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DESCRIÇÃO O surgimento do pensamento psicanalítico a partir das descobertas de Freud sobre o inconsciente. PROPÓSITO A teoria e a clínica psicanalíticas são essenciais para a compreensão do funcionamento do sujeito a partir das motivações inconscientes, sendo este um grande modelo interpretativo para campos importantes da Psicologia, como as teorizações sobre o desenvolvimento humano e da personalidade, fundamentais para a sua atuação como psicólogo. PREPARAÇÃO Para auxiliar nos estudos, você pode recorrer a dicionários de psicanálise que contêm explicações conceituais da psicanálise dispostas de maneira estruturada e organizada. OBJETIVOS MÓDULO 1 Identificar a histeria como fenômeno essencial para a clínica e teoria psicanalítica MÓDULO 2 Analisar historicamente a importância da hipnose e do método catártico MÓDULO 3 Reconhecer as várias dimensões do conceito fundamental do inconsciente INTRODUÇÃO Ao falarmos sobre a teoria psicanalítica e o trabalho desenvolvido por Freud, precisamos pensar no inconsciente, no psiquismo e nas transformações que esses conceitos provocaram. A partir de Freud, passamos a entender a forma como agimos e somos de maneira diferente. Mas para compreendermos melhor todas essas transformações, temos que lembrar as características da sociedade que predominava na Europa nos últimos 20 anos do século XIX. DE FORMA REVOLUCIONÁRIA, A TEORIA DE FREUD SE DEPARA COM TABUS E PRECONCEITOS TANTO NO MEIO SOCIAL COMO NO MEIO CIENTÍFICO DA ÉPOCA, EM UMA SOCIEDADE BURGUESA, CAPITALISTA E PATRIARCAL, EM QUE A SEXUALIDADE E, ESPECIALMENTE A SEXUALIDADE FEMININA, ERA MUITO OPRIMIDA. Imagem: Natata / Shutterstock.com Vamos estudar, então, a origem de todas essas ideias e a forma como elas foram transformando a nossa visão do comportamento humano. MÓDULO 1 Identificar a histeria como fenômeno essencial para a clínica e teoria psicanalítica HISTÓRIA: HISTERIA E HIPNOSE A psicanálise é um campo importante na compreensão do funcionamento psíquico, que diz respeito aos aspectos inconscientes do indivíduo. Freud foi o grande inventor da psicanálise a partir do fenômeno da histeria. VOCÊ JÁ DEVE TER OUVIDO A EXPRESSÃO: “FREUD EXPLICA!”. MAS O QUE SIGNIFICA QUE FREUD EXPLICA E O QUE ELE EXPLICA? PARA RESPONDER INTRODUTORIAMENTE A ESSA QUESTÃO, FAREMOS UMA IMERSÃO NO UNIVERSO DOS PRIMÓRDIOS DA PSICANÁLISE. O Inconsciente é, talvez, o conceito mais importante da formulação psicanalítica. Esse é um conceito que aponta para uma região do psiquismo que é acessível por meio das chamadas formações do inconsciente, como os sonhos, os atos falhos, os lapsos, os sintomas e os chistes. Por meio da descoberta do Inconsciente, Freud impõe uma terceira ferida narcísica na humanidade, como ele próprio afirmou, tendo sido a primeira realizada pela teoria heliocêntrica, com Copérnico, e a segunda com a teoria evolucionista de Darwin. Foto: Everett Collection / Shutterstock.com Sigmund Freud. VOCÊ SABIA Um psicanalista francês da metade do século, Jacques Lacan, chegou a reformular jocosamente a formulação do cogito cartesiano, o “Penso, logo sou”. Se em Descartes o lugar da verdade está no pensamento e no eu, por outro lado, com o inconsciente, teríamos a frase reformulada em “Sou onde não me penso”, ou seja, o lugar mais verdadeiro de mim mesmo é o inconsciente. De uma forma ilustrativa, podemos pensar na imagem de um iceberg. A parte visível é sua menor parte. A maior parte de um iceberg está submersa, mas está lá. Assim seríamos nós: temos acesso consciente a uma pequena parte de nós mesmos. O inconsciente é a grande parte de nós e, no entanto, não é visível à consciência. Imagem: Shutterstock.com A origem da psicanálise remonta ao século XIX, quando o fenômeno da histeria causava grande inquietação no campo médico e científico e o grande paradigma nesse momento era o modelo da anatomia e da patologia. Significa que, para o aparecimento de alguma doença, deveria haver necessariamente uma explicação dentro de um referente anatomopatológico. Isso não era encontrado na histeria. Não havia algum dano neurológico ou corporal qualquer. SAIBA MAIS A histeria, palavra que vem do grego ὑστέρα, remonta à ideia de “útero”. Acreditava-se que seria um acometimento feminino apenas. Hoje sabemos que não existem apenas mulheres histéricas. Para compreender um pouco mais sobre a origem da psicanálise, investigaremos a problemática histérica no século XIX e como ela contribuiu fundamentalmente para a criação da psicanálise. A SEGUIR, APRESENTAREMOS ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS FUNDAMENTAIS SOBRE O SURGIMENTO DA PSICANÁLISE A PARTIR DA QUESTÃO DA HISTERIA. PARA FALAR DA ORIGEM DA PSICANÁLISE E, PORTANTO, DE FREUD COMO GRANDE CLÍNICO E PENSADOR, REMONTAMOS ÀS CONCEPÇÕES SOBRE O FENÔMENO DA HISTERIA NO SÉCULO XIX. Até então, aquilo que podemos chamar de manifestação histérica era interpretado como possessão demoníaca. A mulher histérica era vista como um ser possuído por algum demônio, que a fazia agir involuntariamente, simulando doenças. SÉCULO XV Por volta do século XV até o século XVIII, a Igreja Católica Romana, por meio da Inquisição, conduzia um processo que identificava e investigava os casos de protesto e de subversão em relação aos dogmas religiosos. Esse processo coincide com o período da “caça às bruxas”, que privilegiava, sobretudo, uma vigilância constante com relação às mulheres que supostamente agiam em favor da feitiçaria. Durante esse período, muitas mulheres histéricas foram condenadas à fogueira, pois os seus sintomas e manifestações comportamentais não eram factíveis de explicação. SÉCULO XVIII Isso começa a se modificar em meados do século XVIII com o fenômeno do mesmerismo. As concepções de histeria centradas em uma perspectiva demoníaca cedem espaço para uma interpretação científica, passando, paulatinamente, a ser efetivamente entendida como uma doença dos nervos, algo que teria sua etiologia centrada nas estruturas do sistema nervoso. javascript:void(0) MESMERISMO Técnica de cura criada pelo médico alemão Franz Anton Mesmer (1766, ano de defesa de sua tese), que acreditava em uma energia relativa a um sexto sentido ou reciprocidade entre os seres vivos, por causa do fluido magnético que emana dos indivíduos. Quando essa energia era liberada, poderiam acontecer curas maravilhosas. Franz Anton Mesmer supunha que as doenças