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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Debater sobre a epidemiologia, etiologia e fatores de risco da dengue (sazonalidade); 2- Discutir acerca da fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento da dengue; 3- Explicar como é feita a prevenção da dengue; 4- Explorar sobre o mecanismo de ação e complicações do AAS no quadro da dengue (AINEs). Dengue ↠ A dengue é doença infecciosa causada por qualquer um dos vírus dengue transmitidos a indivíduos suscetíveis por meio da picada de fêmeas infectadas de mosquitos do gênero Aedes (SALOMÃO, 2017). ↠ A dengue é uma doença causada por qualquer um dos sorotipos dos vírus da dengue, que pertencem à família Flaviviridae, e são transmitidos ao homem pela picada de fêmeas de mosquitos do gênero Aedes (FOCACCIA et. al., 2015). Epidemiologia ↠ É problema global de saúde pública, uma vez que aproximadamente dois terços da população mundial vivem em zonas infestadas por mosquitos transmissores da virose. À exceção da Europa continental, a dengue clássica ocorre de forma endêmica em todos os continentes, sendo sua maior incidência, na atualidade, em países asiáticos e nas Américas (BOGLIOGO, 10ª ed.). OBS.: A origem do nome dengue seria do árabe arcaico, significando fraqueza (astenia) (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ Em todos os últimos 10 anos, têm ocorrido surtos epidêmicos de dengue no Brasil, por vezes de larga proporção, particularmente nos meses chuvosos, quando aumenta a densidade dos vetores transmissores. Em 2019, mais de um milhão e meio de casos da doença ocorreu no Brasil, predominando a circulação do sorotipo 2, principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo (BOGLIOGO, 10ª ed.). ↠ Até a SE 18 (até maio de 2022), ocorreram 757.068 casos prováveis de dengue (taxa de incidência de 354,9 casos por 100 mil hab.) no Brasil. Em comparação com o ano de 2021, houve um aumento de 151,4% de casos registrados para o mesmo período analisado (MS, 2022). ↠ A Região Centro-Oeste apresentou a maior taxa de incidência de dengue, com 1.171 casos/100 mil hab., seguida das Regiões: Sul (635,6 casos/100 mil hab.), Sudeste (277,7 casos/100 mil hab.), Norte (176,1 casos/100 mil hab.) e Nordeste (149,1 casos/100 mil hab.) (MS, 2022). ↠ Até o momento, foram confirmados 265 óbitos por dengue, sendo 241 por critério laboratorial e 24 por critério clínico epidemiológico. Os estados que apresentaram o maior número de óbitos foram: São Paulo (99), Santa Catarina (28), Goiás (28) e Bahia (22) (MS, 2022). Etiologia ↠ Os vírus dengue (DENV) são transmitidos por mosquitos do gênero Aedes (principalmente o Aedes aegypti e o Aedes albopictus), sorologicamente classificados, com base em ensaios de neutralização, em quatro sorotipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 MOSQUITO DO GÊNERO AEDES ↠ O principal vetor responsável pela transmissão viral são mosquitos do gênero Aedes, encontrados em ambientes urbanos e peridomiciliares. Até o momento, o Aedes aegypti é o principal transmissor do vírus dengue nas Américas – embora introduzido nas Américas, o Aedes albopictus, por motivos desconhecidos, mantém sua importância epidemiológica como transmissor da dengue restrita ao continente asiático (SALOMÃO, 2017). OBS.: O Aedes aegypti é hoje considerado cosmopolita, ocorrendo principalmente nas regiões tropicais e subtropicais, tendo resistência limitada a baixas temperaturas e altitudes elevadas. É um mosquito urbano, facilmente encontrada em domicílios e áreas peridomiciliares, enquanto o Aedes albopictus se dispersa com facilidade nos ambientes rural, semissilvestre e silvestre, não dependendo dos locais de grande concentração humana (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ Vale salientar que esses vetores adultos, ao longo de suas vidas, são incapazes de voar grandes distâncias. Portanto, a dispersão geográfica da doença e o aumento APG 20 – “CHUVAS DE VERÃO” 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck da cocirculação dos quatro sorotipos do dengue têm sido relacionados ao aumento