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Relações: Ciência, Tecnologia e Sociedade U416. 86 Autora: Profa. Ana Lúcia Machado da Silva Colaboradoras: Profa. Cielo Festino Profa. Joana Ormundo Profa. Maria Cecília Labate Maiolini Rebello Pinho Relações: Ciência, Tecnologia e Sociedade Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Professora conteudista: Ana Lúcia Machado da Silva Ana Lúcia Machado da Silva é mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e especialista em Língua Portuguesa pela mesma instituição. Foi professora do ensino básico em rede pública e privada da disciplina Língua Portuguesa durante quase vinte anos. Ministrou também aulas em módulos para cursos de lato sensu pela UNIP e Faculdade Atibaia. Ministra aulas de Análise do Discurso, Semântica e Pragmática, Literatura em Língua Portuguesa, entre outras, no curso de graduação em Letras pela Universidade Paulista. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S586r Silva, Ana Lúcia Machado da. Relações: ciências, tecnologia e sociedade. / Ana Lúcia Machado da Silva. – São Paulo: Editora Sol, 2014. 128 p. il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XIX, n. 2-103/14, ISSN 1517-9230. 1. Ciência. 2. Tecnologia. 3. Sociedade. I. Título. CDU 5 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Maria Emília Amaral Virgínia Bilatto Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Sumário Relações: Ciência, Tecnologia e Sociedade APRESENTAçãO ......................................................................................................................................................7 INTRODUçãO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 SOCIEDADE DA PÓS-MODERNIDADE E SEUS DESAFIOS ....................................................................9 1.1 Sociedade líquida ....................................................................................................................................9 1.2 Sociedade de consumo ...................................................................................................................... 13 2 TECNOLOGIA E A ERA PÓS-HUMANA ..................................................................................................... 17 2.1 Tecnologia da informação e comunicação ................................................................................ 17 2.2 Gerações tecnológicas ........................................................................................................................ 20 2.3 Advento do pós-humano e as realidades do corpo ............................................................... 23 3 DA CULTURA DE MASSA À CULTURA DIGITAL E A RECONFIGURAçãO DAS RELAçÕES HUMANAS .............................................................................................................................................................. 24 3.1 Crítica à velocidade das eras culturais ........................................................................................ 25 3.2 Eras culturais e sua dinamicidade ................................................................................................. 27 3.3 Cultura digital ou cibercultura ....................................................................................................... 29 3.4 Cultura digital: Facebook e sua linguagem líquida ................................................................ 36 4 CULTURA DA CONVERGÊNCIA E AS NARRATIVAS TRANSMIDIÁTICAS...................................... 48 4.1 Características da cultura da convergência e narrativas transmidiáticas ..................... 48 4.2 Narrativa transmidiática Harry Potter: Pottermore ............................................................... 52 4.3 Narrativa transmidiática Harry Potter: fan arts ....................................................................... 56 4.4 Narrativa transmidiática Harry Potter: fanfics ......................................................................... 57 Unidade II 5 O CONHECIMENTO NA PÓS-MODERNIDADE ....................................................................................... 63 5.1 O conhecimento e sua natureza enciclopédica ....................................................................... 63 5.2 O conhecimento e a transdisciplinaridade ................................................................................ 67 6 CIÊNCIA, SEUS PARADIGMAS E PROCESSO SOCIAL DE DIVULGAçãO ...................................... 68 6.1 Raciocínio científico e a narrativa da descoberta ................................................................... 69 6.2 Paradigmas da ciência: moderna e contemporânea .............................................................. 71 6.3 Comunicação do conhecimento científico e os gêneros textuais.................................... 76 6.4 Escalas e normas para avaliação de textos científicos ......................................................... 81 7 CIÊNCIA E SUA RELAçãO COM A SOCIEDADE: A DIVULGAçãO CIENTÍFICA ........................... 87 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a 7.1 Práticas de divulgação científica: história e função social ................................................. 87 7.2 Elementos textuais e linguísticos da divulgação científica ................................................ 95 7.3 Divulgação científica: infográfico ................................................................................................. 98 8 EXEMPLOS DE RELAçãO CIÊNCIA/TECNOLOGIA/ARTE ...................................................................106 8.1 Organização Leonardo ......................................................................................................................107 8.2 Televisão Universitária ......................................................................................................................110 8.3 Museu da Língua Portuguesa ........................................................................................................112 8.4 Restauração do livro .........................................................................................................................1157 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a APReSenTAção Caro aluno, Relações Ciência, Tecnologia e Sociedade é uma disciplina que foi criada para atender à atual demanda de reflexão sobre a necessidade de aliar diferentes áreas que tanto influenciam nossa sociedade. As primeiras décadas do século XXI estão profunda e irreversivelmente marcadas pela tecnologia que advém e influencia a própria ciência e o dia a dia de cada um. Assim, esta disciplina trata das estruturas da sociedade globalizada e tecnológica e a reconfiguração da produção de conhecimento por meio dos avanços científicos e tecnológicos e da nova configuração social. Nessa nova configuração, não podemos desconsiderar os indivíduos e, portanto, a disciplina trata, também, da relação do indivíduo com a produção científica e tecnológica na sociedade contemporânea. O homem é visto como componente de um universo científico, cultural, tecnológico; e a compreensão do mundo por meio da arte ocorre nas ciências, na tecnologia e na relação com a sociedade. Os objetivos gerais são: • Compreender a estrutura da sociedade globalizada e tecnológica. • Refletir sobre a relevância do conhecimento na sociedade contemporânea. • Apresentar ao aluno o processo de construção do conhecimento por meio do desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Os objetivos específicos consistem em: • Refletir sobre os novos paradigmas da construção do conhecimento científico em função dos avanços tecnológicos na sociedade globalizada. • Relacionar os processos complexos do conhecimento científico e tecnológico na sociedade global. • Reconhecer que a sociedade globalizada e tecnológica reconfigura a relação do homem no processo de construção do conhecimento científico, em função dos novos paradigmas sociais marcados pela flexibilidade, pela mutação e pelas novas formas de interação. Este livro-texto dedica-se aos seguintes assuntos: • Discussão sobre a sociedade emergente, que, sob o ponto de vista da Sociologia de Bauman (2001, 2007), é líquida e fragmentada. A repercussão dessa sociedade líquida é encontrada nas relações interpessoais, na cultura e na linguagem, que são multifacetadas. • Reflexão sobre o papel da ciência e a relação entre ela e a sociedade, a tecnologia e a própria universidade, sendo esta uma fonte de questionamentos tanto sobre o mundo quanto sobre sua própria finalidade. 