nervosas tinham origem em um certo desequilíbrio do fluido energético universal. Isso significa que os corpos possuiriam uma certa quantidade de energia vital que, aliás, perpassa todos os seres. EXEMPLO Uma doença, por exemplo, nessa leitura, seria o resultado de um desequilíbrio nessa energia. Quando alguém está triste e ganha um abraço de uma pessoa querida, isso pode revigorar uma quantidade de energia, ou uma palavra que conforte e ampare ajuda a restaurar essa vitalização. Imagem: Shutterstock.com Antiga ilustração de Mesmer. É nesse sentido que se entende o magnetismo como uma técnica em que pela utilização de um objeto como um imã, portador de polos magnéticos, seria possível reorganizar o fluido energético. Assim, o médico, nesses casos, atuaria como um magnetizador, que trataria de reorganizar um equilíbrio homeostático do fluido. Mais tarde, já no século XIX, James Braid, com a hipnose, permitiu o início da transformação da teoria do fluido energético por uma concepção físico-química da histeria, como veremos com Charcot. A ideia era que, a partir da indução do estado hipnótico, alterações orgânicas fossem verificadas. RESUMINDO Portanto, no século XIX e com o paradigma médico em cena, a intenção, no caso da histeria, era investigar no corpo o que se passava, e não mais se fazer uma leitura de algo como uma possessão. HISTERIA E HIPNOSE NA ORIGEM DA PSICANÁLISE O doutor Maicon Pereira da Cunha aborda a origem da psicanálise investigando a problemática histérica no século XIX e como ela contribuiu para a criação da psicanálise. A HISTERIAA histeria é uma manifestação de quadros clínicos bastante variados, que, em geral, expressam classicamente no corpo o resultado manifesto de um conflito psíquico. Desde as origens da humanidade, são conhecidas histórias de histeria. O tratamento prescrito na época de Hipócrates era a inalação de vapores que emanavam de produtos excêntricos e atividades físicas que teriam como função recolocar o útero no seu lugar certo. Curiosamente, indicava-se preventivamente a prática de atos sexuais. Imagem: Shutterstock.com A histeria, na atualidade, encontra-se um pouco dispersa dentro dos manuais psiquiátricos. Hoje, vemos algo da histeria figurando entre os chamados transtornos somatoformes ou transtorno de personalidade histriônica. Os transtornos somatoformes representam uma categoria psicodiagnóstica que nos manuais de diagnóstico específicos, como o DSM e CID, aparecem descritos pelos transtornos com sintomas somáticos, conversivos e dissociativos e outros, apresentando como característica comum a presença de sintomas somáticos (Default tooltip) associados a pensamentos, sentimentos e sofrimento psíquico. SAIBA MAIS Uma série de sintomas, como paralisias de membros (pernas, braços ou músculo da face, por exemplo), dispneia, convulsões, cegueira ou estrabismo, tosses, falas confusas, enfim, uma ampla variedade pode se enquadrar na noção de histeria. Portanto, o que diz respeito à etiologia da histeria não são exatamente os sintomas, pois esses podem ser múltiplos e variados. A questão é que esses sintomas aparecem sem um referente anatomopatológico. Em outras palavras, não é uma causa orgânica que provoca o(s) sintoma(s) histérico(s). Vamos compreender a histeria como algo determinado por certas experiências do paciente que atuaram de modo traumático e que são reproduzidas em sua vida psíquica, fazendo parte do grupo das neuroses. Então, começando-se a observar o problema dessa neurose, ou assim chamada “doença dos nervos”, ressaltamos que não havia indícios de qualquer lesão orgânica que justificasse o aparecimento dos sintomas histéricos, de forma que a solução procurada pelo campo hegemônico da medicina seguia na direção de afirmar que se tratava de uma teatralização ou simulação. Imagem: Shutterstock.com A HIPNOSE COMO TÉCNICA De forma sintética, podemos apontar a hipnose como método que produz um rebaixamento de consciência sob indução da sugestão hipnótica, ou seja, por meio da fala e do poder simbólico do hipnotizador. Certamente, você se lembrará da imagem de um relógio de bolso sendo movimentado de um lado para o outro em uma cena em que alguém é induzido ao estado hipnótico, não é verdade? Uma vez hipnotizada, a pessoa entrava em um transe que permitia que o médico tivesse acesso ao conjunto de sintomas histéricos bem definidos observado dentro de um contexto narrativo. Assim, os sintomas começaram a ser vistos dentro de uma história do que tinha acontecido à pessoa e que permitia compreender a origem dos mesmos. Começou-se a perceber alguns elementos a partir daí: Imagem: Shutterstock.com Os sintomas histéricos não eram produções de pactos diabólicos ou de simulação. Imagem: Shutterstock.com O conjunto bem definido de sintomas dessa neurose era passível de ser observado e recolocado dentro de uma trama de sentidos, em uma narrativa histórica, e não dentro de uma perspectiva orgânica meramente. Ao observar que os sintomas histéricos podiam ser investigados e alterados a partir de um estado hipnótico, Charcot introduziu a histeria no meio científico. Posteriormente, ele começa a observar que os conteúdos, em geral, apresentavam uma relação com algo sexual, apesar de ele não entrar muito nessa seara. NO SÉCULO XIX, HAVIA MUITO MORALISMO EM TORNO DA SEXUALIDADE, COM MUITOS TABUS ENVOLVENDO A QUESTÃO DO SEXO. Nessa contemporaneidade, Sigmund Freud era um jovem médico austríaco, ambicioso, que almejava realizar algo grande em sua vida. Freud sabia das investigações de Charcot com as histéricas no Hospital Salpêtrière, em Paris, na França. Conseguiu uma bolsa de estudos e partiu rumo a Paris para entender melhor a relação da histeria com a hipnose. Uma vez hipnotizada a paciente histérica, a crise dela passou a ser reconstruída nas investigações de Charcot. Acontece que as pacientes, que maioritariamente eram mulheres, passaram a oferecer muito mais informação do que lhes era solicitado, e constantemente conteúdos sexuais apareciam nas narrativas. RESUMINDO Foi assim que a hipnose, técnica inicialmente utilizada pelo médico James Braid, surgiu como a ferramenta de acesso à histeria. Dessa forma, progressivamente, aprofundada por Charcot, a histeria começou a poder estar dentro de um registro institucional no Hospital. A SEXUALIDADE NA CENA Freud começa a se interessar pelo fenômeno da histeria, e não hesita em desbravar os enigmas da sexualidade