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SISTEMA DE ENSINO
CRIMINOLOGIA
Vitimologia
Livro Eletrônico
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Vitimologia
CRIMINOLOGIA
Mariana Barrerias
Sumário
Vitimologia ..........................................................................................................................................................................4
Conceito.................................................................................................................................................................................4
Evolução Histórica ..........................................................................................................................................................5
Principais Nomes da Vitimologia ...........................................................................................................................6
Hans Gross ...........................................................................................................................................................................6
Benjamin Mendelsohn...................................................................................................................................................6
Hans Von Hentig ...............................................................................................................................................................9
Consolidação da Vitimologia ..................................................................................................................................13
Contribuições da Vitimologia..................................................................................................................................14
Outras Classificações Vitimárias .........................................................................................................................15
Cifras da Criminalidade...............................................................................................................................................17
Cifra Negra .........................................................................................................................................................................17
Cifra Dourada....................................................................................................................................................................18
Cifra Cinza...........................................................................................................................................................................18
Cifra Amarela ....................................................................................................................................................................18
Cifra Verde ..........................................................................................................................................................................19
Cifra Rosa............................................................................................................................................................................19
Classificações da Vitimização ................................................................................................................................19
Vitimização direta x Vitimização indireta ........................................................................................................19
Vitimização Primária, Secundária e Terciária ................................................................................................19
Heterovitimização .........................................................................................................................................................21
Vitimologia Clássica x Vitimologia Solidarista ou Humanitária ........................................................21
Lei n. 9.099/1995...........................................................................................................................................................22
Lei n. 11.106/2005.........................................................................................................................................................22
Violência Doméstica e Feminicídio .....................................................................................................................22
Lei n. 13.431/2017 – Direitos da Criança e do Adolescente .................................................................23
Vítimo-Dogmática .........................................................................................................................................................23
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a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
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Vitimologia
CRIMINOLOGIA
Mariana Barrerias
Desmaterialização da Vítima ................................................................................................................................. 24
Seletividade da Vitimização ...................................................................................................................................25
Síndromes Relacionadas à Vitimização ...........................................................................................................25
Síndrome de Estocolmo.............................................................................................................................................25
Síndrome de Lima ..........................................................................................................................................................26
Síndrome de Londres...................................................................................................................................................26
Síndrome da Mulher de Potifar .............................................................................................................................27
Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e
de Abuso de Poder .......................................................................................................................................................27
Resumo ...............................................................................................................................................................................30
Mapas Mentais...............................................................................................................................................................38
Questões de Concurso ...............................................................................................................................................43
Gabarito ..............................................................................................................................................................................60
Gabarito Comentado ....................................................................................................................................................61
Referências .......................................................................................................................................................................95
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Vitimologia
CRIMINOLOGIA
Mariana Barrerias
VITIMOLOGIA
ConCeito
O termo Vitimologia deriva da união das palavras vítima e logos e refere-se, portanto, ao
estudo das vítimas. Esse termo foi cunhado em 1947 por BenjaminMendelsohn, advogado
egresso do campo de concentração nazista, sobre quem falaremos mais adiante.
Vítima pode ser qualquer pessoa, física ou jurídica, desde que sofra uma desventura, uma
ofensa, uma lesão decorrente de um crime. A lesão pode ser de vários tipos, como corpórea,
psíquica ou econômica.
A vítima pode ser direta ou indireta. A vítima direta, ou imediata, é a pessoa propriamente
lesada, detentora do bem jurídico atacado. Em um crime de homicídio, a pessoamorta é vítima
direta. A vítima indireta, ou mediata, é aquela que suporta indiretamente as consequências do
delito. É o caso, por exemplo, do Estado. Como titular da grande maioria das ações penais, é
considerado vítima mediata. E pode, naturalmente, ser também considerado vítima imediata,
como nos crimes contra a Administração Pública.
Alguns autores defendem que a Vitimologia é uma ciência. Outros, que é um ramo da Cri-
minologia. De qualquer maneira, a Vitimologia se dedica a jogar luz sobre o papel fundamental
que a vítima desempenha no fenômeno criminal. Analisa, entre outras coisas, a contribuição
do ofendido como causa ou condição do evento delituoso. Preocupa-se com a vítima, buscan-
do restaurar o seu papel no cenário criminal. Além de tentar entender qual o papel da vítima no
delito, defende programas de intervenção em crises, compensação, restituição, ressarcimento
do dano, assistência médica, psicológica e jurídica, seja na etapa de mediação como no pro-
cesso criminal ou cível eventualmente instaurado. Movimentos de defesa dos direitos da mu-
lher, da criança e do adolescente, dos indígenas, dos condenados e de grupos especialmente
vulneráveis têm sido citados como importantes propulsores da Vitimologia.
Além de procurar entender o papel desempenhado pela vítima no fenômeno criminal e o
tipo de assistência necessária para fazer frente aos traumas deixados pelo evento criminoso, a
Vitimologia desempenha importante papel no descobrimento das taxas reais de criminalidade,
como veremos mais adiante.
Lola Aniyar de Castro, criminóloga venezuelana, sintetiza os seguintes objetos da
Vitimologia:
• Estudo da personalidade da vítima, tanto vítimas de delinquentes, ou vítima de outros
fatores;
• Descobrimentos dos elementos psíquicos do complexo criminógeno existente na dupla
penal, isto é, o potencial de receptividade vitimal;
• Análise da personalidade das vítimas sem intervenção de um terceiro (como é o caso
do suicídio);
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Vitimologia
CRIMINOLOGIA
Mariana Barrerias
• Estudo dos meios de identicação dos indivíduos com tendência a se tornarem vítimas
(e inclusão demétodos psicoeducativos necessários para organizar sua própria defesa);
• Busca dos meios de tratamento curativo, para prevenir a recidiva da vítima.
García-Pablos de Molina explica que o Direito Penal contemporâneo se encontra unilateral
e equivocadamente voltado para a pessoa do delinquente, relegando a vítima a uma posição
marginal, de desamparo, sem outro papel que o puramente testemunhal. Para ele, o sistema
legal já nasceu com o propósito deliberado de distanciar os dois protagonistas do confito
criminal, despersonalizando a rivalidade, neutralizando a vítima e transformando-a em mero
conceito abstrato. A Sociologia e Psicologia Social têm ajudado a denunciar esse abandono e
a fornecer modelos teóricos aptos a analisar os dados das investigações vtimológicas.
evolução HistóriCa
A vítima é um dos objetos da Criminologia, como analisamos na primeira aula. Ali, tive-
mos a oportunidade de analisar que, em relação à vítima, os estudos criminais passaram por
três grandes momentos. Vamos agora, retomar e aprofundar os conhecimentos sobre essas
três fases:
• Idade de ouro da vítima: perdurou desde os primórdios da civilização até o m da Alta
Idade Média. Nessa época havia a possibilidade de composição e de autotutela, ou seja,
de fazer justiça pelas próprias mãos. Havia, ainda, a possibilidade de aplicação da lei de
talião, de que já falamos anteriormente. Conhecida pela máxima “olho por olho, dente
por dente”, essa lei traz a ideia de correspondência entre o mal causado a alguém e o
castigo que deve receber. A um homicida, por exemplo, poderia ser imposta a pena de
morte. Durante a era de ouro da vítima se desenvolveu o processo penal acusatório,
em que as funções de acusar, julgar e defender estavam em mãos distintas. As partes
tinham iniciativa probatória, diante de um juiz inerte, que não podia produzir as provas
independentemente da provocação do autor e do réu.
• Neutralização do poder da vítima: essa fase teve início com a Baixa Idade Média, com
a crise do feudalismo, o início das Cruzadas, e a adoção do processo penal inquisitivo,
no século XII. Em oposição ao processo acusatório, o processo inquisitivo concentra as
funções de acusar e julgar nas mãos do juiz. Também chamado de processo inquisitó-
rio, acabou se revelando problemático por dicultar a imparcialidade do juiz, que deixou
de ser um árbitro e passou a ser um inquisidor. Nessa fase de neutralização, a vítima
perdeu o poder de reação ao fato delituoso, que passou para as mãos da administração
pública. A pena não era mais dirigida a compensar a dor da vítima ou determinada em
função dessa dor. A sanção penal passou a ser uma garantia para o grupo social de que
eles podiam ter expectativa na norma, pois a frustração de seus comandos geraria uma
consequência.