8 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a InTRodução No decorrer deste livro-texto, caro aluno, você se deparará com a apresentação e reflexão sobre a sociedade da pós-modernidade. As consequências dessa sociedade refletem nas relações interpessoais e sociais como um todo, bem como na linguagem, transcriada na cultura, na tecnologia, na ciência, na arte. Em uma simbiose de linguagens e transdisciplinaridade de áreas do conhecimento, a sociedade contemporânea é marcada por: • Tecnologia eletromecânica, digital e pós-humana. • Eras culturais: de massa, midiática e cibercultura. • Cultura convergente e suas narrativas transmidiáticas. • Crise de paradigmas no conhecimento e na ciência. • Relação entre as pessoas e entre as pessoas e o conhecimento, marcada por diversidade tecnológica, cultural e de linguagem. Enfim, é-nos lançado o grande questionamento da nossa atualidade: afinal, como se constitui a nossa sociedade, que é pós-moderna, pós-humana e líquida? Deixamos aqui, então, essa pergunta a você, caro aluno, na esperança de que durante a leitura deste livro-texto você possa encontrar respaldo para a resposta e, principalmente, um caminho (além do livro-texto) para a sua procura. 9 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade Unidade I 1 SoCIedAde dA PÓS‑ModeRnIdAde e SeuS deSAFIoS A sociedade contemporânea nos últimos anos vem se tornando instável em sua vivência que tange o aspecto interacional e comunicativo. Com as novas tecnologias e os meios rápidos de comunicação não há uma estabilidade no que se é criado, assim, a mensagem torna-se tão interativa que perpassa o conceito de tempo/espaço. Essa rapidez na comunicação faz com que os pensamentos e planos não se solidifiquem, tornando assim a sociedade volátil, instável e inconstante. Os meios de comunicação atuais como as redes sociais mostram claramente como se manifesta esta instabilidade na sociedade em que estamos inseridos. Autores como Bauman (2007) e Santaella (2007) utilizam o termo “liquidez” para definir essa inconstância que a sociedade atual vive. A sociedade vem se adaptando às mudanças decorrentes da tecnologia, com os meios tecnológicos as informações circulam com muita rapidez e isso vem refletindo no comportamento das pessoas, que não conseguem mais se fixar em algo, mudando constantemente suas ideias e planos. 1.1 Sociedade líquida O termo “liquidez”, segundo Bauman (2007), é uma ressignificação do conceito de pós-modernidade e uma forma de responder às questões que a modernidade (significação sólida) nos traz. Segundo as concepções de Bauman (2007, p. 8): Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade [...] enquanto os sólidos têm dimensões especiais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la. Ao mencionarmos o conceito da liquidez na sociedade, observamos o paralelo imposto entre os sólidos que tentam monopolizar ou estereotipar o conceito de certo e errado e ao mesmo tempo observamos uma sociedade cheia de perspectivas e alusões a novos conceitos e ideias que quebram com tabus, preconceitos enrijecidos e fortalecidos por ideias autoritárias e já ultrapassadas. 10 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I A modernidade líquida e seus seguidores caminham de acordo com suas necessidades e assim mantêm-se sempre aberta a novos horizontes ou maneiras mais versáteis de plurissignificar ou encaixar seu sentido, ou vários, ao contexto que nos inserimos. Sendo assim, nesta sociedade caminham vários significados, não cabendo assim um único olhar às variedades existentes em nosso cotidiano. A liquidez confronta o passado e desmistifica verdades absolutas, o conceito de tempo/espaço trabalha tão rápido quanto nossos pensamentos. Está enraizada na política que se abre aos problemas presentes e se manifesta em todos os tipos de mídias. Ou seja, a política que antes trabalhava nos jornais ou para um público-alvo, hoje, está em todos os lugares e adaptou-se às variedades linguísticas existentes em nossos cotidianos, por exemplo, a política hoje deve “falar” como o jovem pensa, que diverge da forma como o pai de família pensa, divergindo do idoso e por diante. Diante disto é visível que a liquidez esbanja várias línguas e incluem várias tribos, cada ser trabalha com sua forma de pensar, e a liquidez no conceito pessoal trabalha de acordo com a necessidade e disponibilidade que lhe é concedida. Assim, como a interpretação e manuseio de valores são firmados, a sociedade líquida pode ser moldada ou até mesmo aperfeiçoada por quem a detém, diferentemente de conceitos sólidos que inibem o processo variacional e importante, dependendo do aspecto único que é utilizado. Pois, por mais que a liquidez “escorra” no que tange ao seu significado, eladeve ter um fundamento inicial, que vá ao encontro da necessidade de quem a recebe, seja por meio de interação virtual, comunicacional ou outros aspectos. A variedade interacional existente em nosso cotidiano demonstra por si só como a liquidez está presente em todos os setores da sociedade, e como as informações e aperfeiçoamento de novas propostas complementam a necessidade que temos de estar em constante evolução. Conforme Bauman (2007), tal liquidez escorreu tanto que todos os valores ou até mesmo crenças carregam uma parcela líquida e sólida. Nesse sentido: Hoje, os padrões e configurações não são mais “dados”, e menos ainda “autoevidentes”; eles são muitos, chocando-se entre si e contradizendo-se em seus comandos conflitantes, de tal forma que todos e cada um foram desprovidos de boa parte de seus poderes de coercitivamente compelir e restringir (BAUMAN, 2007, p. 14). As influências líquidas tornaram-se tão cotidianas, que a percepção delas está se camuflando, como se os conceitos culturais andassem intrinsecamente lado a lado com a evolução desta nova sociedade. Os conceitos culturais, sociais, familiares mudaram tanto que podemos considerar que o líquido de hoje deva ser o novo sujeito deste futuro incerto. Deste ponto, podemos verificar como os sólidos devem se sentir com relação a isso, como se toda a luta por uma sociedade igual/sólida estivesse se rompendo (pejorativamente) e neste conceito a sociedade estivesse caminhando desenfreadamente para um caos intelectual. 11 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade Nada mais hoje em dia é fornecido como um único critério e, dessa forma, cabe ao sujeito receptor se colocar de acordo com o contexto e adaptar suas necessidades com o que lhe é concedido. Neste ponto, é necessário que haja uma versatilidade e visão aberta, para podermos nos adequar corretamente ao que precisamos e queremos de fato. O sólido mantém sua forma, fixa-se no espaço, diferente do líquido que se esvai, que flui, e não mantém uma forma fixa, perdendo sua estabilidade ao menor movimento, esse não se prende a um espaço. Bauman, para mostrar o desmoronamento do sólido, ou seja, das ideologias modernas, cita eventos que marcaram o século passado como o holocausto e o fracasso do modelo liberal proposto no Ocidente às grandes massas migratórias de pobres em busca de condições de vida melhores. São claras as manifestações de algo errado no cálculo dos economistas ocidentais. A modernidade oferecia segurança e estabilidade, a vida era sólida, buscava-se um emprego para a vida toda, um relacionamento para a vida toda, pensava-se sempre em algo que fosse durar para sempre. Assim: Nesse mundo fluido comprometer-se com uma única identidade para toda a vida, ou até menos do que a vida toda, mas por um longo tempo é um negócio arriscado. As identidades são para usar e exibir, para armazenar e manter (BAUMAN, 2007, p. 96). Não se fala mais em valores eternos, esse conceito não existe mais, as mudanças decorrentes da modernidade não permitem que hoje se pense assim, o desemprego ou mesmo a busca constante por um emprego melhor não permite mais a estabilidade que tanto foi buscada antigamente. Os relacionamentos tornam-se cada dia mais instáveis, diferentes da sociedade moderna em que não se era permitida a troca de parceiros, em que era necessário casar, formar uma família e viver em prol dessa a vida toda. Hoje se tem um leque de opções, pode-se escolher com quem viver e caso a escolha seja insatisfatória há a opção de trocar, ninguém mais precisa se prender a algo ou alguém que não lhe agrada, pode-se trocar de parceiro, de emprego, de curso entre tantas outras coisas. No entanto, esse processo de liquefação dos laços sociais não é um desvio de rota na história da civilização ocidental, mas uma proposta contida na própria instauração da sociedade moderna. As coisas atualmente mudam com muita rapidez, a necessidade de aperfeiçoamento não permite que se tenha uma estrutura fixa. Com o surgimento da globalização em um processo de interação e proximidade com as pessoas, tudo corre muito rápido, as novas tecnologias permitem que as informações cheguem com tamanha rapidez a qualquer lugar do mundo, que afeta diretamente a vida das pessoas, em suas decisões diárias. As pessoas decidem suas vidas de acordo com o que está acontecendo em volta, e, como as informações correm rápido e as coisas mudam com a mesma rapidez, uma decisão a ser tomada torna-se instável, podendo ser mudada a qualquer momento de acordo a necessidade que virá a seguir. No esclarecimento de Bauman (2001, p. 40): 12 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I O que aconteceu no século XX foi uma passagem de toda uma Era da história mundial, ou seja, da sociedade de produção para a sociedade de consumo. Por outro lado, houve os processos de fragmentação da vida humana. [...] No início deste século as pessoas se preocupavam com o projeto de vida e em executá-los passo a passo. Nos dias atuais, isto não acontece, porque a