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Pontifícia Universidade Católica do Paraná Licenciatura em Letras Português Inglês PESQUISA CIENTÍFICA E FORMAÇÃO DOS PROFESSORES NA EDUCAÇÃO BÁSICA Pontifícia Universidade Católica do Paraná Natalicia dos Santos Sela Neusa Nogueira Fialho Curitiba 09/2022 PESQUISA CIENTÍFICA E FORMAÇÃO DOS PROFESSORES NA EDUCAÇÃO BÁSICA A partir da década de 1980 do século passado, no Brasil, os pesquisadores da área da educação vêm discorrendo um debate significativo sobre a importância dos professores que atuam na educação básica realizarem pesquisa em contexto de trabalho. Tal debate tem sido motivado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais de Formação de Professores, pelas reformas curriculares dos Cursos de Licenciatura, pela oferta da grande maioria de mestrados acadêmicos em Educação e em Ensino em que a centralidade da formação do pesquisador é priorizada. Nota-se claramente na comunidade acadêmica e científica a preocupação de instituir a pesquisa e a figura do professor pesquisador nos processos formativos destes quer sejam na formação inicial quanto contínua. O objetivo deste trabalho é discorrer sobre a pesquisa científica e a formação dos professores na educação básica. De modo a analisar e refletir de forma sucinta sobre a influência da pesquisa na prática docente, exercendo um papel fundamental para o seu esclarecimento e aprofundamento no âmbito escolar. André (2001), Lüdke (2004), Lüdke et al. (2009) e Demo (1990, 2011), declaram que é indiscutível quando professores da educação básica têm oportunidade de vivenciar em suas práticas formativas a pesquisa, verifica-se com muita clareza a melhoria da qualidade de seu trabalho, do ensino, e da escola. Pressuposto, nas escolas onde atuam professores pesquisadores, muito provavelmente, decorre uma melhoria das práticas tanto individual quanto coletiva dos docentes e da própria escola, como mostra Demo (1993, p. 128) ao afirmar que “quem pesquisa, tem o que ensinar; deve, pois, ensinar, porque ‘ensina’ a produzir, não a copiar. Quem não pesquisa nada tem a ensinar, pois apenas ensina a copiar”. É perceptível na compreensão do autor uma ideia que se fortalece cada vez mais no campo da pesquisa dos professores da educação básica. A vivência formativa em pesquisa é favorável a um conjunto de atitudes que os professores passam a reunir em sua trajetória profissional: reflexão, análise, comparação, avaliação e compreensão de suas práticas; produção e socialização do conhecimento; aumento de repertório linguístico e científico; aprofundamento teórico, entre outros. Este conjunto de habilidades e competências científicas e o conhecimento do objeto em questão são necessários para a formação do professor pesquisador, o que me leva a refletir que para ser pesquisador é preciso também formação, tal qual a docência. O professor pesquisador tem como intuito ter a possibilidade de uma ambiência acadêmica e profissional em que a pesquisa seja um dos elementos formativos que possibilite, sobretudo, refletir e investigar sobre suas práticas, culminando então na figura de uma outra condição: o professor reflexivo. Onde, o professor ser pesquisador de suas práticas é uma condição importante para o sucesso educativo visto que provoca mudanças no próprio professor e na sua condição de trabalho. É de suma importância a aprendizagem orientada pelo princípio metodológico geral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que aponta a resolução de situações- problema como uma das estratégias didáticas privilegiadas. Como também, a pesquisa, com foco no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que ensinar requer, tanto dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a ação, como compreender o processo de construção do conhecimento (Brasil, CNE, 2002). A pesquisa como centralidade do processo formador nas Diretrizes e, por extensão, a leitura subentendida da importância de se formar o professor pesquisador não pode se constituir em uma simples e pura afirmação. Ela depende de um conjunto de circunstâncias, entre elas: formação do formador/pesquisador, revisão curricular de tal