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Vitimologia
CRIMINOLOGIA
Mariana Barrerias
• Revalorização do poder da vítima: essa fase teve início no século XVIII e perdurou até
os dias atuais. Considera-se que a vítima havia sido esquecida pelo processo criminal
e que é necessário recuperar certa parcela de seu protagonismo. Os autores penalistas
clássicos (séculos XVIII e XIX) começam a mencionar a importância da vítima, mas é
com a consolidação da Criminologia que os discursos de que a vítima deve ter proemi-
nência ganham força. Apesar do forte apelo da Vitimologia à doutrina de direitos huma-
nos, um dos problemas vericados nessa etapa de revalorização do poder da vítima é
a pressão que as vítimas ou seus parentes exercem em nossa sociedade, em nossos
legisladores e julgadores para que haja punições extremamente severas em função da
dor que estão sentindo, o que pode levar a um movimento de punitivismo exacerbado.
Muitos criminólogos conservadores, de viés punitivista, têm se apoiado nas vítimas com
o intuito de fortalecer o argumento de que se deve robustecer o poder repressivo, ale-
gando que quanto mais se protege o vitimador, mais dano se faz à vítima. García-Pablos
de Molina adverte que, nessa fase, não se pode pretender um retorno à idade de ouro da
vítima, anal já se percebeu que uma resposta institucional a serena ao delito não pode
se subordinar aos estados emocionais da vítima. Reconhece-se que a natureza pública
do delito, da pena e do processo foram avanços civilizatórios históricos, aos quais não
se pretende renunciar. Mas é necessário proceder a uma redenição global do status
da vítima, com identicação de suas expectativas e do papel que pode desempenhar na
busca de concreta justiça.
PrinCiPais nomes da vitimologia
Hans gross
Hans Gross foi um jurista e criminólogo austríaco que teve importância decisiva no nasci-
mento da Criminalística, disciplina que se dedica a elucidar os crimes. Além de pai da perícia
criminal, Hans Gross é considerado precursor da Vitimologia em virtude de sua obraRaritä-
tenbetrug, publicada em 1901, em que analisou a ingenuidade das vítimas de fraudes raras.
BenjaminmendelsoHn
O discurso de revalorização do poder da vítima se vericou de maneira pronunciada com
Benjamin Mendelsohn, advogado israelita que utilizou o termo Vitimologia em 1947 para des-
crever o sofrimento dos judeus nos campos de concentração de Alemanha nazista.
Considerado um dos pais da Vitimologia, Mendelsohn sustentou a autonomia cientíca
desse saber. Para cuidar das vítimas, defendia Mendelsohn, é necessário ir além do Direito
Penal, pois o arsenal jurídico é estranho a elas. Daí a importância de escapar das armadilhas
jurídicas e daí, também, a defesa de uma Vitimologia geral (não exclusivamente jurídico-penal).
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Vitimologia
CRIMINOLOGIA
Mariana Barrerias
Mendelsohn argumentava ser impossível realizar justiça sem atentar para o papel da ví-
tima. Para ele, o objetivo da Vitimologia deveria ser: menos vítimas em todos os domínios
em que a sociedade está interessada, e na medida desse interesse. Não se deve restringir o
domínio da Vitimologia às vítimas de delitos. A vítima da delinquência não é a única que deve
despertar interesse na sociedade, e o seu sofrimento não é a única praga social pela qual a
sociedade deve se interessar. Meldelsohn se valia amplamente do conceito de vitmidade (vic-
timité): trata-se da capacidade de ser vítima de fatores endógenos ou exógenos, ou, dito de
outromodo, da totalidade de características biopsicossociais comuns às diferentes categorias
de vítimas que a sociedade tem interesse de prevenir e curar, quaisquer que sejam os fatores
determinantes.
A noção de vitimidade, acrescentava, não é o inverso da noção de criminalidade. A vitimida-
de compreende uma esfera muito mais ampla, que inclui, por exemplo, as vítimas de acidentes
de trânsito, de acidentes de trabalho, de vícios, de suicídios, do doenças laborais, dentre outras.
Essa noção ampla de vitimidade, aliás, seria determinante para diferenciar o objeto da Vitimo-
logia – vítima em seu conceito amplo – de um dos objetos da Criminologia – vítima de delitos.
Assim como a Sociologia se ocupa de todos os problemas sociais; a Medicina, de todas
as doenças; a Criminologia, de todos os delitos; a Vitimologia deveria se ocupar de todas as
categorias de vítimas e todos os problemas de vitimidade, sem ignorar nenhum dos fatores
determinantes que interessam à sociedade.
Esses fatores, que determinam que alguém se torne vítima, provêm de seis espé-
cies de meios:
• Meio endógeno, bio-psíquico, da própria vítima, tais como negligência, desatenção, es-
quecimento, falta de coordenação entre a percepção, o discernimento, a decisão e a
reação muscular;
• Meio natural, ísico, imune à infuência humana;
• Meio natural ambientalmente modicado pela infuência humana;
• Meio social, aí consideradas as ações antissociais individuais ou organizacionais;
• Meio social político, em que se incluem os governos autoritários, ditatoriais, racistas,
genocidas;
• Meio motor, em que se encaixam as máquinas da modernidade que têm alto potencial
vitimizador.
Considerados esses atores, a Vitimologia deveria concentrar seus esorços na identica-
ção de meios capazes de afastar o “complexo do perigo”, que equivale à soma de elementos
objetivos, subjetivos ou mistos, permanentes ou temporários, aparentes ou velados, que de-
terminam quais pessoas se tornarão vítimas. É necessário, portanto, analisar a periculosidade
vitimal, que não é distribuída igualmente na população, já que algumas pessoas têm mais
propensão a se tornar vítimas. A periculosidade vitimal diz respeito ao comportamento inapro-
priado da vítima que de certo modo facilita, instiga ou provoca a ação do agressor.
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Vitimologia
CRIMINOLOGIA
Mariana Barrerias
Mendelsohn defendia que, caso a ação de prevenção vitimal falhasse, a Vitimologia deveria
passar a se preocupar em reduzir ao mínimo a nocividade para as vítimas e em evitar a recidiva
vitimal. Aliás, para Mendelsohn, um dos paradoxos da sociedade contemporânea é o fato de
que quanto mais avançada uma sociedade, mais riscos ela implica. Assim, o complexo do peri-
go avança rapidamente, commuitos riscos sendo criados para a população, enquanto osmeios
de evitar os perigos estão sempre atrasados. A vitimidade, portanto, decorre de uma série de fa-
tores e é um problema geral e não individual, que guarda conexão com a evolução da sociedade.
Mendelsohn postulava a formulação de uma Vitimologia Clínica, um elemento vital da nova
ciência, que diria respeito à criação, nos hospitais, de uma seção especial para onde seriam di-
rigidas as vítimas de acidentes. Nesse setor, além demédicos, haveria sociólogos, psicólogos e
outros prossionais habilitados a lidar com as questões relativas às vítimas. Ele também deen-
dia a criação de um Centro de Vitimologia, que se ocuparia das questões vitimológicas que não
fossem clínicas. Para Mendelsohn, portanto, a Vitimologia, além de ampla, devia ter efeitos prá-
ticos, de livrar o ser humano do perigo. Se fosse útil e viável, a Vitimologia seria revolucionária1.
Classifcação Vitimária deMendelsohn
Sua tipologia das vítimas, apresentada na palestra “Um horizonte novo na ciência biopsi-
cossocial”, pronunciada em um hospital de Bucareste, é bastante conhecida. Possui uma base
aomesmo tempo etiológica e interacionista, já que procura compreender as causas de alguém
se tornar vítima analisando a interação existente entre os integrantes da dupla penal (vítima e
agressor). Foi desenvolvida, portanto, com base na correlação de culpabilidade entre a vítima e
o vitimador (delinquente): quanto maior a culpabilidade de um, menor a culpabilidade do outro.
Esse assunto é bastante cobrado nas provas!!!
As categorias da classicação vitimária de Mendelsohn são:
• Vítima totalmente inocente, que não tem “culpa” na infração penal, ou seja, não concorre
de forma alguma para o evento, como ocorre no caso do infanticídio e das pessoas com
mediana prudência. É também chamada de vítima ideal;
• Vítima por ignorância, que é menos culpada que o delinquente, como, por exemplo,
aquele que anda com a bolsa aberta um lugar perigoso, sendo imprudente. São também
chamadas de vítima de menor culpabilidade;
• Vítima tão culpada quanto o delinquente, que dá causa ao resultado, como, por exemplo,
no caso da rixa (briga), da eutanásia, da dupla suicida, do aborto consentido e dos cri-
mes de estelionato em que a vítima tenta se aproveitar de uma situação pretensamente
muito vantajosa que lhe é apresentada. É também chamada de vítima voluntária;
1 MENDELSOHN, Benjamin. La victimologie et les besoins de la societe actuelle. In: Revue internationale de criminologie et
de police technique, v. 26, n. 3, p. 267-276, jui./sep. 1973.