vida é dividida em episódios, fragmentados, o que não era assim no início do século XX. As sociedades foram individualizadas, em vez de pensar em termos de qual comunidade se pertence, a qual nação se pertence, a qual movimento político se pertence, etc., tentamos redefinir o significado da vida, o propósito da vida, a felicidade na vida, para o que está acontecendo com a própria pessoa, as questões da identidade de que tem papel importante hoje, no mundo. A pessoa tem que criar sua própria identidade. A pessoa não herda. Não apenas é necessário fazer isso desde o início da vida, mas é necessário passar a vida de fato redefinindo a própria identidade. [...] Muitas mudanças, não apenas a passagem do totalitarismo para a democracia, mas muitas outras coisas mudaram. Considerando as ideias apresentadas por Bauman, o lado negativo é a exposição da vida privada na era digital, nas redes sociais. O compartilhamento de fotos, comentários, vídeos etc. não tem critérios e isso causa uma preocupação, pois não é possível filtrar com eficiência o acesso a essas informações, o que hoje é privado, amanhã passa a ser público e vice-versa, e assim a vida acaba por ficar exposta a desconhecidos. Outro ponto preocupante é o enfraquecimento das relações humanas, porque as pessoas criam “amizades” com facilidade, mas muitas vezes seus contatos são pessoas desconhecidas, adicionadas apenas como um acúmulo na quantidade de amigos, sem que haja de fato um diálogo entre as partes, e ao menor motivo esses contatos podem ser facilmente excluídos. Diferente de um encontro olho no olho em que se cria um vínculo e o envolvimento pode vir a trazer maiores prejuízos para a vida particular, a solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular na mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar um terreno doméstico comum. Essa individualização devido à correria dos dia a dia, segundo Bauman, é o que marca essa sociedade líquida, pois não afeta somente a cultura, mas principalmente a vida do homem pós-moderno. Bauman (2001, p. 80) acredita que, ante a fragilidade dos relacionamentos, as pessoas estão privilegiando quantidade ao invés de qualidade. Assim multiplicam-se e acumulam-se relacionamentos, buscando-se a salvação nas redes, “cuja vantagem sobre os laços fortes e apertados é tornarem igualmente fácil conectar-se e desconectar-se”, como no Facebook. Contrariando o sociólogo Boaventura Santos (2006), para quem a sociedade pós-moderna não pode simplesmente ser uma dicotomia estanque da sociedademoderna, mostramos o quadro comparativo entre essas sociedades: 13 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade Quadro 1 — Comparativo entre modernidade sólida e modernidade líquida Modernidade sólida Modernidade líquida Permanência Impermanência Liberalismo Neoliberalismo Mercadorias Competição Produção Consumo Capitalismo industrial Capitalismo cognitivo Fábrica Empresa Trabalho material Trabalho imaterial Vigilância do corpo Verificação das metas Equipe Rede Temporalidade contínua/linear Temporalidade pontilhista Longo prazo Curto prazo Futuro Devir Administração Gestão Regulamentação — regulação Modulação Segurança/biopolítica Controle/noopolítica População Público Rigidez/docilidade Flexibilidade Especialista/especialização Expert/expertise Unitário Fragmentário Fronteirizado Desfronteirizado Modernidade sólida Modernidade líquida Fonte: Saraiva; Veiga-Neto, (2009, p. 196). 1.2 Sociedade de consumo Uma das características da sociedade da pós-modernidade é a sociedade de consumo, cuja premissa é satisfazer os desejos dos indivíduos de uma forma que nenhuma sociedade do passado pode realizar. A promessa do desejo realizado, no entanto, só permanecerá sedutora enquanto o desejo continuar sem ser concretizado ou enquanto houver uma suspeita de que o desejo não foi plena e totalmente satisfeito. Como bem incita Bauman (2007, p. 106): A não satisfação dos desejos e a crença firme e eterna de que cada ato visando a satisfazê-los deixa muito a desejar e pode ser aperfeiçoado – são esses os volantes da economia que tem por alvo o consumidor. A sociedade de consumo consegue tornar permanente a insatisfação. Esse efeito é causado pela depreciação e desvalorização dos produtos de consumo logo depois de sua aquisição ou, mais eficaz, pelo método de satisfazer o desejo, provocando novas necessidades/desejos. 14 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I As pessoas são impulsionadas a buscar nas lojas, e só nelas, soluções para problemas e alívio para as dores; tal impulso torna-se um hábito, avidamente estimulado. Sem a repetição da frustração dos desejos, a demanda pelo consumo se esvaziaria rapidamente e a economia voltada para o consumidor acabaria. O consumismo é uma economia do logro, do excesso e do lixo. Para que as expectativas (de realização de um desejo/necessidade) se mantenham vivas e novas esperanças preencham o vazio deixado por aquelas já desacreditadas e descartadas, o caminho da loja à lata de lixo deve ser curto, e a passagem, rápida. Figura 1 – Lixo excessivo advindo da sociedade líquida Na síntese de Bauman (2007, p. 111), a síndrome consumista é uma questão de velocidade, excesso e desperdício. Os consumidores experientes não se incomodam em destinar as coisas para o lixo, porque aceitam a curta duração delas e seu desaparecimento predeterminado com tranquilidade. Os defeitos de um produto já são conhecidos e aqueles que ainda serão prometem renovação de novos desejos. Em outros termos, o consumidor não espera de fato aperfeiçoamento dos produtos, mas espera sua profusão. Enfim, o lixo é o produto final de toda ação de consumo. Nessa sociedade líquida, de consumo e instabilidade, só o lixo tende a ser sólido e durável. Maslow (2014) fala sobre as necessidades humanas, que precisam ser atendidas para que possamos nos relacionar bem, sermos felizes e realizados pessoalmente. Possuímos necessidades fisiológicas, de segurança, de amor e afeto, de estima e de autorrealização. Todas elas são fundamentais para o ser humano. A pirâmide desenvolvida por Maslow demonstra as necessidades humanas nas diferentes categorias: 15 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade Moralidade, criatividade, espontaneidade, solução de problemas, ausência de preconceito, aceitação dos fatos. Autoestima, confiança, conquista, respeito dos outros, respeito aos outros. Amizade, família, intimidade sexual. Segurança do corpo, do emprego, de recursos, da moralidade, da família, da saúde, da propriedade. Respiração, comida, água, sexo, sono, homeostase, excreção. Realização pessoal Estima Amor/relacionamento Segurança Fisiologia Figura 2 – Pirâmide de Maslow As necessidades humanas precisam ser trabalhadas no decorrer da vida, desde o nascimento até a morte. Cada etapa da vida possui as suas características específicas. A família e a sociedade são responsáveis por proporcionar às crianças e aos jovens as condições ideais para que suas necessidades sejam atendidas e para que possam se desenvolver de maneira plena e feliz. O ser humano, em especial, os jovens e as crianças, precisa se sentir parte de um grupo, precisa se sentir aceito, construir sua identidade, ter status, possuir aquele sentimento de pertencimento e respeito daqueles que fazem parte do grupo em que está inserido (ABRAMOVAY, 2010). Contudo, nossa sociedade é regida pelo mercado e cada desejo ou vontade traz um preço afixado. Nesse contexto, confirma Bauman (2007), um filho é pura e simplesmente um consumidor. Saiba mais Assista ao documentário Criança, a alma do negócio, que discute sobre o consumismo infantil. O consumismo está na compra de roupa, sapato, brinquedo, alimentos de altas calorias etc. O documentário foi realizado na cidade de São Paulo com pais e filhos. CRIANçA, a alma do negócio. Dir. Estela Renner. Brasil, Marcos Nisti/ Maria Farinha Produções, 2008. 48 minutos. Com base no documentário brasileiro Criança, a alma do negócio, chega-se ao seguinte resultado: 16 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Figura 3 – Consumismo infantil Os resultados do documentário mostram a estreita relação entre a criança e o consumismo por meio da escolha de passeio (a criança prefere shopping), da influência da publicidade, das escolhas na hora das compras. Mais de 80% das crianças entrevistadas decidem o local de passeio preferido (o shopping) e participam do processo de decisão de compra no âmbito familiar. Outra pesquisa, encomendada pela Nickelodeon (canal de TV americana), mostrou que 89% dos pais de crianças na faixa dos oito aos quatorze relatam que pedem opinião dos filhos sobre os produtos antes de comprá-los. Segundo McNeal (apud BAUMAN, 2007, p. 149): Crianças dos 4 aos 12 anos influenciaram diretamente cerca de 300 bilhões de dólares em compras feitas por adultos em 2002, e esse mercado “influenciado pelas crianças” cresce anualmente à taxa de 20%, enquanto 30 bilhões de dólares em mercadorias foram gastos pelas próprias crianças usando seu próprio dinheiro (as estimativas são de que tais compras não tenham ultrapassado 6,1 bilhões de dólares apenas 13 anos antes)”. Além desse quadro, Bauman (2007) indica outra realidade: a rejeição da infância, ou seja, muitos adultos evitam ter filhos, porque estes são consumidores e as necessidades e desejos dos pais teriam de esperar. Os adultos têm necessidade de reduzir suas próprias responsabilidades a fim de continuarem atendendo aos desejos de consumo. As pessoas, enfim, ignoram a cultura das grandes corporações que invadem uma parte tão grande de nossas vidas. 