da frequência dos deslocamentos humanos (SALOMÃO, 2017). ↠ A transmissão dá-se por fêmeas que, ao se alimentarem de sangue para suprir necessidades proteicas da oviposição, infectam-se picando indivíduos virêmicos. Os vírus da dengue multiplicam-se no aparelho digestivo do mosquito, disseminando-se por diferentes tecidos do inseto. A chegada do vírus às glândulas salivares, após um período de incubação, dito extrínseco, com duração média de 7 a 11 dias, determina o início da transmissão viral pelo mosquito, que passa a transmiti-lo por toda a vida (SALOMÃO, 2017). IMPORTANTE: Outra forma importante de transmissão que ocorre entre os mosquitos é a transovariana. Os Aedes spp. podem transmitir os vírus da dengue de forma transovariana, diretamente para a prole, dispensando o homem no ciclo mantenedor. A transmissão transovariana, mesmo em baixos níveis, poderia manter os vírus durante estações secas ou frias, quando não existem mosquitos adultos ou reservatórios. Isso se deve ao fato de os ovos de Aedes podem se manter viáveis na natureza por até um ano e meio e, após contato com a água, eles iniciam seu ciclo que pode variar de 12 a 15 dias (FOCACCIA et. al., 2015). VÍRUS DA DENGUE E SOROTIPOS ↠ Os sorotipos são antigenicamente distintos, mas apresentam a mesma epidemiologia e causam doenças similares, não havendo imunidade protetora cruzada permanente entre eles, ainda que evidências indiquem que, imediatamente após a infecção por um dos sorotipos, o indivíduo estará imune à infecção pelos outros sorotipos por período variável (3 a 6 meses). Assim, indivíduos que vivem em áreas consideradas endêmicas, com a cocirculação dos quatro sorotipos, podem, teoricamente, adquirir a infecção pelos quatro sorotipos virais ao longo de sua vida (SALOMÃO, 2017). ↠ Os DENV pertencem à família Flaviviridae e ao gênero Flavivirus, e a maioria deles é transmitida por mosquitos e carrapatos, embora não se saiba o mecanismo de transmissão de alguns deles. Assim, a maioria dos membros desse gênero são arbovírus (arthropod-borne virus), vírus que necessitam de artrópodes hematófagos para completar o seu ciclo biológico de transmissão. Os vírus pertencentes a esse gênero causam ampla variedade de doenças, incluindo febres, encefalites e febres hemorrágicas (SALOMÃO, 2017). ↠ No Brasil, hoje circulam os quatro sorotipos, predominando o sorotipo 2. O DEN4 entrou no país em 1982, foi identificado em Manaus e hoje circula praticamente em todo o território nacional (BOGLIOGO, 10ª ed.). CARACTERÍSTICAS DO VÍRUS ↠ Os vírus pertencentes à família Flaviviridae são compostos por uma bicamada lipídica derivada da membrana do retículo endoplasmático da célula hospedeira (SALOMÃO, 2017). ↠ A superfície da partícula viral contém duas proteínas: (SALOMÃO, 2017). ➢ a glicoproteína E: em geral glicosilada, representa o principal determinante antigênico do vírus e é responsável pela ligação e fusão à membrana plasmática da célula durante a infecção viral. ➢ a proteína M: não glicosilada, é fragmento proteolítico constituído a partir de uma proteína precursora (prM) durante a maturação das progênies virais. Internamente, é constituído pelo nucleocapsídeo de simetria icosaédrica, composto pelas proteínas do core (C) que envolvem o genoma viral. ↠ Dentre as proteínas estruturais, a glicoproteína E do envelope desempenha papel central na produção de anticorpos neutralizantes e indução da resposta imune do hospedeiro. A proteína E também é responsável por mediar a fase inicial da infecção, caracterizada pela ligação ao receptor ou moléculas de superfície da célula hospedeira, assim como a fusão com a membrana celular. A proteína C, devido ao seu caráter altamente básico, interage com o RNA viral para formar o nucleocapsídeo (SALOMÃO,2017). 