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115 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL Unidade III 7 SISTEMA ENDÓCRINO O sistema endócrino, assim como o nervoso, ajusta e integra as atividades dos vários sistemas corporais, tornando‑as apropriadas às demandas relativas aos ambientes externo e interno. O sistema endócrino atua por meio de sinais químicos que são secretados na corrente sanguínea por glândulas que não possuem ductos. Essas moléculas sinalizadoras são denominadas hormônios e regulam diversos processos metabólicos. Um hormônio, produzido por uma célula secretora e liberado na corrente sanguínea, age em uma célula alvo que é capaz de reconhecer tal hormônio e alterar funções em resposta a esse hormônio. Uma célula alvo é capaz de reconhecer um hormônio a partir do momento em que expressa um receptor específico para esse hormônio. O receptor hormonal é fundamental para que haja uma resposta endócrina (CURI; PROCOPIO, 2009; GANONG, 2006). Um hormônio pode agir em uma célula alvo que está distante do seu local de produção, nesse caso, ele chega através do sangue. Esse sistema de ação hormonal é denominado endócrino. No sistema de ação parácrino, o hormônio difunde‑se no interstício agindo em células‑alvo vizinhas da célula secretora e, no sistema de ação autócrino, o hormônio, uma vez secretado, volta a agir na própria célula secretora (CURI; PROCOPIO, 2009). 7.1 Classificação dos hormônios Os hormônios podem ser classificados de acordo com a sua natureza química. Dependendo da composição química de um hormônio, ele pode ser classificado como hidrossolúvel ou lipossolúvel. Os hormônios hidrossolúveis são hidrofílicos, ou seja, possuem afinidade por moléculas polares, como a água, já os hormônios lipossolúveis são lipofílicos e possuem afinidade por moléculas apolares, como os lipídios presentes na membrana plasmática das células. A membrana plasmática representa uma barreira à passagem de moléculas hidrofílicas e, opostamente, moléculas que são lipofílicas solubilizam‑se na membrana plasmática, podendo atravessá‑la facilmente. Compreende‑se então que, dependendo da composição química de um hormônio, ele pode ser hidrossolúvel ou lipossolúvel e, consequentemente, o mecanismo de ação nas células alvo decorrerá dessa propriedade (CURI; PROCOPIO, 2009). Os hormônios hidrossolúveis, os mais abundantes, são proteicos ou peptídicos. Variam desde um único aminoácido modificado, passando por peptídeos simples até grandes proteínas, que podem formar cadeias de proteínas glicosiladas (possuem um radical açúcar ligado a um aminoácido) ou fosforiladas (possuem um grupo fosfato ligado a um aminoácido). Os menores hormônios hidrossolúveis são os aminoácidos modificados, por exemplo: a tirosina dá origem à adrenalina e à noradrenalina; a histidina dá origem à histamina; e o triptofano origina a serotonina. A síntese desses hormônios 116 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III depende da disponibilidade intracelular do aminoácido precursor e da atividade das enzimas que são responsáveis pelo processo de modificação dos aminoácidos. Os demais hormônios, peptídicos e proteicos, são expressos por genes específicos e envolvem os mecanismos básicos de síntese proteica (transcrição gênica e tradução). Devido à característica polar dos hormônios hidrossolúveis, eles solubilizam‑se facilmente no interstício e no sangue, de forma que podem circular livres. Entretanto, algumas exceções são encontradas, como o hormônio do crescimento que circula ligado a uma proteína carregadora. A ligação de um hormônio a uma proteína circulante tem ao menos duas vantagens, além de propiciar o transporte até a célula alvo: • garante um reservatório hormonal circulante, minimizando flutuações nas concentrações plasmáticas do hormônio; e • prolonga a meia vida de um hormônio na circulação (CURI; PROCOPIO, 2009). Lembrete Meia vida de uma molécula é definida como o tempo necessário para que sua concentração ou atividade seja reduzida à metade. O hormônio hidrossolúvel não entra na célula alvo, ele liga‑se a receptores que estão presentes na membrana plasmática da célula alvo. O fator determinante para que um tecido responda a um dado hormônio é a presença de um receptor e da maquinaria pós‑receptor na célula. Cada receptor reconhece um hormônio de forma específica e de alta afinidade, e transforma essa ligação (hormônio‑receptor) em um sistema de transdução específico que gera um efeito final (CURI; PROCOPIO, 2009). Alguns ligantes, quando interagem com seus receptores de membrana, podem causar alteração na condutância de canais iônicos. Porém, muitos outros ligantes, quando interagem com seus receptores, ativam mecanismos que envolvem mensageiros químicos intracelulares, que desencadeiam alterações da função celular. Os ligantes extracelulares (no caso, o hormônio hidrossolúvel) são denominados primeiros mensageiros, e os mediadores intracelulares são conhecidos como segundos mensageiros (GANONG, 2006). Os segundos mensageiros desencadeiam muitas alterações de curta duração na função celular, por exemplo, alteram a função enzimática, promovem a exocitose e, principalmente, alteram a transcrição de vários genes. Os segundos mensageiros exercem esses efeitos, em parte, ao ativar fatores de transcrição que já estão presentes na célula, e esses fatores ativados induzem a transcrição de outros genes, que, por sua vez, podem ativar outros genes, que induzem efeitos mais prolongados (GANONG, 2006). 117 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL Os hormônios lipossolúveis são sintetizados a partir de uma molécula precursora lipídica. A grande maioria desses hormônios deriva do éster de colesterol, e por isso são chamados de hormônios esteroides. Para que ocorra a síntese desse tipo de hormônio, é necessário que a célula secretora tenha um aporte do precursor lipídico e tenha, também, as enzimas específicas que metabolizam a molécula lipídica precursora até chegar a forma ativa. Por meio de conversões enzimáticas, vários metabólitos vão sendo gerados a partir do precursor, cada um deles com atividade biológica variável tanto na sua intensidade quanto no tipo de ação. Os hormônios esteroides podem ser gerados tanto no córtex da glândula adrenal quanto nas gônadas. O tipo de hormônio a ser sintetizado em cada território depende da presença de enzimas específicas na célula. Embora bioquimicamente esses hormônios sejam bastante parecidos, a atividade biológica é bastante diversa, incluindo‑se desde ações no metabolismo do carboidrato (glicocorticoides) e no balanço hidroeletrolítico (mineralocorticoides) até ações nas funções reprodutivas feminina (estrógenos) e masculina (andrógenos). Diferentemente dos hormônios hidrossolúveis, os lipossolúveis não são armazenados em grânulos, eles são secretados por difusão simples através da membrana plasmática à medida que vão sendo sintetizados. Dessa maneira, não há estoque na célula secretora, e a secreção hormonal é regulada diretamente pela maior ou menor atividade da enzima‑chave do processo de síntese hormonal (CURI; PROCOPIO, 2009). Por sua característica hidrofóbica, os hormônios lipossolúveis encontram dificuldades para se deslocar no interstício e no meio sanguíneo, por isso, é fundamental que esses hormônios liguem‑se a proteínas (estas hidrossolúveis) que, englobando a molécula lipídica, lhe confere solubilidade ao meio aquoso, permitindo o deslocamento desses hormônios pelo plasma. Existem várias proteínas, em geral de formato globular e, portanto, chamadas de globulinas, que são ligantes específicos de vários hormônios lipossolúveis. Além disso, a albumina, proteína encontrada em maior quantidade no plasma sanguíneo, também é um ligante importante de hormônios lipossolúveis. Assim, hormônios esteroides circulam ligados a proteínas carregadoras. Emgeral, 1% ou menos do hormônio total presente no plasma está na forma livre, e, portanto, biologicamente ativo. Essa característica é extremamente importante, pois o efeito biológico dos hormônios lipossolúveis depende da quantidade de hormônio livre. Por sua solubilidade em lipídios, os hormônios esteroides conseguem atravessar diretamente a membrana plasmática das células. Quando livres, imediatamente se difundem para o meio intracelular e vão agir em seus receptores intracelulares de suas células alvos. A ação dos hormônios lipossolúveis é desencadeada a partir de sua ligação a receptores intracelulares, cujo complexo hormônio‑receptor termina por se ligar em sítios específicos da região promotora de genes alvo, atuando como fatores transcricionais. 