17 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - dat a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade 2 TeCnoLoGIA e A eRA PÓS‑HuMAnA Você concorda com a estudiosa brasileira Lucia Santaella (DOMINGUES, 2009), quando ela afirma que a tecnologia torna-se indispensável na cultura contemporânea para haver interação social na ciência, arte, trabalho, educação? Essa estudiosa rejeita a noção filosófica de simulacros e degeneração da realidade causada pelas mídias e adota a noção de semiose para demonstrar que as relações entre os humanos com a natureza sempre foram mediadas por signos e pela cultura. Sejam quais forem as tecnologias, dispositivos fônicos, instrumentos de desenho, máquinas fotográficas, gravadores, holografia, computadores, DVD, redes telemáticas, elas são mais ou menos próteses complexas que não somente amplificam os sentidos de nosso corpo, mas também reproduzem e processam sinais que aumentam nossa capacidade para interagir. 2.1 Tecnologia da informação e comunicação O termo “meios de comunicação” é utilizado para caracterizar um agente (veiculador) transmissor e receptor de sentido, podendo ser restrito ou abrangente, na qual a informação passa por meio de um canal ligando-a a um meio, agindo como polos entre meio e comunicação. A telefonia surge como meio inicial de comunicação por volta de 1800; a partir de então houve a necessidade de outros meios que não envolviam somente a fala, e surgiram, de acordo com a evolução tecnológica, vários meios de comunicação. A nomenclatura da modernidade tomou relevância com a formação de novas tecnologias e com o surgimento da comunicação a longa distância. Por meio dos avanços tecnológicos, os meios de comunicação possibilitam a informação e um deslocamento, além de extrema rapidez ao acesso, que acabam por colocar a todos, naquele exato momento da interação, em contato com o mundo. Os meios de comunicação da Era Contemporânea têm uma intensa participação nesse processo, abordados também como “mídias”. De acordo com Santaella: Não muito tempo atrás, no final dos anos 1980, intelectuais acadêmicos ainda não utilizavam o termo “mídia” no Brasil. A palavra era de uso restrito aos publicitários e jornalista, para se referirem à divulgação de uma informação recebida nos meios de comunicação. Se o termo “mídia” era ainda de uso limitado, qual então era o termo empregado para se fazer referência aos meios de comunicação? Até os anos 1980 os termos da moda intelectual eram “meios de massa”, “cultura de massa”, “indústria de massa” e, com menos frequência, “tecnologias da comunicação” (SANTAELLA, 2007, p. 118). Os meios de comunicação durante os anos tomaram outro significado e sentido, com isso acabou por atingir um público maior, a população em massa. Essa necessidade surgiu junto ao crescimento de novas tecnologias que se expandiu paralelamente a esse crescimento. 18 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I O termo “meios de comunicação” acaba por ser fixado à massificação, passando a ser denominado como meios de comunicação de massa, que inclui meios de informações como: jornais, televisão, rádio, telefonia, livro, imprensa e internet. Contrapondo essa informação, Santaella (2007) explica e exemplifica que essa especificação imposta perde força, e vigoram novas formas e visões para dar conta desses meios: No início da década de 1990 “mídia” se referia apenas, e quando muito, aos meios de comunicação de massa, especialmente aos meios de transmissão de notícias e informação, tais como jornais, rádio, revistas e televisão. Pouco depois seu sentido alastrou-se para abarcar qualquer meio e comunicação de massa, não apenas os que transmitem notícias (SANTAELLA, 2007, p. 118). Assim, os termos “mídias” e “meios de comunicação” deixaram a peculiaridade de ter apenas conteúdos informativos da massa e passam a se referir a todos os meios de publicidade, informação e notícia. O grande fator a contribuir para essa expansão se deu pelo crescimento acelerado dos meios, que ao passar do tempo não se limitava apenas ao que era determinado à massa. Essa particularidade deixa então de existir e os meios de comunicação se fundem, em busca da interação e evolução das novas tecnologias. A expressão “meios de massa” já não é suficiente para dar conta dos processos de comunicação por eles propiciados. As reflexões sobre os meios de comunicação centralizam-se na capacidade das instituições midiáticas e das tecnologias de comunicação em desempenhar papéis no campo da comunicação e interação social. Eis que surgem campos cada vez mais renovados nos meios comunicativos, como o da teleinformação que se instala definitivamente, rompendo a hegemonia da cultura de massa. Os meios influem em todos os aspectos da cultura social e da política, apontando a heterogeneidade em que estão envolvidos no funcionamento social e outros processos. As instituições midiáticas, por sua vez, favorecem o aparecimento de conhecimentos, relacionando vários campos de cognição, o envolvimento de imagens, sons, figuras imagéticas, filmes e descrevendo um campo vasto a ser explorado entre as mídias e a tecnologia. Uma acaba por não saturar a outra, seguindo o ponto de vista de que uma dá força e ressignifica a existência da outra. Como bem diz Santaella, [...] embora não se possa negar que atualmente as mídias e as tecnologias se constituam, em princípios, organizadores da sociedade, os meios de massa compõem apenas uma parte das mídias em geral, não sendo capazes de nos levar a compreender a hipercomplexidade midiática das culturas contemporâneas, cuja trama exige a apreensão de distinções bastantes sutis que a designação tour court de cultura midiática não é capaz de absorver (SANTAELLA, 2007, p. 121). As novas formas de comunicação interativa redefinem a informação e buscam nas culturas midiáticas pontos que não conseguem abranger, pois, como já mencionado, o surgimento de novos meios visa, além da própria comunicação, envolver o sujeito em sua concepção social e política. As mídias vão além do entretenimento pessoal, formam e informam a sociedade. Existe sempre uma dualidade ao tratar o termo mídias, pois não há uma constância. Afinal, a mídia apresenta volatilidade em sua configuração. 19 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade Por fim, ficam deferidas as distinções e semelhanças dos termos: meios de comunicação, mídia e meios de comunicação de massa. Sejam digitais ou não, os meios de comunicação cumprem um papel essencial na vida da população mundial, agindo como promissores da informação simultânea e afunilando diferenças entres povos que acabam por falar a mesma língua quando o assunto é informação. A distância entre etnias, língua e cultura acaba por desaparecer quando o foco principal surge com a transmissão da informação em prol do ser humano, seja de caráter pessoal, profissional, envolvendo questões que ultrapassam o bem individual e assumem o papel de agente de relação mundial. A evolução dos meios de comunicação se dá ao uso da tecnologia para aprimorar e aperfeiçoar o recebimento e envio de informações, surgindo assim a tecnologia digital. De forma geral, “meios de comunicação” é um termo generalizado que vincula a miscigenação da comunicação englobando escrita, oralidade e imagem. As mídias se dividem em seis ciclos culturais: oralidade, escrita, impressão, massificação, midiatização e ciber, os quais precisam de características próprias. Segundo Santaella (2007), há uma multiplicidade de características nessas camadas midiáticas, sendo elas: inovativa, transformativa, convergente, multimodal, global, em rede, móvel, apropriativa, participativa,colaborativa, diversificada, domesticada, geracional e desigual. No caso das mídias tecnológicas digitais, estas têm características específicas que costumam atender a todas que partem do princípio eletrônico e tecnológico. As mídias digitais são aquelas que estão constantemente ligadas à tecnologia, ao mundo cibernético. O celular, o iPod, internet são denominados como comunicação eletrônica, que se faz presente mediante ao discurso eletrônico. O desenvolvimento dos iPod, blogs, celular, entre outros avanços tecnológicos, somados ao uso da internet, favorece a criação de novos meios de comunicação e novas experiências. Entre esses novos meios de comunicação alternativos, destaca-se o desenvolvimento de comunidades virtuais, com caráter de uma perspectiva de maior apropriação individual, ao mesmo tempo local e mundial. Dentre os movimentos sociais e redes das comunidades virtuais na internet, a comunidade na Era Digital baseia-se na interconexão e flexibilidade desta nova tipologia. Permite aos meios tecnológicos digitais a circulação de enunciados que produzem novos sentidos e efeitos