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ A glicoproteína prM é encontrada nas partículas virais imaturas e, após sofrer clivagem proteolítica em sua porção N-terminal, dá origem à proteína M, encontrada somente nos vírus maduros. Além disso, evidências sugerem que a proteína prM também leve à produção de anticorpos neutralizantes (SALOMÃO, 2017). ↠ Dentre as sete proteínas não estruturais (NS1 a NS5), alguns papéis já se encontram bem definidos. A NS1 tem sido a mais extensamente estudada, sabendo-se até o momento que participa do processo de maturação viral e pode ser encontrada: residindo no retículo endoplasmático (RE), colocalizando com o complexo de replicação viral; ancorada na superfície da célula hospedeira e no meio extracelular (sNS1), após sua secreção (SALOMÃO, 2017). As infecções por DENV induzem anticorpos anti-NS1 fixadores do complemento contra epítopos tipo-específicos e grupo-específicos, alguns dos quais têm atividade protetora. A proteção parece ocorrer pela lise das células infectadas, que expressam NS1 na superfície via lise mediada pelo complemento dependente de anticorpo. Sendo assim, acredita-se que a proteína NS1, assim como a proteína E, seja alvo importante durante a indução da imunidade humoral, podendo desempenhar papel significativo na patogênese da doença. Níveis elevados dessa proteína detectados no início da doença têm sido associados ao desenvolvimento das formas graves da doença com a febre hemorrágica da dengue (FHD). Pela sua secreção no meio extracelular, esta proteína tem sido pesquisada recentemente no diagnóstico da dengue durante a fase aguda da doença (SALOMÃO, 2017). ↠ A proteína NS2 é dividida nas porções NS2a e NS2b, esta última portadora da atividade proteolítica. As proteínas NS3 e NS5 têm sido associadas aos processos de replicação e transcrição do RNA viral. Atividades de protease e trifosfatase/helicase foram atribuídas à proteína NS3, e a atividade de RNA polimerase dependente de RNA à NS5, descrita como uma das proteínas mais conservadas dos flavivírus (SALOMÃO, 2017). ↠ A proteína NS4 é clivada nas proteínas NS4a e NS4b, e ambas, juntamente com a NS2a e a NS2b, associam- se à membrana da célula infectada durante o processo de maturação viral. Sabe-se também que, juntas, as proteínas NS4a, NS4b e NS2a executam diferentes ações: bloqueio da via da interferona (IFN); auxílio no correto ancoramento de proteínas virais e, principalmente, da replicase viral nas membranas celulares, resultando no auxílio à montagem do vírion etc (SALOMÃO, 2017). OBS.: O conhecimento das proteínas que constituem a estrutura viral e seus genes codificadores é importante para a compreensão da fisiopatologia das formas graves da dengue e das estratégias de diagnóstico, seja pela detecção da proteína NS1, seja pela detecção do material genético viral (SALOMÃO, 2017). Fatores de risco ↠ Os fatores de ordem social e climática influem para o surgimento dos surtos de dengue. O vírus, quando introduzido em comunidade humana suscetível, com alta densidade populacional e com moradias infestadas pelo mosquito vetor, sob condições de temperatura e umidade elevadas, idealmente obtém as condições adequadas para o início de uma epidemia (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ No calor úmido, como o que ocorre na maior parte do Brasil, especialmente durante o verão, ocorre a oviposição acelerada e o aumento da voracidade do mosquito, que necessita sugar vários seres humanos em curto espaço de tempo, facilitando a transmissão viral (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ No caso da enfermidade estudada, se faz relevante o conhecimento a respeito da ecologia do vetor: a sazonalidade e sua relação quanto à viabilidade da população de mosquitos; a adaptação dos vetores no ambiente urbano e os habitats preferencias de criadouros; bem como a competição entre as espécies de vetores (YOKOO, 2017). No caso da sazonalidade, algumas variáveis podem interferir quanto a viabilidade da população de mosquitos, como as estações do ano, elementos meteorológicos, tais como, a pluviosidade, as temperaturas, a umidade e os ventos (YOKOO, 2017). No caso da temperatura, a mesma condiciona a duração do ciclo biológico, a alimentação e a ovoposição dos mosquitos. No verão as temperaturas são mais elevadas, estação em que os mosquitos se adaptam melhor, no entanto, é na estação de outono que os mesmos ampliam sua capacidade infectante (YOKOO, 2017). 