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PARA ALÉM DA DICOTOMIA ENTRE REPRESENTAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL: ANÁLISE DOS IMPACTOS DO JULGAMENTO DO RE 573.232/SC E RE 612.043/PR PARA O PROCESSO COLETIVO BRASILEIRO Beyond the dicotomy between representation or representative pary role: analysis of the impacts of the judgment of RE 573.232 / SC and RE 612.043 / PR for the Brazilian class actions rules Revista de Processo | vol. 295/2019 | p. 331 - 350 | Set / 2019 DTR\2019\39983 Gustavo Viegas Marcondes Doutorando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Mestre em Direitos Coletivos e Cidadania pela UNAERP. Professor de Direito Processual Civil no Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto/SP. Advogado. gustavo.marcondes@cgmadvocacia.com.br Área do Direito: Processual Resumo: O artigo analisa as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR e quais os impactos na tutela jurisdicional coletiva. Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal – Tutela jurisdicional coletiva – Associações Abstract: The article analyzes the decisions handed down by the Federal Supreme Court in the judgment of RE 573.232/SC and RE 612.043/PR and what are the impacts on group litigation rules. Keywords: Federal Supreme Court – Class action – Fellowship Sumário: 1.Introdução: Os impactos dos julgamentos do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para a tutela jurisdicional coletiva - 2.A identificação de uma ação coletiva: revisitação dos conceitos fundamentais da tutela jurisdicional coletiva - 3.As questões decididas nos julgamentos do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR - 4.A controvérsia entre representação e substituição processual: ainda sobre a identificação de uma ação coletiva - 5.A interpretação adequada em sede de tutela coletiva - 6.Conclusão: a pretensa celeuma e seus efeitos na tutela dos direitos individuais homogêneos - Referências 1.Introdução: Os impactos dos julgamentos do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para a tutela jurisdicional coletiva Embora seja frequente, sobretudo na doutrina, a afirmação de que o Brasil é dotado de um dos mais avançados aparatos legislativos de proteção e tutela de direitos metaindividuais, a realidade tem demonstrado, sem pudores, que a tutela jurisdicional coletiva brasileira enfrenta, muito mais do que uma simples crise, um momento de nítida involução. Desde o surgimento da tutela coletiva como um microssistema legislativo efetivamente estruturado, composto, sobretudo, pela Lei de Ação Civil Pública de 1985 (LACP) e pelo Código de Defesa do Consumidor de 1990 (CDC (LGL\1990\40))1, foram inúmeros os percalços que o processo coletivo brasileiro enfrentou, desde ataques indisfarçados promovidos pelo Poder Público – grande vítima da tutela coletiva – até dificuldades de ordem cultural que deixaram de atribuir às ações coletivas o grau de efetividade que sempre delas se esperou (SICA, 2016; GRINOVER, 2017a). A doutrina, nacional e estrangeira sempre dedicou grande atenção aos pilares fundamentais da tutela coletiva, quais sejam, a legitimidade para agir e os limites (objetivos e subjetivos) da coisa julgada (CAVALCANTI, 2014). Bem compreendidas, Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 1 essas temáticas revelam que o processo coletivo, ao contrário do processo individual, encontra a sua razão de ser na ampliação do aproveitamento da tutela jurisdicional, de tal sorte que se permita que uma mesma e única decisão, apreciando um conflito de natureza coletiva, o solucione definitivamente e os efeitos da coisa julgada se espraiem sobre tal litígio, alcançando todos os sujeitos que se encontrem naquela dada situação fático-jurídica. Isso só se mostra possível porque os interesses transindividuais são, por definição, indivisíveis quanto ao aproveitamento e indeterminados (ou indetermináveis) quanto à titularidade (LEONEL, 2017, p. 106). Por conseguinte, uma tal natureza de interesse jurídico só pode ser veiculada judicialmente por meio da atuação de alguém que, autorizado pelo ordenamento jurídico, possa falar – e atuar judicialmente – em nome daqueles titulares indeterminados. Essa quadra histórica, no entanto, se mostra decisiva para a sobrevivência da tutela coletiva no Brasil, considerando especialmente as repercussões deletérias do julgamento dos Recursos Extraordinários (RE) 573.232/SC e 612.043/PR, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), respectivamente, nos anos de 2014 e 20172. Tais julgamentos revelaram, com pesar, que os tribunais de cúpula brasileiros, embora tenham assumido maior protagonismo na prestação de tutela jurisdicional, sobretudo em razão da eficácia vinculante atribuída a seus provimentos, ainda hoje, não foram capazes de compreender e assimilar conceitos jurídicos elementares que marcam e a tutela coletiva. A partir de uma equivocada compreensão de institutos processuais clássicos, e também daqueles inerentes à estrutura e natureza diferenciada da tutela coletiva, tais como legitimidade concorrente e disjuntiva, coisa julgada secundum eventum litis e representatividade adequada, assentou-se entendimento que verdadeiramente amputou parcela fundamental do sistema de proteção aos interesses transindividuais, tornando o microssistema de tutela coletiva brasileiro incapaz de prover adequada tutela dos direitos. Esses dois julgamentos paradigmáticos também serviram para revelar a enorme dificuldade que o chamado sistema de precedentes vinculantes ensejará, já sob a égide do Novo Código de Processo Civil (NCPC (LGL\2015\1656)), na medida em que se tem observado o emprego indiscriminado daqueles precedentes, sem maiores cuidados no cotejo das hipóteses fáticas que, em tese, poderiam justificar a replicação do julgado a outros casos semelhantes. Pois bem. Em 2014, quando o STF levou a julgamento o RE 573.232/SC, o contexto de desenvolvimento e consolidação da tutela jurisdicional coletiva, no Brasil, começava a mostrar claros sinais de recuperação, após o naufrágio, em meados de 2010, das tentativas de