nessa condição. Retornando a Viena, Freud consegue continuar suas investigações com Josef Breuer, um médico mais experimentado, também curioso sobre os efeitos da hipnose na histeria e que ajudara bastante Freud, seja com incentivos morais seja financeiramente. Imagem: WolfgangRieger / Wikimedia Commons / Public domain. Nas Obras Completas de Freud, especificamente nos textos dos Estudos sobre a Histeria, vemos o passo a passo das investigações desse momento mais inicial da formulação do edifício teórico-clínico da psicanálise. A relação da histeria com a hipnose vai ser conectada pela ideia de sexualidade, eixo básico para a compreensão da origem da psicanálise. Essa relação começa a ser aprofundada a partir do encontro de Freud com Breuer. É por meio de Breuer que Anna O., sua paciente, surge na cena. É o caso princeps, o caso pioneiro a respeito das investigações psicanalíticas sobre o inconsciente, apesar de esse conceito fundamental da psicanálise ainda estar sendo gestado nesse momento. TAL QUAL UM BEBÊ QUE NASCE, SUA HISTÓRIA NÃO SE INICIA QUANDO HÁ O NASCIMENTO. HÁ TODA UMA PREPARAÇÃO DESDE A CONCEPÇÃO, PASSANDO PELA FORMAÇÃO DO FETO ATÉ QUE VEM O NASCIMENTO. VEJA COMO MUITOS PROCESSOS ACONTECEM ATÉ O NASCIMENTO. ASSIM É A GÊNESE DE UMA TEORIA. ESTAMOS ACOMPANHANDO AQUI O PROCESSO DE GESTAÇÃO DA PSICANÁLISE. NESSE MOMENTO, INCLUSIVE, PODEMOS ACOMPANHAR PARTICULARMENTE UM CONCEITO QUE VEREMOS MAIS ADIANTE, O INCONSCIENTE. A partir dos relatos de Breuer sobre Anna O., Freud começou a se interessar cada vez mais pelos enigmas da histeria: Nos Estudos sobre a Histeria, que compõem textos entre 1893 e 1895, Breuer e Freud acompanharam as evoluções sobre a histeria a partir da hipnose. O famoso texto da Comunicação Preliminar (1893) é escrito pelos dois médicos. Logo após o texto, segue-se a descrição de outros casos clínicos desse primeiro momento da psicanálise. Se observarmos juntos os cinco casos clínicos descritos no texto da Comunicação Preliminar, veremos alguns elementos básicos do germe inicial da psicanálise. As correspondências de Freud com Wilhelm Fliess também são interessantes para acompanhar esse período inicial. Do ponto de vista teórico, observamos a concepção da primeira ideia da relação entre representação e afeto, que está na origem de uma primeira noção de trauma. Foto: Shutterstock.com RELEMBRANDO Lembrando que o conceito de trauma na teoria de Freud acaba tendo uma conotação diferente do conceito de trauma em outros contextos, pois aqui estamos falando de trauma psíquico. De qualquer forma, estamos fazendo referência ao fato de que um trauma é uma intensidade excessiva que se torna insuportável para uma determinada estrutura comportar, ou seja, é um excesso que transborda. Mesmo dentro da psicanálise, a concepção de trauma ganhará diversas possibilidades interpretativas. Mas queremos sublinhar, nesse primeiro momento da formulação freudiana, a dimensão de um excesso de intensidade com o qual o psiquismo não conseguiu lidar. EXEMPLO Quando alguém leva um susto tão grande que fica paralisado,essa paralisia diz respeito a esse excesso de intensidade. AB-REAÇÃO E A DIVISÃO DA CONSCIÊNCIA Por meio da hipnose, começa-se a provocar as lembranças do trauma, e a ideia inicial da origem está constantemente em um acidente, insulto, enfim, algum susto que o psiquismo não conseguiu descarregar, ou seja, houve alguma emoção, afeto ou energia psíquica que ficou represada, gerando efeitos tóxicos no psiquismo. Imagem: Shutterstock.com A representação do trauma age como um corpo estranho alojado na mente e a hipnose foi um primeiro modo de se ter acesso a essa trama, de forma que o sintoma histérico desaparecia quando se conseguia trazer à luz a lembrança do fato provocador. Falamos, então, que é a lembrança do acontecimento que evoca o afeto a ele acoplado, de forma que “os histéricos sofrem principalmente de reminiscências”. (BREUER; FREUD, 1893, p. 43) Então, a ab-reação é a forma pela qual um afeto represado consegue ser liberado por meio do acesso à lembrança do evento a ele ligado. É necessária a expurgação do afeto para não continuar gerando efeitos tóxicos: EM OUTRAS PALAVRAS: PARECE QUE ESSAS LEMBRANÇAS CORRESPONDEM A TRAUMAS QUE NÃO FORAM SUFICIENTEMENTE AB-REAGIDOS. (BREUER; FREUD, 1893, p. 45) ESSE PROCESSO DA AB-REAÇÃO SERÁ DEFINIDO EM SEU MECANISMO AO LONGO DO TEXTO, MAS PODEMOS ENTENDÊ-LO COMO UMA ESPÉCIE DE DESCARGA EMOCIONAL QUE PERMITE LIBERAR O AFETO ASSOCIADO A UM EVENTO TRAUMÁTICO. Freud, então, constata o que vai ser essencial na formulação do aparelho psíquico, ou seja, o seu caráter dividido. A consciência se encontra dividida e é isso que aparece de forma emblemática na histeria. Os sintomas histéricos aludem ao fato de que um episódio traumático força a divisão da consciência na medida em que uma ideia, uma representação conflituosa, instaura a necessidade de que essa representação fique isolada da comunicação associativa com o restante do conteúdo da consciência. Dessa forma, essa ideia conflituosa fica separada do resto, impedindo que ela gere mais incômodo ao sujeito. ATENÇÃO Aqui encontramos o pressuposto básico trabalhado pela psicanálise da divisão do aparelho psíquico entre consciente e inconsciente. Preste atenção: inconsciente! E não subconsciente! O termo subconsciente é utilizado em outros campos que não a psicanálise. Em psicanálise, algo mais próximo da ideia de subconsciente seria o que chamaremos de pré-consciente. Falaremos mais sobre isso posteriormente. Bem, falamos de teoria. E como presenciamos na prática isso tudo? Com os casos clínicos, vemos a hipnose sendo primariamente utilizada na investigação dos fatos relativos à histeria, bem como o seu abandono e sistematicamente o processamento das transformações técnicas que levarão até a ideia de associação livre, a chamada regra de ouro da psicanálise. É a história desses processos que estamos vendo. “FALE LIVREMENTE O QUE LHE VEM À CABEÇA!”. Essa é a frase inicial do tratamento psicanalítico, e que deriva das descobertas sobre o inconsciente desde o início da histeria investigada sob hipnose. Mas Freud não se achava um bom hipnotizador, além disso os sintomas voltavam de outras formas. Havia uma série de limitações que fizeram com que Freud abandonasse a hipnose e adotasse a “associação livre” em seu lugar. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. QUAL FOI A IMPORTÂNCIA DA HIPNOSE PARA A FORMULAÇÃO INICIAL DA PSICANÁLISE? A) Descobrir que a histeria se tratava de uma teatralização. B) Permitir que o médico encontrasse no cérebro o que estava disfuncional. C) Interpretar os sintomas histéricos à luz de uma trama de sentidos. D) Fazer com que a pessoa não se lembre de seus traumas e assim não sofra. E) Fazer a pessoa sentir o afeto e encobrir a lembrança do trauma. 2. (CCV-UFC ‒ 2019 ‒ UFC ‒ PSICÓLOGO ‒ CLÍNICA) SOBRE O MÉTODO CATÁRTICO EMPREGADO POR FREUD E BREUER, É CORRETO AFIRMAR QUE: A) Foi empregado por Freud logo após abandonar o método da hipnose utilizado por Charcot. B) Freud utilizava a hipnose para atingir a vivência traumática que supostamente gerava o sintoma. Sob efeito da hipnose, quando o paciente chegava ao fato traumático, acontecia a ab-reação e a descarga do afeto ligado ao fato traumático. C) Foi criado por Breuer que o aplicou com sucesso na paciente frau Emmy von N. Posteriormente, Freud utiliza o método com uma pequena variação e o aplica no famoso caso Anna O., caso clínico que marca o início da psicanálise como a conhecemos. javascript:void(0) D) Foi criado por Charcot nas suas apresentações de hipnose com histéricas, posteriormente desenvolvido por Freud como método terapêutico e empregado pela primeira vez na famosa paciente frau Emmy Von N., caso clínico que marca o início da psicanálise como a conhecemos. E) Consistia em solicitar para o paciente falar livremente (associação livre) sobre seus sintomas. Essa fala era conduzida por Freud até que o paciente chegasse aos eventos desencadeadores do sintoma. Por essa razão, o método também é conhecido por “associação livre”, nome derivado da fala livre do paciente. GABARITO 1. Qual foi a importância da hipnose para a formulação inicial da psicanálise? A alternativa "C " está correta. A importância da hipnose foi de permitir encontrar uma trama de sentidos na questão histérica, de forma a identificar que a neurose não era algo inscrito no registro anatomopatológico. Por meio da hipnose, era possível acessar o conteúdo narrativo e identificar o represamento do afeto ligado a um evento ao qual houve reação adequada, gerando efeitos tóxicos no psiquismo. 2. (CCV-UFC ‒ 2019 ‒ UFC ‒ Psicólogo ‒ Clínica) Sobre o método catártico empregado por Freud e Breuer, é correto afirmar que: A alternativa "B " está correta. O método catártico era empregado já na hipnose e permaneceu mesmo após o abandono da hipnose como técnica por Freud. Isso ocorre porque a catarse é uma forma de expurgação de um afeto ligado a um evento traumático. A hipnose foi abandonada devido a diversos fatores, dentre eles, o fato de os sintomas se deslocarem e Freud não se achar um bom hipnotizador. No entanto, o fato de existir o processo de expurgação do afeto restou como princípio fundamental para a estruturação da concepção de cura psicanalítica posteriormente. MÓDULO 2 Analisar historicamente a importância da hipnose e do método catártico A HIPNOSE E O MÉTODO CATÁRTICO A histeria foi se apresentando como um enigma que intrigava a comunidade médico-científica no século XIX. Como era possível a apresentação de um quadro bem delineado de sintomas na histeria sem a existência de lesão anatômica, diferentemente de outras doenças? CHARCOT BERNHEIM CHARCOT Com Charcot, a histeria passou a ser acompanhada dentro dos cânones científicos. Ao hipnotizar alguém com um quadro histérico, o médico parisiense constatava modificações fisiológicas, como deslocamento da excitabilidade no sistema nervoso e contraturas sonambúlicas (tipo de contratura que as pacientes experimentavam durante o quadro histérico, sem explicação anatomofisiológica). BERNHEIM Hippolyte Bernheim, outro médico neurologista francês, no final do século XIX, contribuiu no aprofundamento dos mecanismos presentes na hipnose, preservando o que julgava ser o essencial do processo, que era a sugestão, ou seja, a importância de se ater ao aspecto do poder do médico exercido sobre o paciente. Charcot viu que era possível criar sintomas histéricos, assim como removê-los, pela sugestão hipnótica. Ao submeter uma paciente histérica à hipnose, ele demonstrava que era possível produzir uma paralisia de algum membro pelo poder do hipnotizador. Um comando era proferido no estado da hipnose, como dizer que algum membro do corpo estaria paralisado e, ao despertá-la, o membro realmente estava paralisado. Foto: Shutterstock.com A sugestão, portanto, produzia um estado de equivalência à formação do processo sintomático. Chamava a atenção que não houvesse nenhuma causa fisiológica determinada, do mesmo modo era possívelordenar que um sintoma histérico se extinguisse durante a hipnose, o que permanecia extinto ao acordar a paciente. A EXPURGAÇÃO DO AFETO Inicialmente, a histeria fora investigada a partir da hipnose. O método utilizado era o método catártico. A catarse é um termo antigo, que remonta à Grécia Antiga e que significa purificação, purgação. EXEMPLO Podemos vivenciar a catarse quando estamos assistindo a um jogo de futebol ou acompanhamos uma novela ou algum programa de entretenimento e ficamos “vidrados” naquela ação ou cena. Parece que vivemos algo experienciado por uma personagem, sentimos junto com alguém com quem nos identificamos, ou quando repugnamos uma personagem de quem não gostamos, e vivenciamos fortes sentimentos de repulsa. Uma série de emoções pode ser vivida nessa trama. Catharsis fora utilizada por Aristóteles para designar o que era produzido no espectador na encenação de uma tragédia. Tempos depois, mais precisamente no século XIX, Breuer e Freud utilizaram o termo “ab-reação” para expressar a necessidade da liberação afetiva adequada a um evento traumático. Foto: Shutterstock.com A ideia de trauma é complexa e com diversos significados e contextos, mas nesse momento podemos sintetizar como um excesso diante do qual o psiquismo não consegue reagir adequadamente; pode ser um insulto, um susto, enfim, qualquer evento que desencadeie um excesso de energia no psiquismo e que não consegue liberação. Os afetos que não conseguiram acesso à descarga ficavam represados e gerando efeitos tóxicos. Portanto, nesse contexto, a ideia de cura seria obtida pela liberação do afeto. Freud estava descobrindo a importância do dito popular de que é importante “pôr as emoções para fora!” CADA SINTOMA HISTÉRICO DESAPARECIA, DE FORMA IMEDIATA E PERMANENTE, QUANDO CONSEGUÍAMOS