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck Relativo à pluviosidade, há aumento espontâneo de mosquitos, no final da estação chuvosa. No entanto, chuvas fortes podem transbordar levando consigo larvas em atividades, já estações mais secas aumentam o número de criadouros (YOKOO, 2017). Fisiopatologia OBS.: Acredita-se que a resposta imune do hospedeiro à infecção pelos vírus da dengue possa atuar de duas maneiras diferentes. A primeira previne a infecção e propicia a recuperação nas infecções, envolvendo inicialmente a resposta imune inata e sequencialmente, a resposta imune celular e humoral. A segunda relaciona-se à imunopatologia da manifestação hemorrágica da dengue (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ Após a inoculação dos vírus da dengue, por meio da picada do mosquito, eles são fagocitados pelas células dendríticas (células de Langherhans) residentes no local, transportados aos linfonodos regionais, onde realizam a sua primeira replicação (FOCACCIA et. al., 2015). Ocorre a introdução do vírus em células localizadas na epiderme e derme, por endocitose mediada por clatrina, via interação entre glicoproteína de superfície viral e receptores específicos de superfície celular. Estudos recentes demonstram que as células dendríticas (CD) imaturas e as células de Langerhans, as quais normalmente residem na epiderme, apresentam moléculas de superfície celular que são reconhecidas pelo vírus do Dengue, tal como, a molécula C-type lectin ICAM3-grabbing non-integrin (DC-SING), e constituem alvos potências para a infecção inicial do vírus no hospedeiro humano (NUNES, 2011). ↠ Essa multiplicação inicial resulta em uma viremia que dissemina esse patógeno por todo o organismo, livre no plasma ou no interior de monócitos. Os vírus da dengue têm tropismo por células fagocitárias, as quais são reconhecidas como importantes sítios para sua replicação (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ O primeiro passo no processo de infecção viral é a ligação a um receptor na superfície celular. O vírus aborda a célula ao ligar-se a receptores de superfície, como o sulfato de heparina, CD209 ou DC-SIGN e o receptor para a porção constante dos anticorpos (Fc) de imunoglobulina, entre outros. Esta etapa é mediada pela proteína do envelope E (identificada como uma proteína de ligação para o DENV) que permite a penetração por endocitose na célula hospedeira (NUNES, 2011). ↠ As membranas celulares e virais fundem-se, e uma vez dentro da vesícula endocítica, ocorre uma redução do pH (acidificação) do endossoma, fazendo com que a proteína do envelope viral sofra uma mudança conformacional irreversível e a partir de um dímero forme um trímero. Esta mudança facilita a libertação do ARN viral no citoplasma das células infectadas, onde ocorre a tradução e replicação do ARN viral (NUNES, 2011). ↠ O ARN do vírus do Dengue é traduzido em associação com membranas do retículo endoplasmático rugoso (RER). Como ocorre com outros vírus ARN de polaridade positiva, o genoma do vírus atua como ARN mensageiro (ARNm) e utiliza fatores, ainda desconhecidos, da célula hospedeira para traduzir a poliproteína viral. Após o início da tradução do genoma viral ocorre a troca para a síntese de um genoma de sentido negativo (3’-5’) intermediário, o qual irá servir como molde para a síntese de múltiplas cópias do ARN viral de sentido positivo (5’-3’) (NUNES, 2011). ↠ Ciclos sucessivosde tradução produzem múltiplas cópias das 3 proteínas estruturais e das 7 não-estruturais, as quais juntamente com o ARN viral irão participar da formação, maturação e secreção da partícula viral, que ocorre no complexo de Golgi. As partículas virais imaturas são então clivadas por proteases do tipo furina (celulares e virais), resultando na formação de partículas virais maduras, as quais são infecciosas. Partícula subvirais incompletas também são clivadas pelas furinas celulares e virais. A liberação das partículas virais maduras completas ou subvirais ocorre por exocitose (NUNES, 2011). A replicação viral estimula os monócitos e, indiretamente, linfócitos a