se aprovar um Código Brasileiro de Processos Coletivos. Nesse sentido, vale destacar que o NCPC (LGL\2015\1656), nada obstante configure norma geral de processo individual, dedicou inegável atenção aos conflitos massificados (LEONEL, 2017, p. 170; CÂMARA, 2017, p. 483; MARINONI et al., 2015b, p. 576) havendo mesmo autores que, corretamente a nosso ver, advogam a incorporação do sistema de julgamento de casos repetitivos disciplinado pelo NCPC (LGL\2015\1656) ao microssistema de tutela coletiva (DIDIER JR; ZANETI JR., 2016). Além disso, após longo período de indefinição, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalmente dava sinais de uniformização de sua própria jurisprudência acerca de inúmeros temas decisivos relativos à tutela coletiva, tais como a possibilidade de limitação geográfica da eficácia da sentença proferida em ação coletiva, bem como, o aproveitamento erga omnes da decisão de procedência nos casos de ações promovidas por associações (ZUFELATO, 2017). A doutrina, por sua vez, sempre atenta ao que se produz em tema de tutela coletiva em Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 2 outros países, não deixou de seguir avante no desenvolvimento de institutos processuais especificamente desenhados aos conflitos coletivos, tanto assim que foram formuladas inúmeras propostas agregadas ao projeto de CPC (LGL\2015\1656) Coletivo, tais como o cadastro nacional de ações coletivas e a previsão de regulamentação da ação coletiva passiva. A propósito, o NCPC (LGL\2015\1656) também incorporou algumas das proposições doutrinárias relacionadas à tutela coletiva, chegando mesmo a prever a possibilidade de conversão da ação individual para ação coletiva em seu art. 333, dispositivo posteriormente vetado pela Presidência da República. Havia, portanto, um caldo de culturaque permitia revalorizar a tutela jurisdicional coletiva, também em razão de estar em vias de ser aprovado o NCPC (LGL\2015\1656), cujos debates reacendiam o ímpeto de melhor regulamentação das ações coletivas após o arquivamento da proposta de CPC (LGL\2015\1656) Coletivo pelo Congresso Nacional. 2.A identificação de uma ação coletiva: revisitação dos conceitos fundamentais da tutela jurisdicional coletiva Há bastante tempo já se tem como ponto assente na doutrina processual que o que torna uma dada ação coletiva, ou individual, é o seu objeto, ou seja, a pretensão deduzida em juízo (MOREIRA, 1991; ZUFELATO, 2011, p. 60), e não quem seja o porta-voz de tal pretensão. Tanto assim é que, para que se possa definir de qual espécie de interesse transindividual se trata – se difuso, coletivo em sentido estrito ou individual homogêneo –, é necessário analisar a pretensão efetivamente deduzida no caso concreto (PIZZOL, 1998, p. 93), já que uma mesma hipótese fática pode ensejar pretensões de todas as sobreditas naturezas. Por outro lado, também é preciso reconhecer que o qualificativo individual ou coletiva não se refere à parte autora, mas à própria ação, em si mesma considerada, a exemplo do que ocorre em praticamente todos os casos de ações típicas previstas no ordenamento jurídico brasileiro: ação de alimentos; ação revocatória; ação indenizatória; ação anulatória de ato jurídico; ação declaratória de constitucionalidade; ação de desapropriação; ação de improbidade administrativa, etc. Uma ação é coletiva porque o seu objeto e o seu regime processual próprio são coletivos, e não porque foi proposta por uma determinada parte autora, ou seja, a qualidade de quem sejam os sujeitos processuais não é relevante para a determinação da natureza individual ou coletiva de uma dada ação. O caráter individual ou coletivo de uma ação, portanto, deve ser definido a partir da análise do objeto da ação, de modo que se possa aferir a que título se pleiteia o bem da vida pretendido em juízo e, consequentemente, qual será o regime processual adequado para aquele caso concreto. Estaremos diante de uma ação individual, ainda que veiculada mediante cumulação subjetiva (litisconsórcio), se o pedido formulado corresponder a uma pretensão objetivamente divisível e de titularidade determinável. Para que isso aconteça, é necessário que a pretensão seja, via de regra, veiculada por seu próprio titular, fazendo com que os efeitos subjetivos da coisa julgada atinjam somente aqueles sujeitos que tenham figurado nos polos (ativo e passivo) da relação jurídica processual. Nesses casos, é possível observar dois traços marcantes da tutela processual individual. Em primeiro lugar, a legitimação ordinária, que veda a terceiros pleitear direito alheio em nome próprio, exceto nas hipóteses legalmente previstas, a teor do que dispõe o art. 18 do NCPC (LGL\2015\1656)3. No processo individual existe, portanto, uma intensa identificação entre as partes da ação e os titulares (ao menos afirmados como tal) da relação jurídica de direito material4. Em segundo lugar, justamente em razão dessa identidade entre a titularidade do direito Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 3 material afirmado em juízo e a titularidade da relação processual, o princípio do contraditório atua de modo a permitir que as partes exerçam com ampla liberdade seus direitos e faculdades processuais e, em contrapartida, suportem integralmente os respectivos ônus. Por outro lado, quando se trata de ação coletiva, verifica-se que o objeto da pretensão se mostra indivisível e de titularidade indeterminável5. Por conseguinte, e especialmente em razão dessa indivisibilidade (MENDES, 2010, p. 214), a tutela jurisdicional de tais interesses jurídicos só se mostra possível na medida em que as extremidades do procedimento (SHIMURA, 2006, p. 44) se façam alargadas, ou seja, na medida em que haja grande ampliação no regime da legitimidade ad causam e nos efeitos subjetivos da coisa julgada. Com efeito, a indivisibilidade do objeto significa que o próprio interesse jurídico não pode ser cindido, para fins de aproveitamento. Ou todos ganham, e ganham em igual medida, ou ninguém ganha (MANCUSO, 2004, p. 98). A indeterminabilidade dos titulares, por sua vez, decorre também dessa