7.2 Regulação da secreção hormonal A secreção hormonal é regulada por retroalimentação, ou seja, baseia‑se no equilíbrio entre o estímulo e inibição da síntese e secreção do hormônio. Esse equilíbrio tem uma importante base funcional: o mecanismo de feedback (retroalimentação), que pode ser negativo, como ocorre na maioria 118 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III dos sistemas hormonais, ou positivo. No feedback negativo, quando a concentração do hormônio aumenta, são ativados mecanismos inibidores da sua produção, que atuam tanto na síntese quanto na secreção, fazendo com que a concentração do hormônio diminua. E, uma vez que a concentração do hormônio diminuir, serão ativados mecanismos estimuladores da sua produção, fazendo com que a concentração do hormônio aumente. Dessa maneira, ao longo do tempo, a concentração do hormônio se mantém oscilando em torno de um valor constante. Já o feedback positivo é menos comum nos sistemas hormonais, e ocorre quando um determinado hormônio tem sua concentração aumentada e são ativados mecanismos que fazem com que sua síntese e secreção aumente mais ainda. Nesse sistema, um estímulo recebido é amplificado, por exemplo, as alças de retroalimentação positiva controlam os processos que levam à ruptura de um folículo através da parede ovariana ou à expulsão do feto de dentro do útero (CURI; PROCOPIO, 2009; KOEPPEN; STANTON, 2009). Lembrete Na retroalimentação (feedback) negativa, a diminuição do hormônio tireoidiano na corrente sanguínea leva a estimulação de sua produção através do aumento de tirotrofina. Já o aumento de sua concentração plasmática, por meio da inibição de sua produção através da diminuição de tirotrofina. Hipófise Tirotrofina Tireoide In ib e Es tim ul a Tiroxina (baixo) (alto) Figura 37 – Exemplo de retroalimentação (feedback) negativa Além dos mecanismos de retroalimentação negativa e positiva, existem variações periódicas na liberação dos hormônios que são influenciadas por mudanças sazonais, pelos estágios de desenvolvimento, envelhecimento e pelo ciclo sono‑vigília. Um exemplo é a correlação do hormônio de crescimento, o GH, com os estágios do sono. No início do sono, há aumento da secreção desse hormônio, porém, nos estágios mais avançados, há diminuição. Muitas dessas mudanças cíclicas hormonais estão relacionadas 119 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL às alterações da atividade de vias neurais envolvidas no controle da liberação de hormônios (CURI; PROCOPIO, 2009). 7.3 Sistema hipotálamo‑hipófise O hipotálamo, apesar de constituir menos de 1% do volume cerebral, é um centro de integração de funções que visa manter a homeostase do organismo animal. Não existe função no organismo que, direta ou indiretamente, não seja controlada pelo hipotálamo. O hipotálamo localiza‑se na porção terminal anterior do diencéfalo, que repousa abaixo do sulco hipotalâmico e à frente dos núcleos interpedunculares. Divide‑se em uma variedade de núcleos e áreas nucleares, e tem conexões com diversas estruturas, entre elas a hipófise (CURI; PROCOPIO, 2009; GANONG, 2006). Embriologicamente, a hipófise surge como uma evaginação do assoalho do terceiro ventrículo e localiza‑se no interior da sela túrcica, no osso esfenoide na base do crânio, sendo conectada com o hipotálamo pela haste hipofisária. Também chamada de glândula pituitária, a hipófise é uma estrutura pequena, porém complexa. No ser humano, possui dois lobos com origens embriológicas distintas, um lobo epitelial chamado de adeno‑hipófise (ou hipófise anterior) e outro lobo neural chamado neuro‑hipófise (ou hipófise posterior). A adeno‑hipófise constitui 80% do volume da glândula e é composta por cinco tipos de células que produzem e secretam seis tipos de hormônios, enquanto a neuro‑hipófise libera vários neuro‑hormônios. Todas as funções endócrinas da hipófise estão sob o comando do hipotálamo e são reguladas por alças de retroalimentação positiva e negativa (CURI; PROCOPIO, 2009; KOEPPEN; STANTON, 2009; GANONG,2006). Hipotálamo Tratoipofisário Neuropófise (posterior) Adenoipófise (anterior) Hipófise intermediária Figura 38 – Representação esquemática do sistema hipotálamo‑hipófise 7.4 Neuro‑hipófise (posterior) A parte neural da hipófise é denominada neuro‑hipófise e consiste em uma projeção para baixo do tecido hipotalâmico. Na extremidade superior da neuro‑hipófise, desenvolve‑se uma tumefação em forma de funil chamada de eminência mediana, que é a região onde a haste hipofisária se insere 120 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III na base do hipotálamo. A neuro‑hipófise é uma estrutura neurovascular e corresponde ao local de liberação de neuro‑hormônios que foram produzidos no hipotálamo (CURI; PROCOPIO, 2009; KOEPPEN; STANTON, 2009). Neurônios hipotalâmicos, cujos corpos celulares estão localizados nos núcleos supraópticos (NSP) e nos núcleos paraventriculares (NPV), projetam‑se para a neuro‑hipófise e secretam, em um rico leito de capilares fenestrados, os hormônios peptídicos antidiurético (ADH, ou arginina vasopressina) e a oxitocina. Os corpos celulares desses neurônios são denominados magnocelulares (corpos celulares grandes) e projetam seus axônios para baixo (até a neuro‑hipófise), pela haste infundibular, como tratos hipotalâmico‑hipofisários. A hipófise posterior é amplamente vascularizada, e seus capilares são fenestrados, o que facilita a difusão dos hormônios para dentro dos vasos. O hormônio antidiurético e a oxitocina são hormônios peptídicos, com apenas nove aminoácidos e com estrutura similar, que diferem entre si em apenas dois aminoácidos. O ADH e a oxitocina são liberados na neuro‑hipófise em resposta a estímulos detectados primeiramente pelos corpos celulares e dendritos de neurônios situados no NSO e NPV do hipotálamo. O estímulo leva à exocitose do ADH ou da oxitocina (dependendo do estímulo) que cai no líquido extracelular da neuro‑hipófise e tem, então, acesso à circulação periférica, podendo ser detectado no sangue. O ADH age primariamente nos rins, promovendo a retenção de água (antidiurese). A oxitocina age principalmente no útero de mulheres grávidas induzindo o parto, atua também nas células mioepiteliais das mamas causando ejeção do leite durante a amamentação. 7.5 Adeno‑hipófise (anterior) A hipófise anterior é composta de cinco tipos de células endócrinas que produzem seis tipos de hormônios e, como mencionado anteriormente, suas secreções estão sob o controle do hipotálamo. Por isso, antes de analisarmos separadamente cada hormônio da adeno‑hipófise, é importante entender a organização estrutural e funcional desses eixos endócrinos (KOEPPEN; STANTON, 2009). Cada eixo endócrino é composto por três níveis de células endócrinas: • neurônios hipotalâmicos, que produzem os hormônios liberadores ou inibidores; • células endócrinas da adeno‑hipófise, que secretam hormônios tróficos; • glândulas endócrinas periféricas, que secretam hormônios periféricos. Os neurônios do hipotálamo secretam os hormônios liberadoreshipotalâmicos específicos que chegam na adeno‑hipófise e estimulam, especificamente, a secreção dos hormônios tróficos da adeno‑hipófise. Os hormônios tróficos da adeno‑hipófise caem na circulação e vão agir em glândulas‑alvo endócrinas periféricas específicas, estimulando essas glândulas a liberar hormônios periféricos. Esses hormônios periféricos vão regular aspectos da fisiologia humana e vão, também, exercer uma retroalimentação negativa (na grande maioria dos casos) sobre o hipotálamo e a adeno‑hipófise, inibindo a produção e a secreção dos hormônios liberadores e tróficos, respectivamente (KOEPPEN; STANTON, 2009). 121 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL Hipotálamo Adenoipófise Neuroipófise Hipotálamo Glândula tireoidea Glândulas paratireoideas Timo Pâncreas Epífese Hipófise Adrenais Ovários Testículos Figura 39 – Representação das glândulas periféricas controladas pelo sistema hipotálamo‑hipófise Os grupos de neurônios hipotalâmicos que estimulam a adeno‑hipófise localizam‑se em várias regiões do hipotálamo, e coletivamente são chamadas região hipofisiotrófica. Os neurônios dessa região distinguem‑se dos neurônios magnocelulares dos NSO e NPV (que se projetam para a neuro‑hipófise) por terem corpos celulares pequenos, ou parvicelulares. Os neurônios parvicelulares projetam axônios para a eminência mediana e lá secretam, de suas terminações axônicas, hormônios liberadores. Os hormônios liberadores penetram em um plexo primário de capilares fenestrados e são, em seguida, conduzidos pelos vasos porta hipotalâmico‑hipofisários até um segundo plexo capilar localizado na adeno‑hipófise. No plexo secundário, os hormônios liberadores difundem‑se para fora dos vasos e ligam‑se a seus receptores específicos situados em tipos de células específicas dentro da adeno‑hipófise (KOEPPEN; STANTON, 2009). Observação Um vaso “porta” é definido como o que começa e termina nos capilares sem passar pelo coração. 122 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III A conexão neurovascular (haste hipofisária) posicionada entre o hipotálamo e a hipófise é um tanto frágil e pode ser rompida por traumatismo físico, cirurgia ou doença hipotalâmica. A lesão da haste e o subsequente isolamento funcional da hipófise anterior provocam um declínio de todos os hormônios da hipófise anterior, exceto da prolactina (ver adiante). A adeno‑hipófise é constituída dos seguintes tipos de células endócrinas: corticotrofos, tireotrofos, gonadotrofos, somatotrofos e lactotrofos. Os corticotrofos estimulam o córtex da glândula adrenal e, junto ao hipotálamo, constituem o eixo hipotálamo‑hipófise‑adrenal. Os corticotrofos estão sob o controle do hipotálamo, de onde recebem estímulos para produzirem o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH; também conhecido como corticotrofina). Um subgrupo de neurônios parvicelulares hipotalâmicos produz o hormônio liberador de corticotrofina (CRH). O CRH estimula de modo imediato a secreção de ACTH pelos corticotrofos (KOEPPEN; STANTON, 2009). O ACTH é um peptídeo com 39 aminoácidos sintetizado como parte de um pró‑hormônio maior, a proopiomelanocortina (POMC). Por essa razão, os corticotrofos também são conhecidos como células POMC. A POMC alberga a sequência peptídica que originará o ACTH, o MSH (hormônio estimulante dos melanócitos), as endorfinas (opiódes endógenos) e as encefalinas. O corticotrofo humano expressa apenas a pró‑hormônio convertase que produz o ACTH, o único hormônio ativo secretado por essas células. O ACTH circula na forma de hormônio livre e tem uma meia vida curta, cerca de 10 minutos. Ele liga‑se ao receptor 2 da melanocortina (MC2R) localizado nas células do córtex da glândula adrenal. O ACTH aumenta de modo abrupto a produção de cortisol e andrógenos adrenais, aumenta a expressão dos genes das enzimas esteroidogênicas e, em longo prazo, promove tanto o crescimento quanto a sobrevida das camadas do córtex da adrenal. A