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Vitimologia
CRIMINOLOGIA
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• Vítima mais culpada que o delinquente, que o provoca, como, por exemplo, a vítima de
um homicídio privilegiado praticado após injusta provocação. São também chamadas
de vítima por provocação;
• Vítima como única culpada, de que é exemplo a pessoa que se coloca em situação de
completorisco, como o suicida ou um agressor que acaba sendo vítima de legítima
defesa. São também chamadas de vítimas agressoras, simuladas, simuladoras, imagi-
nárias ou pseudovítimas. Nessas hipóteses não se está diante de uma vítima real. Não
se trata de uma pessoa que coopera com o ânimo criminoso de alguém: ao contrário, a
pseudovítima é a única culpada pela situação.
RecursoMnemônico
Essa classicação é bastante cobrada em provas. Para ajudar na memorização, eu cons-
truí uma tabelinha que ajuda a resolver as questões, que costumam mesclar e relacionar os
itens da primeira coluna com os da segunda.
A VÍTIMA É CULPADA NOMENCLATURA
NÃO Ideal
- Ignorância
= Voluntária
+ Provocadora
EXCLUSIVAMENTE Pseudo
E para ajudar a memorizar, em aula eu sugiro que os alunos memorizem o começo das no-
menclaturas que Mendelsohn atribui: Id, Ig, Vo, Provo, Pseudo. Isso ajuda a construir a tabela
na hora da prova.
Hans von Hentig
Hans Von Hentig foi um psicólogo criminal alemão radicado nos Estados Unidos.
No artigo Remarks on the Interaction of Perpretator and Victim, publicado em 1940, Hans
von Hentig explica que, em muitos casos a vítima não contribui para o fenômeno criminal, mas
que frequentemente pode ser observada umamutualidade na conexão entre agressor e vítima.
Em clara conexão com os postulados positivistas do século XIX, e nitidamente inserido numa
visão de corresponsabilização da vítima, ele defende que emmuitos casos a vítima ativamente
leva o agressor à tentação. “Se há criminosos natos, é evidente que também existem vítimas
natas, que se autolesionam e se autodestroem por meio de uma pessoa estranha maleável.”
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Ele analisa três grupos de crimes, sob o ponto de vista vitimológico: assassinatos, crimes se-
xuais e estelionatos.
No tocante aos crimes sexuais, Hentig assinala – em viés típico de uma cultura pautada
por valores androcêntricos – que a sedução e o caráter depravado de certas vítimas são fun-
damentais para compreender muitos casos de estupro e incesto (relação sexual com parente
próximo). Em dois exemplos que nos soam absurdos, ele cita casos em que a lha ia dormir
na cama do pai, sendo que em um desses casos a menina havia perdido a mãe recentemente.
Por m, no que diz respeito aos crimes de estelionato e outras raudes, Hentig sublinha o
caráter fundamental da cooperação da vítima: a pessoa enganada é tentada a agir em direção
oposta aos seus interesses. Trata-se de um delito cooperativo, um jogo de conança, do qual
raramente é vítima uma pessoa honesta. A vítima não apenas contribui amplamente para a
consumação do crime com o seu comportamento como impede, em muitos casos, que o deli-
to seja reportado e investigado, já que a demonstração de que estavam dispostas a entrar em
negócios desonestos pode ser bastante prejudicial à alta reputação de certas vítimas.
Em 1948, Hentig lançou o livro “O criminoso e sua vítima.” Para alguns, essa foi a primeira
obra a tentar sistematizar o estudo da Vitimologia. Nela, adiantando um pouco os postulados
interacionistas que seriam denitivamente incorporados à Criminologia na década de 1960,
Hentig explica que a relação entre o agressor e a vítima é muito mais intrincada do que as dis-
tinções simplistas do Direito Penal. São dois seres humanos, entre os quais pode se vericar
uma rica gama de interações, atrações e repulsas. Para o Direito é muito clara a distinção entre
vítima e agressor. O mesmo raciocínio não se aplica na Sociologia e na Psicologia, em que as
duas categorias podem se fundir. Há uma relação de mutualidade entre vítima e agressor. A
vítima forma e modela o criminoso. Em certo sentido, os animais predadores e suas presas se
complementam. Para conhecer uma pessoa, temos que estar familiarizadas com o seu com-
panheiro complementar.
Há, no livro, uma classicação geral das vítimas e os tipos psicológicos de vítimas. Em
ambas, como se verá a seguir, Hentig segue na ótica de corresponsabilização da vítima, com
viés fortemente impregnado de uma visão androcêntrica de mundo.
As classes gerais de vítimas, para Hentig, são:
• A vítima jovem: a juventude é o período mais perigoso da vida. Por isso há tantos dispo-
sitivos impondo o dever de cuidado dos pais sobre os lhos. Mas há algumas cções,
sobretudo no tocante ao consentimento, que distorcem a realidade. As mulheres jovens
são vítimas de crimes sexuais com mais frequência na lei do que na realidade. Mui-
tas meninas não oferecem qualquer resistência ao ato sexual e tampouco tentam fugir,
numa mistura de medo e curiosidade, castidade e desao mental.
• A vítima mulher: o gênero feminino é outra forma de fraqueza reconhecida pela lei. Mas
em muitos casos a mulher somente se torna vítima em circunstâncias excepcionais,
como as trabalhadoras domésticas que engravidam dos seus patrões e, por isso, aca-
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bam sendo eliminadas; ou as idosas que, por ganância, são atraídas por estelionatários.
E é incorreto falar de vítima quando tanto o agressor como a vítima estão envolvidos em
um empreendimento criminal.
• A vítima idosa: no idoso, há uma combinação de patrimônio acumulado, fraqueza física
e debilidade mental. Na combinação de riqueza e fraqueza mora o perigo. Qualquer um
que supere a desconança e a apreensão dos idosos pode se aproximar, para o bem
ou para o mal. O homem idoso é presa fácil de delinquência sexual, já que as inibições
desaparecem.
• A vítima doente mental ou com perturbações mentais: nos dementes, loucos, viciados
em drogas, alcoólatras o jogo de forças motivacionais não opera de maneira normal.
Eles não têm noção do perigo e se colocam facilmente em situação de vítima. Há neles
tendências suicidas, autoacusações e são comumente vítimas de furto, roubo, estupro
e até mesmo assassinato.
• A vítima imigrante, ignorante ou minoritária: imigrantes e ignorantes são vítimas poten-
ciais de estelionatários. Imigrar é mais do que mudar de país. Relações humanas vitais
cam prejudicadas. Há diculdades linguísticas e necessidade de reconstruir laços psi-
cológicos. Leva alguns anos e algumas experiências dolorosas até que isso aconteça.
Antes disso, o imigrante é facilmente vitimizado. A pessoa ignorante ou inocente, segun-
do Hentig, parece ter nascido para ser vitimizado. O sucesso de tantos estelionatários
somente pode ser explicado pela estupidez das suas vítimas, e não pelo brilhantismo
dos criminosos. Essa estupidez psicológica émuito procurada pelos criminosos, porque
se aproxima da infantilidade. Os gruposminoritários não recebem amesma proteção da
lei do que as classes dominantes. Eles temem a exploração e o abuso e é por isso que
membros do próprio grupo se aproximam deles commais facilidade. Assim, negros aca-
bam sendo vítimas de outros negros. Além disso, os grupos minoritários são vítimas do
próprio sistema de justiça criminal. Em um levantamento realizado em Virgínia, Estados
Unidos, todos os negros indiciados por matar um branco receberam sentença de prisão
de morte ou perpétua. Mas somente 5,7% dos negros indiciados por matarem outro
negro receberam pena tão severa. A maioria (41,8%) dos negros que mataram negros
recebeu pena inerior a 10 anos de prisão. A cor da vítima infuencia, portanto, enorme-
mente, o desfecho do caso.
Depois de apresentada essa classicação geral de vítimas, Hentig passaa apresentar os
tipos psicológicos de vítimas, que são os seguintes:
• O tipo depressivo: é dominado por um desejo subconsciente de ser aniquilado e possui
um instinto de autopreservação débil.