característica, já que não é possível apontar quais sejam os efetivos titulares daquele dado interesse jurídico. Em suma, a tutela de interesses de tal natureza só será possível na medida em que se permita que diversas pessoas, ou entes, pleiteiem tal tutela em juízo, e o façam em proveito de todos. Da mesma forma, só será possível na medida em que os efeitos subjetivos da coisa julgada se espraiem para além das partes processuais. Uma vez que se esteja diante de uma ação coletiva, impõe-se, portanto, como premissa lógica fundamental que o regime da coisa julgada se dê secundum eventum litis (ZUFELATO, 2011), a teor do que dispõe o art. 103 do CDC (LGL\1990\40), bem como, que o regime da legitimidade ativa se dê ope legis6 e de modo concorrente e disjuntivo (LEONEL, 2017. p. 187), a teor do que dispõem o art. 5º da LACP e art. 82 do CDC (LGL\1990\40). Legitimidade concorrente e disjuntiva, no contexto da tutela coletiva brasileira, significa que a representatividade adequada opera por força legal e, observado o requisito da pertinência temática, pouco importa que uma determinada ação coletiva tenha sido ajuizada por um ou outro autor coletivo, ou mesmo em litisconsórcio ativo. Seus efeitos alcançarão igualmente todos os membros da coletividade representada na ação, observada a natureza do interesse transindividual tutelado. Nesse sentido, sintetiza Luciano Velasque Rocha (2002, p. 275): “Quando quer que se conjuguem legitimados ativos que pleiteiem em juízo direitos ou interesses que não lhes sejam próprios (ou que o sejam apenas em parte) com o regime de extensão da coisa julgada para além daquelas pessoas situadas nos polos da relação processual, cremos tratar-se de ação coletiva.” Por fim, nas ações coletivas, o princípio do contraditório atua diversamente do que ocorre em âmbito individual, já que não se pode impor à coletividade representada pelo autor coletivo que suporte, da mesma maneira do que ocorre a título individual, os ônus de uma atuação não diligente. É exatamente por isso que o regime da coisa julgada coletiva7 opera secundum eventum litis vel probationem (ZUFELATO, 2011, p. 303). Esses pontos, conquanto bastante elementares e já longamente desenvolvidos na doutrina e na jurisprudência, aparentemente foram ignorados no julgamento dos RE supramencionados e permanecem sendo desprezados pela atual jurisprudência, inclusive do STJ, na medida em que, ao menos no tocante às ações coletivas propostas por associações, a aplicação irrefletida dos precedentes oriundos do STF colide com tal regime. É relevante o destaque desse ponto porque, em ambos os casos julgados pelo pleno do STF, sob o regime de repercussão geral, houve a identificação do caso concreto como Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 4 sendo uma demanda coletiva, ajuizada por associação, na tutela de interesse transindividual, sem, no entanto, que o regime processual coletivo houvesse sido adequadamente aplicado ao caso. 3.As questões decididas nos julgamentos do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR A compreensão do atual quadro em que se encontra a tutela coletiva no Brasil passa, necessariamente, pela reflexão acerca dos impactos produzidos pelos julgamentos dos RE 573.232/SC e 612.043/PR, sobretudo em razão dos efeitos destas decisões na jurisprudência atual do STJ acerca da tutela coletiva de direitos individuais homogêneos. Passa, também, por uma igualmente necessária reflexão sobre o modo como os tribunais decidem os litígios ecomo, a partir daí, se produzem hipóteses normativas gerais e abstratas, com eficácia vinculativa a outros órgãos jurisdicionais e administrativos. Foi nesse contexto histórico que se deu, inicialmente, o julgamento do RE 573.232/SC, marcado pelo tema da forma de atuação das associações em defesa dos interesses de seus associados – se por representação ou substituição processual – à luz do que dispõem o art. 5º, XXI e XXXVI, da Constituição Federal (CF (LGL\1988\3))8. Segundo Camilo Zufelato, o caso concreto submetido a julgamento, desde a petição inicial apresentada pela associação autora, já revelava grande atecnia, uma vez que os conceitos de representação e substituição processual foram empregados como se se tratasse de expressões sinônimas. Essa imprecisão conceitual também reverberou no pedido efetivamente formulado pela associação autora, já que se pleiteou o acolhimento da pretensão em favor dosrepresentados, tendo-se, inclusive, apresentado lista (ZUFELATO, 2017). Já a partir daí se verifica que, num sistema processual dotado de provimentos com eficácia vinculante e erga omnes, a escolha da causa a ser julgada – sobretudo nos tribunais de cúpula – deve passar por filtros mais apurados e adequados ao thema decidendum, desvinculados dos meros pressupostos recursais tradicionais. Se a causa sub judice não permite o adequado enfrentamento de toda a complexidade da matéria, inclusive no tocante à repercussão da decisão sobre outros litígios, presentes e futuros, quer-nos parecer ser evidente que o seu julgamento não há de se dar sob um regime processual apto a criar nova hipótese normativa geral e abstrata, como ocorreu no caso em exame. Esse, claramente, é um dos principais entraves a serem enfrentados pelo sistema de precedentes vinculantes que o NCPC (LGL\2015\1656) buscou regular. No caso do RE 573.232/SC, naturalmente, tais equívocos reverberaram ao longo do processo e acabaram contaminando o próprio teor do julgamento final proferido pelo STF. Ao julgar o recurso, o tribunal analisou a que título se dá a atuação das associações em defesa de seus associados, à luz do que prevê o art. 5º, XXI, da CF (LGL\1988\3), tendo prevalecido o entendimento segundo o qual, para as associações, há a necessidade de autorização expressa de seus membros, ao contrário do que ocorre no caso dos sindicatos. Para o Ministro Marco Aurélio, que capitaneou a divergência e conduziu o julgamento, o legislador constituinte previu dois sistemas diversos de atuação, um aplicável aos sindicatos e outro às associações. Àqueles, a previsão do art. 8º, III9 é clara no