produzirem citocinas. Algumas dessas vão ter efeito pró-inflamatório e vão ser responsáveis pelo aparecimento de sintomas como a febre. Outras estimulam a produção de anticorpos, que se ligam aos antígenos virais, formando imunocomplexos (VARGAS et. al., 2020). ↠ A infecção primária (primoinfecção) pelos vírus da dengue é controlada inicialmente pela resposta imune inata e celular (FOCACCIA et. al., 2015). Esses vírus estimulam a produção de anticorpos IgM que se tornam detectáveis, em média, a partir do quarto dia após o início dos sintomas, atingindo os níveis mais elevados por volta do sétimo ou oitavo dias e declinando lentamente, a ponto de não serem mais detectáveis após alguns meses . Os anticorpos da classe IgG, que são observados em níveis baixos a partir da primeira semana do início dos sintomas elevam-se gradualmente atingindo altos valores em duas a 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck três semanas e mantêm-se detectáveis por vários anos, conferindo imunidade contra o sorotipo infectante, provavelmente por toda a vida (FOCACCIA et. al., 2015). IMPORTANTE: Durante a convalescência, os anticorpos induzidos, durante infecção aguda por um tipo de dengue, também protegem da infecção por outros tipos virais. Entretanto, essa imunidade é mais curta, com duração de poucos meses. As infecções por dengue, em indivíduos que já tiveram contato com outros sorotipos do vírus, ou mesmo outros flavivírus (como os vacinados contra a febre amarela), podem alterar o perfil da resposta imune, que passa a ser do tipo anamnéstico ou de infecção secundária (reinfecção), com baixa produção de IgM, e resposta precoce intensa de IgG (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ A resposta imune humoral é fundamental para a prevenção e a cura das infecções pelos vírus da dengue. A proteína E, parte do envelope viral, é o alvo dominante dos anticorpos protetores contra a dengue. Esses anticorpos podem promover a lise de células infectadas ou inibir a ligação dos vírus aos receptores celulares com consequente neutralização viral. Embora não seja constituinte da partícula viral, a proteína NS1 também é um importante alvo de anticorpos antidengue. Essa proteína é expressa na superfície das células infectadas e também é secretada na circulação (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ Anticorpos contra a NS1 promovem a lise das células infectadas fixando o complemento e, além disso, atuam como mediadores de fenômenos de citotoxidade celular mediada por linfócitos CD8+ (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ A resposta imune celular contra o vírus é direcionada para múltiplas proteínas virais, entre elas, C, prM, E, NS1, NS3, NS4B e NS5, porém a proteína NS3 parece ser a mais imunogênica, em relação à imunidade celular, com uma maior preponderância de epítopos de células T identificados. As células T CD4+ e CD8+ reativas ao vírus da dengue produzem predominantemente altos níveis de IFN-., TNF-a, TNF-ß e quimiocinas, incluindo MIP-1ß, após interação com células apresentadoras de antígenos infectadas com o vírus, e também são eficientes na lise das células infectadas in vitro (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ Portanto, as células T participam ativamente na resposta imune reduzindo o número de células infectadas com o vírus (FOCACCIA et. al., 2015). OBS.: Nos quadros de dengue, os sintomas gerais de febre e mal-estar relacionam-se à presença, em níveis elevados, de citocinas séricas, como TNF-a, IL-6, IFN-. etc. As mialgias relacionam-se, em parte, à multiplicação viral no próprio tecido muscular, inclusive o tecido oculomotor é acometido, produzindo cefaleia retrorbitária (FOCACCIA et. al., 2015). FISIOPATOLOGIA DA DENGUE HEMORRÁGICA A patogênese da DHF tem sido explicada por teorias centradas nos efeitos dos fatores virais e dos hospedeiros, a virulência da cepa viral e a imunopatogênese da doença (FOCACCIA et. al., 2015). TEORIA DA FACILITAÇÃO DEPENDENTE DE ANTICORPOS ↠ A hipótese de maior aceitação se refere a fenômeno denominado aumento da infecção mediado pelos anticorpos (antibody-dependent enhancement of infection – ADE), que preconiza a associação entre infecções secundárias e o aparecimento de febre hemorrágica da dengue (FHD) (SALOMÃO, 2017). ↠ O fato de as infecções secundárias levarem ao aumento da viremia e a maior risco de doença grave, em comparação com as infecções primárias, sugere que a imunidade preexistente ao DENV é fator de risco para FHD. Evidências dessa teoria vieram primeiramente de estudos epidemiológicos realizados na Tailândia, entre os anos de 1960 e 1970, que demonstraram que a maioria das crianças com FHD havia tido infecção secundária por sorotipo diferente daquele responsável pela primeira infecção. Adicionalmente, observou-se que bebês que haviam adquirido anticorpos passivamente das mães apresentaram infecção mais grave de dengue por volta dos 6 meses de idade, quando a concentração de anticorpos adquiridos da mãe se tornava subneutralizante (SALOMÃO, 2017). ↠ Segundo essa hipótese, anticorpos resultantes de infecção prévia por determinado sorotipo do vírus não seriam neutralizantes ou teriam títulos muito baixos para neutralizar um sorotipo diferente, responsável pela infecção secundária. Assim, esses anticorpos se ligariam ao sorotipo responsável pela infecção secundária, mas não o neutralizariam, formando complexos vírus- anticorpo que, ao serem reconhecidos e internalizados por fagócitos mononucleares, através dos receptores dirigidos à porção Fc das imunoglobulinas, facilitariam a penetração do vírus em células monocitárias, o que resultaria em maior carga viral e maior intensidade da resposta imune, com maior liberação de citocinas e mediadores inflamatórios, o que poderia levar a doença mais grave (SALOMÃO, 2017). TEORIA DA VIRULÊNCIA VIRAL Apesar da grande aceitação da associação de uma infecção secundária com a forma mais grave da dengue, ela não explica adequadamente todas as observações clínicas e epidemiológicas que ocorrem durante a FHD/SCD e complicações. Parece existir uma relação complexa entre as variantes genéticas do DENV e a resposta imune do hospedeiro, que determinaria o destino das infecções primárias e secundárias (SALOMÃO, 2017). 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ As extensas variações genéticas observadas dentro do mesmo sorotipo de DENV possibilitaram a classificação em grupos, denominados genótipos. A evidência de diferentes virulências entre os genótipos foi observada no Peru, com a entrada do DENV-2 em 1995, depois de vários anos de circulação de DENV-1. Com a detecção da epidemia por DENV-2, estimou-se a ocorrência de altos níveis de FHD, uma vez que, em Cuba, a mesma sequência de infecção havia resultado em explosão de casos de FHD (SALOMÃO, 2017). ↠ Porém, não foram observados casos de FHD na população peruana. Durante a avaliação dos motivos da ausência de FHD, foram encontradas diferenças estruturais entre as cepas que circularam no Peru e em Cuba. O genótipo americano de DENV-2 que circulou no Peru apresentava habilidade reduzida de replicação em mosquitos e células humanas, se comparado ao outro genótipo, o asiático. Contudo, nem todos os dados são consistentes com ahipótese da virulência do vírus, pois outros estudos não conseguiram correlacionar a patogenicidade aos genótipos circulantes de DENV-2 ou dos outros sorotipos (SALOMÃO, 2017). OBS.: Independentemente do mecanismo fisiopatológico responsável pelas formas mais graves da dengue, existem evidências de que há profundo desarranjo na homeostase das citocinas que governam a resposta imune induzida pela infecção pelos vírus dengue (SALOMÃO, 2017). ↠ A presença de antígenos de dengue, expressos na membrana macrofágica, induz fenômenos de eliminação imune por linfócitos T CD4+ e CD8+ citotóxicos. Os macrófagos, ativados pelos linfócitos e agredidos ou lisados pelas células citotóxicas, liberam tromboplastina, que inicia os fenômenos da coagulação e, também, liberam proteases ativadoras do complemento, causadoras da lise celular e do choque (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ O fator de necrose tumoral a (TNF-a), de origem macrofágica e linfocitária, foi