• O tipo ganancioso: é dominado por sua expectativa de obter dinheiro de maneira fácil,
o que faz com que suspeitas e inibições sejam suprimidas. O desejo de ganho eclipsa
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a inteligência, a experiência comercial e os impedimentos internos. Pessoas honestas
são com menor frequência vítima de golpes, porque não querem especular ou ter lucro
ácil. Asmeninas vítimas do tráco de pessoas não são transportadas drogadas, incons-
cientes: elas são persuadidas por imagens de luxo, prazer, riqueza, aplausos e felicidade.
São, portanto, vítimas da própria vaidade.
• O tipo lascivo: está relacionado, sobretudo, com o homicídio de mulheres jovens e de
meia idade, cuja sensualidade é uma fraqueza facilmente explorável. Masmuitas mulhe-
res são cúmplices ou mesmo provocadoras de crimes sexuais.
• O tipo solitário ou de coração partido: o desejo por companhia é natural e urgente no ser
humano. Para quem está solitário, qualquer coisa é melhor do que car sozinho. É ácil
se tornar presa nessa situação. É o caso de idosos, viúvas, crianças abandonadas ou
que fugiram de seus lares, prostitutas sem rede familiar e em ostracismo social.
• O tipo tormentoso: trata-se, por exemplo, de um pai alcóolatra ou psicótico que tortura
esposa e lhos. O lho cresce e mata o pai. Ou da esposa de temperamento orte. Ela
atormenta tanto a vida do marido que, ao nal, acaba sendo eliminada por ele. São, por-
tanto, pessoas tiranas, que passam de algozes de um relacionamento abusivo a vítimas
de assassinato, praticado pelo oprimido, num momento de rebelião e explosão.
• O tipo bloqueado, isento ou lutador: trata-se de uma categoria ampla, que pode ser divi-
dida nos seguintes subtipos:
− O tipo bloqueado: é o indivíduo que se encontra em situação tão perdida que movi-
mentos defensivos parecem impossíveis ou mais danosos que a lesão provocada
pelo criminoso. É o caso do banqueiro inadimplente que, ao tentar salvar seu negó-
cio, acaba entrando em negócios escusos, é enganado e tem as nanças ainda mais
prejudicadas. Prossionais de prestígio, como advogados, banqueiros, médicos,
empresários, padres, quando enganados, preferem muitas vezes engolir o orgulho
a prestar uma queixa e assumir suas fraquezas É também o caso do criminoso ex-
torquido pela polícia; ou de uma vítima de crime no momento de intimidade proibida,
como nomotel com a amante; ou do preso que, estando em posse ilegal de dinheiro,
é furtado dentro da prisão.
− O tipo isento: é o indivíduo que poderia, a priori, ser vítima, mas que, por suas carac-
terísticas e atitudes, é desqualicado, descartado. Hentig explica que essa situação
se dá quando as situações e os seres humanos por alguma razão se repelem, e os
resultados criminais não aparecem. Nesses casos, não há interação e intercâmbio
de elementos causais. Como exemplo, ele cita que o ladrão católico normalmente
não vai roubar um padre e que os ladrões em geral não roubam pessoas com deci-
ência e policiais.
− O tipo lutador: é o indivíduo que resiste, revida à violência. Raramente o criminoso
insiste em uma vítima agressiva e inteligente. Pode-se, portanto, ter como resultado
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um crime apenas tentado. E a vítima, nesses casos, tem a tendência de não reportar
o delito. Mas há muitos casos em que a resistência da vítima pode agravar a situa-
ção. Em crimes sexuais, aliás, a resistência aciona o impulso mórbido do agressor,
acrescentando um estímulo novo, poderoso e perigoso.
Consolidação da vitimologia
Em 1973 ocorreu o 1º Simpósio Internacional de Vitimologia, em Jerusalém, Israel, presidi-
do por Israel Drapkin Senderey, médico argentino-chileno. Foi o fundador do Instituo de Crimi-
nologia do Chile e ajudou na formação de outras instituições de Criminologia em países latino-
-americanos, como Venezuela, Costa Rica e México. Em 1959, mudou-se para Israel para criar
o Instituto de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade Hebraica de Jerusalém.
Sua vinculação com a América Latina, no entanto, nunca cessou, já que ele visitava frequen-
temente a região para dar cursos e palestras, com especial destaque para as vindas ao Brasil.
Em 1976 ocorreu, em Boston, nos Estados Unidos, o 2º Simpósio Internacional. O 3º Sim-
pósio ocorreu em Münster, na Alemanha, em 1979. Nessa ocasião, decidiu-se pela criação da
Sociedade Mundial de Vitimologia. (World Society of Victimology). Desde então, os Simpósios
Internacionais seguem acontecendo a cada três anos.
Em 1991, o 7º Simpósio Internacional de Vitimologia foi realizado no Rio de Janeiro. A es-
colha do Rio de Janeiro guardou relação com o sólido trabalho que vinha sendo realizado no
País pela Sociedade Brasileira de Vitimologia (SBV), fundada sete anos antes, em 28 de julho
de 1984, na mesma cidade.
Na fundação da SBV, especialistas das áreas de Direito, Medicina, Psiquiatria, Psicologia,
Sociologia e Serviço Social, além de outros estudiosos das ciências sociais, uniram-se para
consolidar no Brasil os conhecimentos relacionados com a vitimologia.
A SBV realiza estudos, pesquisas, seminários e congressos ligados à pesquisa vitimológi-
ca e mantém contato com outros grupos nacionais e internacionais, sobre aspectos relevantes
da Vitimologia. É, inclusive, membro da Sociedade Mundial de Vitimologia.
Para Ester Kosovski, brasileira, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, orga-
nizadora e autora de obras na área da Vitimologia e expoente da SBV,
a vitimologia é um campo multidisciplinar por excelência e abrange vários níveis de atuação em
diferentes contextos. Podemos dizer que repousa em um tripé: estudo e pesquisa; mudança da
legislação e assistência e proteção à vítima. (...)
Todo o arcabouço do sistema penal, a começar com a polícia, passando pelo Ministério Público, a
Deensoria Pública, o Judiciário e nalmente a execução da pena é calcado quase que exclusiva-
mente na perseguição ao criminoso (nem sempre bem sucedida) e na sua punição (quase sempre
falha), deixando fora das preocupações do Estado a vítima, o lesado, o agredido, aquele que sofreu
a ofensa e que deve requerer mais atenção2.
2 KOSOVSKI, Ester. Vitimologia e Direitos Humanos: uma boa parceria. Disponível em <http://sbvitimologia.blogspot.com.
br/>. Acesso em 17 abr. 2018.
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A SBV tem sido muito importante na realização de colóquios, simpósios e palestras sobre
Vitimologia no Brasil e no incentivo a iniciativas pragmáticas que transformem o cenário viti-
mológico brasileiro. O Grupo Interdisciplinar de Estudos em Vitimologia, da Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro, foi impulsionado pela SBV como importante local de pesquisas e debates
sobre Vitimologia no meio acadêmico nacional. A criação e o funcionamento de centros de
assistência à vítima em várias unidades da federação foram fomentados pela SBV, na tentativade prevenir o processo de vitimização e de auxiliar no processo de assistência às vítimas.
Dentre os nomes de destaque da Vitimologia no Brasil podemos citar ainda: Edgard de
Moura Bittencourt, com sua obra Vítima, Laércio Pellegrino, Heitor Piedade Júnior e Heber
Soares Vargas.
ContriBuições da vitimologia
A Vitimologia, ao retirar a vítima do esquecimento penal e ao atribuir-lhe protagonismo, per-
cebe e demonstra que estudar o ofendido, analisar sua contribuição para a dinâmica criminal
e ouvir e atender suas necessidades é tarefa fundamental e complexa para as atuais ciências
criminais. As principais contribuições da moderna Vitimologia podem ser agrupadas nos se-
guintes eixos3:
• Vítima e dinâmica criminal: a Vitimologia explica que nem sempre a vítima é aleatória,
fungível, acidental ou irrelevante no iter criminis. A contribuição da vítima para a gênese
e dinâmica criminal não é homogênea e uniforme, mas sim variável de acordo com diver-
sos fatores, como a existência de interação prévia entre infrator e vítima;
• Vítima e prevenção do delito: partindo-se da premissa de que o risco de vitimização
(risco de ser vítima de um delito) não é distribuído igualmente na sociedade, admite-se
a possibilidade de prevenção vitimária, que é a prevenção da delinquência voltada para
a vítima em potencial. Como se sabe, por exemplo, que as principais vítimas de delitos
sexuais são as mulheres, podem ser traçadas estratégias para diminuição desse risco
diferenciado de vitimização. É uma prevenção complementar e não substitutiva da pre-
venção criminal. Possui as vantagens de ser uma intervenção não-penal e de ser dese-
nhada especicamente para grupos ou subgrupos que necessitam proteção especial
(mulheres, negros, idosos, jovens, etc.);
• Vítima como onte alternativa inormadora da criminalidade real: as estatísticas ociais
somente fornecemdados sobre uma parcela da criminalidade: os delitos registrados, no-
ticiados pelo sistema legal. Assim, medem mais a atividade das instâncias de controle
social formal do que as oscilações reais das taxas de criminalidade. Por isso, possuem
relevância central as pesquisas de vitimização, em que se pede diretamente à popula-
ção que relate suas experiências como vítimas de delitos em certo espaço temporal.