para a ação social e da cidadania, permitindo a existência de redes de movimentos sociais, redes de cidadania e até mesmo cibercomunidades sobre temas de caráter mundial, como defesa de ideais, perspectivas de vida, interação social. Por fim, eles expandem os horizontes e veiculam meios de exposição de pensamentos e ideais. A velocidade e o constante cruzamento de informações encurtam distâncias e espaços entre os vários lugares do mundo. O primeiro momento da cena de comunicação se deu pela oralidade em meios de comunicação como televisão e rádio e mais tarde, para agregar a comunicação oral, surgiram os telefones. Estes meios não permitiam a interação total vinda do interlocutor, deixando uma lacuna. Com o aparecimento da telefonia, o distanciamento do interlocutor diminuiu por conta da locomoção rápida e fácil deste meio. O meio digital tem caráter de interação comunitária, aproximando pessoas por meio da oralidade e da escrita: 20 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I O rádio, a televisão e o telefone fizeram surgir o que Ong chamou de “segunda oralidade”, que apresenta similaridades com a antiga mística participativa, que fomenta o sentido comunitário, sua concentração no momento presente e suas fórmulas. A fala e o diálogo voltam à cena da comunicação. Mas enquanto no rádio e na televisão trata-se de uma fala e um diálogo encenados, que não abrem brechas para um interlocutor, o telefone promove em retorno a um tipo de interatividade similar à da oralidade primária, muito embora a condição face a face da interatividade seja aí substituída pela interação voz a voz. O telefone celular acrescenta a essa interatividade a mobilidade do diálogo ab boc. Ela pode se dar em qualquer lugar a qualquer hora (SANTAELLA, 2007, p. 250). Considerando a penetração e o papel da tecnologia digital na vida da sociedade da nova geração, essa concepção parte da perspectiva menos tecnicista e mais sócio-histórica. Para tanto, é importante lembrar que essa esfera de tecnologia não envolve apenas jovens, mas sim adultos e crianças. Seja celular, televisão ou outro meio digital tecnológico, tem a funcionalidade não apenas de informar, mas socializar e aculturar um indivíduo, o qual age de acordo com manifestações das novas globalizações mundiais, crescentes e diversificadas. Hoje em dia tudo é feito por meio da internet, pagamento de contas, movimentações bancárias, comunicação à longa distância, informações do cotidiano, seja policial, política ou social. Todas estas facilidades encontradas na tecnologia digital, além de facilitar a vida da sociedade, influenciam também a condição e vivência do cotidiano. Atraindo pessoas de todas as idades, pois não delimita uma única função, a comunicação digital traz uma vasta ação de benefícios gerais. A facilidade encontrada nas tecnologias digitais cativa cada dia mais usuários que, na constante correria da vida cotidiana, não têm tempo para resolver problemas pessoalmente, como em um banco, e essas movimentações digitais apresentam atrativos que deixam deslumbrados muitos usuários. Essa característica, que nos permite resolver problemas a quilômetros de distância, move não só pessoas, mas a economia mundial. O uso da tecnologia digital em vários campos sociais, políticos e histórico contribui para o desenvolvimento constante da globalização. 2.2 Gerações tecnológicas O ritmo é cada vez mais acelerado das invenções tecnológicas. Grande parte das invenções é constituída por tecnologias que incrementam a capacidade humana para a produção de linguagem, portanto, meios de comunicação. Santaella (2007) aponta para as cinco gerações tecnológicas, sendo elas: tecnologias do reprodutível, tecnologias da difusão, tecnologias do disponível, tecnologias do acesso e tecnologias da conexão contínua. Tecnologias do reprodutível – jornal, foto e cinema – fazem parte da reprodutibilidade técnica. Foram produzidos com o auxílio de tecnologias eletromecânicas e lançaram as sementes da cultura de massa, cujo público aflorava em metrópoles, frutos da explosão demográfica. 21 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade Nasceu a estética do choque, explorada pelas vanguardas artísticas que, com sua sintaxe visual, intensificaram a sensibilidade perceptiva dos observadores com um novo tipo de olhar. observação Das manifestações das vanguardas artísticas, incluem-se os movimentos do fim do século XIX e início do século XX: Surrealismo, Dadaísmo, Futurismo, Cubismo. O Surrealismo, por exemplo, influenciou o cinema de Brunel. As tecnologias da reprodução introduziram o automatismo e a mecanização da vida, tanto nas fábricas, em que se exigia eficiência na aceleração da produção de mercadorias, quanto nas cidades, cujo ritmo anunciava espetáculos da novidade, publicidade, moda, sofisticação e luxo, alimentando os prazeres fugazes do consumo. Santaella (2007) relaciona a essa geração tecnológica o leitor imersivo, ou seja, um leitor movente que folheia as páginas do jornal, diagramadas com texto e imagens, com o mesmo olhar alerta e descontínuo que lhe é exigido para a orientação entre os sinais, luzes e movimentos da grande cidade. Na síntese da autora: As imagens que o olhar desse leitor captura do interior dos trens, dos bondes e dos carros em movimento é similar ao das câmeras de cinema, que se tornou a arte definidora da modernidade (SANTAELLA, 2007, p. 196). Tecnologias da difusão – rádio e televisão – alastraram-se ao entrarem no mercado da indústria cultural. Esse alastramento deve-se à expansão geográfica, mas também, sobretudo, ao poder de difusão, o qual é responsável pela ascensão da cultura de massas e se tornou mais agudo com a transmissão via satélite. Em relação ao caráter social, as mídias eletromecânicas – jornal, foto e cinema – aparecem como mídias cultas ao serem comparadas às mídias eletroeletrônicas (rádio e televisão). Da época de canais únicos, horários precisos, programas de alto consenso e homogeneização, as emissoras de TV, o controle remoto, o videocassete (que possibilitou gravar programas para se ver mais tarde), a TV a cabo, enfim, uma série de equipamentos, introduziram um tipo de mediação tecnológica distinto daquele que está na base da cultura de massas. Tecnologias do disponível – essa geração consiste em: andar pelas ruas, parques e à beira-mar com MP4 no ouvido; gravar programa de TV para assistir em horário mais conveniente; ouvir música no carro, tirar xerox de apenas um artigo de um revistae inseri-lo em um arquivo de cópias contendo outros artigos das mais variadas fontes com temas semelhantes; acomodar-se na poltrona do avião com audiofone e ouvir uma sonata de Mozart; só assistir aos canais de filmes e desprezar todas as outras ofertas que a TV a cabo ou por satélite oferece; separar apenas o caderno cultural do jornal e ignorar todos os outros; trocar freneticamente de canal de televisão por meio do controle remoto. 22 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I São tecnologias de pequeno porte, feitas para atender a necessidades mais segmentadas e personalizadas de recepção de signos e estratos culturais variados. Constituem-se de um tipo de cultura muito misturada, distinguindo-se da lógica que comanda a comunicação de massa, assim como se diferenciam da comunicação via digital. Tecnologias do acesso – o advento da internet caracteriza a tecnologia de acesso. A internet é um universo de informação que cresce ao infinito e se coloca ao alcance da ponta dos dedos. O traço mais marcante desse espaço virtual é, portanto, o acesso. Tal espaço, chamado ciberespaço por Gibson em 1984, está em todo lugar e em nenhum lugar. A interatividade só é possível porque o espaço tem acesso livre, informal, descentrado, capaz de atender a muitas das idiossincrasias, sejam as motoras, afetivas, emocionais, cognitivas, do usuário. Esse espaço traz um fluxo de linguagem multimídia incessante, cujas principais características são a mutação e a multiplicidade. Um não lugar que aparece e desaparece das telas na mesma velocidade que uma enxurrada de signos. Os sistemas da internet estão em constante mutação e em constante atualização. As tecnologias do acesso são um meio de comunicação, bem como tecnologias da inteligência que alteram completamente as formas tradicionais de armazenamento, manipulação e diálogo com as informações. Tecnologias da conexão contínua – o ambiente urbano adquiriu novo desenho resultado da intromissão de vias virtuais de comunicação e acesso à informação enquanto a vida acontece. O acesso à internet passou a se desprender dos filamentos de suas âncoras geográficas, como modems, cabos e desktops. Por conseguinte, as descontinuidades e as interrupções nos fluxos do existir tornaram-se exigentes e as tecnologias móveis foram sendo incorporadas com boa vontade pelas pessoas. No caso do celular, sua proliferação foi estonteante em quase todos os países. Suas interfaces são tão amigáveis que até analfabetos e crianças conseguem interagir com elas. Essa quinta geração de tecnologias comunicacionais, a da conexão contínua, constitui-se por uma rede móvel de pessoas e de tecnologias nômades que operam em espaços físicos não contíguos. Esses espaços são híbridos e desconectados. Para encerrar este tópico, é preciso esclarecer que uma geração tecnológica não elimina as outras; ao contrário, juntam-se em uma composição intrincada de uma cultura hiper-híbrida. Outro esclarecimento é sobre o fato de que, em cada contexto sociocultural, o alcance da implementação das tecnologias depende do nível de efeito que a tecnologia causa naquele grupo social (país), para quem a tecnologia pode ser usada, pode fazer parte da intelectualidade, pode tornar-se uma espécie de midiamania ou pode não ter intensidade em país, por exemplo, em que pesa a tradição (cultural, filosófica etc.). 