secreção do ACTH tem um padrão diário pronunciado, com um pico no início da manhã e uma queda no final da tarde, refletindo no perfil de secreção do cortisol que, também, apresenta um pico de secreção no início da manhã. O eixo‑hipotálamo‑hipófise‑adrenal possui vários reguladores, e vários deles são mediados pelo SNC. Muitos tipos de estresse, tanto neurogênicos (por exemplo, medo) quanto sistêmicos (como infecção), estimulam a secreção do ACTH. A resposta a muitas formas de estresse intenso pode persistir, apesar da retroalimentação negativa desencadeada pelos altos níveis de cortisol. Isso significa que o hipotálamo tem a capacidade de redefinir o ponto de equilíbrio do eixo em resposta ao estresse. A depressão crônica, grave, é capaz de redefinir esse eixo como resultado da hipersecreção do CRH e causar uma hipersecreção de cortisol. Como o cortisol tem efeitos intensos no sistema imunológico, o eixo hipotálamo‑hipófise‑adrenal e o sistema imune estão intimamente associados (KOEPPEN; STANTON, 2009). As funções do cortisol são tratadas mais profundamente no tópico sobre a glândula adrenal, mais adiante. Os tireotrofos regulam a função tireoidiana por meio da secreção do hormônio estimulador da tireoide (TSH; também conhecida como tireotrofina), esse é o eixo hipotálamo‑hipófise‑tireoide. Os tireotrofos são estimulados pelo hormônio liberador de tireotrofina (TRH) que é produzido por um subgrupo de neurônios hipotalâmicos parvicelulares. O TRH é sintetizado como um pró‑hormônio maior que contém seis cópias do TRH em sua sequência, e liga‑se ao receptor de TRH localizado nos tireotrofos. Sua liberação segue um ritmo diário de secreção, com níveis mais altos durante a noite, e 123 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL níveis mais baixos por volta da hora do jantar. A secreção de TRH é regulada por numerosos estímulos mediados pelo SNC, por exemplo, vários tipos de estresses (estresse físico, inanição e infecções) inibem a secreção de TRH. Quando o TRH liga‑se ao seu receptor nos tireotrofos, será estimulada a liberação de TSH que é um hormônio glicoproteico composto de uma subunidade alfa (α‑GSU, subunidade glicoproteica) e uma beta (β‑TSH). Por sua vez, o TSH liga‑se ao seu receptor localizado nas células epiteliais da tireoide. Como será discutido mais adiante, a produção dos hormônios tireoidianos, T3 e T4, é um processo complexo e composto de muitas etapas. O TSH estimula praticamente todos os aspectos da função tireoidiana, tendo um forte efeito trófico estimulando a hipertrofia, a hiperplasia e a sobrevida das células epiteliais da tireoide. Em uma situação patológica em que os níveis de TSH estão altos, ocorre um crescimento notável da glândula tireoide, condição denominada bócio. Uma vez sintetizados, os hormônios tireoidianos regulam sua própria produção através de uma retroalimentação negativa. Eles agem tanto nos tireotrofos inibindo a expressão do β‑TSH e diminuindo sua sensibilidade ao TRH, quanto no hipotálamo inibindo a produção e secreção de TRH (KOEPPEN; STANTON, 2009). Os gonadotrofos secretam as gonadotrofinas, FSH (hormônio folículo estimulante) e LH (hormônio luteinizante) que regulam a função das gônadas em ambos os sexos – esse eixo é chamado de eixo‑hipotálamo‑gonadal. O FSH e o LH são armazenados em grânulos distintos e são secretados de maneira independente pelos gonadotrofos. Suas ações sobre a função gonadal são complexas, principalmente na gônada feminina, e serão discutidas em detalhes mais adiante. De modo geral, as gonadotrofinas promovem a secreção de testosterona nos homens e a secreção de estrógeno e progesterona nas mulheres. O FSH também aumenta a secreção de um hormônio proteico relacionado ao fator de crescimento transformador β (TGF‑ β), denominado inibina em ambos os sexos. Tanto a secreção do FSH quanto a do LH são reguladas pelohormônio liberador de gonadotrofinas, o GnRH (também conhecido como LHRH) produzido por um subgrupo de neurônios parvicelulares do hipotálamo. O GnRH é um peptídeo que possui dez aminoácidos, e também é produzido como um pró‑hormônio maior que é modificado até virar GnRH. O GnRH é liberado de forma pulsátil, e tanto a secreção pulsátil quanto a frequência de pulsos têm efeitos distintos nos gonadotrofos. Quando a frequência de liberação for um pulso por hora, o GnRh aumenta a secreção de LH, já quando a frequência é mais baixa, de um pulso a cada 3 horas, o GnRH aumenta preferencialmente a secreção de FSH (KOEPPEN; STANTON, 2009). As gonadotrofinas aumentam a síntese dos esteroides sexuais. Nos homens, a testosterona e o estrógeno exercem uma retroalimentação negativa sobre o hipotálamo e a hipófise. A progesterona exógena nos homens também inibe a função gonadotrófica e, por isso, está sendo considerada como um possível ingrediente de uma pílula contraceptiva masculina. Além disso, a inibina exerce uma retroalimentação negativa seletiva sobre a secreção de FSH em homens e mulheres. Nas mulheres, a progesterona e a testosterona exercem uma retroalimentação negativa sobre a função gonadotrófica hipotalâmica e hipofisária. Em doses baixas, o estrógeno também exerce uma retroalimentação negativa sobre a secreção do FSH e do LH, contudo, níveis altos de estrógeno 124 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III mantidos por três dias produzem um pico na secreção de LH e, em menor grau, na secreção de FSH. Esse é um exemplo de retroalimentação positiva observada no hipotálamo e na hipófise. Os níveis elevados de estrógeno causam no hipotálamo aumento da amplitude e frequência dos pulsos de GnRH e, na hipófise, ocorre o aumento da sensibilidade dos gonadotrofos ao GnRH, pelo aumento no número de receptores de GnRH. Os somatotrofos produzem o hormônio de crescimento (GH, também chamado de somatotrofina) que vai ter como alvo o fígado – é o eixo‑hipotálamo‑hipófise‑hepático. O fígado é um alvo importante do GH, pois esse hormônio estimula a produção hepática do fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF‑1). O GH é uma proteína com 191 aminoácidos, e é semelhante à prolactina (PRL) e ao lactogênio placentário humano (hPL); como consequência dessa similaridade, ocorre uma certa sobreposição na atividade desses hormônios. Há várias formas de GH no soro, elas constituem uma “família de hormônios”. A forma com 191 aminoácidos (22 KDa) representa aproximadamente 75% do GH circulante. Cerca de 50% da forma sérica de GH com 22 KDa está ligada à uma proteína de ligação de GH (GHBP). Os anões de Laron, que não possuem receptores funcionais para o GH, mas que têm secreção normal de GH, não apresentam níveis detectáveis da GHBP no soro. O GHBP reduz a depuração renal e aumenta a meia‑vida biológica do GH, que é cerca de 20 minutos. O fígado e os rins são os principais locais de degradação do GH. O hipotálamo exerce controle duplo sobre a secreção de GH, ele estimula predominantemente a secreção de GH por meio de um peptídeo, o hormônio liberador de GH (GHRH). O GHRH intensifica a secreção de GH e a expressão do gene do GH nos somatotrofos. O hipotálamo também inibe a síntese de GH por meio de outro peptídeo, a somatostatina. A somatostatina age na adeno‑hipófise inibindo tanto a liberação de GH quanto a de TSH. A secreção de GH também pode ser estimulada pela grelina, que é produzida principalmente pelo estômago, mas também é expressa no hipotálamo. A grelina aumenta o apetite e pode agir como um sinal que coordena a aquisição de nutrientes com o crescimento. A retroalimentação negativa é exercida primariamente pelo IGF‑1. O GH estimula o fígado a produzir IGF‑1 que, por sua vez, inibe a síntese e secreção do GH agindo na hipófise e no hipotálamo. Além disso, o próprio GH, em uma alça de retroalimentação negativa curta, atua no hipotálamo inibindo a liberação do GHRH. O GH também atua aumentando a liberação de somatostatina, que irá inibir o eixo (KOEPPEN; STANTON, 2009). O GH apresenta um ritmo diário de secreção, com pico no início da manhã, um pouco antes de despertar. Essa secreção é estimulada durante o sono profundo, de ondas lentas (estágios III e IV), e atinge o valor mais baixo durante o dia. Esse ritmo está atrelado a padrões de sono‑vigília, e não a padrões de claro‑escuro; por essa razão, ocorre um deslocamento de fase nas pessoas que trabalham em turnos invertidos. A secreção do GH também é pulsátil, sendo regulada por vários estados fisiológicos diferentes. Em situações de estresse, tanto neurogênico quanto físico, a secreção de GH aumenta. Ele promove a lipólise (quebra de lipídios), aumenta a síntese de proteínas e antagoniza os efeitos da insulina, ou seja, impede que a insulina reduza os níveis de glicose do sangue. Não é surpreendente, portanto, que a hipoglicemia (queda da glicose sanguínea) aguda seja um estímulo para a secreção de GH e que o GH seja classificado como um hormônio hiperglicemiante. Em contrapartida, o 125 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL aumento da glicemia ou dos ácidos graxos circulantes inibe a secreção de GH. A obesidade também inibe a secreção de GH, em parte por causa da resistência à insulina (hiperglicemia relativa) e do nível elevado de ácidos graxos circulantes; já o exercício físico e a inanição estimulam a secreção de GH. Alguns hormônios também estimulam a secreção de GH; entre eles, estão o estrógeno, os andrógenos e o hormônio tireoidiano. Algumas ações do GH são diretas, outras, indiretas (via IGF‑1). Diretamente, o GH age sobre o fígado, músculos e tecido adiposo para regular o metabolismo energético. Ele desvia o metabolismo para que os lipídios sejam utilizados como fonte de energia e os carboidratos e as proteínas sejam preservados, portanto, o GH é um hormônio lipolítico e anabolizante. Lipolítico, pois ativa lipase sensível aos hormônios, uma enzima