através de movimentos antidemocráticos, ou seja, as decisões políticas eram comandadas de cima para baixo e excluía-se as classes subalternas, confirmando a destituição do direito à cidadania através da participação na política. Na década de 1950 do século XX, a burguesia constrói novos meios de sobrepor seus interesses acima das classes subalternas para consolidar o crescimento da economia e, enfim, relaciona-se com a expansão monopolista e incorpora-se à esse crescimento. A transição da burguesia para o crescimento monopolista transcreve uma falsa democracia, ou seja, restrita à classe dominante que tinha o objetivo de desenvolver um capital interno autônomo. O país então descaracteriza-se da democracia dos oligarcas para tematizar em seu perfil a democracia do capital estreitando os laços de dependência com o exterior sem deixar a herança colonial, permanecendo então as formas de subordinação da produção agrícola para a exportação. Para se consolidar no poder, as classes dominantes ignoram qualquer ideia de romper com o passado e percorre o caminho para a modernidade implantando novas formas de conter as pressões populares realizando mudanças para preservar a ordem. Com a exportação do mercado brasileiro, o capital estrangeiro se insere no país e o converte à modernização, porém aumentam as taxas de urbanização e transforma a estrutura social em condições complexas. Conforme Caio Prado Jr.: A situação de dependência e subordinação orgânica e funcional da economia brasileira com relação ao conjunto internacional de que participa, é um fato que se prende às raízes da formação do país, (...) Será essencialmente uma economia colonial, no sentido mais preciso, em oposição ao que denominaríamos de economia "nacional", que seria a organização da produção em função das necessidades próprias da população que dela participa. Esta é a circunstância principal que tornará o Brasil tão vulnerável à penetração do capital financeiro internacional quando o capitalismo chega a esta fase do seu desenvolvimento. O país far-se-á imediata e como que automaticamente, sem resistência alguma, em fácil campo para suas operações. (Prado, 2006, p.206). Nesse sentido o imperialismo das classes dominantes atua como um 40 poderoso fator de exploração da riqueza nacional, em outras palavras, a exploração não se faz em benefício de uma classe brasileira - haja vista a grupos insignificantes ligados diretamente ao capital financeiro e tão internacionais quanto ele - mas de classes e interesses completamente estranhos ao país. Isto significa dizer que neste processo não é apenas a classe trabalhadora que se desfalca, mas o “país em conjunto que vê escoar-se para fora de suas fronteiras a melhor parcela de suas riquezas e recursos” (Prado, 2006, p.214). Caio Prado Jr. (2006) faz uma alusão à economia brasileira ao afirmar que a intervenção do imperialismo desvirtua seu funcionamento, subordinando-a a fatores estranhos e impedindo sua estruturação normal na base das verdadeiras e profundas necessidades da população do país. É nisso, portanto, que o pensamento do autor iguala-se ao de Iamamoto (2008) quando exemplifica dizendo que o imperialismo representa o sentido de manter a economia brasileira na função primária, que vem do seu passado colonial, de fornecedora de gêneros tropicais ao comércio internacional. Não obstante, todos os fatores que hoje se mostram favoráveis a uma ruptura definitiva com este passado opõe-se nitidamente a ação do imperialismo e o estímulo para libertar o país de suas contingências coloniais ficam então em segundo plano. De acordo com Iamamoto (2008) a transmutação do capital se deu graças a acordos entre as frações de classes economicamente dominantes, à exclusão forçada das forças populares e à sua repressão permanente bem como a intervenção econômica do Estado. Nesse sentido, todas as opções concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou indiretamente ligadas à transição e evolução do capitalismo se deram de forma elitista e antipopular. As pressões populares – em meados do século XX - frente às classes dominantes iniciaram-se unitariamente, ou seja, sem grandes repercussões, mas desperta na democracia uma prática restauradora de adicionar mudanças nas 41 relações de poder, pois mesmo que timidamente, as reivindicaçõesdas classes subalternas ameaçavam uma transformação de “baixo para cima”( Iamamoto, 2008). O Estado e a burguesia mantêm laços constantes na história do Brasil e é através dessa aliança e da subalternidade da sociedade civil que se expõe uma democracia enfraquecida: mencionando o que já fora dito antes, o processo histórico das relações do Estado, da burguesia e das classes subalternas atravessam as fronteiras do tempo articulando-se às novas dimensões da modernidade. A burguesia brasileira está ligada ao poder oligárquico e compartilham interesses para renovar a expansão comercial, financeira e industrial. O fim da oligarquia não acontece, pelo contrário, “a velha oligarquia agrária recompõe-se, moderniza-se economicamente, refaz alianças para se manter no poder, influenciando decisivamente as bases conservadoras da dominação burguesa no Brasil” (Iamamoto, 2008, p.135). Com a República, os direitos dos cidadãos referente ao alcance político são colocados em tese para possíveis concretizações. Medidas como a abolição da escravatura, a generalização do trabalho livre e a instauração da propriedade de terra sanearam a organização capitalista da produção e do mercado de trabalho. A livre-concorrência é fator dominante na burguesia brasileira, porém prevalecem as ações de mandonismo, inerentes à tradição histórica do capital, para preservar a base de sua estrutura econômica e o seu status de valor no que se refere às formas de dominação e poder. Iamamoto (2008) atribui à questão agrária como forma de compreender o Estado historicamente no que diz respeito à sua atuação no espaço social brasileiro e no que tange à política de poder e as transformações ocorridas no território nacional. É nesse contexto