TRAZER À LUZ COM CLAREZA A LEMBRANÇA DO FATO QUE O HAVIA PROVOCADO E DESPERTAR O AFETO QUE O PROVOCAVA, E QUANDO O PACIENTE HAVIA DESCRITO ESSE FATO COM O MAIOR NÚMERO DE DETALHES POSSÍVEL E TRADUZINDO O AFETO EM PALAVRAS. javascript:void(0) (BREUER; FREUD, 1893, p. 42) De início, o método catártico estava ligado e acessível estritamente por meio da hipnose, mas a concepção de descarga emocional, a ab-reação, permanece posteriormente, mesmo depois do abandono de Freud com relação à hipnose. Com os casos clínicos relatados nos Estudos sobre a Histeria, percebemos do ponto de vista clínico os impasses colocados por Freud com relação à hipnose: Ele percebia que os sintomas desapareciam com a ab-reação, entretanto não era raro reaparecerem de outro modo. Alguns pacientes simplesmente não eram hipnotizáveis. Freud não se julgava um bom hipnotizador. HIPNOSE, CATARSE E A ASSOCIAÇÃO LIVRE NA EXPURGAÇÃO DO AFETO O doutor Maicon Pereira da Cunha debate a importância e as limitações da hipnose para Freud, e sua substituição pela associação livre com método catártico. MÉTODO CATÁRTICO: DA HIPNOSE À ASSOCIAÇÃO LIVRE Talvez o mais importante de enunciar seja que Freud percebeu que, com a hipnose, havia o acesso a uma produção narrativa que envolvia o sintoma histérico, mas que o sintoma facilmente se deslocava, o que provocava empecilhos em sua ideia de cura da histeria. Algo permanecia oculto nessa trama de sentidos. Foto: Shutterstock.com Apesar das limitações da hipnose, estava nítido que a cura pela palavra era uma grande sacada nesse contexto. Anna O. dizia que havia a “limpeza de chaminé”. Ou seja, a ideia do psicólogo ouvindo o paciente vem daí. Era o início da Talking cure. NESSE SENTIDO, A LINGUAGEM SERVE DE SUBSTITUTA PARA A AÇÃO, MAS QUAL O MECANISMO QUE ESTÁ EM CENA E QUE FICOU REVELADO PELO MÉTODO CATÁRTICO? RESPONDER Quando uma representação entra em conflito com a cadeia de representações consciente, uma segunda consciência é inaugurada para reter essa representação conflitiva. Vislumbramos, desse modo, o início do surgimento daquilo que será chamado de inconsciente. Então, seguimos a pista da importância da cura por meio da palavra, mas precisamos pontuar o quanto é fundamental observar as transformações técnicas que permitiram o caminhar desde as primeiras conduções das manifestações histéricas até a ideia da formação do conceito de inconsciente. Do ponto de vista técnico, a hipnose cede lugar à técnica da pressão. Esta não precisava da indução do estado hipnótico. Em vez da hipnose, a ênfase na técnica da pressão está centrada no domínio da sugestão, de forma consciente, fora da hipnose. Nesse contexto, Freud solicitava à paciente que deitasse e fechasse os olhos, de modo semelhante ao método hipnótico. Ocorre que à medida que o processo de questionamento sobre os fatos que levavam a determinado(s) sintoma(s) aumentava, não obstante, persistiam as resistências que faziam a defesa dificultar o caminho em direção à origem da neurose. javascript:void(0) Foto: Shutterstock.com POUPEI-ME DESSE NOVO EMBARAÇO AO ME LEMBRAR DE QUE EU PRÓPRIO VIRA BERNHEIM DAR PROVAS DE QUE AS LEMBRANÇAS DOS ACONTECIMENTOS OCORRIDOS DURANTE O SONAMBULISMO SÃO APENAS APARENTEMENTE ESQUECIDAS NO ESTADO DE VIGÍLIA, E PODEM SER REVIVIDAS POR MEIO DE UMA ORDEM DELICADA E DE UMA PRESSÃO COM A MÃO, DESTINADA A INDICAR UM ESTADO DIFERENTE DE CONSCIÊNCIA (...). ASSIM, QUANDO ALCANÇAVA UM PONTO EM QUE, DEPOIS DE FORMULAR AO PACIENTE UMA PERGUNTA COMO “HÁ QUANTO TEMPO TEM ESTE SINTOMA?” OU “QUAL FOI SUA ORIGEM?”, RECEBIA COMO RESPOSTA “REALMENTE NÃO SEI”, EU PROSSEGUIA DA SEGUINTE MANEIRA. COLOCAVA A MÃO NA TESTA DO PACIENTE OU LHE TOMAVA A CABEÇA ENTRE A MÃOS E DIZIA: “VOCÊ PENSARÁ NISSO SOB A PRESSÃO DA MINHA MÃO. NO MOMENTO EM QUE EU RELAXAR A PRESSÃO, VERÁ ALGO À SUA FRENTE, OU ALGO APARECERÁ EM SUA CABEÇA. AGARRE-O. SERÁ O QUE ESTAMOS PROCURANDO. ‒ E ENTÃO, O QUE FOI QUE VIU OU O QUE LHE OCORREU?” ( FREUD, 2006, p. 137) Freud usou esse método por um tempo. No entanto, o caráter sugestivo era um problema da técnica da pressão, pois esbarrava-se com resistências, de modo que algo esquecido simplesmente não pode ser facilmente lembrado. Aí precisamos falar em defesa e mencionar o embrionário conceito do recalque, pedra angular da psicanálise. DEFESA A concepção de defesa é publicamente expressa no artigo Psiconeurose de Defesa (1894). Nesse momento, Freud articula a pedra angular sobre a qual repousa toda a estrutura da psicanálise, que é a teoria do recalcamento. De acordo com Laplanche e Pontalis (2004): “a defesa incide sobre a excitação interna (pulsão) e, preferencialmente, sobre uma das representações (recordações, fantasias) a qual está ligada, sobre uma situação capaz de desencadear essa excitação na medida em que é incompatível com este equilíbrio e, por isso, desagradável para o ego.” (p. 107). ATENÇÃO Como o ego deve ser o espaço de tentativa de preservação de uma certa coerência consciente, sendo assim a forma para lidar com o conflito psíquico, a defesa age sobre o que vem a ser perturbador para o sistema consciente. As variadas formas de defesa consistem nesse jogo de separação entre a representação e o afeto. Por exemplo, podemos notar isso em um mecanismo histérico: uma representação conflitante é separada das demais e sofre o processo do recalque, e o afeto fica investido no corpo, em um processo de conversão somática. Dessa forma, a paciente investe a energia do afeto inaceitável (amor proibido, por exemplo) no seu corpo, por meio do sintoma (por exemplo, apresentando uma cegueira sem causa anatomofisiológica existente) e, assim, consegue dar conta do conflito psíquico que a atormenta. Freud estava bastante atento aos relatos de suas pacientes histéricas, e pelo viés do corpo, de um corpo que fala, que expressa uma equivalência ao psíquico, ele vai descobrindo cada vez mais a importância da articulação do indivíduo na linguagem. OS ABUSOS, OS TRAUMAS, AS VIOLÊNCIAS, MAS TAMBÉM O QUE SE VIVE DE BOM, ENFIM, TODAS AS EXPERIÊNCIAS PROVOCAM UMA MARCA NO PSÍQUICO, E O PSICANALISTA TRABALHA COM ESSES EFEITOS QUE SURGEM NA CLÍNICA.