capaz de degradar lipídios que vai mobilizar as gorduras do tecido adiposo, causando um aumento nos níveis séricos de ácidos graxos, que serão utilizados na produção de energia pelos músculos e fígado e anabolizante, pois age estimulando a síntese proteica. Ele aumenta a captação celular de aminoácidos e sua incorporação em proteínas, além de inibir a proteólise (quebra de proteínas). Acredita‑se que a perda muscular que acompanha o envelhecimento é causada, pelo menos em parte, pela diminuição da secreção de GH que ocorre nessa fase da vida. O GH altera o metabolismo dos carboidratos, porém parte desse efeito pode ser secundário ao aumento da mobilização e da oxidação da gordura. O GH aumenta a glicose sanguínea, esse efeito hiperglicemiante é resultante da diminuição da captação e da utilização da glicose pela musculatura esquelética e pelo tecido adiposo, e o aumento dos ácidos graxos livres séricos inibe a captação da glicose por esses tecidos. O aumento da oxidação dos ácidos graxos e, consequentemente, a elevação da acetil coenzima A (acetil CoA) hepática estimulam a gliconeogênese, que é seguida do aumento da produção de glicose de substratos como o lactato e o glicerol. Além disso, o GH antagoniza a ação da insulina, ele produz uma insensibilidade à insulina, e por isso é considerado um hormônio diabetogênico. Quando secretado em excesso pode causar diabetes mellitus. Os efeitos indiretos do GH estão relacionados ao crescimento, e são executados via fatores de crescimento semelhantes à insulina (IGFs). Indiretamente o GH aumenta o crescimento do esqueleto e das vísceras; crianças sem GH têm atraso de crescimento ou nanismo. O GH também promove o crescimento das cartilagens, do comprimento dos ossos longos e do periósteo (KOEPPEN; STANTON, 2009). Os IGFs são hormônios multifuncionais que regulam a proliferação, a diferenciação e o metabolismo celular. Tanto a estrutura quantoa função desses hormônios proteicos são semelhantes às da insulina. O IGF‑1 e o IGF‑2 são produzidos em diversos tecidos e têm ações autócrinas, parácrinas e endócrinas. O IGF‑1 é principalmente produzido em adultos e o IGF‑2 em fetos, sendo considerado um regulador do crescimento fetal. Os IGFs e a insulina reagem de modo cruzado, um ocupando o receptor do outro, e os IGFs em altas concentrações imitam as ações metabólicas da insulina. Os IGFs estimulam a captação de glicose e aminoácidos e a síntese de proteínas e DNA, e medeiam a ação do GH sobre o crescimento das cartilagens e dos ossos. Embora o GH seja um estimulador eficaz da produção de IGFs, a correlação entre o GH e o IGF‑1 é muito maior que a correlação com IGF‑2. Durante a puberdade, quando os níveis de GH aumentam, os 126 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III níveis de IGF‑1 aumentam paralelamente. A insulina também estimula a produção de IGFs, e o GH não consegue estimular a produção de IGFs na ausência de insulina. A inanição inibe de maneira eficaz a secreção de IGFs mesmo quando os níveis de GH estão elevados. Os IGFs são mitogênicos e têm efeitos importantes nos ossos e nas cartilagens. Eles estimulam o crescimento dos ossos, cartilagens e tecidos moles e regulam todos os aspectos do metabolismo dos condrócitos, que são as células que formam as cartilagens. Eles estimulam a replicação dos osteoblastos, a síntese de colágeno e matriz óssea. Os níveis séricos de IGF correlacionam‑se bem com o crescimento nas crianças. Os lactotrofos produzem o hormônio prolactina (PRL), uma proteína de 199 aminoácidos. A ação primária da PRL nos humanos está relacionada ao desenvolvimento e ao funcionamento das glândulas mamárias durante a gravidez e a lactação. Vale ressaltar que há duas diferenças importantes entre os lactotrofos e as demais células da adeno‑hipófise: • os lactotrofos não participam de nenhum eixo endócrino. Isso significa que a prolactina age diretamente sobre as células não endócrinas (principalmente da mama) para produzir as alterações fisiológicas; e • a produção e secreção de prolactina são controladas principalmente pelo hipotálamo, que exerce um efeito inibitório sobre os lactotrofos. Por isso, a ruptura da haste hipofisária e dos vasos porta hipotalâmicos‑hipofisários leva ao aumento dos níveis de PRL, enquanto todos os demais hormônios (ACTH, TSH, FSH, LH e GH) diminuem. Homens e mulheres apresentam concentrações séricas basais semelhantes. A inibição tônica da PRL é mediada pela dopamina que é secretada na eminência mediana. A inibição da secreção da dopamina é responsável pela liberação da secreção de PRL. Há também indícios da existência de um fator liberador de prolactina (PRF). A natureza exata desse composto é desconhecida, embora muitos fatores que incluem o TRH e os hormônios da família do glucagon (secretina, glucagon, VIP e polipeptídio inibidor gástrico) sejam capazes de estimular a liberação da PRL. A PRL é um dos muitos hormônios liberados em resposta ao estresse. As cirurgias, o medo, os estímulos excitatórios e os exercícios físicos são todos estímulos eficazes. Como ocorre com o GH, o sono aumenta a secreção de PRL, que exibe um ritmo diário e pronunciado associado ao sono, entretanto, não a uma fase específica do sono. As drogas que interferem na síntese ou na ação da dopamina aumentam a secreção de PRL. Os anti‑hipertensivos e os antidepressivos tricíclicos, prescritos frequentemente, são inibidores da dopamina. A somatostatina, o TSH e o GH também inibem a secreção de PRL (KOEPPEN; STANTON, 2009). 7.6 Glândula tireoide A glândula tireoide foi descrita pela primeira vez em 1656, por Thomas Warton. A palavra “tireoide” vem do grego e significa “em forma de escudo” – thyreós significa escudo e óides, na forma de. A descoberta do papel fisiológico da tireoide surgiu de observações que relacionavam a atividade tireoidiana com a taxa metabólica basal. Atualmente, sabe‑se que a essa função somam‑se outras, como a participação ativa de seus hormônios nos processos de crescimento e desenvolvimento do organismo dos vertebrados. 127 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL A glândula tireoide está localizada na região anterior do pescoço, abaixo da cartilagem tireóidea e imediatamente abaixo da cartilagem cricóidea (ou tireóidea), aderida antero‑bilateralmente à traqueia. Possui dois lobos, direito e esquerdo, unidos por istmo de parênquima glandular. É uma glândula de tamanho relativamente grande comparada às outras, pesando cerca de 15‑25 g no homem adulto. É ricamente vascularizada, daí sua cor avermelhada, sendo seu aporte sanguíneo proveniente das artérias tireóideas superiores e inferiores, que são ramos da carótida; sua drenagem sanguínea é feita pelas veias tireóideas, que desembocam na veia jugular. Recebe inervação simpática e parassimpática, sendo que a inervação simpática é a principal responsável pela modulação do fluxo sanguíneo tireoidiano. Frente à estimulação simpática, o fluxo sanguíneo tireoidiano é reduzido, o que reduz a oferta de TSH para a glândula, principal hormônio estimulante de sua atividade. Epiglote Traqueia Cartilagem tireoidea Glândula tireóidea Glândulas paratireoideas superiores Glândulas paratireoideas inferiores Figura 40 – Ilustração das glândulas tireoide e paratireoide Histologicamente, a tireoide caracteriza‑se por apresentar folículos, que são estruturas globulares formadas por um epitélio simples cúbico. Quando temos uma hiperatividade da glândula tireoide, essas células foliculares aumentam em número e tornam‑se cilíndricas e, inversamente (tornam‑se pavimentosas), quando a atividade tireoidiana diminui. Os folículos tireoidianos são preenchidos por coloide, cujo principal componente é uma proteína chamada tireoglobulina (TG). O processo de síntese dos hormônios tireoidiano ocorre em duas etapas; a primeira etapa é intracelular e ocorre nas células foliculares, e a segunda etapa é extracelular e ocorre no coloide. Entre os folículos, estão células de origem embriológica distinta das células tireoidianas, chamadas de células C ou parafoliculares. Elas são responsáveis pela produção da calcitonina, hormônio relacionado ao metabolismo de cálcio (CURI; PROCOPIO, 2009). 7.6.1 Síntese dos hormônios tireoidianos Os hormônios tireoidianos, a triiodotironina (T3) e a tiroxina ou tetraiodotironina (T4), apresentam duas substâncias essenciais em sua composição: o iodo e a tireoglobulina (CURI; PROCOPIO, 2009). O iodo presente na composição dos hormônios tireoidianos é oriundo da alimentação, portanto, é necessário um suprimento alimentar adequado de iodo para garantir a síntese dos hormônios tireoidianos em quantidades apropriadas. A baixa ingestão de iodo é um limitante para a síntese dos hormônios tireoidianos, reduzindo suas concentrações circulantes e seus efeitos biológicos, 128 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III condição conhecida como hipotireoidismo. Em populações em que o aporte de iodo nutricional diário é insuficiente, observa‑se o aumento do volume da tireoide, caracterizando o bócio endêmico. Os principais alimentos que são fonte de iodo são os de origem marinha, no entanto, para prevenir o bócio e levando‑se em consideração a variabilidade de hábitos alimentares em todo o planeta, definiu‑se como estratégia, para garantir a oferta adequada de iodo, a colocação de iodo no sal de cozinha. O iodo ingerido é reduzido a iodeto no trato digestório, por ação de bactérias, sendo absorvido no intestino delgado. Na circulação, o iodeto será captado pela tireoide e utilizado para biossíntese hormonal. A tireoglobulina (TG) é uma glicoproteína de alto peso molecular, constituída por duas subunidades. É sintetizada exclusivamente na célula tireoidiana e secretada para o interior dosfolículos tireoidianos, em resposta à ação do TSH. Ela apresenta vários resíduos