que se fundem os interesses do capital e da renda da terra, o que causará um dúbio apontamento entre o proprietário de terras e o capitalista. O favorecimento desse bloco de poder revelou o aumento da população sobrante, o que consequentemente causou a diminuição dos salários dos 42 trabalhadores sem afetar os interesse desse bloco dominante e a modernização capitalista, porém, ao mesmo tempo, arcaica. A questão democrática mais uma vez é atingida pelos anseios da classe dominante e permanece debilitada em decorrência do conservadorismo político e do ideário liberal. O liberalismo transcreve sua trajetória no Brasil através do envolvimento das elites dominantes com o mercado agroexportador e mesclam-se com as ideologias do liberalismo que contracena com a lógica do lucro, da liberdade e igualdade. A partir de concepções europeias, a burguesia demonstra o desacordo contra o arbítrio e a escravidão, no entanto, na prática traduz a sua essência e revela-se o favor e o clientelismo como traços constantes dentro de instituições à qual pregava de forma ilusória o direito e a igualdade. Aqui os princípios liberais não se forjaram na luta da burguesia contra a aristocracia e a realeza e não evoluíram em função da revolução industrial. A industrialização no Brasil só se consolida tardiamente no século XX. (...) Os limites do liberalismo no Brasil, nas suas origens, foram definidos pela escravidão, pela sobrevivência das estruturas arcaicas de produção e pela dependência colonial nos quadros do sistema capitalista internacional. Trata-se de um liberalismo que nasceu tendo como base social as classes de extração rural e sua clientela (Iamamoto, 2008, p.138). É nesse patamar, portanto, que a burguesia insere a economia brasileira na condição monopolista e produz o agravamento da questão social e a “permanente exclusão dos trabalhadores urbanos e rurais das decisões do Estado e ao arbítrio do poder privado dos chefes políticos locais e regionais” (Iamamoto, 2008, p.139). Diante do exposto, podemos verificar que, sobre a lógica do capital em seu percurso histórico na sociedade brasileira, percebe-se o aprofundamento das desigualdades sociais e do desemprego e a vitória do neo-liberalismo no presente, no qual os indivíduos estão absorvidos por essa lógica e amparados pela sua própria sorte, ou seja, a única opção é de se virarem no mercado de trabalho atual que configura-se como competitivo e excluísta, ou seja, produz na sua essência o ato de favorecer apenas aos seus interesses. 43 II – PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O PROCESSO DE QUALIFICAÇÃO E INCLUSÃO NO MERCADO DE TRABALHO Falar sobre pessoas com deficiência é muito mais complexo do que poderíamos pensar. O problema reside no fato de que qualquer definição ou conceito sobre o tema sugere em uma imagem que nós fazemos de tais pessoas. Quando nos perguntamos o que são pessoas deficientes, nos colocamos a imaginar que são pessoas que “despossuem” alguma parte física ou laboral, ou seja, “(...) a pessoa que você imaginou tem as características de um cego, de um demente, ou de um paralítico com todas as possíveis ideias que se podem fazer a respeito dessas palavras?” (Ribas, 1998, p.08). De acordo com Ribas (1998), o termo “pessoas deficientes” refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, sendo essa deficiência em decorrência de ser congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. Nesse contexto, podemos avaliar que a deficiência está ligada a possíveis sequelas que restringiram a execução de uma atividade. Nesse ponto Ribas vai dizer que “a incapacidade diz respeito aos obstáculos encontrados pelos deficientes em sua interação com a sociedade, levando-se em conta a idade, sexo, fatores sociais e culturais” (1998, p. 10). 2.1. Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência Dentro do universo de contradições do processo de produção e reprodução da mais-valia em favor da riqueza do empresariado, encontram-se as pessoas com deficiência, que estão à margem das mistificações idealistas de cunho capitalista. O processo de exclusão, historicamente imposto às pessoas com deficiência, deve ser superado por intermédio da implementação de inclusão e pela conscientização acerca das potencialidades desses indivíduos. Esse tipo de idealização messiânica deve ser retirado e substituído pela analise das correlações de força que pressionam e gradativamente tem buscado alterar esse quadro. 44 Ao realizarmos uma análise sobre o longo caminho ,percorrido em busca de direitos e igualdades das pessoas com deficiência, percebemos que as lutas e conquistas se propagam desde a Revolução Francesa de 1789 em que a concepção de cidadania consolidou-se como declaração de liberdade. Já no século XIX, a busca por direitos sociais com ações estatais que compensassem as desigualdades, garantiu aos desvalidos direitos implantados e construídos de forma coletiva, em prol da saúde, da educação, da moradia, do trabalho e da cultura para todos. Mas, foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que houve a afirmação da cidadania completa, ou seja, percebeu-se a necessidade de valorizar a vontade da maioria e o respeito às minorias com suas necessidades e peculiaridades. Nesse contexto, tem-se aí o fundamento das políticas em favor de quaisquer minorias no qual se enquadram também as pessoas com deficiência, os quais passarão a ser sujeitos de seu próprio destino. O Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relacionado ao censo de 2010 e publicado em 2011, tem hoje cerca de 45 milhões de pessoas com deficiência, ou seja, um total de 23,9% dentro de uma população brasileira de quase 191 milhões de habitantes (IBGE, 2010). No Estado do Ceará os dados do IBGE indicam que este possui 27,7% do total dessa população, que é equivalente a 2,3 milhões de habitantes. Do total de pessoas que possuem alguma deficiência no Brasil, a grande maioria vive em condições de extrema pobreza, sem acesso à escola,
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