sentido de estabelecer que, atuando na impetração coletiva, atuam como substituto processual. Diversamente, em relação às associações, o legislador constituinte “foi explícito ao exigir mais do que a previsão de defesa dos interesses dos filiados no estatuto, ao exigir que tenham [...] autorização expressa, que diria específica, para representar – e não substituir, propriamente dito – os integrantes da categoria profissional”. Sob essas premissas, concluiu-se que a ação movida por associação apenas pode Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 5 beneficiar os associados que, inequivocamente, tenham previamente conferido expressa autorização para esse fim, o que inviabiliza as iniciativas posteriores de liquidação e execução de título judicial por quem, a despeito de ser integrante do grupo ou categoria, ou mesmo ser integrante do quadro associativo, não tenha concedido tal autorização. Para o ministro relator, “não se pode incluir quem não autorizou inicialmente a Associação a agir e quem também não foi indicado como beneficiário, sob pena de, em relação a esses, não ter sido implementada pela ré, a União, a defesa respectiva”. O entendimento abraçado pelo ministro relator caminha no sentido de que a indicação expressa de quais sejam, nominalmente, os beneficiários da tutela pretendida impacta diretamente no exercício do direito de defesa pelo demandado, o que significaria violação ao princípio do contraditório. Daí que não se possa permitir que, formado o título judicial, beneficiários outros, não previamente indicados, “peguem carona nesse título”. Passados três anos daquele julgamento, o tema voltou à pauta do STF por meio do RE 612.043/PR, também relatado pelo Ministro Marco Aurélio. Nessa ocasião desafiou-se a constitucionalidade do art. 2º-A da Lei 9.494/1997 (LGL\1997\87), também à luz do que preceituam os incisos XXI e XXXVI do art. 5º da CF (LGL\1988\3), a exemplo do que já ocorrera no julgamento do RE 573.232/SC. Em suma, o entendimento consagrado pelo STF seguiu a mesma – e equivocada – linha de pensamento, valendo como ilustração a transcrição dos seguintes fragmentos, colhidos da fundamentação do voto prolatado pelo Ministro relator: Cumpre assentar as balizas subjetivas e objetivas do caso concreto visando a delimitação da controvérsia submetida ao crivo do Supremo. Determinada Associação propôs ação coletiva, sob o rito ordinário, contra a União, objetivando a repetição de valores descontados a título de imposto de renda de servidores, incidente sobre férias não usufruídas por necessidade do serviço. “[...] Ante o conteúdo da Constituição Federal, autorização expressa pressupõe associados identificados, com rol determinado, aptos à deliberação. Nessa situação, a associação, além de não atuar em nome próprio, persegue o reconhecimento de interesses dos filiados, decorrendo daí a necessidade da colheita de autorização expressa de cada qual, de forma individual, ou mediante assembleia geral designada para esse fim, considerada a maioria formada. Esse foi o entendimento adotado pelo Pleno no julgamento da ação originária 152/RS, relator o ministro Carlos Velloso, acórdão publicado no Diário da Justiça de 15 de setembro de 1999, e pela Segunda Turma, no extraordinário há pouco mencionado. A especificidade da autorização deve ser compreendida sob o ângulo do tema, no que individualizado o interesse a ser buscado, e da vontade, mesmo que em assembleia geral. Em qualquer caso, antecedendo a propositura da demanda. Qual o motivo? Segundo fiz ver no julgamento do recurso extraordinário 573.232/SC, a enumeração dos associados até o momento imediatamente anterior ao do ajuizamento se presta à observância do princípio do devido processo legal, inclusive sob o enfoque da razoabilidade. Por meio dela, presente a relação nominal, é que se viabiliza o direito de defesa, o contraditório e a ampla defesa.” A análise cuidadosa de ambos os casos conduz à constatação de que, ainda hoje, persiste enorme dificuldade em se identificar a natureza do conflito, se individual ou coletivo e, por conseguinte, também na aplicação a cada caso do adequado regime processual, apto a permitir o enfrentamento do mérito e a adequada tutela do direito controvertido. 4.A controvérsia entre representação e substituição processual: ainda sobre a identificação de uma ação coletiva Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 6 A dificuldade, ainda presente, em se identificar a natureza individual ou coletiva de uma demanda, no caso do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR, inequivocamente contaminou o julgamento e conduziu a uma falsa dicotomia entre os preceitos contidos no art. 5º, XXI e art. 8º, III, ambos da CF (LGL\1988\3). Bem lidos os dispositivos, não há como se extrair de suas respectivas hipóteses normativas regimes processuais diversos, aplicáveis excludentemente, a depender de quem seja o proponente de uma dada ação em defesa de uma coletividade. Em outras palavras, os dispositivos constitucionais supramencionados não tratam da mesma coisa, razão pela qual não há qualquer dicotomia entre seus respectivos enunciados. Com efeito, a doutrina processual brasileira já estabeleceucom clareza a aludida distinção, sobretudo para efeito de determinação da modalidade de legitimação ad causam verificada quando se trate de ação individual ou coletiva, como bem observado pelo voto dissidente proferido pelo ministro Joaquim Barbosa10 no julgamento do RE 573.232/SC. Citando escólio de José Carlos Barbosa Moreira, Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover, entre outros, estabeleceu-se claras balizas de determinação da modalidade de legitimação para a causa, quando se trate de ação coletiva. Em suma, partiu-se da constatação de que o representante não é parte, apenas age na gestão dos interesses de outra pessoa que, em razão de regras de direito material, não pode fazê-lo por si própria. Ao revés, substituto processual é parte já que em razão de uma especial autorização legal, lhe é permitido defender em juízo interesse alheio em nome próprio. Para além disso, na