do aminoácido tirosina, os quais, durante o processo de síntese dos hormônios, sofrem iodação, razão pela qual é considerada a matriz para a biossíntese desses hormônios, bem como o reservatório deles. O processo de síntese inicia‑se com a captação de iodeto (I‑) pela porção basal da célula folicular tireoidiana. Essa captação ocorre contra o gradiente eletroquímico devido ao potencial de membrana da célula tireoidiana ser negativo e por ela apresentar alta concentração de iodeto. Esse processo de captação depende de uma proteína chamada NIS (co‑transportadora de Na+/I‑), que promove a entrada de iodeto utilizando a força movente do Na+, o qual adentra a célula a partir do gradiente de concentração do Na+, gerado pela Na+‑K+‑ATPase. Uma vez no interior da célula, o iodeto dirige‑se à porção apical da célula, onde será oxidado pela enzima tireoperoxidase (TPO) – esse processo depende de um sistema gerador de peróxido, também localizado no polo apical da célula. A TPO também oxida um ou dois sítios de algumas tirosinas presentes na tireoglobulina, criando‑se condições para que o iodo oxidado aí se incorpore. Quando um iodo é incorporado à tirosina, gera‑se a monoiodotirosina (MIT); quando dois iodos são incorporados à tirosina, temos a diiodotirosina (DIT). Esse processo de incorporação de iodo à tirosina, presente na tireoglobulina, é conhecido como iodação da tireoglobulina. Após a iodação das tireoglobulinas ocorre o acoplamento entre elas, ou seja, ocorre a união entre as MITs e as DITs, gerando as tironinas iodadas (duas tirosinas = uma tironina), e esse processo também é catalisado pela TPO. O acoplamento de uma MIT com uma DIT gera a triiodotironina (uma tironina com 3 iodos – T3), enquanto o acoplamento de duas DITs resulta na geração da tetraiodotironina (uma tironina com 4 iodos – T4). O acoplamento de duas MITs gera a diiodotironina (uma tironina com 2 iodos – T2), que não apresenta efeito biológico significativo, já que os receptores dos hormônios tireoidianos apresentam baixa afinidade e especificidade a essa molécula. Essas moléculas geradas permanecem do coloide, presas à tireoglobulina. A síntese dos hormônios tireoidianos é dependente do hormônio hipofisário TSH (CURI; PROCOPIO, 2009). 7.6.2 Secreção dos hormônios tireoidianos Para que os hormônios atinjam a circulação, eles devem ser removidos da tireoglobulina. Inicialmente ocorre a endocitose do coloide, e esse processo de captação do coloide depende da atividade das microvilosidoades presentes na membrana apical das células foliculares. Essas expansões citoplasmáticas 129 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL estão voltadas para o coloide e apresentam movimentos, cuja intensidade está relacionada à atividade da célula folicular. A movimentação dessas microvilosidades faz com que suas extremidades apicais fundam‑se, e o resultado é a formação de vesículas contendo coloide que se incorporam ao citoplasma. No citoplasma, as vesículas contendo coloide fundem‑se aos lisossomos, que provocam a quebra da molécula de tireoglobulina e liberação de T3, T4, T2, MITs e DITs. Os MITs e DITs sofrem ação das desiodases e as tirosinas e iodos liberados são reutilizados pela glândula (CURI; PROCOPIO, 2009). Os T3 e T4 liberados das tireoglobulinas, em função de sua lipossolubilidade, difundem‑se por meio da membrana da célula folicular e caem na corrente sanguínea. Uma porcentagem do T3 que sai da célula é produto da desiodação de T4 que ocorreu no citoplasma da célula. Cerca de 75% da produção hormonal tireoidiana corresponde ao T4, sendo os 25% restantes representados pelo T3. Porém, grande parte do T4 gerado sofrerá desiodação em tecidos periféricos (fígado, rins, músculo esquelético e nos leucócitos) gerando T3, o qual passa para a circulação contribuindo para a manutenção da concentração desse hormônio no sangue. O processo de desiodação do T4 ocorre por meio de enzimas conhecidas como desiodases. Devido à sua baixa hidrossolubilidade, os hormônios tireoidianos são transportados pela corrente sanguínea junto com proteínas transportadoras específicas, as TBG (globulina transportadora de hormônios tireoidianos), a TBPA (pré‑albumina transportadora de hormônios tireoidianos ou transtiretina – TTR) e a albumina. A TBG e a TBPA possuem maior afinidade ao T4 que ao T3, de modo que, em termos porcentuais, há mais T3 livre do que T4 circulando na forma livre. Quando os hormônios tireoidianos dissociam‑se das proteínas transportadoras, ficam na forma livre, tornando‑se disponíveis para exercerem seus efeitos biológicos em seus tecidos‑alvo. Como descrito anteriormente, a glândula tireoide está sob o controle do hipotálamo e da hipófise no eixo hipotálamo‑hipófise‑tireoide. A função tireoidiana é regulada diretamente pelo hormônio tireotrófico (TSH) produzido pelos tireotrofos da adeno‑hipófise. O TSH estimula todas as etapas de síntese e secreção dos hormônios tireoidianos, bem como a proliferação das células foliculares tireoidianas. A síntese e secreção de TSH está sob o controle de dois hormônios hipotalâmicos, o TRH e a somatostatina (SS). O TRH age estimulando os tireotrofos a produzirem TSH, e a somatostatina age inibindo‑os. Os hormônios tireoidianos também exercem efeitos diretos nos tireotrofos, reduzindo a secreção de TSH, bem como no hipotálamo, reduzindo a secreção de TRH e estimulando a liberação de SS. Esse mecanismo de controle da função tireoidiana, que é desencadeado pela própria concentração plasmática dos hormônios tireoidianos, é o mecanismo de retroalimentação negativa ou de feedback negativo. 7.6.3 Funções dos hormônios tireoidianos Apesar da sua solubilidade em meio lipídico o hormônio tireoidiano acessa as células‑alvo através de proteínas transportadoras específicas (para T3 e T4) localizadas na membrana plasmática. Os receptores de hormônios tireoidianos são proteínas nucleares que atuam como fatores transcricionais. Eles reconhecem sequências específicas na região promotora de genes‑alvo dos hormônios tireoidianos, conhecidas como elementos responsivos aos hormônios tireoidianos, às quais se ligam, para posteriormente interagirem com o T3. Quando o hormônio se liga ao seu receptor, ele ativa ou inibe a transcrição de genes específicos e, portanto, a síntese de proteínas 130 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III específicas, que são as responsáveis pelos efeitos biológicos. Esse mecanismo de ação é denominado ação genômica. O T3 é o seu principal mediador, já que os receptores dos hormônios tireoidianos apresentam maior afinidade e especificidade a este que ao T4 (em torno de 10 vezes). Ainda, o T3 apresenta efeito biológico cerca de 4‑5 vezes maior que o T4. Existem outros efeitos dos hormônios tireoidianos que ocorrem muito rapidamente e na presença de bloqueadores da transcrição gênica, o que indica que também exerçam ações não genômicas. Essas ações são mediadas principalmente por T4, T3 reverso e T2, e são evidenciadas em mitocôndrias, no citoesqueleto e na membrana celular. De forma geral os hormônios tireoidianos são os principais reguladores da taxa metabólica basal, sendo imprescindíveis para a manutenção da temperatura corporal. Eles ativam processos que levam à produção de calor. Suas ações calorigênicas envolvem a ativação da síntese e degradação de carboidratos, lipídios e proteínas, processos que aumentam tanto a síntese quanto a hidrólise de ATP, processos estes que geram calor. Os hormônios tireoidianos agem no metabolismo de lipídios, são potentes estimuladores da lipogênese no fígado, tecido adiposo marrom e branco e glândula mamária. Por outro lado, eles são muito eficientes em promover a lipólise nesses mesmos tecidos. O mesmo ocorre com o colesterol, os hormônios da tireoide estimulam tanto a síntesequanto a degradação do colesterol, sendo que o catabolismo predomina sobre a síntese. Sobre o metabolismo de carboidratos, os hormônios da tireoide estimulam a sua absorção intestinal e a produção hepática de glicose (gliconeogênese), aumentando o aporte de glicose plasmática. Também aumentam a utilização de glicose pelas células e estimulam a síntese do transportador de glicose isoforma 4 (GLUT4), que é altamente expresso no tecido adiposo branco, marrom, músculo cardíaco e esquelético. No metabolismo de proteínas, é estimulada tanto a síntese quanto o catabolismo. Esses efeitos são mais evidentes na musculatura esquelética, que constitui o principal depósito de proteínas no organismo. Um indivíduo com hipotireoidismo, situação em que ocorre redução da concentração de hormônios tireoidianos na circulação e, consequentemente, redução de seus efeitos, apresenta intolerância ao frio, com ativação de mecanismos que evitam a perda de calor, como vasoconstrição periférica, razão pela qual ocorrem palidez e ressecamento da pele, enfraquecimento dos cabelos e unhas. Observam‑se também aumento de massa gorda e da colesterolemia, além de redução da massa muscular decorrente da diminuição da síntese proteica (CURI; PROCOPIO, 2009). Ao contrário, no hipertireoidismo, a elevação da calorigênese ativa processos termolíticos para a manutenção da temperatura corporal, como vasodilatação periférica, de modo que a cútis fique mais avermelhada e umedecida, os cabelos mais brilhantes, as unhas mais fortes, entre outras alterações. No hipertireoidismo, observam‑se emagrecimento, cujo grau depende do estado hipertireoidico estabelecido, e redução da colesterolemia. Há predomínio de catabolismo proteico, razão pela qual ocorre intensa fraqueza muscular. Os hormônios tireoidianos têm função essencial no crescimento e desenvolvimento. Eles estimulam a expressão do gene do GH (efeito genômico), o que aumenta a síntese desse hormônio. Crianças com 131 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL hipotireoidismo apresentam deficit de crescimento, o qual é prontamente reestabelecido pela reposição de T4. Eles também aumentam a produção de IGFs em tecidos como músculos, bem como influenciam positivamente a produção do fator de crescimento neuronal (NGF) e IGF no sistema nervoso central. No período fetal, os hormônios tireoidianos têm um papel essencial na síntese e na secreção da substância surfactante pulmonar, cuja função é diminuir a tensão superficial alveolar, evitando o colabamento dos alvéolos pulmonares. Durante o período embrionário, o T3 é fundamental para o desenvolvimento do sistema nervoso. O T3 é responsável pela multiplicação celular e sinaptogênese no SNC, assim como pela mielinização neuronal. Esses efeitos são decorrentes de seu estímulo sobre a síntese de NGF. A vascularização do sistema nervoso também depende de IGFs produzidos por estímulos tireoidianos. No período neonatal, o T3 dá continuidade aos processos de sinaptogênese; assim, a deficiência de hormônios tireoidianos no feto traz consequências extremamente graves para o desenvolvimento do sistema nervoso, levando ao quadro de cretinismo, caracterizado por um extremo grau de retardamento mental. Essa deficiência pode ser detectada ao nascimento, com o teste do pezinho, no qual é dosado o TSH que, se elevado, indica hipotireoidismo congênito. O tratamento imediato com T3 pode fazer com que o quadro seja praticamente revertido, já que a sinaptogênese e a mielinização poderão ser estimuladas, o que fará os neurônios, mesmo em número reduzido, poderem estabelecer conexões sinápticas adequadas (CURI; PROCOPIO, 2009). No período adulta, os hormônios tireoidianos são importantes para determinar o nível de atenção, manutenção e desenvolvimento dos processos cognitivos (aprendizado). No hipertireoidismo, o indivíduo apresenta um estado de alerta contínuo que facilita o aprendizado, mas, por outro lado, leva à insônia. No hipotireoidismo, o indivíduo apresenta dificuldade de aprendizado e sonolência. No sistema cardiovascular, os hormônios tireoidianos conferem maiores velocidade e força de contração ao músculo cardíaco; isso causa um aumento do volume sistólico. Por essas razões, no hipertireoidismo, o débito cardíaco encontra‑se elevado. No entanto, a pressão arterial média não se modifica devido à vasodilatação periférica reflexa que ocorre em virtude do efeito calorigênico dos hormônios tireoidianos. No sistema respiratório, os efeitos dos hormônios tireoidianos são decorrentes de suas ações sobre a taxa metabólica basal. Assim, a elevação da taxa metabólica, observada no hipertireoidismo, gera aumento no consumo de O 2 e da produção de CO2, promove queda da PO2 e pH e aumento da PCO2 sanguíneos. Essas alterações são rapidamente detectadas por quimiorreceptores centrais e periféricos, gerando‑se uma hiperventilação reflexa, para correção desses parâmetros (CURI; PROCOPIO, 2009). A glândula tireoide contém outro tipo de célula além das células foliculares, são as células parafoliculares. As células parafoliculares também são denominadas células C, distribuem‑se de uma forma esparsa na glândula tireoide e produzem o hormônio polipeptídico calcitonina. Ele age principalmente nos ossos e rins, controlando o metabolismo do cálcio, sendo considerado um marcador histoquímico bastante útil do câncer medular de tireoide (KOEPPEN; STANTON, 2009). 132 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III Maiores detalhes sobre a calcitonina serão discutidos adiante junto com o tópico que trata da glândula paratireoide. 7.7 Glândula paratireoide As glândulas paratireoides são quatro estruturas localizadas ao redor da glândula tireoide. São formadas predominantemente por células principais que estão arranjadas em forma de cordões epiteliais, podendo também estar arranjadas em forma de folículos ou ácinos. O hormônio paratireoide (PTH) ou paratormônio é o principal hormônio que protege o corpo contra a hipocalcemia (baixos níveis plasmáticos de cálcio). Seus alvos primários são os ossos e os rins. O PTH também estimula a produção da 1,25‑di‑hidroxivitamina D (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009). O cálcio (Ca2+) e o fosfato são essenciais para a vida humana, porque desempenham papéis estruturais importantes nos tecidos duros (ossos e dentes) e são reguladores importantes das vias metabólicas e de sinalização. No sangue, a maior parte do fosfato está na forma ionizada do ácido fosfórico, denominada fosfato inorgânico (Pi). O cálcio é um nutriente essencial para o organismo que se obtém da ingesta alimentar assim como de uma vasta reserva nos ossos, que pode ser requisitada para manter os níveis de cálcio circulante normais nos períodos de restrição alimentar e durante a gravidez e amamentação, quando a demanda está aumentada. O cálcio circulante é encontrado em três formas: cálcio ionizado livre, cálcio ligado a proteínas e complexos de cálcio com ânions (por exemplo, fosfatos, bicarbonato ou citrato). A forma ionizada representa 50% do cálcio circulante e, por ser a forma fundamental para muitas funções celulares, a concentração de cálcio nos compartimentos extracelular e intracelular está sob o controle hormonal direto e a sua concentração é mantida dentro de um intervalo de variação restrito. Uma quantidade reduzida de cálcio (hipocalcemia) ou elevada (hipercalcemia) pode causar uma grande variedade de alterações fisiopatológicas, que incluem disfunção neuromuscular, disfunção do sistema nervoso central, insuficiência renal, calcificação de tecidos moles e doenças ósseas. O Pi também é um nutriente essencial para o organismo e está armazenado em grandes quantidades nos ossos formando complexos com o cálcio. A maior parte do Pi circulante está na forma ionizada livre, e há uma pequena parte que circula ligada a proteínas ou na forma de complexos com cátions (KOEPPEN;STANTON, 2009). O Pi é um componente intracelular de importância fundamental. De fato, são as ligações fosfato de alta energia do ATP que mantêm a vida. A fosforilação e desfosforilação de proteínas, lipídios, segundos mensageiros e cofatores correspondem às etapas reguladoras básicas de numerosas vias metabólicas e de sinalização, e o fosfato também forma a estrutura dos ácidos nucleicos. As duas principais fontes de Ca2+ e Pi circulantes são os alimentos e os ossos do esqueleto. A 1,25‑di‑hidroxivitamina D (também chamada de calcitriol) e o hormônio paratireoide (PTH), regulam a absorção intestinal de cálcio e fosfato e a liberação desses elementos para a circulação após a reabsorção óssea. Os principais processos responsáveis pela remoção de cálcio e fosfato do sangue são a excreção renal e a formação óssea. A 1,25‑di‑hidroxivitamina D e o PTH regulam ambos os processos. 133 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL O principal sinal que estimula a secreção de PTH é a baixa concentração de cálcio circulante. A concentração extracelular de cálcio é detectada pelos receptores sensíveis ao cálcio das células principais das paratireoides. Nessas células, quantidades crescentes de cálcio extracelular ligam‑se a esses receptores e ativam as vias de sinalização que inibem a secreção de PTH (KOEPPEN; STANTON, 2009). A calcitonina é um hormônio produzido principalmente pelas células parafoliculares ou células C da glândula tireoide. O principal efeito da calcitonina é reduzir os níveis circulantes de cálcio e fósforo, principalmente pela inibição da saída desses minerais do osso. Portanto, a calcitonina e o PTH agem antagonicamente regulando os níveis de cálcio no sangue (AIRES, 2008). 7.8 Pâncreas endócrino O pâncreas endócrino é constituído por aglomerados de células formando estruturas arredondadas ou ovoides, dispersas no tecido acinar pancreático. Essas estruturas são chamadas ilhotas de Langerhans ou ilhotas pancreáticas. No pâncreas humano, há de 1 a 2 milhões de ilhotas que correspondem a 2 % de seu peso total. São estruturas formadas por quatro tipos de células: as células α, dispostas perifericamente formando um revestimento das ilhotas e são responsáveis pela produção de glucagon; as células β, produtoras e secretoras de insulina, ocupando a parte central da ilhota e formando o núcleo dela; as células δ, produtoras de somatostatina, localizadas na periferia e próximo a capilares; e as células PP, produtoras do polipeptídio pancreático, tendo a mesma disposição que as células δ. A maior parte da ilhota é composta pelas células β, com 60% do número total de células e seguidas pelas células α, com 25% das células. A irrigação das ilhotas é centrifuga, sendo as células β as primeiras a receberem o sangue oxigenado que depois irriga a periferia. As ilhotas pancreáticas são ricamente inervadas por fibras do sistema nervoso simpático e parassimpático. A noradrenalina, a acetilcolina, o peptídeo intestinal vasoativo (VIP), entre outros, são mediadores químicos nas ilhotas (AIRES, 2008). Figura 41 – Pâncreas e duodeno seccionados (d = duodeno; dpa = duto pancreático acessório; dpp = duto pancreático principal; cp = cabeça do pâncreas; cop = corpo do pâncreas; cap = cauda do pâncreas) 134 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III Lembrete O pâncreas é uma glândula mista por produzir enzimas digestivas secretadas na luz do duodeno, considerado meio externo (pâncreas exócrino), e hormônios secretados no sangue (pâncreas endócrino). A regulação da secreção de insulina é feita fundamentalmente pela quantidade de glicose circulante. O aumento da glicemia causa elevação da secreção de insulina, a qual, por meio de sua ação nos diferentes tecidos do organismo, aumenta o transporte de glicose para os mesmos tecidos, diminuindo a glicemia. Com a diminuição da glicemia, o estímulo secretório desaparece e, consequentemente, a secreção do hormônio diminui. Assim, é