À medida que Freud escuta suas pacientes, se intriga com a constância dos relatos de abusos sexuais, em geral exercidos por uma figura masculina mais velha. A frequência dos relatos fazia Freud se questionar se praticamente a totalidade de Viena era composta de abusadores. Se é verdade que em muitos casos há realmente abusos sexuais, por outro lado, Freud percebe paulatinamente que em muitos relatos havia presença da narrativa de abuso, de fatos que não aconteceram materialmente, no que conhecemos como realidade material, e ao mesmo tempo, as moças não estavam mentindo. Os fatos ocorrem aqui em uma outra dimensão, a dimensão da vivência da fantasia de cenas de abusos que abriram espaço para a importância da vivência interna da realidade no entendimento da história do paciente, a realidade psíquica. Imagem: Shutterstock.com Aliado a isso, Freud escreve a Fliess que “não acredita mais em sua neurótica”, elencando a importância da noção de fantasia e a primazia da realidade psíquica sobre a realidade material, com a fundação da interpretação sobre o sujeito. Assim, ficam constituídos os papéis dessas duas realidades no entendimento do paciente. javascript:void(0) FLIESS Médico alemão cirurgião que conheceu Freud em 1897, e contribuiu na fundação do movimento psicanalista. Fliess troca com Freud, por correspondência, suas dúvidas e hipóteses dos casos que atendia. RESUMINDO Articulando esses eixos, temos o germe inicial da teoria do inconsciente. O inconsciente é o conceito principal da psicanálise, a descoberta por excelência de Freud. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE APRESENTA O TERMO UTILIZADO PARA DESIGNAR A LIBERAÇÃO AFETIVA LIGADA A UM EVENTO TRAUMÁTICO: A) Ab-reação B) Translocação C) Mutação D) Chateação E) Absorção 2. A FAMOSA FRASE DE FREUD A SEU AMIGO FLIESS, “NÃO ACREDITO MAIS EM MINHA NEURÓTICA”, INSERE A NECESSÁRIA DISTINÇÃO ENTRE: A) Mentira e verdade B) Simulação e teatralização C) Realidade e fantasia D) Realidade material e realidade psíquica E) Neurose e psicose GABARITO 1. Assinale a alternativa que apresenta o termo utilizado para designar a liberação afetiva ligada a um evento traumático: A alternativa "A " está correta. A ab-reação é uma descarga emocional pela qual o sujeito se liberta do afeto ligado à recordação de um acontecimento traumático, permitindo, assim, que ele não se torne ou não continue sendo patogênico. 2. A famosa frase de Freud a seu amigo Fliess, “Não acredito mais em minha neurótica”, insere a necessária distinção entre: A alternativa "D " está correta. A partir dos variados relatos no início da clínica freudiana, ficou nítida a necessidade de se ater à fantasia como pressuposto básico da organização subjetiva, de forma a distinguir a realidade material da realidade psíquica. MÓDULO 3 Reconhecer as várias dimensões do conceito fundamental do inconsciente A DESCOBERTA DO INCONSCIENTE SOBRE O CONCEITO DE INCONSCIENTE VOCÊ SABE O QUE É O INCONSCIENTE? DESCREVA COM SUAS PALAVRAS. RESPOSTA O Inconsciente não é meramente o que não está consciente. Portanto, esta é a primeira diferença básica: ser ou estar inconsciente não é o mesmo que afirmar o conceito do Inconsciente. E perceba que estamos realizando uma diferença gráfica: ao falar da descoberta de Freud, utilizamos a letra maiúscula, Inconsciente, como substantivo, para marcar a diferença em relação ao inconsciente com letra minúscula, adjetivo, associado a ser ou estar inconsciente. QUANDO ALGUÉM DESMAIA, DIZEMOS QUE A PESSOA ESTÁ INCONSCIENTE. MAS NÃO ERA A RESPEITO DISSO QUE FREUD ESTAVA SE REFERINDO. TAMPOUCO FALARA DE SUBCONSCIENTE! SUBCONSCIENTE É UM TERMO GENÉRICO QUE PODE SIGNIFICAR ALGO QUE NÃO ESTEJA CONSCIENTE, APENAS. O Inconsciente freudiano é o lugar da causa psíquica, é o Inconsciente dinâmico. Esse Inconsciente é dinâmico, uma região lógica do psiquismo. É uma instância psíquica, com suas leis próprias e, portanto, um sistema próprio em contraposição ao sistema Consciente. Ainda sobre as diferenças conceituais, podemos afirmar que a oposição que fizemos entre o Inconsciente substantivo x inconsciente adjetivo equivale à diferença entre o Inconsciente dinâmico e o inconsciente descritivo. inconsciente substantivo javascript:void(0) inconsciente dinâmico inconsciente adjetivo inconsciente descritivo Já existia a ideia do inconsciente descritivo no século XIX. Os estudos em Psicologia se ocupavam dos processos psicológicos conscientes. Mas dentro disso, evidentemente, teria que haver espaço para as descrições lacunares desses processos: são os déficits, o não funcionamento apropriado, os desgastastes dos processos mentais, enfim, os limites dos processos psicológicos. TUDO ISSO APONTA PARA ALGO QUE TEM A VER COM PROCESSOS QUE PODEMOS DIZER QUE NÃO SÃO EXATAMENTE CONSCIENTES. Entretanto, dizer que alguém bateu com a cabeça em algum lugar ou que desenvolveu uma anomalia que fez perder alguma funcionalidade psíquica e que, portanto, a pessoa está inconsciente, desacordada, ou que uma parte de si não está funcional, estando inconsciente, nada disso é o que diz respeito ao Inconsciente freudiano. E onde percebemos esse Inconsciente? Para tanto, precisaremos fazer alusão às chamadas formações do Inconsciente. AS FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE J. Lacan (1901 – 1981) realizou o que chamou de um retorno a Freud, e desenvolveu em seu seminário V o que chamou de formações do Inconsciente. Para entender melhor as considerações de Lacan, precisamos voltar ao processo de formação dos sintomas na histeria. ATENÇÃO O sintoma é uma formação do Inconsciente, justamente porque realiza um compromisso entre o que pode e o que não pode ser mantido no sistema Consciente. Uma moça poderia resolver o conflito entre uma representação conflitiva com o restante da cadeia das representações recalcando-a. O exemplo do caso Elizabeth, um daqueles cinco casos iniciais dos Estudos sobre Histeria, é um bom exemplo. A moça tinha um apaixonamento velado pelo cunhado, marido da irmã. No entanto, quando a irmã morre e ela sente que tem o caminho aberto para realizar seu desejo pelo cunhado, ela desenvolve uma paralisia da perna, como alguém que “não podia andar com aquela história”. Imagem: Shutterstock.com Vejam como o Inconsciente realiza uma operação altamente sofisticada para resolver um conflito, pois, apesar da perna paralisada, ela não entrava em contato com a representação conflitiva, que poderia lhe causar mal-estar, sobretudo em uma sociedade repressora, moralista como era a do final do século XIX. Então, o sintoma surgiu como uma formação de compromisso entre o desejo e a expressão. Assim, o sintoma é uma satisfação substitutiva. É uma maneira