esteira do quanto já sustentou Ada Pellegrini Grinover (GRINOVER, 2017b), não é possível inferir do disposto no art. 5º, XXI, da CF (LGL\1988\3) a conclusão de que a concessão de poderes às entidades associativas para representar seus integrantes judicial ou extrajudicialmente também signifique a vedação, às mesmas entidades, para substituir os membros do grupo, classe ou categoria11. Ora, não é possível compreender-se a existência de uma evidente vedação ao emprego da tutela jurisdicional coletiva, textualmente resguardada pela própria CF (LGL\1988\3) em inúmeros dispositivos, quando o texto da norma a ser interpretada não o faz de modo expresso. Ou seja, se o texto do art. 5º, XXI, da CF (LGL\1988\3) não veda que as entidades associativas tenham legitimidade para substituir os membros do grupo, classe ou categoria, evidentemente não cabe ao intérprete fazê-lo. Sobretudo em se tratado da concretização de um direito fundamental. Os casos paradigma aqui analisados, sobretudo por se tratar de julgamentos proferidos sob o regime de repercussão geral, dotados, portanto, de impacto direto e inegável sobre todos os demais órgãos do Poder Judiciário, impunham que se adotasse técnica de declaração de nulidade parcial sem redução de texto12, justamente para que não houvesse a amputação da tutela jurisdicional de toda uma categoria de interesses transindividuais. 5.A interpretação adequada em sede de tutela coletiva O desafio que se coloca diante da análise das premissas reivindicadas nos julgamentos do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR consiste na distinção entre representação e substituição processual, já que a interpretação da expressão representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente presente no art. 5º, XXI, da CF (LGL\1988\3) se mostrou decisiva para o resultado de ambos os julgamentos. Consiste, também, na compreensão do que efetivamente configura um conflito coletivo e qual o regime processual apto a solucioná-lo, sobretudo quando o julgamento se dá a título de controle difuso de constitucionalidade perante o STF, com a real potencialidade de efetiva criação de nova hipótese normativa genérica e abstrata, dotada, portanto de Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 7 vinculatividade (ABBOUD, 2018, p. 491; ZAVASCKI, 2014, p. 30). Nesse caso, não há nenhuma dúvida de que os dispositivos constitucionais questionados encerram hipótese de direito fundamental, tanto em seu aspecto formal, posto que inseridos no rol de direitos e garantias fundamentais, quanto em seu aspecto material (MARINONI et al., 2015, p. 76). A interpretação do conteúdo normativo de tais dispositivos, portanto, há que se dar, necessariamente, de modo ampliativo, e não restritivo, segundo critérios que compatibilizem o produto da interpretação ao próprio conteúdo da Constituição. Estabelece-se, portanto, método de interpretação que cria “diretriz que prevê que o intérprete deverá escolher, dentre os sentidos possíveis do enunciado normativo, aquele que potencialize a eficácia da norma constitucional e daquelas que preveem direitos fundamentais em especial” (BARCELLOS, 2018, p. 72). É preciso destacar, por outro lado, que em ambos os casos julgados pelo STF, a análise do caso concreto se deu apenas sob o juízo de admissibilidade, não se tendo alcançado o juízo de mérito, uma vez que o caso foi analisado apenas sob o prisma da legitimidade, como se pode verificar pelas respectivas ementas. Tal circunstância também revela inegável desvirtuamento da interpretação das cláusulas constitucionais fundamentais, especialmente em sede de tutela coletiva, uma vez que se deu primazia para a incidência de um filtro processual impeditivo da análise do mérito, em julgamento que, a despeito de proferido a título de controle difuso de constitucionalidade, está concretamente dotado de eficácia vinculante notadamente sob o regime da repercussão geral. Em outras palavras, a formação do enunciado normativo se fez sem que o mérito do caso tivesse sido efetivamente apreciado13. Em ambos os casos julgados pelo STF, a expressão representar seus filiados foi considerada para fins de verificação da existência, ou não, de legitimidade ativa da associação autora para a defesa de interesses de pessoas a ela não filiadas. Em outras palavras, em ambos os casos a expressão representar seus filiados foi tomada exclusivamente como critério para a concretização do juízo de admissibilidade da ação – que já se havia identificado como coletiva – nada se tendo apontado quanto ao mérito da pretensão deduzida em juízo. Nesse sentido, Georges Abboud et al. (2014, p. 270) esclarecem que: “Atualmente, tão importante quanto assegurar a implementação dos direitos fundamentais, é estabelecer em que hipóteses é legítima uma restrição a esses direitos. Em estudo dedicado ao tema, concluímos serem necessários cinco requisitos cumulativos: a) a restrição deve estar constitucionalmente autorizada; b) deve ser proporcional; c) seu fundamento pode ser interesse social, mas não interesse público; d) a restrição deve estar exaustivamente fundamentada (art. 93, IX da CF/1988 (LGL\1988\3)); e) o ato administrativo que restringir direito fundamental pode ser revisto pelo Judiciário. A restrição a qualquer direito fundamental deve, necessariamente, observar o princípio da proibição de excesso [...]