estabelecido um mecanismo regulador da glicemia, fundamental para a manutenção da homeostasia glicêmica (AIRES, 2008). Figura 42 – Representação da ilhota pancreática Além da glicose, outros substratos, hormônios e o sistema nervoso interferem na secreção de insulina. O sistema nervoso autônomo modula ativamente a secreção de insulina. Durante a fase cefálica da digestão a secreção de insulina ocorre antes do início da refeição, o aroma do alimento provoca um reflexo condicionado que determina uma intensa estimulação vagal nas ilhotas pancreáticas. A acetilcolina, secretada pelas terminações nervosas parassimpáticas, induz a sensibilização das células β para que ocorra uma resposta secretória mais eficiente de insulina frente ao estímulo alimentar. Diferentemente, no caso de um estado de alerta, a noradrenalina secretada pelos nervos simpáticos age nas células β causando a inibição da secreção de insulina, aumentando a glicemia que é necessária para a reação de alerta do indivíduo. Vários hormônios participam da modulação da secreção de insulina. Alguns agem diretamente inibindo as células β, como o glucagon e a somatostatina. Outros, como o cortisol ou o GH, agem aumentando a resistência periférica à insulina, consequentemente, elevando a concentração de glicose 135 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL circulante, o que leva ao aumento da secreção de insulina. Os hormônios gastrintestinais estimulam a secreção de insulina, sendo os responsáveis pelo maior aumento da secreção do hormônio logo após a ingestão do alimento, antes mesmo da sua absorção. Assim como a insulina, o principal estímulo que regula a secreção de glucagon é a glicemia. Porém, no caso do glucagon, a diminuição da glicemia é o estímulo que faz as células α secretarem o hormônio e, por outro lado, o aumento da glicemia inibe a secreção de glucagon, sendo, então, sua ação contrária à da insulina. O sistema nervoso autônomo, hormônios, ácidos graxos e aminoácidos interferem na sua secreção. No caso da somatostatina, a resposta secretória é bastante parecida com a descrita para insulina. O polipeptídio pancreático ainda não tem uma função completamente conhecida. A insulina e o glucagon, de forma integrada e por meio de um balanço equilibrado de secreção e ação (no geral, inversamente proporcional), são responsáveis pela manutenção da homeostasia glicêmica. Esse equilíbrio envolve a manutenção da glicemia entre 70 e 100 mg/dl. Uma importante conquista evolutiva dos mamíferos é a capacidade de estocar os nutrientes provenientes de uma refeição para posteriormente, na ausência de outra refeição, mobilizar esses estoques, proporcionando substratos necessários para garantir a vida celular e com isso a sobrevivência do organismo. Nesses processos, a insulina desempenha um papel‑chave, auxiliada pela ação contrarreguladora do glucagon e ainda de outros hormônios, como catecolaminas, cortisol e GH. Após uma refeição, o organismo entra em um período caracteristicamente anabólico em que, em tipos celulares específicos, a insulina estimula: • a captação de aminoácidos e síntese proteica; • a captação de glicose, síntese de glicogênio e participação na síntese e estoque de lipídios; e • a metabolização hepática e estoque de lipídios no tecido adiposo. No estado pós‑absortivo, em que a concentração de insulina retorna ao basal, a secreção de glucagon aumenta e as vias metabólicas mencionadas acima começam a reverter os efeitos da insulina, para que o organismo se mantenha em estado de jejum (AIRES, 2008). O diabetes mellitus (DM) é uma síndrome metabólica que apresenta, entre outras tantas manifestações, a hiperglicemia (valores de glicemia ≥126 mg/dl em jejum e ≥200 mg/dl duas horas depois da refeição) contínua ou intermitente. Classifica‑se o diabetes mellitus em dois grandes grupos: DM do tipo 1, cuja causaprimaria é a falência pancreática (destruição autoimune das células β) e DM tipo 2, cuja causa primaria é a resistência à insulina (diminuição na resposta das células‑alvo). Entretanto, essa classificação não exclui a possibilidade de que os portadores de DM tipo 1 desenvolvam resistência à insulina, assim como os pacientes com DM tipo 2 possam evoluir para falência pancreática, passando a depender de insulina exógena. O DM tipo 2 é a forma mais frequente de DM, apresentando um fator genético importante (com alta incidência familiar). Vários fatores ambientais também estão relacionados ao DM tipo 2, muitos deles 136 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III relacionados ao envelhecimento, já que a incidência do DM tipo 2 aumenta com a idade. Um importante fator predisponente é a obesidade, que além de induzir resistência insulínica em resposta à ingestão excessiva de alimentos, induz superestimulação da secreção de insulina, contribuindo com a exaustão e falência das células β (AIRES, 2008). 7.9 Glândula adrenal As glândulas adrenais (ou suprarrenais) são estruturas bilaterais localizadas imediatamente acima dos rins. As glândulas adrenais são similares à glândula hipófise, pois ambas são derivadas tanto de tecido neural quanto de tecido epitelial (ou semelhante ao tecido epitelial) e, portanto, são produzidas duas classes de hormônios, as catecolaminas e os esteroides. Essa glândula é composta por duas grandes regiões: a medula, que produz adrenalina e noradrenalina e o córtex que, por sua vez, é dividido em três zonas: a glomerulosa, a fasciculada e a reticular, que produzem mineralocorticoides, glicocorticoides e androgênios adrenais, respectivamente (KOEPPEN; STANTON, 2009). Suprarrenais Medula Córtex Rim Figura 43 – Adrenal ou glândula suprarrenal (observe a glândula em corte transversal à direita) A medula da adrenal é formada por células cromafins, derivadas das células da crista neural. As células cromafins são, na verdade, neurônios simpáticos pós‑ganglionares modificados, e são inervadas por neurônios simpáticos colinérgicos. Sintetizam o neurotransmissor da classe das catecolaminas noradrenalina, a partir do aminoácido tirosina. A noradrenalina pode ser transformada em adrenalina pela ação de uma feniletanolamina N‑metil transferase. A adrenalina é o produto hormonal final da medula adrenal (KOEPPEN; STANTON, 2009). 7.9.1 Medula adrenal As catecolaminas adrenomedulares (adrenalina e noradrenalina) são secretadas no sangue e atuam como hormônios. Cerca de 80% das células da medula adrenal secretam adrenalina e os 20% restantes secretam noradrenalina. Apesar da adrenalina circulante ser totalmente derivada da medula adrenal, somente cerca de 30% da noradrenalina vem da medula. Os 70% restantes são liberados pelos terminais nervosos pós‑ganglionares simpáticos e difundem‑se no sistema vascular. 137 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL A secreção da adrenalina e noradrenalina da medula adrenal é regulada, principalmente, em resposta a várias formas de estresse, incluindo exercícios, hipoglicemia e hipovolemia hemorrágica. Os centros autonômicos primários que iniciam a resposta simpática estão no hipotálamo e no tronco encefálico, e recebem informações do córtex cerebral, do sistema límbico e de outras regiões do hipotálamo e tronco encefálico. O sinal químico para a secreção da catecolamina pela medula da adrenal é a acetilcolina, secretada pelos neurônios pré‑ganglionares simpáticos, que se liga a receptores nicotínicos nas células cromafins. A acetilcolina estimula a síntese e secreção de catecolaminas, portanto, a síntese de catecolaminas está intimamente acoplada à sua secreção. Pelo fato da medula da adrenal ser diretamente inervada pelo sistema nervoso autonômico, a resposta adrenomedular é muito rápida, e as respostas podem ser antecipadas. Entretanto, alguns estímulos, como a hipoglicemia, produzem uma resposta adrenomedular mais forte que a da terminação nervosa simpática. Os receptores adrenérgicos (de adrenalina e noradrenalina) são geralmente classificados em receptores α e receptores β adrenérgicos. Cada um desses grupos está subdividido em α1 e α2, e β1, β2 e β3. Ambas as catecolaminas são potentes agonistas dos receptores α, β1, e β2, já a noradrenalina é um agonista mais potente de receptores β2. Muitos órgãos e tecidos são afetados pela resposta simpático‑adrenal. Um exemplo é a resposta ao exercício físico. O exercício físico é similar à resposta luta ou fuga, mas sem o elemento subjetivo de medo, envolvendo maior resposta adrenomedular (a função endócrina da adrenalina) do que uma resposta nervosa simpática (função neurotransmissora da noradrenalina). O objetivo geral do sistema simpático‑adrenal durante o exercício é responder à demanda energética aumentada dos músculos cardíaco e esquelético, enquanto é mantido um suprimento suficiente de oxigênio e glicose para o cérebro. A resposta aos exercícios inclui as seguintes ações fisiológicas principais da adrenalina: • O fluxo sanguíneo aumentado para os músculos é obtido pela ação integrada da noradrenalina e adrenalina sobre o coração, veias, vasos linfáticos e arteríolas não musculares e musculares. • A adrenalina promove a glicogenólise no músculo. Promove a lipólise do tecido adiposo, que é coordenada com o aumento da cetogênese hepática; e o aumento da glicemia pelo aumento da glicogenólise e gliconeogênese hepática. Os efeitos das catecolaminas sobre o metabolismo são reforçados por estimularem a secreção de glucagon e inibirem a secreção de insulina. As catecolaminas também melhoram o suprimento de oxigênio por relaxar a musculatura lisa bronquiolar. • As catecolaminas diminuem a demanda de energia pela musculatura lisa visceral. Em geral, a resposta simpático‑adrenal diminui a motilidade dos músculos lisos no TGI e no trato urinário, conservando energia onde ela não é necessária (KOEPPEN; STANTON, 2009). A zona