proposição, condições de recursos, equipamentos, espaço e tempo. Um caso interessante é o da docente Maria que ao trabalhar com a disciplina Estágio Supervisionado, no Curso de Pedagogia, em que a pesquisa e a formação do professor pesquisador/reflexivo são tomadas como elemento central do seu currículo oficial, opou por realizar com seus alunos, futuros professores, um trabalho voltado para a realização de pesquisa, como forma de transformar o currículo oficial em real. Maria tentou transformar o currículo oficial (currículo ideal/prescritivo) em real (posto em prática; aquele que de fato é implantado pelos professores e alunos), e percebeu que nem sempre esta mudança é imediata, harmônica e total, mesmo reconhecendo que ela não é uma aplicação do ideal no real. Sendo assim, Maria foi aos poucos refletindo juntamente com seus alunos que o confronto entre o ideal e o real era uma possibilidade de reflexão sobre as práticas tendo em vista superar as adversidades que encontrassem pelo caminho. Os professores formadores, incluindo Maria, acompanharam seus alunos no desenvolvimento do Estágio. Os alunos, ao chegarem às escolas, além da participação direta nas aulas (observação participante da prática docente e colaboração nas atividades pedagógicas docentes), precisam desenvolver um projeto de ensino em que escolheriam um determinado conteúdo que deveria ser trabalhado de forma interdisciplinar, como atividade avaliativa. Vale destacar que no que se refere às atividades de observação e colaboração os alunos tinham um desempenho satisfatório. Contudo, no que se refere ao desenvolvimento do projeto de ensino ficava aquém do domínio científico e metodológico do conteúdo, sua forma de verbalização, bem como o suporte metodológico para tal efeito, repercutindo de forma reduzida na qualidade da aprendizagem dos alunos das séries iniciais. Maria relatou que o motivo de os alunos não estarem motivados a desenvolver pesquisa no Estágio era justificado, já que eles diziam que “não haviam estudado sobre o tema com profundidade; o professor que trabalhou com a disciplina metodologia científica não aprofundou o tema, somente o tangenciou; não haviam estudado com profundidade e nem desenvolvido algum tipo de pesquisa durante os quatro anos do curso até então”. Esta lacuna científica evidencia dois lados da mesma moeda que diz respeito a questões institucionais e pessoais, ou seja, os alunos não haviam estudado com profundidade no Curso questões referentes à pesquisa ou porque estavam desmotivados e não viam nela nenhuma utilidade, sendo talvez mais trabalhoso. Assim, para a frustração de Maria, apenas dois alunos em dupla aceitaram a sugestão e desenvolveram uma pesquisa. Se entendermos a pesquisa como elemento indispensável e necessário a uma formação docente de qualidade, sua ausência ou mesmo o seu pouco uso podem muitas vezes ser um desencadeador de práticas pedagógicas desprovidas, via de regra, de senso reflexivo, crítico e propositivo, como é observado ao longo do tempo. Assim, constata-se que a questão da identidade da pesquisa do professor da educação básica é algo que se mostra ainda de forma obscura. Por outro lado, cresce no imaginário dos professores da educação básica um movimento que reconhece, mesmo em condições adversas para a sua realização, a importância da pesquisa para compreender e refletir sobre suas práticas visando sua mudança como forma de garantir a melhoria do processo de ensino-aprendizagem. A formação do professor pesquisador de suas práticas é um processo que envolve múltiplas competências as quais nem sempre se alcançam ao término da formação inicial, exigindo da formaçãocontínua o mesmo objetivo, daí porque não pode-se entendê-la como algo natural, espontâneo e fruto de boa vontade. Segundo Franco (2012), a pesquisa nunca foi um componente essencial para estruturar a prática docente no Brasil, então, é de se prever e compreender que os professores em contexto de trabalho não a queiram desenvolvê-la. Acrescenta a referida autora, ser, portanto, “compreensível que falar de inerência na relação da pesquisa com a prática docente não seja algo tão natural ou mesmo consensual” (p. 