3 GARCÍA-PABLOS deMolina. GOMES, Luiz Flávio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos. 5 ed. São Paulo: RT,
2006, p. 76 e ss.
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São questionários estruturados, destinados a uma grande parcela da população, em que
pergunta se o pesquisado foi vítima de delito, quantas vezes, em quais circunstâncias,
com quais consequências e se houve, ou não, noticação do ato ao sistema legal de
persecução penal. Essas pesquisas demonstram tanto valor quantitativo como qualita-
tivo, já que quanticam e ornecem uma imagem rica e dinâmica da criminalidade real.
• Vítima e medo do delito: a vítima desempenha papel fundamental no problema cada
vez mais central do medo do delito. Aquele que se torna vítima de um delito passa por
uma “experiência vitimária”, e é normal que experimente uma angústia que pode até se
perpetuar, convertendo-se em profundo temor de reviver a situação. Mas a Vitimologia
tem, cada vez mais, se preocupado não com omedo individual, e sim com omedo como
estado de ânimo coletivo e não necessariamente associado a uma prévia experiência
vitimária. Trata-se de um medo por vezes imaginário e sem fundamento com profundos
efeitos nocivos: alteração de hábitos de vida; fomento de comportamentos pouco soli-
dários em relação a outras vítimas; fortalecimento de uma política criminal drástica, de
rigor desnecessário e pouco ecaz.
• Vítima e política social: a Vitimologia preocupa-se com a ressocialização da vítima, que
não reclama apenas compaixão, mas respeito aos seus direitos. E o dano que a vítima
experimenta não se resume à lesão ao bem jurídico. Infelizmente, é comum que a vítima
inspire desconança, receio e suspeitas. Por tudo isso, é necessário ormular progra-
mas de reparação, assistência, compensação e tratamento das vítimas.
• Vítima e sistema legal: a vítima tem em suas mãos a chave da movimentação legal, já
que praticamente somente os delitos noticiados são perseguidos. A Vitimologia inves-
tiga os fatores que contribuem para a decisão da vítima em não noticiar o delito, tais
como o impacto psicológico (temor, abatimento, depressão); o sentimento de impotên-
cia; o medo de represália; a relação pessoal da vítima como o vitimizador (também cha-
mado de vitimário); o receio do descaso do sistema de controle penal; o pertencimento
da vítima a grupos minoritários ou marginalizados, entre outros.
outras ClassifiCações vitimárias
Além da classicação das vítimas de Mendelsohn, outras classicações são, por vezes,
cobradas em provas. Vou apresentar, portanto, outras categorias de vítimas apontadas pelo
pensamento criminológico e vitimológico4:
• Vítima nata: aquela que a apresenta, desde o nascimento, predisposição para ser vítima
e que acaba tomando atitudes, conscientes ou não, para gurar nesse papel. Segundo
Guaracy Moreira Filho, possuem temperamento agressivo e personalidade insuportável,
precipitando a eclosão do crime. Em nítido viés preconceituoso, misógino e de culpabili-
4 SUMARIVA, Paulo. Criminologia: teoria e prática. 6 ed. Niterói/RJ: Impetus, 2019, p. 140-141; MOREIRA Filho, Guaracy. Viti-
mologia: o papel da vítima na gênese do delito. 2 ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2004, p. 163 e ss.
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zação da vítima, ele cita como exemplos as pessoas imprudentes ou prepotentes, como
as que exibem objetos de valor nos veículos e nas ruas; ou as mulheres que vão praticar
ginástica à noite em trajes sumários; e os homossexuais.
• Vítima potencial ou latente: aquela que apresenta comportamento, temperamento ou
estilo de vida que atrai o delinquente. É portadora de um impulso irresistível para ser ví-
tima dos mesmos delitos, repetidas vezes. É o caso de prostitutas e usuários de drogas.
• Vítima eventual, real ou inocente: aquela que é verdadeiramente vítima, ou seja, cuja
conduta não contribuiu para a ocorrência do crime. Guaracy Moreira Filho cita alguns
exemplos, tais como as vítimas de infanticídio, de abandono (de incapaz, intelectual,
material), de maus-tratos, de extorsão mediante sequestro.
• Vítima falsa ou simuladora: aquela que, agindo por vingança ou interesse pessoal, impu-
ta falsamente a alguém a prática de um delito contra si, mesmo não tendo sido vítima de
crime algum. Ela simula um delito, se autovitimiza, para obter benefícios.
• Vítima voluntária: aquela que concorda com o crime, como a vítima de eutanásia.
• Vítima acidental: aquela que é vítima de si mesma, geralmente por inobservância do
dever de cuidado, como negligência ou imprudência.
• Vítima indefesa: aquela que se vê privada da ajuda do Estado. Tolera a lesão sofrida,
pois sabe que perseguir o infrator será tarefa ainda mais custosa. É o caso das vítimas
de corrupção policial.
• Vítima imune: aquela que, por ser famosa ou por ocupar algum posto, cargo ou função
de prestígio, os delinquentes evitam vitimar, diante da repercussão que o caso pode ga-
nhar. É o caso de padres, jornalistas, personalidades, políticos etc.
• Vítima atuante ou inconformada: aquela que busca determinadamente a punição dos
autorese a indenização dos danos sofridos, exercendo plenamente a cidadania e co-
municando diligentemente o fato criminoso às autoridades competentes. Essas vítimas
se informam, pesquisam, constituem advogados, unem-se com pessoas que tiveram
os mesmos problemas, fundam associações, tudo para fazer valer o seu direito ou até
mudar a legislação penal.
• Vítima omissa ou ilhada: aquela que se afasta das relações sociais e, por não participar
da sociedade e viver isoladamente, deixa de relatar às autoridades competentes seus
direitos violados. Para Guaracy Moreira Filho, são pessoas que desprezam a cidadania:
não denunciam à autoridade pública quando agredidas ou subtraídas, ainda que sejam,
com frequência, vítimas de furtos, roubos e atentados sexuais.
• Vítima da Política Social: aquela que é vítima do Estado, da negligência do Poder Públi-
co. Para Guaracy Moreira Filho, essa vítima aparece quando o Poder Público se organiza
contra o povo, fenômeno denominado crime branco: inversão de prioridades no Gover-
no, corrupção, ausência de políticas públicas voltadas para o indivíduo. Os exemplos
mais comuns de vítima da política social seriam as crianças desnutridas, as pessoas
analfabetas, as vítimas da seca, os presos em cárceres superlotados, a população sem
assistência médica, as vítimas de enchentes, desabamentos, blecautes.
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Cifras da Criminalidade
No momento histórico em que a Criminologia passou a dar mais atenção à vítima, tornou-
-se possível conhecer melhor as reais taxas de criminalidade. As pesquisas de vitimização, em
lugar de se basearem nas estatísticas ociais, perguntam às pessoas de um grupo social se
elas foram vítimas de algum delito em certo marco temporal. Na prática, quando isso ocorre, a
pergunta é feita diretamente às possíveis vítimas, por questionadores que não vinculam suas
perguntas à atividade dos órgãos de persecução penal, sendo maior a chance de que as res-
postas correspondam à realidade.
As pesquisas de vitimização têm se revelado imprescindíveis, sobretudo por demonstrar
que as taxas de subnoticação criminal – ou seja, de delitos que não são reportados às au-
toridades ou que não são registrados adequadamente pelo Poder Público – são muito signi-
cativas em uma série de delitos, como é o caso dos crimes sexuais, em que há vergonha e
sentimento de humilhação; dos crimes de corrupção policial, em que há temor em denunciar
o crime para colegas dos próprios agressores; dos crimes de maus tratos contra crianças,
dentre outros.