fasciculada é a região central do córtex adrenal e produz o hormônio glicocorticoide cortisol. É um tecido ativamente esteroidogênico composto de cordões retos de células grandes. Essas células têm um citoplasma espumoso porque são cheias de gotículas de lipídios que 138 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III representam ésteres de colesterol armazenados. Tais células produzem e importam o colesterol do sangue na forma de lipoproteína de baixa densidade (LDL) e lipoproteína de alta densidade (HDL). O colesterol livre é, então, esterificado e armazenado em gotículas de lipídios. O colesterol armazenado é continuamente transformado em colesterol livre e esse processo é acelerado em resposta ao estímulo de síntese do cortisol. O cortisol é transportado pelo sangue, predominantemente, ligado à globulina ligante de corticosteroide (CBG), que liga cerca de 90% do hormônio circulante, e à albumina, que liga de 5% a 7%. O cortisol é reversivelmente inativado pela conversão em cortisona. Essa conversão ocorre em tecidos que expressam o receptor de glicocorticoides, incluindo o fígado (sítio predominante de inativação, facilitando sua excreção pelos rins), tecido adiposo e sistema nervoso central (SNC), assim como a pele (por isso, cremes à base de cortisona podem ser aplicados na pele para frear a inflamação) (KOEPPEN; STANTON, 2009). O cortisol tem uma ampla faixa de ação e é frequentemente caracterizado como “hormônio do estresse”. Em geral, o cortisol mantém os níveis de glicemia, as funções do SNC e as funções cardiovasculares durante o jejum, e aumenta a glicemia em episódios de estresse. O cortisol tem um papel anti‑inflamatório muito importante, diminuindo a atividade do sistema imunológico. O cortisol também desvia a energia para enfrentar um determinando tipo estresse, inibindo as funções reprodutoras. O cortisol, porser um glicocorticoide, é um hormônio esteroide do córtex adrenal que regula a glicemia. Ele aumenta a glicemia por estimular a gliconeogênese. O cortisol aumenta a expressão gênica de enzimas gliconeogênicas hepáticas e diminui a captação de glicose no músculo esquelético e tecido adiposo. Durante o período interdigestivo (baixa razão insulina‑glucagon), o cortisol promove a poupança de glicose potencializando os efeitos das catecolaminas sobre a lipólise, disponibilizando ácidos graxos livres como fonte de energia. O cortisol inibe a síntese de proteínas e aumenta a proteólise, especialmente no músculo esquelético, fornecendo uma rica fonte de carbonos para a gliconeogênese hepática. O cortisol estimula a síntese de eritropoietina e aumenta a produção de células vermelhas. Ocorre anemia quando há falta de cortisol e policitemia quando o cortisol está em excesso (KOEPPEN; STANTON, 2009). As respostas inflamatória e imune são, frequentemente, parte das respostas ao estresse. Entretanto, as respostas inflamatória e imune possuem o potencial de causar dano significativo, até a morte, caso não sejam mantidas em equilíbrio homeostático. Sendo um hormônio de estresse, o cortisol desempenha um papel importante na manutenção da homeostase imune. O cortisol, junto à adrenalina e à noradrenalina, reprime a produção de citocinas pró‑inflamatórias, estimulando a produção de citocinas anti‑inflamatórias. A resposta inflamatória a lesões consiste em dilatação local de capilares e aumento da permeabilidade capilar, tendo como resultado edema local e acúmulo de células brancas sanguíneas. O cortisol estabiliza as membranas lisossomais, diminuindo a liberação de enzimas proteolíticas que aumentam a formação local 139 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA GERAL de edema. Em resposta à lesão, os leucócitos normalmente migram para o local da lesão e deixam o sistema vascular. Esses efeitos são inibidos pelo cortisol, assim como ocorre com a atividade fagocítica dos neutrófilos, apesar da liberação dos neutrófilos na medula óssea ser estimulada. Análogos de glicocorticoides são utilizados farmacologicamente devido a suas propriedades anti‑inflamatórias (KOEPPEN; STANTON, 2009). Os glicocorticoides aumentam a reabsorção óssea e diminuem a absorção intestinal e renal de cálcio. Ambos os mecanismos servem para diminuir a [Ca2+] sérica. Como a [Ca2+] sérica cai, a secreção do hormônio paratireoide (PTH) aumenta e o PTH imobiliza o cálcio dos ossos por estimular a reabsorção óssea. Apesar de os glicocorticoides serem úteis para tratar inflamações associadas com artrites, o uso excessivo resultará em perda óssea (osteoporose). O cortisol inibe a proliferação fibroblástica e a formação de colágeno. Em quantidades excessivas de cortisol, a pele torna‑se mais fina e facilmente danificada. O cortisol inibe a secreção e a ação do hormônio antidiurético (ADH). Na ausência de cortisol, a ação do ADH é potencializada, o que torna difícil aumentar a liberação de água livre em resposta a uma sobrecarga de água, aumentando a probabilidade de intoxicação hídrica. Esse efeito é balanceado pelo equilíbrio entre cortisol e cortisona. O cortisol aumenta a taxa de filtração glomerular tanto por aumentar o débito cardíaco quanto por agir diretamente nos rins. O cortisol exerce um efeito trófico sobre a mucosa do TGI. Na ausência de cortisol, a mobilidade do TGI diminui, a mucosa do TGI degenera e a produção de ácidos e enzimas diminui. Já o excesso de cortisol estimula a secreção de ácido gástrico e pepsina, aumentando o risco de desenvolvimento de úlceras. O cortisol é necessário para o desenvolvimento normal do SNC, da retina, da pele, do TGI e dos pulmões. O sistema mais bem estudado são os pulmões, nos quais o cortisol induz a diferenciação e maturação das células alveolares tipo II. Durante a parte final da gestação, essas células produzem surfactantes que reduzem a tensão superficial nos pulmões e permitem o início da respiração no nascimento. A produção do cortisol pela zona fasciculada é regulada pelo eixo hipotálamo‑hipófise‑adrenal envolvendo o hormônio liberador de corticotrofina (CRH), ACTH e cortisol. O hipotálamo e a hipófise estimulam a produção de cortisol que, por sua vez, atua negativamente (feedback negativo) sobre o hipotálamo e a hipófise para manter seu ponto de equilíbrio. A forma neurogênica de estresse (medo) e a sistêmica (hipoglicemia, hemorragia, citocinas) estimulam a liberação de CRH. O CRH está, também, sujeito a uma forte regulação rítmica diária dos núcleos supraquiasmáticos no hipotálamo, fazendo com que o nível de cortisol aumente no final da madrugada e nas primeiras horas da manhã e vá continuamente declinando durante o dia até o anoitecer. O ACTH liga‑se ao receptor de mineralocorticoides localizado nas células da zona fasciculada exercendo seus efeitos de curto, médio e longo prazo (KOEPPEN; STANTON, 2009). A zona mais interna, a zona reticular, começa a aparecer após o nascimento, aos 5 anos de idade aproximadamente. O androgênio adrenal, especialmente o DHEAS, o principal produto da zona reticular, começa a ser detectável aos 6 anos de idade, em um momento chamado de adrenarca. Os níveis de DHEAS continuam aumentando, atingem o valor máximo entre 20 e 30 anos e, depois, declinam 140 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade III progressivamente com a idade. O DHEAS pode ser convertido de volta em DHEA pelas sulfatases periféricas. Já o DHEA e a androstenediona podem ser convertidas em androgênios ativos (testosterona e di‑hidrotestosterona), perifericamente, em ambos os sexos. Nos homens, a contribuição dos androgênios adrenais para os androgênios ativos é negligenciável. Em mulheres, entretanto, a adrenal contribui com cerca de 50% dos androgênios ativos circulantes, que são necessários para o crescimento dos pelos púbicos e axilares, também para a libido. Androgênios adrenais em excesso nas mulheres podem ocasionar vários graus de virilização e disfunção ovariana. O ACTH é o principal regulador de a zona reticular. Ambos o DHEA e a androstenediona ciclam no mesmo ritmo do cortisol. Ademais, a zona reticular apresenta as mesmas mudanças atróficas que a zona fasciculada em condições de pouco ou nenhum ACTH. Entretanto, outros fatores devem regular a função androgênica adrenal. A zona fina mais externa do córtex adrenal, a zona glomerulosa, produz o mineralocorticoide aldosterona, que regula a homeostase de sal e a volemia. A zona glomerulosa é minimamente influenciada pelo ACTH e primariamente pelo sistema renina‑angiotensina, pela [K+] no plasma e pelo peptídeo natriurético atrial (ANP). Por não contar com a enzima necessária, as células da zona glomerulosa nunca produzem cortisol, nem qualquer forma de androgênio adrenal. No sangue, a aldosterona liga‑se à albumina e à proteína ligadora de corticosteroides com baixa afinidade, portanto, tem uma meia‑vida curta. A aldosterona atua de forma muito semelhante ao cortisol (e os hormônios esteroides), liga‑se a um receptor intracelular específico (receptor de mineralocorticoides). A aldosterona é o mineralocorticoide natural mais forte encontrado em humanos. Esse mineralocorticoide promove a reabsorção de sódio e água pelos túbulos distais e dutos coletores, enquanto promove a secreção renal de potássio e íons hidrogênio. A aldosterona produz a absorção de água e sódio no cólon e nas glândulas salivares; também apresenta um efeito pró‑inflamatório e fibrótico no sistema cardiovascular e causa hipertrofia e remodelação ventricular esquerda. Saiba mais Para entender melhor a ação de hormônios esteroides no corpo em situações de exercício, aumentando o conhecimento dos conceitos discutidos na presente unidade, leia o artigo: AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE. O uso de esteróides anabolizantes nos esportes. Ver. Bras. Med. Esporte, v. 4, n.
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