. Isto é, toda restrição a direito fundamental deve ser proporcional.” Significa dizer, em síntese, que, em se tratando de um direito fundamental, a expressão representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente deve se dar de modo tal que efetivamente viabilize a participação das associações, e não de modo a retirar-lhes campo de atuação, sobretudo porque é das associações o papel de defesa precípua dos interesses individuais homogêneos, uma vez que instituições outras, inclusive o Ministério Público e a Defensoria Pública, são amiúde reputados ilegítimos para a tutela de tais interesses14. Por outro lado, a doutrina processual, mesmo no âmbito da tutela estritamente Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 8 individual, já consagrou como um princípio processual fundamental – oriundo diretamente da cláusula due process – o princípio da primazia do mérito, atualmente positivado no art. 4º do NCPC (LGL\2015\1656)15. Ou seja, independentemente da natureza individual ou coletiva de um dado litígio, há que prevalecer sempre a interpretação que viabilize o enfrentamento do mérito da controvérsia, em detrimento daquela outra que lhe obstaculize a apreciação, ainda que em pretensa defesa da higidez processual. Há muito prevalece na doutrina, e mesmo na jurisprudência, a ideia geral de que a técnica processual deve implementar e viabilizar a tutela do direito, de tal sorte que permita o exercício da defesa de posições jurídicas, mas não sobreponha a tecnicalidade à concretização do direito material16. Em se tratandode tutela coletiva, o princípio da primazia da decisão de mérito assume contornos ainda mais relevantes17, considerando que o objeto da tutela jurisdicional não se resume aos interesses da parte processual, mas espraia seus efeitos a todos os titulares (indeterminados ou indetermináveis) do interesse transindividual pleiteado. Significa reconhecer, em outras palavras, que o ranço individual-privatista e a incapacidade de se identificar a natureza individual ou coletiva de uma demanda, para aplicar-lhe o regime processual adequado, culminou por aniquilar, em termos práticos, uma das modalidades de interesses transindividuais: os interesses individuais homogêneos. O só fato de se empregar a expressão “pegar carona” para impedir que “terceiros” se valham do título judicial formado em demanda coletiva denota tal incapacidade18. Não existe “carona” quando a legitimidade do autor coletivo é concorrente, disjuntiva e ope legis, bem como, quando os efeitos da coisa julgada se produzirão secundum eventum litis vel probationem. Da mesma forma, não há que se falar em “terceiros” relativamente aos titulares do direito subjetivo que pleiteiam liquidação individual da condenação coletiva, já que por força do que dispõe o art. 103, III do CDC (LGL\1990\40)19 a sentença de procedência servirá, justamente, para beneficiar vítimas e sucessores que, obviamente, não figuraram como partes na demanda coletiva. O “carona” se aproveita de veículo alheio para alcançar o mesmo destino. Falar-se em “carona” significa, portanto, pensar o caso concreto desconsiderando a sua natureza coletiva, já que há sempre um dono do veículo que se responsabiliza, via de regra sozinho, pelos ônus da viagem. Se a analogia ainda é válida, não há que se falar em “carona” quando se trata de transporte coletivo. 6.Conclusão: a pretensa celeuma e seus efeitos na tutela dos direitos individuais homogêneos Os impactos dos aludidos julgamentos em todo o microssistema de tutela coletiva brasileira são profundos e deletérios, especialmente para a defesa de interesses individuais homogêneos, na medida em que o seu defensor natural – as associações – viu severamente cerceado o seu âmbito de atuação a partir de tais pronunciamentos pelo STF. Em decorrência desses julgamentos, nada obstante as ponderadas críticas formuladas pela doutrina (CAVALCANTI, 2016; VENTURI, 2016; GRINOVER, 2017b; ZUFELATO, 2017), a jurisprudência do STJ sofreu uma verdadeira guinada, passando a empregar como referência o entendimento consagrado pelo STF, de modo a restringir a legitimidade ativa das associações para as ações coletivas20, especialmente aquelas que veiculam interesses individuais homogêneos. Essa drástica mudança de entendimento que vem sendo observada no âmbito do STJ, naturalmente, também repercute nas instâncias ordinárias, em verdadeiro efeito cascata mutilador da tutela coletiva21. Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 9 Sob a perspectiva doutrinária, portanto, talvez o principal efeito da guinada jurisprudencial do STJ, provocada pelos referidos julgamentos no âmbito do STF, seja a constatação da necessidade de se voltar alguns passos em direção à revisitação de conceitos fundamentais para que, oportunamente, seja possível voltar a avançar rumo ao real e efetivo desenvolvimento da tutela coletiva brasileira. Para tornar ainda mais sombrio o panorama atual da tutela coletiva no Brasil, o NCPC (LGL\2015\1656) sofreu importante reforma por meio da Lei 13.256, de 04 de fevereiro de 2016 (LGL\2016\78179) que, ao dar nova redação ao art. 1.030, I e II22, tornou virtualmente imodificável o conteúdo daqueles julgamentos paradigmas por meio de novo Recurso Extraordinário, na medida em que se estabeleceu hipótese de não conhecimento de recurso que contrarie decisão proferida pelo STF sob o regime da repercussão geral. Referências ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Introdução à teoria e à filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: RT, 2014. ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2018. BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2018. CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. CAVALCANTI, Marcos de Araújo. 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Legitimação das associações às ações coletivas: representação ou substituição processual em face do princípio dispositivo e da teoria da asserção. São Paulo: Instituo Brasileiro de Direito Processual, 2017. Disponível em: [www.direitoprocessual.org.br/aid=37.html?shop_cat=95&shop_detail=574]. Acesso em: 27.03.2018b. LEONEL, Ricardo de Barros. Manual de processo coletivo. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2017. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. São Paulo: RT, 2015. v. I. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: RT, 2015. v. II. Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 10 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ações coletivas na constituição federal de 1988. Revista de Processo, São Paulo, v. 16, n. 61, p. 187-200, jan.-mar. 1991. OLIVEIRA JUNIOR, Waldemar Mariz de. Substituição processual. São Paulo: RT, 1971. PIZZOL, Patrícia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998. ROCHA, Luciano Velasque. Por uma conceituação de ação coletiva. Revista de Processo, São Paulo, v. 27, n. 107, p. 268-277, jul.