23 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade 2.3 Advento do pós‑humano e as realidades do corpo No contexto de cibercultura, o termo “pós-humano” tem sido utilizado e seu efeito imediato no leitor desavisado é de inquietação, pois, como explica Santaella (2007), o prefixo “pós” leva a entender que o humano se foi, cedendo passagem a algo diferente. Do ponto de vista da autora, “pós-humano” diz respeito à natureza da virtualidade, à genética, à vida inorgânica, aos ciborgues, à inteligência distribuída, incorporando biologia, engenharia e sistemas de informação. Na entrada do século XXI, o ser humano torna-se problemático devido às transformações pelas quais seu corpo está passando. A consciência sobre um novo estatuto do corpo humano deve-se à crescente ramificação em variados sistemas de extensões tecnológicas, até às perturbadoras simulações na vida artificial e à sua replicação resultante da decifração do genoma. A nossa visão sobre aquilo que constitui o ser humano está passando por profundas transformações por causa das tecnologias pós-humanas, que são: realidade virtual, comunicação global, protética e nanotecnologia, redes neurais, algoritmos genéticos, manipulação genética e vida artificial. No caso da realidade virtual, foi criada, com base na ideia de imersão, a ilusão de estar dentro de uma vida gerada pelo computador. Entre as tecnologias empregadas estão a estereoscopia e medição da direção dos olhos. A realidade virtual pode assumir várias formas e quebra a barreira da tela, abrindo espaço multidimensional à habitação cognitiva e sensória do usuário. Na versão de monitoramento dos movimentos e reações do participante por meio de luva e capacete, se o usuário flexionar seus dedos na luva, o simulacro, que o representa no ciberespaço, move-se para pegar o objeto que ele vê no monitor do capacete. Os estímulos, então, vão nas duas direções; o que acontece com o boneco tem efeito no campo sensorial do participante; tudo o que ele fizer afetará o boneco. Sobre a comunicação global, além dos milhões de metros quadrados de redes telefônicas, há também o conceito de telepresença, ou seja, o remoto, o que está longe. Na interface entre humano e robô, a tecnologia refere-se à experiência humana de ver com os olhos de uma máquina, usando o controle remoto que está à mão. A protética e nanotecnologia estão em curso de desenvolvimento na robótica, com finalidade de atingir a autonomia da máquina. A área que vem apresentando mais avanço é a da protética ou partes artificiais do corpo: videocâmeras para substituir olhos perdidos, retinas artificiais sendo prototipadas, membros mecânicos controláveis por impulsos nervosos. Por meio da miniaturização da tecnologia, a nanotecnologia, esperamos uma grande integração entre o tecido orgânico e a máquina. A nanotecnologia é uma técnica para o design de máquinas muito pequenas que podem ser programadas para operar em ambientes como o corpo humano, podendo combater doenças, por exemplo. Quanto às redes neurais, vistas como enorme matriz de neurônios interconectados, são usadas para a construção de sistemas computacionais. 24 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I O potencial para as combinações entre vida artificial, robótica, redes neurais e manipulações genéticas é tão grande que leva Santaella (2007) a pensar se não estamos nos aproximando de um tempo em que a distinção entre vida natural e artificial não terá mais onde se balizar. O corpo humano é visto de forma diversa até então. Entre as múltiplas realidades do corpo, há o corpo remodelado, que visa à manipulação estética da superfície do corpo. Trata-se de um corpo construído com técnicas de aprimoramento físico: ginástica, musculação, implantes, enxertos e cirurgias plásticas. O corpo protético é aquele híbrido, corrigido e expandido por meio de próteses, construções artificiais como substituto ou amplificação de funções orgânicas. O corpo esquadrinhado, por sua vez, é colocado sob a vigilância das máquinas para diagnóstico médico. O corpo plugado é aquele interfaceado no ciberespaço. O usuário se moveno ciberespaço enquanto seu corpo fica plugado no computador para a entrada e saída de informação. Quando os corpos estão plugados, os usuários sempre apresentam nível de imersão, pois, diferente de ver um filme na TV ou cinema, que tem recorte de uma cena, os usuários vivem a experiência de dentro de um lugar. Os níveis de interfaces variam neste tipo de corpo – o corpo plugado: • Corpo por conexão: corpo é plugado no computador, tendo os sentidos adicionados, principalmente a visão e o tato, enquanto a mente navega nas conexões hipertextuais e midiáticas. • Imersão através de avatares: avatares são figuras gráficas, como uma máscara digital, porque o usuário pode selecionar e incorporar um avatar para se mover em ambientes bi ou tridimensionais. A incorporação produz duplicidade na identidade. • Imersão híbrida: explora as perfomances e danças perfomáticas, quando os movimentos dos dançarinos encontram-se com designs de interface, sistemas interativos, visualizações em D3 ou ambientes imersivos, mundos virtuais. Essa imersão também se aplica à mistura de paisagens geográficas com ciberpaisagens (presenciais e virtuais). • Telepresença: refere-se ao sentimento de estar presente em um local físico distante. As tecnologias são conectadas a sistemas robóticos que estão fisicamente presentes e o corpo do participante vê, toca e se movimenta em um lugar distante graças às conexões com o robô: câmeras de vídeo, microfones, sensores ao toque etc. e efetores, os braços do robô. São experiências de presença e ação à distância. 3 dA CuLTuRA de MASSA À CuLTuRA dIGITAL e A ReConFIGuRAção dAS ReLAçÕeS HuMAnAS Por meio da exposição cronológica da comunicação, é possível perceber que o surgimento, por exemplo, dos e-books, ou livros digitais, não se deu de forma inovadora, ou seja, algo que surgiu do nada. É possível afirmar que o surgimento dos e-books foi um processo cumulativo e histórico, sendo assim, houve mudanças na forma de pensar a escrita e pensar as práticas sociais. Uma manifestação 25 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade cultural, então, não é feita de passagens isoladas, mas por meio das formações já existentes. Por conseguinte, a cultura passa por mudanças não lineares; na verdade “há sempre um processo cumulativo de complexificação” (...) “e uma nova formação comunicativa e cultural vai se integrando na anterior, provocando nela reajustamentos e refuncionalizações” (SANTAELLA, 2010, p. 13). O conhecimento do significado de cultura nos possibilita obter conhecimentos fundamentais que trazem uma compreensão que possivelmente possa sustentar e tentar satisfazer às expectativas sobre as eras culturais. “A palavra cultura, do latim colere, que significa cultivar, está de forma estrita ligada ao conceito de civilização, no sentido de cultivo do conhecimento, crenças, arte, moral, lei, costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (SANTAELLA, 2010, p. 32). Devemos ressaltar que existe uma boa quantidade de interpretações para a palavra cultura e que “... uma tentativa de abranger seu significado em palavras é como tentar agarrar o ar com as mãos, quando descobrimos que ele está exceto no que se pode agarrar” (LOWELL apud SANTAELLA, 2010, p. 31-32). 3.1 Crítica à velocidade das eras culturais Com o conhecimento sobre a não linearidade das eras, complexificação da forma de comunicação e uma visão sobre o que é cultura, é plausível então tomarmos ciência das seis eras que, segundo Santaella (2010), compõem a estrutura, de forma ampla, das mudanças ocorridas sócio-histórico-culturais e elas são: a cultura oral, cultural escrita, cultura impressa, a de massas, a cultura da mídias e a cultura digital. Serão focalizadas as mudanças culturais e tecnológicas a partir do século XIX, porque a partir desse período com o [...] advento da cultura de massas a partir da explosão dos meios de reprodução técnico-industriais – jornal, fotocinema -, seguida da onipresença dos meios eletrônicos de difusão – rádio e televisão -, produziu um impacto até hoje atordoante naquela tradicional divisão da cultura em erudita, culta de um lado, e cultura popular de outro. Ao absorver e digerir, dentro de si, essas duas formas de cultura, a cultura de massas tende a dissolver a polaridade entre o popular e o erudito, anulando suas fronteiras. Disso resultam cruzamentos culturais em que o tradicional e o moderno, o artesanal e o industrial mesclam-se em tecidos híbridos e voláteis, próprios das culturas urbanas (SANTAELLA, 2010, p. 52). É a partir desse momento que é possível perceber que há um enorme aquecimento nos meios de comunicação, e com isso a diferenciação do culto, do que é popular e do massivo tornou-se uma tarefa árdua. No entanto, Sevcenko na introdução do livro A corrida para o século XXI: No loop da montanha russa consegue ilustrar como acontece essa ascensão, queda e loop dando destaque ao terceiro elemento citado: a cultura de massas; e vai além, o autor compara o movimento da montanha-russa: altos e baixos, emoções prazerosas e desesperos, entre outras dicotomias possíveis de serem interpretadas, e no fim ele conclui que a montanha-russa “presta-se bem para indicar algumas das tendências mais marcantes do nosso tempo” (SEVCENKO, 2001, p. 14). O autor explica as três fases – ascensão, queda vertiginosa e loop – da seguinte maneira: a ascensão é “contínua, metódica”, ou seja, que segue uma ordem, um método progressivo. 