de revelar o conflito ao mesmo tempo em que o encobre. Assim como o sintoma, os sonhos, os atos falhos, os chistes, os lapsos são outras formações do Inconsciente, pois operam segundo essa mesma lógica de revelar de maneira desviada algum conteúdo do Inconsciente. COMENTÁRIO O material recalcado deveria permanecer inconsciente, sob a ótica do sistema Consciente, dado que o recalcado é algo conflitivo. No entanto, o recalcado insiste em surgir na cena, e as formações do Inconsciente são a forma de expressão do material recalcado. O INCONSCIENTE E OS SONHOS Freud resgata o sonho como índice de um sentido, e que revela algo do Inconsciente. Os sonhos são um enigma que Freud resgatou da tradição pré-moderna, atribuindo-lhes um sentido. Na modernidade, os sonhos eram tidos como um material psíquico descartável, sendo vistos como um material advindo de uma certa reciclagem mental. Freud inicia sua exposição sobre os sonhos expondo que: Na época pré-científica, facilmente os homens atribuíam significações mitológicas para seus sonhos. Com a modernidade, os sonhos eram predominantemente concebidos como resíduos da vida psíquica. Freud distingue três linhas de pensamento sobre a significação dos sonhos: O PENSAMENTO DOS FILÓSOFOSConsideravam a vida onírica uma elevação da atividade mental. O PENSAMENTO DOS PENSADORES Consideravam os sonhos uma manifestação de forças que não se expandiram durante o dia. O PENSAMENTO DOS MÉDICOS Defendem que os únicos induzidores do sonho são os estímulos sensoriais e somáticos externos ou internos ao indivíduo. Para Freud, o sonho é uma maneira de o Inconsciente revelar um desejo de um modo disfarçado. No sonho, é como se tivéssemos uma licença para entrar em contato com nossa loucura privada, como se não tivesse relação conosco. Mas Freud vai dizer que o sonho revela justamente aquilo que é mais nosso! O SONHO É UMA REALIZAÇÃO ALUCINATÓRIA DE UM DESEJO. javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) O sonho é como uma janela para o Inconsciente. A importância dos sonhos para a psicanálise foi central, na medida em que foi pela interpretação dos sonhos que o aparelho psíquico freudiano foi fundado, e, como tal, a própria psicanálise. Apesar de o texto do Inconsciente ter sido lançado objetivamente em 1915, considera-se a fundação da psicanálise a partir do livro A Interpretação dos Sonhos, de 1900. Foi nesse livro que ficou registrado o modelo do item B do capítulo VII, que é o primeiro modelo do funcionamento do aparelho psíquico, sendo este modelo esboçado para a compreensão dos sonhos: Imagem: Freud, 2006, p. 571. Primeiro esquema de Freud do aparelho psíquico. COMENTÁRIO É nesse modelo em que espacialmente o Inconsciente ganha um lugar na topografia do aparelho psíquico, onde vemos a abreviação ICS equivalente a ‘Ucs’, Unbewusste, Inconsciente em alemão, idioma de Freud. Além dos sintomas e dos sonhos, Freud desenvolve outras formações do Inconsciente, como no texto no qual fala sobre a psicopatologia do ponto de vista psicanalítico, que é a Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901). Além desse momento, em outros desenvolve a temática dos lapsos, dos chistes, das parapraxias, ou os famosos atos falhos. Todas essas manifestações são formações do Inconsciente, pois revelam aquilo que estava oculto, mas que não podia ser lembrado, pois estava mais do que esquecido, estava recalcado. PARAPRAXIAS As parapraxias são ações que a pessoa realiza de forma contrária à intenção original. Em outras palavras, em alguns casos, realizamos atividades que conscientemente consideramos de uma forma, mas inconscientemente essas atividades assumem o desejo que as originou em primeiro lugar e que se encontra guardado. Como exemplo, podemos citar a ação de trocar um nome por outro durante uma conversa. A PSICOPATOLOGIA PELA QUAL SE INTERESSA O PSICANALISTA É AQUELA DAS FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE QUE SE MANIFESTA NO DIA A DIA. É em um momento em que se tropeça na linguagem, quando se diz algo sem ser intencional ou deliberadamente, mas que é, na verdade, o que lá no fundo se desejava dizer. Sabe a brincadeirinha que diz e que revela a verdade manifestada de maneira sutil, pelas bordas? Então, assim funciona o Inconsciente, revelando-se sempre de maneira disfarçada, burlando a barreira do recalque. Dessa forma, temos que: javascript:void(0) Imagem: Shutterstock.com Os sonhos não são restos psíquicos, mas são a possibilidade de um desejo realizar-se de maneira alucinatória, ou seja, por meio de imagens. Imagem: Shutterstock.com Os sonhos são uma formação de compromisso entre o sistema consciente e o sistema inconsciente. Imagem: Shutterstock.com Assim como os sonhos, os sintomas, os atos falhos, os chistes e os lapsos são formações do Inconsciente. SISTEMAS INCONSCIENTE E CONSCIENTE/PRÉ- CONSCIENTE O aparelho psíquico freudiano é formado pelos sistemas inconsciente e consciente. Essa é a divisão básica do aparelho psíquico tal qual Freud o concebe. ATENÇÃO O pré-consciente faz parte do sistema consciente. O pré-consciente é como um guardião, que faz a vigilância do que pode e do que não pode aparecer no consciente. Vamos tentar explicar um pouco o desenho do aparelho psíquico, como vimos acima, na figura do esquema feito por Freud. Lembrando que essa organização do aparelho psíquico é totalmente lógica. Os lugares psíquicos não existem espacialmente, ou seja, não existem referentes anatômicos para essas instâncias. É um erro querer reduzir o aparelho psíquico em uma tradução cerebral, por exemplo. NÓS SOMOS MUITO MAIS QUE AS RELAÇÕES ORGÂNICAS DO CORPO. Dito isso, retomamos as descrições do aparelho psíquico, pois como vemos na figura anterior, na qual Freud esboça o primeiro modelo do aparelho psíquico, temos dois polos do psiquismo, uma extremidade sensorial, onde se encontra um sistema perceptual (Pcpt), e uma extremidade motora (M). Perto do polo M, Freud define o Pré-consciente e o Inconsciente. Assim, temos: No lado esquerdo o polo perceptivo, onde incidem os estímulos sensoriais. & No lado direito temos o polo motor, que corresponde à resposta. ENTRE ESSES DOIS POLOS, TEMOS O SISTEMA DA MEMÓRIA E A FUNÇÃO DO PENSAMENTO. Nessa esquematização, o estímulo incide sobre o polo perceptivo e a resposta diz respeito ao polo motor. Esse par estímulo-resposta, característico do estado de vigília, obedeceria a um vetor progressivo. Assim, podemos