-set. 2002. SHIMURA, Sergio Seiji. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Brevíssimas reflexões sobre a evolução do tratamento da litigiosidade repetitiva no ordenamento brasileiro, do CPC/1973 (LGL\1973\5) ao CPC/2015 (LGL\2015\1656). Revista de Processo, São Paulo. n. 257, p. 269-281, jul. 2016. VENTURI, Elton. Processo civil coletivo: a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. Perspectivas de um Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. VENTURI, Elton. O problema da “representação processual” das associações civis na tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos segundo a doutrina de Alcides Alberto Munhoz da Cunha e a atual orientação do supremo tribunal federal. Revista de Processo, São Paulo, n. 255, p. 277-290, maio 2016. ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 3. ed. São Paulo: RT, 2014. ZUFELATO, Camilo. Coisa julgada coletiva. São Paulo: Saraiva, 2011. ZUFELATO, Camilo. Atuação das associaçõesno processo coletivo e tentativa de desfazimento de um grave mal-entendido na jurisprudência do STF e STJ: ainda o tema dos limites da coisa julgada. Revista de Processo, São Paulo, n. 269, p. 347-386, jul. 2017. 1 É possível identificar o início do desenvolvimento do processo coletivo, no Brasil, desde a Ação Popular prevista já na Constituição Federal de 1934 e posteriormente redesenhada por meio da Lei 4.717/1965. Foi, no entanto, a partir das chamadas ondas renovatórias de acesso à Justiça que, no final da década de 1970, a tutela coletiva ganhou impulso no Brasil. 2 As ementas das decisões são, respectivamente, as seguintes: Representação – Associados – Artigo 5º, Inciso XXI, da constituição federal. Alcance. O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. título executivo judicial – Associação – Beneficiários. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial (RE 573232, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 14.05.2014, Repercussão Geral – Mérito DJe-182 19.09.2014). Execução – ação coletiva – rito ordinário – associação – beneficiários. Beneficiários do Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 11 título executivo, no caso de ação proposta por associação, são aqueles que, residentes na área compreendida na jurisdição do órgão julgador, detinham, antes do ajuizamento, a condição de filiados e constaram da lista apresentada com a peça inicial (RE 612043, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 10.05.2017, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-229 05.10.2017). 3 Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico. 4 Waldemar Mariz de Oliveira Junior, já em 1971, apontava a alteração no conceito tradicional concernente à parte litigante, não se considerando mais absoluta a regra de identificação entre os sujeitos da relação processual com os sujeitos da relação substancial, muito em razão da distinção entre debitum e obligatio. “Por sua vez, as partes são sujeitos principais porquanto são as pessoas que pedem ou em face das quais se pede a provisão jurisdicional. [...] as partes, em sentido formal, são os sujeitos da ação, nem sempre se confundindo com os sujeitos da lide e da pretensão, conforme ocorre no fenômeno da substituição processual” (OLIVEIRA JUNIOR, 1971, p. 21). 5 As ações coletivas também se mostram aptas à veiculação de interesses individuais homogêneos que, a despeito de se tratar de uma pretensão divisível e de titularidade determinável, admite o manejo da tutela do direito a título coletivo visando a obtenção de uma sentença condenatória genérica que permita posterior liquidação e execução, por seus respectivos titulares individuais. 6 Ao contrário de outros países que adotam o sistema ope judicis, o Brasil adotou o sistema ope legis de controle da representatividade adequada, tornando entidades predeterminadas dotadas de legitimidade ad causam para a propositura de ação coletiva. 7 “[...] importa assentar se a tutela jurisdicional empreendida será individual ou será coletiva. Sendo individual, será regida pela sistemática do Código de Processo Civil, redundando, potencialmente, em uma coisa julgada oponível intra partes. De outro modo, tratando-se de tutela efetivamente coletiva, será regida pelo microssistema antes apontado, pouco importando qual a definição conceitual dada à pretensão deduzida, bastando aceitar-se, então, que, em caso de procedência, a coisa julgada operará uma eficácia oponível erga omnes (tome-se a expressão genericamente), seja para beneficiar vítimas e sucessores do evento lesivo objeto da ação (hipoteticamente, defesa de direitos individuais homogêneos), seja para favorecer, indistintamente, a todos os integrantes do grupo, classe ou categoria que tenham direta e imediata relação substancial com o objeto litigioso ou, por fim, a pessoas indetermináveis ou indeterminadas, que aproveitarão o resultado útil da tutela jurisdicional apenas eventualmente, em decorrência de circunstâncias fáticas de tempo e lugar” (VENTURI, 2016). 8 O art. 5º, XXI e XXXVI, da CF dispõe o seguinte: “XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;” “XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” 9 O art. 8º, III, da CF dispõe o seguinte: “III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;”. 10 Oportuna a transcrição do seguinte fragmento do voto: “A reunião desses distintos aspectos, sob a denominação processo coletivo, não elide as complexidades inerentes Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 12 aos institutos por ela abrangidos. As diferentes características dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, observadas nos conflitos de direitos materiais subjacentes, congregam, respectivamente, aspectos de ‘tutela de direitos coletivos’ e ‘tutela coletiva de direitos’ [...], o que provoca consequências quando avaliadas questões pertinentes à legitimidade ativa, aos efeitos da coisa julgada e ao cumprimento da sentença, o que desperta especial atenção no presente recurso extraordinário, em que discutida a possibilidade de associados, que não deram autorização expressa para ajuizamento de ação coletiva de conhecimento, valerem-se do título judicial para execução individual. Registro que as ações ajuizadas por associações para defesa de direitos e interesses difusos e coletivos não despertam a discussão ora posta, pois o caráter incindível do bem da vida pleiteado não comportaria cumprimento individualizado da condenação imposta e, por conseguinte, tal discussão seria despida de utilidade, especialmente porque a legislação processual já lhe deu solução consentânea (art. 16, da Lei 4.717/65; art. 15, da Lei 7347/85, art. 100, da Lei 8078/90)”. 