Quando se reconhece a importância das pesquisas de vitimização não se está, em nenhum
momento, descartando a validade das estatísticas ociais baseadas em registros de delitos
pelo Poder Público. Essas estatísticas possuem valor inquestionável para a métrica do proble-
ma criminal. Mas os estudiosos e aplicadores dos saberes penais não podem, jamais, conside-
rar esses registros como refexo el da realidade criminal de um dado grupo social.
Cifra negra
As taxas reais de criminalidade são, portanto, facilitadas pelos informes que as vítimas
fornecem. Hámuitos crimes que não chegam ao conhecimento da polícia. Nos crimes sexuais,
por exemplo, é bastante comum que, por vergonha e temor, se deixe de noticiar o caso às auto-
ridades estatais encarregadas do controle social formal, sobretudo quando o delito é cometido
por um parente. Deixando de haver notícia do crime, o delito não integra as estatísticas ociais.
A essa diferença entre a criminalidade real – isto é, a totalidade de delitos praticados – e a cri-
minalidade conhecida ou revelada, dá-se o nome de cifra negra, ou cifra oculta. Esses crimes,
que ocorrem, mas não chegam ao conhecimento do poder estatal, integram o que se chama de
“cifra negra” ou cifra oculta da criminalidade. Pesquisas revelam que a diferença entre a cifra
negra dos crimes sexuais é altíssima: a diferença entre os crimes ocorridos e os comunicados
à agência de controle social seria de aproximadamente 90%.
Trata-se do chamado efeito de funil, também conhecido como mortalidade de casos crimi-
nais. Isso é natural e a Criminologia reconhece que o processamento de todos os casos (“total
enforcement”) levaria à falência do próprio sistema penal.
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A propensão em relatar ou não um caso às instâncias de controle social está conectada
à crença no sistema de justiça penal; à existência de uma situação vexatória para a vítima; ao
grau de relacionamento da vítima com o agressor; à existência de apólice de seguro dando
cobertura ao objeto do crime; ao montante envolvido no delito, entre outros fatores.
Quando são muito signicativas as ciras negras, as estatísticas deixam de ser conáveis
e o Poder Público encontra séria diculdade em equacionar os problemas, já que não conhece
sua real dimensão. O maior prejudicado, nesse caso, é a própria sociedade.
Cifra dourada
Os crimes do colarinho branco possuem alta taxa de subnoticação, porque são delitos de
diícil detecção. Há um nome especíco para essa dierença entre criminalidade real e conhe-
cida dos poderosos: é a chamada cifra dourada.
Tecnicamente, a cifra dourada equivale aos delitos cometidos pelos poderosos que não
chegam ao conhecimento das instâncias de controle social formal, mas há algumas variações
em torno desse conceito. Há quem, incorrendo em certa imprecisão, diga que a cifra dourada
equivale a delitos do colarinho branco que cam impunes, mas desconhecimento da ocor-
rência do crime e impunidade são realidades distintas. Já houve, ademais, oportunidades em
que a Vunesp, alargando ainda mais a denição, considerou que o conceito de cira dourada
equivale ao próprio conceito de crime do colarinho branco, independentemente de o delito ser
conhecido pelas instâncias de controle social.
Cifra Cinza
A cifra cinza consiste nos crimes que são de conhecimento das instâncias policiais, porém
que não chegam a virar um processo penal. São casos, por exemplo, solucionados pelos pró-
prios policiais em sua atividade rotineira; ou na própria delegacia de polícia; ou com a renúncia
da vítima ao direito de queixa ou representação. A cifra cinza demonstra que as polícias têm
papel conciliador de confitos e é, nesse aspecto, dotada de muito poder, pois exerce suas
competências de tratar o fenômeno delitivo longe da supervisão direta das instâncias que
seriam as intervenientes subsequentes do sistema de persecução, como Ministério Público,
Defensoria Pública, Poder Judiciário.
Cifra amarela
A cifra amarela consiste nos casos em que as vítimas sofrem algum tipo de violência prati-
cada por servidor público e deixam, por temor, de denunciar o ilícito às unidades competentes
pela apuração.
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Cifra verde
Trata-se de delitos que têm por objeto o meio ambiente e que não chegam ao conhecimen-
to policial ou não são processados porque impossível tentar descobrir a autoria.
Cifra rosa
São os crimes de caráter homofóbico que não chegam ao conhecimento das autoridades.
ClassifiCações da vitimização
Atualmente, aVitimologia aponta que existem dierentes maneiras de classicar a
vitimização.
vitimização direta x vitimização indireta
Uma das possibilidades é diferenciar a vitimização direta da vitimização indireta. A vítima
direta é aquela que, como o nome sugere, sofre diretamente os efeitos de um delito. Num fur-
to, por exemplo, a vítima direta é a proprietária do bem. A vítima indireta é aquela que, por ter
alguma relação com a vítima direta, acaba sofrendo indiretamente as consequências do crime.
Imagine, por exemplo, uma mãe que leve diariamente seus lhos à escola de carro. Caso esse
veículo seja objeto de furto, as crianças que usufruíam do bem podem ser consideradas víti-
mas indiretas do crime.
vitimização Primária, seCundária e terCiária
Outra possibilidade de classicação ala em vitimização primária, secundária ou terciária.
Para essa tipologia, considera-se:
• Vitimização primária: é aquela em que o sujeito é atingido pela prática do crime ou de
um fato traumático. No delito de furto, por exemplo, no momento em que tem seu patri-
mônio diminuído, o ofendido está submetido ao processo de vitimização primária.
• Vitimização secundária (sobrevitimização, revitimização): é aquela em que a vítima pri-
mária é objeto da insensibilidade, do desinteresse e da atuação meramente burocrática
dos operadores do sistema criminal estatal. São, portanto, custos adicionais impostos
à vítima primária em função da atuação das instâncias de controle social formal: espera
em delegacia, tomada de depoimento, desrespeito à privacidade (procedimentos invasi-
vos, perguntas sobre sua vida pessoal), comparecimento a inúmeros atos processuais,
identicação dos suspeitos, procedimentos de perícia, etc. A vítima se sente maltratada
e negligenciada pelo sistema legal, que não dispensa um tratamento condizente com
seu papel e que, por vezes, descona de seu relato ou a responsabiliza pelo delito so-
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rido. O sistema penal tradicional coisica a vítima, tratando-a como mero objeto e não
como pessoa titular de direitos e merecedora de dignidade. No sistema tradicional de
justiça criminal, portanto, a vítima é reicada (tratada como res, coisa). É o caso, por
exemplo, da mulher que se dirige a uma delegacia para fazer boletim de ocorrência de
estupro e se sente humilhada, ridicularizada, julgada em função dos procedimentos, dos
comentários, ou da frieza dos policiais. Não há dúvidas, portanto, de que o sofrimento
adicional imposto à vítima pela dinâmica de investigação e julgamento do delito congu-
ram vitimização secundária. Falta consenso, todavia, no que diz respeito à total omissão
estatal. Como se verá em seguida, a omissão completa do Estado também é conside-
rada, por alguns autores, vitimização secundária, pois seria apenas um outro aspecto
do mesmo fenômeno de descaso do Poder Público. Outros autores consideram que a
omissão estatal – que vai além do mero sofrimento adicional do sistema de justiça cri-
minal – congura vitimização terciária.
• Vitimização terciária: trata-se de conceito, todavia, em fase de concretização, sobre o
qual não há consenso. Vamos analisar três linhas de pensamento.
− Para um primeiro grupo de autores, ocorre a vitimização terciária quando a vítima
primária do crime é abandonada ou ridicularizada em seu meio social: pela comuni-
dade, familiares, amigos etc. Há uma exaltação do criminoso e humilhação da vítima
primária pelas instâncias informais de controle social. Para essa linha de pensamen-
to, a alta de amparo dos órgãos estatais às vítimas conguraria vitimização secun-
dária. Essa tem sido a linha adotada pela Vunesp e pela FCC.