entender que, quando estamos acordados, os estímulos que chegam à nossa percepção são processados pelo nosso pensamento e sistema de memória até chegarmos a uma resposta. SAIBA MAIS Os estímulos perceptivos simplesmente não trabalham sob o ponto de vista dos registros, estes que causam a memória. Isso vai ocorrer, pois há um sistema mnêmico (Mnem), onde ocorrem as associações entre os traços de memória. É assim que os traços de memória chegam até a consciência de forma que podemos organizar nossas lembranças em uma cadeia associativa coerente. E esse é o sentido das produções psíquicas durante a vigília, sentido que vai do polo Perceptual ao polo Motor. Esse sentido é chamado por Freud de sentido progrediente. Durante os sonhos, o material se apresenta, normalmente, de forma diferente, como formas alucinatórias e fragmentadas das imagens sensoriais. Isso ocorre para que os conteúdos recalcados possam burlar o pré-consciente e fazer sua manifestação no consciente. O que acontece é que os pensamentos oníricos (que correspondem ao material dos sonhos que durante o dia ficam barrados pelo Pré-consciente), no polo motor, ganham força no sentido contrário, sentido regrediente (sentido direita-esquerda na figura acima). Em outras palavras, durante os sonhos, os pensamentos que não podem acessar a motilidade voltam ao sistema de percepção. Assim, esse material ganha força ao passar pelo Inconsciente, usando, na teoria, pela primeira vez, o Inconsciente como substantivo, o Inconsciente dinâmico. Imagem: Freud, 2006, p. 571. RESUMINDO Portanto, podemos dizer que o sentido que vai do polo Pcpt ao polo M é o sentido progrediente e o sentido dos sonhos é o sentido regrediente, que vai do polo M ao polo Pcpt. Ao elaborar uma constituição teórica nessa grafia do que ocorre nos sonhos, Freud inaugurou o modelo do psiquismo com o qual trabalha em toda sua primeira tópica, que organiza a teoria da psicanálise até o texto de 1923, O Ego e o Id, quando um outro desejo do psiquismo se faz presente. javascript:void(0) Imagem: Shutterstock.com Dessa vez, a organização se dará em Id, ego e superego. SISTEMAS INCONSCIENTE E CONSCIENTE / PRÉ-CONSCIENTE O doutor Maicon Pereira da Cunha explica o sentido progrediente e o sentido regrediente segundo os sistemas Inconsciente, Pré-consciente e Consciente e a importância de cada um. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE APRESENTA O PRINCIPAL CONCEITO DA PSICANÁLISE javascript:void(0) A) Inconsciente B) Subconsciente C) Representação D) Afeto E) Hipnose 2. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE APRESENTA AS FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE: A) Memória e atenção B) Sonhos e lapsos C) Percepção e sistema mnêmico D) Associações inconscientes e associações perceptuais E) Representações e afetos GABARITO1. Assinale a alternativa que apresenta o principal conceito da psicanálise A alternativa "A " está correta. Foi a principal descoberta de Freud a partir da investigação da histeria. O Inconsciente dinâmico, com suas leis próprias, o lugar por excelência da causa psíquica, subverte os pressupostos com os quais lidava a Psicologia, sendo a psicanálise conhecida como uma metapsicologia. 2. Assinale a alternativa que apresenta as formações do Inconsciente: A alternativa "B " está correta. Lacan, no seminário 5, registra os sonhos, lapsos, chistes, sintomas e atos falhos como formações do inconsciente, pois são formas de expressão de formação de compromisso entre os sistemas inconsciente e consciente. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS A psicanálise surgiu a partir do enigma da histeria. Freud se debruçou sobre a histeria a partir de seu encontro com um nó epistemológico provocado na comunidade médico-científica, que não encontrava um referente orgânico para essa neurose. Com a hipnose, foi possível colocar a histeria dentro de um setting narrativo, de forma que a expressão em palavras transformava a experiência. A “limpeza de chaminé” permitia a liberação do afeto por meio da lembrança do evento traumático. Com isso, Freud pôde construir um aparelho psíquico a partir da noção de uma consciência dividida. AS FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE FORAM FORMAS DE ACESSO AO CONTEÚDO RECALCADO E OS SONHOS FORAM O CARRO-CHEFE NESSA INVESTIGAÇÃO. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS FREUD, S. (1893). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: Comunicação preliminar. In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 2 (Estudos sobre a histeria. Cap. 1). Rio de Janeiro: Imago, 2006. FREUD, S. (1893-1895). Casos clínicos. In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 2 (Estudos sobre a histeria. Cap. 2). Rio de Janeiro: Imago, 2006. FREUD, S. (1894). As neuropsicoses de defesa. In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 3. Rio de Janeiro: Imago, 2006. FREUD, S. (1900). A interpretação dos sonhos (parte II). In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 5. Rio de Janeiro: Imago, 2006. FREUD, S. (1901). A psicopatologia da vida cotidiana. In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. FREUD, S. (1915). O inconsciente. In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 14. Rio de Janeiro: Imago, 2006. FREUD, S. (1900). A interpretação dos sonhos. In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. V, parte II. Rio de Janeiro: Imago, 2006. GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. 21. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. LACAN, J. O seminário. Livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. Vocabulário de Psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. EXPLORE+ Para saber mais sobre os assuntos tratados neste conteúdo, leia: O livro Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo, de 2016, que é uma biografia de Freud, realizada pela psicanalista e historiadora Élisabeth Roudinesco. A biografia de Freud, por Peter Gay, Freud, uma vida para o nosso tempo, e a clássica biografia de Ernest Jones, Vida e Obra de Sigmund Freud. Pesquise: O canal no YouTube do psicanalista Christian Dunker costuma ter bons vídeos introdutórios sobre questões interessantes da psicanálise. O site Freudonline é uma ferramenta que contém a obra completa disponibilizada de Sigmund Freud. CONTEUDISTA Maicon Pereira da Cunha.
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