11 Importante destacar que a concessão de legitimidade às associações decorre expressamente do disposto no art. 5º, V da LACP e art. 82, IV do CDC. 12 “[...] há casos em que uma norma pode ser utilizada em face situações diversas, uma em que se apresenta inconstitucional e outra constitucional. Quando se impugna a aplicação da norma em determinada situação, o Tribunal, ainda que reconheça sua inconstitucionalidade nessa situação, pode admitir a sua aplicação em outras” (MARINONI et al., 2015, p. 72). No mesmo sentido: “[...] quando aplicar a nulidade parcial de texto [...] permanece a literalidade do dispositivo, sendo alterada apenas a sua incidência, ou seja, ocorre a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinada(s) hipótese(s) de aplicação do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal. Assim, enquanto na interpretação conforme há uma adição de sentido, na nulidade parcial sem redução de texto ocorre uma abdução de sentido” (ABBOUD et al., 2017, p. 441). 13 “A não ser da fundamentação dos votos vencidos (lavrados pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Carmem Lucia), o julgamento passou muito longe de examinar o que realmente estava em jogo, ou seja, o sistema de tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos. A apreciação do caso concreto, assim, foi enveredada como se tratasse apenas de apurar a legitimação individual por parte de ‘substituídos’ou ‘representados’ judicialmente pela entidade associativa, em vetusta discussão típica de um sistema processual apegado ainda à ideologia individual-libral” (VENTURI, 2016). 14 Nesse sentido: REsp 1682836/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, j. 25.04.2018, DJe 30.04.2018; REsp 1192577/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 15.05.2014, DJe 15.08.2014. 15 O art. 4º do CPC/2015 dispõe o seguinte: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. 16 Nesse sentido: “Isso quer dizer que existe uma prioridade na consideração do direito material em relação ao direito processual. Se o processo civil é um instrumento para tutela do direito, então a primeira tarefa de quem quer que esteja preocupado com o adequado funcionamento da Justiça Civil está na apropriada identificação das necessidades da situação substancial que deve ser tutelada em juízo. Nessa perspectiva, a idoneidade do processo civil como meio efetivo para tutela dos direitos depende de um discurso preocupado com a tutela dos direitos – isto é, com o direito material” (MARINONI et al., 2015b, p. 41). 17 Elton Venturi (2007, p. 153) enumera, entre os princípios típicos da tutela coletiva, os princípios da absoluta instrumentalidade da tutela coletiva e da interpretação pragmática, valendo destacar o seguinte: “pela absoluta instrumentalidade da tutela coletiva, pois, compreende-se o amplo manuseio das ações coletivas, ao lado das Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 13 eventuais demandas individuais, para a proteção mais adequada possível dos direitos meta-individuais, mediante o emprego das técnicas e procedimentos mais idôneos para propiciar a tão almejada efetividade da prestação jurisdicional”. 18 Reforçando o ponto, no sentido de demonstrar o dissenso quanto à natureza da causa, esclarece Ada Pellegrini Grinover: “Pela análise dos votos, bem como dos debates travados no plenário da Corte, é possível identificar que alguns Ministros seguiram o Relator entendiam que a atuação in casu da associação se deu como expressão da tutela coletiva, e por essa razão não caberia falar em necessidade de autorização individual para que a coisa julgada atingisse a todos, invocando inclusive precedentes da própria Corte, como o AO 152/RS. Já a posição do Ministro Marco Aurélio está pautada na ideia de que o pedido da ação de conhecimento é restrito a certos sujeitos, e a atuação da associação se deu por representação, tanto assim que se exigiu autorização individual, e com base nisso não seria cabível um atalho processual para beneficiar terceiros, que não concederam autorização individual à associação, e portanto estariam fora da eficácia do título executivo” (GRINOVER, 2017b). 19 O art. 103, III do CDC dispõe o seguinte: “Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: III– erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81”. 20 Citam-se, entre outras, as decisões proferidas nos seguintes casos: REsp 1374678/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 23.06.2015, DJe 04.08.2015, REsp 1468734/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, j. 01.03.2016, DJe 15.03.2016 e Ag 1153550/GO, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 27.02.2018, DJe 05.03.2018. 21 Cita-se, entre outras, a decisão proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: (TJSP; Apelação 1004199-35.2013.8.26.0053; Relator (a): Moreira de Carvalho; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 14ª Vara de Fazenda Pública; J. 26.06.2018; Data de Registro: 26.06.2018). 22 O art. 1.030, I e II do NCPC dispõe o seguinte: “Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: I – negar seguimento: a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral; b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos; II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos;”. Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do RE 573.232/SC e RE 612.043/PR para o processo coletivo brasileiro Página 14
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