26 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Essa ascensão transmite a sensação que “assegura nossas expectativas mais otimistas, nos enche de orgulho pela proeminência que atingimos”, e esse otimismo foi materializado nas palavras “ordem e progresso” que ironicamente o autor chama de fórmula, como se fosse algo que sugerisse uma solução. Tais palavras simbolizam o significado da reprodução e absorção de maneira lenta, progressiva e sistemática dos valores e padrões da cultura europeia, e tal absorção acarretaria ao mundo um futuro de abundância, racionalidade e harmonia. A queda vertiginosa é justamente o resultado negativo e inesperado. É exatamente nessa fase que os parâmetros do avanço, do espaço, das circunstâncias são perdidos. Sevcenko (2001) interpreta essa ideia como um “salto do salto”, ou seja, um novo salto do processo de desenvolvimento tecnológico, só que agora os benefícios da incorporação e aplicação das ciências e suas novas teorias permitiram que houvesse o domínio e exploração de novos potenciais energéticos, pode-se entender que esse passo se deu de maneira considerada rápida e muito significativa. Em outras palavras, essa fase em que ocorreu um novo salto é chamada, convencionalmente, de Revolução Científico-Tecnológica. Tal nomenclatura para o momento histórico-social abrange mudanças que até hoje participam da vida de quem está em uma sociedade civilizada. Entre as mudanças estão: usinas hidro e termelétricas e utilização dos derivados de petróleo para combustão interna de motores. Em consequência, os veículos automotores, ou seja, com motores próprios, não necessitavam por completo da intervenção humana, mas sim da intervenção parcial, visto que antes a intervenção humana era quase que absoluta. A indústria química surgiu e com ela um leque de visões e provavelmente de forma simultânea; começou-se a produção de novos meios de transporte aéreo – aviões -, marítimo – transatlântico -, e os terrestres – carros, caminhões, motos e trens expressos (SEVCENKO, 2001). Tão significativos quanto os meios de transporte são os meios de comunicação que tambémtiveram um avanço muito grande com novos aparelhos telefônicos com/sem fio, rádio, gramofones, a fotografia, o cinema. Sevcenko acrescenta que na mesma época do surgimento desses aparelhos novos surgiu também uma atração considerada de cultura de massa: o parque de diversões e a montanha-russa; e concluindo, o autor afirma que após essa queda vertiginosa já podemos nos situar na passagem do século XXI, tendo em vista que o mundo atual é comparável com o mundo daquele período, ou seja, a realidade hoje em dia, seja material, social, cultural, difere muito pouco daquela do final do século XIX e início do século XX. Por fim a terceira e última fase é apresentada como loop da montanha-russa, fase em que as pessoas cedem, desistem e chegam ao ponto de se conformarem com o que for apresentado devido ao clímax da aceleração precipitada, sendo semelhante à hora do brinquedo em que as pessoas relaxam intensamente, e com isso relaxamos nosso impulso de reação. O loop ilustra bem a situação atual da sociedade, que se entregou ao que o autor chama de “novo surto dramático de transformações” ou, no sentido mais estrito, a Revolução Microeletrônica. Mediante uma comparação com a ascensão e a queda vertiginosa, o loop em sua escala de mudanças faz com que os dois momentos pareçam muito lentos, pelo fato de as mudanças acontecerem em escala multiplicativa em curtíssimo intervalo de tempo entre uma mudança e outra. 27 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade Nesse curto intervalo de tempo o conjunto do produto criado passa por saltos qualitativos – ampliação de funções, a condensação e a miniaturização configuram de uma forma nova o limite, que agora é expandido, e as expectativas que são superadas por haver ampliação das funções, e com isso o tal aparelho que sofreu um upgrade torna-se imprevisível, irresistível e incompreensível. Por fim, o autor revela que o problema não está na mudança e sim na velocidade, no ritmo muito acelerado e incontrolável em que as mudanças ocorrem simplesmente pelo fato de não ser possível parar para refletir sobre, correndo o risco de ter consequências consideradas “tarde demais”. Sevcenko (2001) ao fazer a crítica acrescenta uma dicotomia, ou como ele mesmo cita, uma contrapartida cultural com a técnica. Apesar de todos os benefícios que as mudanças e inovações tecnológicas, ou melhor, a técnica pode trazer, o conformismo, a desistência e silêncio ou falta de crítica é que são as características do loop. Mesmo que, de forma aparente, o autor criticar a técnica, posteriormente ele relata que o problema não está nem na técnica, e muito menos na crítica, e sim na síndrome do loop que justamente faz com que as pessoas emudeçam, desanimem e se conformem, fazendo assim a voz da crítica desaparecer. 3.2 eras culturais e sua dinamicidade Santaella (2010) ao prosseguir com o raciocínio de Sevcenko consegue explicar a diferença entre cultura de massas e seu posterior evento, a cultura de mídias com o seguinte pensamento: a cultura das mídias tende a aparecer como um fenômeno dinâmico que possibilita aos sujeitos escolherem entre um e outro produto simbólico, já na cultura de massas o sujeito não tem essa opção, e os produtos massivos são produzidos por poucos e consumidos por uma massa que não tem poder para interferir. Na explicação de Santaella (2010), o dinamismo das mídias apresenta o ponto fundamental para a compreensão do fenômeno que é a produção humana. Esse conceito funciona como aspecto geral dos aspectos específicos que são, para a autora, indissociáveis e estão organizadas da seguinte forma: o nível da produção em si, o nível da conservação dos produtos culturais ligados à memória, o nível da circulação e difusão ligado à distribuição e comunicação dos produtos culturais, e por fim o nível da recepção desses produtos, isto é, como são percebidos, absorvidos, consumidos pelo receptor. Juntamente com essas informações a autora alerta que a indagação sobre produção cultural deve acompanhar de maneira fundamental as questões: onde e quando a cultura é produzida, tem como finalidade saber as referências locais, geográficas e sem esquecer a visão histórica. A questão por quem ela é produzida refere-se ao agente produtor e seus cooperadores, mais estritamente ao poderio econômico que possibilitou a produção, indagando se há pressão de poder, imposições seja política ou ideológica sobre os produtores. A questão como é produzida quer saber dos meios para a produção, como, por exemplo, se a produção foi artesanal, industrial ou eletrônica. A última questão para quem ela se destina tem exclusivamente o objetivo de conhecer o receptor. Embora a autora postule que essas quatro questões — onde e quando? Por quem? Como? E para quem? – são fundamentais para se entender o dinamismo da produção cultural, ela complementa com uma questão que dificilmente será esquecida: o que é produzido? Além de ser difícil de esquecer, 28 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I a autora afirma que esta é a mais difícil de responder, o objetivo dessa questão é conhecer as formas, gêneros e tipos; com essa questão respondida é possível chegar ao centro da dinâmica cultural. Para entender a razão pela qual Santaella afirma que a última questão é a mais difícil de responder, esclarece: Até o final do século XIX, não era tão complicado quanto hoje determinar as formas, os códigos e gêneros da cultura. As belas artes (desenho, pintura, gravura, escultura), as artes do espetáculo (música, dança, teatro) e as belas letras (literatura) foram sendo codificadas com certa precisão desde o Renascimento, podendo ser distinguidas com alguma clareza do folclore, das formas populares de cultura. A partir da revolução industrial, entretanto, esse cenário se complicou. O aparecimento de meios técnicos de produção cultural (fotografia e cinema) e a crise dos sistemas de codificação artísticos efetuados pela arte moderna, na pintura, música, teatro, dança foram dissolvendo os limites bem