− Para um segundo grupo de autores, do qual faz parte Nestor Sampaio Penteado
Filho, a vitimização terciária se verica igualmente com o abandono das vítimas,
mas esse abandono pode ser praticado tanto pelas instâncias informais como pelas
agências formais de controle social. Para esta corrente, a vitimização terciária con-
siste na “falta de amparo dos órgãos públicos às vítimas; nesse contexto, a própria
sociedade não acolhe a vítima, e muitas vezes a incentiva a não denunciar o delito
às autoridades, ocorrendo o que se chama de cifra negra.” Nessa segunda visão, por-
tanto, o descaso estatal pode ser desdobrado e visto como: vitimização secundária,
se for o caso de uma humilhação, um tratamento insensível, um sofrimento adicio-
nal em função da burocracia de apuração do delito; ou vitimização terciária, se for
o caso de abandono da vítima pelo Estado. No tocante à postura do Estado, haveria
então uma diferença de grau entre a vitimização secundária (sofrimentos adicionais
típicos da burocracia, menos grave) e a terciária (abandono, omissão, mais grave). O
mais importante é compreender que, para essa linha de pensamento, a vitimização
terciária decorre da omissão, seja do Estado, seja da sociedade.
− Para um terceiro grupo, do qual faz parte Shecaira, por exemplo, a vitimização ter-
ciária não atinge a vítima primária do crime, mas sim o seu autor. Ela ocorre nas
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hipóteses em que o autor do ato delitivo acaba por receber um sofrimento excessivo,
como tortura, apedrejamento, linchamento; ou quando ele responde a processos que
não deveriam ter sido a ele imputados. Seria, portanto, a vitimização do vitimizador.
Os dois primeiros conceitos de vitimização terciária são mais amplamente aceitos.
Tanto a vitimização secundária como a vitimização terciária – seja como abandono da
vítima somente pelos integrantes do meio social em que vive, seja como abandono da vítima
também pelo Estado – podem ter como decorrência o aumento da subnoticação criminal.
As vítimas podem optar por não registrar uma ocorrência diante do medo de serem ridicu-
larizadas no grupo social; ou podem não conseguir ou desistir de noticiá-la, em virtude das
diculdades ou do abandono estatal. Em qualquer dessas hipóteses, as ciras negras serão
proundamente infadas.
Heterovitimização
Paulo Sumariva menciona outra categoria de vitimização: a heterovitimização. Trata-se da
autorrecriminação da vítima pela ocorrência do crime. A vítima se sente culpada, se autorres-
ponsabiliza, buscando em si mesma as razões para a ocorrência do delito. Como exemplo,
podemos citar o mecanismo psicológico de a vítima de um roubo se sentir culpada pelo delito
por ter transitado sozinha, em local pouco iluminado, no período noturno.
vitimologia ClássiCa x vitimologia solidarista ou Humanitária
Vitimologia Clássica foi um termo cunhado por Elena Larrauri para se referir às primeiras e
perigosas tendências de transferir para a vítima a responsabilidade pela gênese criminal. Ha-
via, nas primeiras formulações vitimológicas, a tendência de analisar os crimesmais comuns e
de considerar, de certa maneira, a vítima como culpada pelo delito. A Vitimologia convencional
estaria carregada de preconceitos, pré-julgamentos e tenderia à coculpabilização da vítima,
congurando um saber que precipita a vitimização secundária.
Com o passar do tempo, a tendência da Vitimologia foi de se inclinar para um direciona-
mentomais humanitário ou solidarista, com a nítida preocupação de conferir à vítima um papel
de destaque nos procedimentos de apuração de responsabilidades, de proteger seus interes-
ses e sua dignidade, e de ressarcir seus prejuízos.
Como exemplo de dispositivotípico da Vitimologia clássica, o Código Penal brasileiro, em
seu art. 59, dispõe que o juiz, ao xar a pena, deve atentar para diversos atores, dentre os
quais se encontra o comportamento da vítima. Eduardo Viana chama atenção do seu leitor
para o item 50 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal, segundo o qual para
a dosimetria da pena, faz-se referência expressa ao comportamento da vítima porque ele deve
ser erigido como fator criminógeno em alguns casos, como é o caso do pouco recato da vítima
nos crimes contra os costumes.
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Algumas alterações legislativas são de suma importância do ponto de vista vitimológico,
sobretudo no que diz respeito à passagem de uma Vitimologia Clássica, de corresponsabili-
zação, para uma Vitimologia Humanitária, como veremos a seguir. Pouco a pouco, observa-se
que paradigmas clássicos de revitimização são mitigados, e privilegia-se um modelo mais
humanitário.
lei n. 9.099/1995
A Lei n. 9.099/1995, Lei dos Juizados Especiais Criminais, marcou uma mudança paradig-
mática no ordenamento jurídico brasileiro em direção à consideração da vítima na relação deli-
tiva. Seu art. 62 dispõe expressamente que o processo perante o Juizado Especial orientar-se-
-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade,
objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de
pena não privativa de liberdade.
Heitor Piedade Júnior defende que esse ato normativo foi responsável por outorgar à víti-
ma o status de personagem cidadã.
“Anteriormente ao advento da referida lei, a vítima sofria um duplo processo de vitimização:
a primária, consistente na violência sofrida pelo crime, e a vitimização secundária, que ocorria
quando, na expressão de Raul Cervini, entrando em contato com o sistema policial ou judicial,
(...) sofria o efeito sobrevitimizador do processo penal. A partir de uma nova visão social, à luz
das modernas ciências do comportamento humano, a vítima pode pedir proteção ao poder
público, pode falar em juízo, pode ouvir e ser ouvida, pode contribuir na busca da Justiça, como
sujeito de direitos.”
lei n. 11.106/2005
A Lei n. 11.106/2005 fez importantes alterações do ponto de vista vitimológico no Código
Penal. Em primeiro lugar, retirou o termo “mulher honesta” do tipo penal de posse sexual me-
diante fraude e atentado violento ao pudor mediante fraude, deixando claro que é irrelevante a
conduta recatada prévia da vítima na conguração do tipo penal. Além disso, retirou, do rol de
causas extintivas da punibilidade, algumas previsões que estavam em completo descompasso
com a realidade do século XXI. Antes do advento da Lei, extinguiam a punibilidade o “casamen-
to do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes”, e o “casamento da vítima com
terceiro”, nos mesmos crimes, desde que cometidos sem violência real ou grave ameaça e
desde que a ofendida não requeresse o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal.
violênCia doméstiCa e feminiCídio
Do ponto de vista dos processos de vitimização, a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006,
que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher) é frequente-
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mente citada como exemplo de ato normativo que se preocupa com a diminuição dos efeitos
da vitimização secundária. Seu art. 10-A, prevê, desde 2017, alguns dispositivos para, expres-
samente, evitar a revitimização da depoente. Assim, passou a ser direito da mulher em situa-
ção de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininter-
rupto e prestado por servidores previamente capacitados, preferencialmente do sexo feminino.
Devem ser evitadas sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e
administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada. Por isso, o depoimento deve
ser registrado em meio eletrônico ou magnético, e a degravação e a mídia devem integrar o
inquérito.
Nos crimes de eminicídio é muito comum que os lhos sejam vítimas indiretas, tanto
pelo fato de perderem a mãe, como pelo fato de presenciarem o crime. A grande maioria dos
crimes de feminicídio é cometida no local de residência da mulher e em muitos casos o delito
é praticado na presença de outros moradores do lar. Foi por essa razão, aliás, que o legislador
incluiu, em 2018, uma causa de aumento de pena – de 1/3 até a metade – para o feminicídio
praticado na presença física ou virtual de descendente ou ascendente da vítima (Art. 121, §7º,
inciso III, do Código Penal).
lei n. 13.431/2017 – direitos da Criança e do adolesCente
A Lei n. 13.431/17 estabeleceu o sistema de garantia de direitos da criança e do adoles-
cente vítima ou testemunha de violência e alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
n. 8.069/90). Dispõe, expressamente, em seu art. 4º, inciso IV, que a revitimização da criança e
do adolescente é um tipo de violência institucional que deve ser evitada.
Para isso, a criança e o adolescente serão ouvidos sobre a situação de violência por meio
de escuta especializada e depoimento especial, que serão realizados em local apropriado e
acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade. A escuta especiali-
zada é uma entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão
da rede de proteção, limitada ao estritamente ao necessário para o cumprimento de sua na-
lidade. E o depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente perante
autoridade policial ou judiciária. Sempre que possível, o depoimento será realizado uma única
vez, e valerá como produção antecipada de prova judicial.
vítimo-dogmátiCa
Dá-se o nome vítimo-dogmática às implicações que a Vitimologia causou na dogmática
penal, sobretudo a partir da Alemanha na década de 1990. A vitimo-dogmática analisa a con-
tribuição da vítima para a ocorrência de um crime O essencial na discussão desse tema é o
estudo da responsabilidade da vítima na experiência que sofreu e o consequente impacto, na
dosimetria da pena, de sua eventual contribuição. O raciocínio é o seguinte: se a vítima renun-
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cia às medidas de autoproteção disponíveis e, consequentemente, abandona o bem jurídico, a
responsabilidade penal do autor deve ser eximida ou atenuada. Essa discussão ganhou parti-
cular importância nos crimes culposos, como nos casos em que se apura que a vítima de um
acidente culposo de trânsito não estava fazendo uso de cinto de segurança. Ora, se ela mesma
não estava protegendo sua vida e integridade física, é justo atribuir essa responsabilização ao
vitimário que não agiu dolosamente?