108). Uma das formas que Demo (1990) encontrou para impedir o problema do valor científico das pesquisas, quer sejam desenvolvidas por pesquisadores ou professores, foi o fato de dividi-la em duas faces complementares: pesquisa como princípio científico (produção científica) e pesquisa como princípio educativo (refletir, questionar e construir alternativas). Alguns fatores dificultam o desenvolvimento da pesquisa por parte do professor da educação básica, apesar dele reconhecer a sua importância. Tais fatores são: a falta de preparação adequada dos professores para o bom desempenho em pesquisa; o valor questionável desse tipo de pesquisa, feita pelo professor, pela dificuldade de generalização a partir da análise de situações restritas; a falta de tempo disponível para que o professor se dedique a essa prática; a situação de desprofissionalização dos docentes e profissionais da educação impõe-lhes uma jornada de trabalho de muitas horas em contato direto com as salas de aula e suas decorrências burocráticas, vedando-lhes o tempo e o espaço para compor um coletivo investigativo; as duplas ou triplas jornadas que fazem o professor ter de circular diariamente por várias instituições de ensino. Portanto, estas adversidades comprometem a formação do professor pesquisador. Não é sem razão que a pesquisa, por não ser ainda uma prática sistemática no contexto de trabalho dos professores da educação básica, quando acontece, é vista por eles como um trabalho (exaustivo) a mais, exigindo um grande esforço (intensificação) e tempo acrescido (extensificação). No tocante ao professor reflexivo, sua marca central é a problematização da prática e o valor da experiência, importantes para o deslanchar do processo de reflexão do professor, pois para mudá-la torna-se necessário compreender os processos educativos de forma contextual e temporal. Três atitudes básicas necessárias para a ação reflexiva são: abertura do espírito, responsabilidade e sinceridade as quais equilibram-se entre a ação e o pensamento, cujas terminologias, por si só, já explicam seus significados. Então, pode-se demonstrar através de um fluxograma os desencadeamentos de uma pesquisa. Veja abaixo: Dessa forma, o presente texto demonstrou que realizar pesquisa em condições de trabalho adversas que o professor enfrenta não é tarefa fácil, principalmente se trabalhar em escola pública, por exemplo. Por outro lado, tem que se reconhecer que realizar pesquisa, no terreno da escola, apesar de ser importante para a melhoria da prática pedagógica do professor da educação básica, não é condição essencial para se instituir um trabalho pedagógico de qualidade, já que há inúmeros professores da educação básica, que exercem a docência muito provavelmente de qualidade sem sequer ter realizado, durante seus percursos profissionais, qualquer tipo de pesquisa. Isto é, não realizar pesquisa não significa pressupor que o professor seja um profissional desqualificado. Considerando a realidade do sistema de ensino público, por exemplo, pensar na figura de um professor pesquisador de sua prática pode soar como algo utópico, logo, cresce o entendimento de que ele seja sim, pelo menos um professor reflexivo, até para poder distinguir os pontos prós e contra em desenvolver ou não pesquisa. Referências Bibliográficas André, M. O papel da pesquisa na formação e na prática de professores. Campinas: Papirus, 2001. Brasil. Parecer CNE/CP nº09 de 8 de maio de 2001. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 18 de janeiro de 2002, Seção I, p. 31, 2001. Demo, P. Pesquisa como princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 1990. Demo, P. Educar pela pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 2011. Franco, M. A. R. S. Pedagogia e prática docente. São Paulo: Cortez, 2012. Lüdke, M. O professor e a pesquisa (3.ª ed.). Campinas: Papirus, 2004. Lüdke, M.; Cruz, G. B. & Boing, L. A. A pesquisa do professor da educação básica em questão. Revista Brasileira de Educação, 14 (42), 456-602, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v14n42/v14n42a05.pdf>. Acesso em: 08 setembro 2022.
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