demarcados entre arte e não arte (SANTAELLA, 2010, p. 55-56). Santaella, por meio do exemplo da funcionalidade da televisão, apresenta o dinamismo das culturas midiáticas. A televisão devora todas as formas e gêneros de cultura e quase que dilui as barreiras geográficas e também as históricas. Logo, a cultura erudita não foi santificada e a popular deixou de existir, suas barreiras foram aparentemente borradas e seus padrões absorvidos e recompostos conforme o contexto. Com isso a autora chega à conclusão de que a cultura existe em um continuum de forma cumulativa, porém não significando linear, e sim como um diálogo entre o que era e o que mudou, ou seja, entre a tradição e a mudança. Um exemplo plausível dessa afirmativa está na própria TV a cabo – que necessita do cinema como fonte de transmissão, sendo esta o alimento daquela. Os papéis dos meios de comunicação não estão somente ligados à produção, mas eles também divulgam outras formas e gêneros de produção cultural. Por fim a autora conclui que a dinâmica da cultura é semelhante à aceleração do tráfego, das trocas e das misturas de numerosos gêneros; a cultura midiática é comparável com a cultura pós-moderna. Em relação à cultura pós-moderna, Santaella (2010) traça um paralelo entre a globalização, a revolução digital e a própria pós-modernidade, afirmando que a cultura midiática é a responsável pela ampliação dos chamados mercados culturais e responsável por colocar em evidência a expansão e criação de novos hábitos no consumo de cultura. Por meio dela é possível entender a dinâmica cultural, que, segundo Santaella,é a peça principal para o entendimento dos deslocamentos, contradições e as mobilidades heterogêneas pluritemporal e espacial que definem e dão forma as culturas pós-modernas. Junto com esse loop, acrescenta-se o fato de que, desde meados dos anos 1990, o cenário de instabilidades e reorganizações começa uma revolução para informatizar. Essa revolução possibilitou — e ainda o faz — converter informações em forma de texto, vídeo, som ou imagem em apenas uma linguagem, denominada como universal. Tal revolução foi chamada de revolução digital, e como o próprio nome diz a digitalização e compressão de dados foram sua característica marcante e esse fenômeno ficou conhecido com convergência das mídias. Aliado a esse fenômeno (e muito mais impressionante), 29 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade foi o fenômeno em que houve a ligação da informática com as telecomunicações, que permite acesso e troca de informações com o mundo todo, ou seja, ocorreu um processo de distribuição e difusão da informação de uma maneira muito veloz. Essa revolução digital constitui então aquilo que atualmente é chamado de cibercultura ou cultura digital, cuja principal funcionalidade está justamente na fusão. Santaella (2010) concorda com Lévy que o futuro é uma indústria unificada, chamada assim de hipermídia, que por ser unificada englobe as telecomunicações, informática, imprensa, edição, televisão, cinema e jogos eletrônicos em uma só. 3.3 Cultura digital ou cibercultura Santaella (2010, p. 103) afirma que a face da cibercultura é sem dúvida o computador e as facilidades que ele pode trazer ao usuário. Em comparação com outras ferramentas, esta é inteligente por estar focada na informação e no conhecimento. Apesar de a face da cibercultura ser o computador, a distância entre os sujeitos e o computador cada vez mais é diminuída, chegando ao ponto de a autora usar a palavra extensão humana para as formas eletrônicas que vão se tornando essenciais à vida social. A era digital sendo parte histórica da constituição da cibercultura passou por um momento eufórico, e os agentes, literalmente, pregavam as possibilidades utópicas aos demais, gerando assim fantasias. Em contrapartida, os disfóricos eram atentos às críticas e em inserir valores afetivos negativos mediante as condenações referentes à cultura de massas e indústria cultural. Mas a autora revela que o ciberespaço não é categorizável se for comparado com outras mídias anteriores pelo fato de absorver boa parte, ou todas elas, em seus componentes. Além desse aspecto estritamente ligado ao próprio mundo da comunicação planetária, o ciberespaço, como citado anteriormente, ultrapassa as barreiras e [...] os recursos tecnológicos de informação e comunicação estabelecem as condições para a escala e natureza das possibilidades organizacionais, permitindo o desenvolvimento de organizações burocráticas complexas e de larga escala. Esses recursos também constituem o sistema nervoso do Estado moderno e garantem sua coesão como uma organização expansiva (SANTAELLA, 2010, p. 73). Com isso a autora quer explicar sobre a função de força política e cultural que o ciberespaço consegue agregar, citando a participação dele junto ao Estado e ao mercado capitalista. O processo de digitalização transforma grandes elementos em pequenas frações; após isso acontecer, é preciso quantificar por meio de um código informático em forma binária e o sinal é traduzido por um fluxo de bits estocado em um disco laser, sendo passível de ser manipulado por qualquer computador. Além disso, por meio da digitalização, todas as fontes de informação estão sujeitas a serem homogeneizadas em cadeias binárias, ou seja, padronizadas em números zero e um que são os bits de informação. Para se ter ideia do alcance da digitalização, além de abranger todas as informações, a digitalização também inclui os fenômenos materiais, processos naturais e simulações sensoriais, e é possível incluir áudio e vídeo. 30 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Antes não havia homogeneização dos suportes, era cada qual com seu meio – exemplificando, o papel era para o texto –, hoje em dia a reprodução do conteúdo informativo independe do suporte. A concepção de multimídia consiste na mistura de áudio, vídeo e dados, e dentro dela ocorre à convergência das quatro principais formas de comunicação: escrita, audiovisual, telecomunicações e a informática. Quaisquer dados híbridos podem ser sintetizados, mesmo após terem sido digitalizados, porque eles dependem apenas de um modem e uma conexão de telefone. No entanto, não foi sempre assim: Antes da digitalização, os suportes eram incompatíveis: papel para o texto, película química para fotografia ou filme, fita magnética para o som ou vídeo. Atualmente, a transmissão da informação digital é independente do meio de transporte (fio de telefone, onda de rádio, satélite de televisão, cabo). Sua qualidade permanece perfeita, diretamente do sinal analógico que se degrada mais facilmente; além disso, sua estocagem é menos onerosa. Por isso mesmo, um dos aspectos mais significativos da evolução digital foi o rápido desenvolvimento da multimídia, que produziu a convergência de vários campos midiáticos tradicionais (SANTAELLA, 2010, p. 84). observação Modem significa “modulador/desmodulador” e é um dispositivo que conecta os computadores aos telefones, transforma os impulsos eletrônicos em impulsos sonoros ou digitais de forma compactada, capaz de, na recepção, converter textos, imagens, som e até gráficos. Foi criado em 1978. O objetivo de se ter ciência sobre a história da internet é essencial pela razão de esta ser a precursora dos serviços interativos de informações on-line. Em 1964, Paul Bara teve a ideia de um sistema considerado caótico que se baseia em pacotes de informações que navegam em redes e no “roteamento dinâmico” deles mesmos em função de avarias. Tendo como pressuposto que por alguma razão um centro nervoso, ou vários, pudesse ser destruído, os pacotes encontravam seu caminho em direção ao seu destino objetivado. A partir disso, a agência chamada Darpa (Departamento de Projetos de Pesquisas Avançadas da Agência de Defesa Americana) procurou desenvolver um complexo de sistema de informação e comunicação invulnerável a ataque nuclear. Já em 1966, Bob Taylor, que ocupava o cargo de diretor do Darpa, teve a ideia de unir computadores em rede. Três anos depois em 1969, na Universidade da Califórnia foi desenvolvido um processador de mensagens, dando origem ao que foi chamado de Arpanet. Este foi usado para todos os tipos de comunicação (científica pessoal e militar). No entanto, a Darpanet – que é a união da comunicação científica e militar – se dividiu em duas seções: Arpanet para a comunicação científica e MILNet estritamente para os militares, e as interconexões dos dois citados foram chamadas de Darpa Internet e era limitada a conexões ente militares e cientistas, como explicitado anteriormente. Entre alguns fatos, como a criação de redes cooperativas e descentralizadas (UUCP e Usenet), a expansão da internet com as redes CSnet, Bitnet e o marcador histórico da expansão NFSNet foram relevantes. No entanto, ao chegar à década de 1980, exatamente em 1983, a tecnologia de transmissão 31 Re vi sã o: M ar ia E m íli a Am ar al - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Relações: CiênCia, TeCnologia e soCiedade ainda não acompanhava o crescimento da rede de maneira mundial, ou seja, a tecnologia não tinha capacidade para
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