Para os adeptos de uma visão vítimo-dogmática moderada, ou fraca, o comportamento da
vítima somente pode repercutir no âmbito da dosimetria da pena, como está previsto no art.
59 do Código Penal. Fazem parte desse grupo Thomas Hillemkamp e Winfried Hassemer. É a
corrente majoritária.
Para os adeptos de uma visãovítimo-dogmática radical, ou forte, não é adequado, sequer,
impor pena se a vítima não necessita ou não merece proteção. A corresponsabilidade da víti-
ma implica a exclusão do crime, via de regra pela atipicidade. Parte-se do princípio do Direito
Penal como última ratio, ou seja, do princípio da subsidiariedade, de acordo com o qual a pena
somente é legítima para condutas que violem bens jurídicos de uma vítima merecedora de
proteção. Fazem parte desse grupo Bernd Schünemann e Claus Roxin, com seu funcionalismo
penal, para o qual o efeito protetivo da norma encontra seu limite na autorresponsabilidade da
vítima. Esse pensamento seria aplicável aos delitos não violentos e aos delitos de interação,
como é o caso do estelionato, em que é necessário um determinado comportamento da vítima
para sua consumação. Uma das críticas que se faz a essa visão é o fato de ela impor pesada
carga de responsabilidade penal sobre a vítima, transferindo para ela os custos do crime. Por
isso, tem sido apelidada de “blaming the victim” (culpando a vítima).
desmaterialização da vítima
No Direito Penal, os delitos com vítima indeterminada são denominados crimes vagos, ou
ainda multivitimários ou de vítimas difusas. A coletividade é quem sofre os efeitos da prática
delitiva. O sujeito passivo é a comunidade inteira, e não alguém dotado de personalidade jurídi-
ca. É o caso, por exemplo, do crime de porte de arma de fogo e dos crimes de poluição.
Atualmente, vivemos em sociedades de risco. O termo sociedade de risco foi cunhado por
Ulrich Beck e diz respeito à sociedade pós-industrial que se preocupa enormemente com os
perigos, tanto porque sabe que, como destruiu os recursos naturais, catástrofes ecológicas
são uma realidade cada vez mais presente; como porque presencia o desmoronamento dos
sistemas sociais. É uma sociedade em que há intenso desenvolvimento tecnológico, o traba-
lho é precarizado e as instituições duram menos que as pessoas. Trata-se de uma sociedade
em que grandes contingentes de pessoas são empurrados para o mercado informal ou para-
lelo de trabalho, mas que, ao mesmo tempo, pune mais quem tenta se inserir nessa realidade,
seja com trabalhos ocasionais, furtos, contrabandos e mercados negros.
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Na sociedade de risco, a população está com medo, não sabe em que acreditar e sen-
te uma necessidade de consumir segurança. Nessa sociedade, hipertecnológica e global, os
riscos são desconhecidos, incontroláveis, ameaçam as gerações presentes e futuras e dão
origem a uma sensação coletiva de insegurança. Surgem novas modalidades criminosas, de
caráter supraindividual, como a econômica e a ambiental. As estruturas e conceitos básicos
do Direito Penal clássico, de caráter individual, não oferecem boas respostas a esses medos
coletivos.
Nessa realidade contemporânea, existe uma tendência de desmaterialização da vítima e
do bem jurídico. Os legisladores exacerbam a política criminal punitiva e criam tipos preventi-
vos, em que a tutela penal é antecipada para um momento prévio, fornecendo um tratamento
diferenciado e gravoso aos crimes novos e com vítimas difusas, tais como econômico-tributá-
rios, ambientais e relativos a organizações criminosas. Verica-se uma expansão da proteção
de bens jurídicos coletivos, vagos, imprecisos. A essa tendência, dá-se o nome de desmateria-
lização, liquefação, espiritualização ou dinamização do bem jurídico ou da vítima.
seletividade da vitimização
A Vitimologia demonstra que o risco de vitimização é seletivo e diferencial. Alguns grupos
populacionais e segmentos sociais são particularmente propensos à vitimização, seja ela pri-
mária, secundária ou terciária. Fatores pessoais, sociais e situacionais atuam para desenhar
um maior ou menor prognóstico de vitimização.
Minorias e grupos marginalizados atraem uma parcela signicativa de delitos. No Brasil,
isso é facilmente observável nos delitos violentos. Os jovens negros são as principais vítimas
de homicídio. Segundo dados do Atlas da Violência 2020, do total das vítimas de homicídio em
2018, 75,7% eram negros. Entre eles, a taxa foi de 37,8 por 100 mil habitantes, enquanto entre
os não-negros a taxa foi de 13,9. A chance de uma pessoa negra morrer de forma violenta no
Brasil é 2,7maior que uma pessoa não-negra. E o homicídio foi a principal causa demortalidade
de jovens, que são as pessoas de 15 a 29 anos. Fala-se, portanto, em uma juventude perdida.
Os escassos recursos socioeconômicos das vítimas pobres potencializam, ademais, os
eeitos da revitimização, já que lhes é mais custoso enrentar as diculdades para azer girar
com eciência o sistema de justiça criminal. A população marginalizada, quando vítima, pos-
sui reduzida capacidade de se fazer ouvir com credibilidade, de perseguir seus direitos.
síndromes relaCionadas à vitimização
síndrome de estoColmo
A Síndrome de Estocolmo é um estado psicológico em que a vítima passa a ter simpatia
ou mesmo sentimento de amor e amizade em relação ao vitimizador após longo período de
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intimidação. O termo foi cunhado pelo criminólogo e psiquiatra Nils Bejerot. Tem como origem
um assalto a banco realizado em 1973 em Estocolmo, na Suécia. Quatro pessoas foram feitas
reféns por cerca de uma semana. Durante as negociações, pediram que os criminosos fos-
sem deixados em liberdade, deram pistas falsas e alegaram que a culpada pela situação era
a polícia, que tinha efetuado os primeiros disparos. Ao serem liberadas, recusaram ajuda dos
policiais e usaram os próprios corpos para proteger os criminosos. Posteriormente, uma das
vítimas chegou a criar um fundo para ajudar os assaltantes com as despesas judiciais. Após
40 anos, uma das reféns ainda se comunicava com o outro criminoso.
Na Síndrome de Estocolmo, a vítima procura evitar comportamentos que desagradem o
vitimador e, aos poucos, passa a encarar com simpatia os atos gentis do agressor, a quem
pode pensar que deve sua vida. É um afeto, portanto, decorrente do instinto de sobrevivência
da vítima, que sente que, de alguma maneira, o agressor se importa com ela. Verica-se, com
frequência, em casos de sequestro, cárcere privado e agressões domésticas.
síndrome de lima
ASíndrome de Lima é o outro aspecto domesmo fenômeno de afeição. Nela, os agressores
desenvolvem sentimentos de simpatia e cumplicidade em relação às vítimas, e preocupam-se
com o seu bem-estar. O nome se deve a um sequestro de centenas de pessoas realizado pelo
Movimento Revolucionário Túpac Amaru. O fato ocorreu na Embaixada do Japão em Lima,
capital do Peru, em 1996. Ao nal, não houve pedido de resgate: os reéns oram liberados por
sentimentos de compaixão e afeto.
No mesmo episódio de assalto a banco que deu origem ao termo Síndrome de Estocolmo,
Jan Olsson, um dos raptores, armou em entrevistas subsequentes que não conseguiu matar
os reféns porque acabou estreitando laço com eles.
síndrome de londres
Na Síndrome de Londres, as vítimas adotam postura de enfrentamento com os agressores.
Ela é o oposto da Síndrome de Estocolmo. Trata-se de denominação surgida após sequestro
realizado por terroristas na Embaixada do Irã em Londres, episódio conhecido como Opera-
ção Nimrod. Entre os reféns, havia um funcionário iraniano, chefe de imprensa da Embaixada,
chamado Abbas Lavasani, que adotou postura de embate e discussão com os sequestrado-

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