observado em níveis elevados, em casos graves de DHF/DSS. O TNF-a afeta células inflamatórias e endoteliais, podendo contribuir para a trombocitopenia e induz a IL-8, estimulando a liberação de histamina pelos basófilos e aumentando a permeabilidade vascular. A IL-6 foi observada em níveis elevados, em alguns casos graves de DHF/DSS, e foi relacionada com a hipertermia apresentada pelos pacientes (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ Anafilotoxinas como C3a e C5a, leucotrienos, histamina e o fator inibidor do ativador do plasminogênio (que impede a fibrinólise e leva à deposição de fibrina intravascular) encontram-se presentes por curto tempo na DHF/DSS (FOCACCIA et. al., 2015). IMPORTANTE: Portanto, a DHF/DSS tem como base fisiopatológica um aumento da carga viral resultante de uma cepa virulenta ou a facilitação da infecção mediada por anticorpos, levando a uma resposta imune exacerbada, envolvendo células do sistema imune, citocinas e imunocomplexos, causando aumento da permeabilidade por má função vascular endotelial, sem destruição do endotélio, causando queda da pressão arterial e manifestações hemorrágicas, associadas a trombocitopenia (FOCACCIA et. al., 2015). OBS.: A base fisiopatológica da DHF seria, então, uma resposta imune anômala (FOCACCIA et. al., 2015). Manifestações clínicas ↠ As manifestações clínicas observadas durante a infecção pelos vírus da dengue ocorrem após um período de incubação de 2 a 8 dias e são muito variáveis, podendo ser didaticamente classificadas em quatro grupos: (FOCACCIA et. al., 2015). ➢ as infecções assintomáticas; ➢ a febre da dengue, subdividida em quadros de febre indiferenciada (síndrome viral) e as manifestações clássicas da dengue (dengue clássica); ➢ a febre hemorrágica da dengue e síndrome de choque da dengue (DHF/DSS); 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck ➢ aqueles quadros menos frequentes, e manifestações clínicas menos usuais, como a hepatite e acometimento cardíaco, e do sistema nervoso central. DENGUE CLÁSSICA ↠ A doença causada pelos vírus da dengue, na maioria dos casos, costuma ser benigna, manifestando-se de forma variável quanto ao tipo e à intensidade dos sintomas, segundo características do vírus e da população acometida (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ A dengue clássica apresenta-se com início abrupto. Em temperaturas de 39 a 40°C, acompanham-se de cefaleia intensa, dor retro-ocular, mialgias, artralgias e manifestações gastrintestinais, como vômitos e anorexia (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ Um exantema pode surgir no terceiro ou quarto dia de doença e é caracterizado por um exantema intenso em que se salientam pequenas áreas de pele sã, sendo que alguns autores o caracterizam por “ilhas brancas em um mar vermelho” (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ O prurido geralmente acompanha o aparecimento do exantema, sendo muitas vezes de difícil controle. Além disso, em alguns casos, fenômenos hemorrágicos discretos (epistaxe, petéquias, gengivorragias) podem ocorrer e não caracterizam um caso de dengue hemorrágica (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ A febre costuma ceder em até seis dias, iniciando-se a convalescença, que pode durar semanas, com astenia e depressão (FOCACCIA et. al., 2015). OBS.: Os vírus da dengue podem infectar células hematopoéticas na medula óssea, sem efeito citopático sobre tais células, embora a proliferação das mesmas na medula se torne bastante lenta, o que poderia explicar a leucopenia e a plaquetopenia observadas na doença. Outros estudos sugerem que pode haver destruição celular induzida pelo vírus na medula óssea ou inibição de células progenitoras mieloides (BOGLIOGO, 10ª ed.). ↠ Nas crianças, a dengue pode ser assintomática ou manifestar-se como febre indiferenciada, comumente acompanhada de exantema maculopapular (FOCACCIA et. al., 2015). IMPORTANTE: Na avaliação dos pacientes com DC, é importante procurar sinais de alarme que apontem para quadro mais grave; pacientes apresentando tais sinais devem ser internados e avaliados frequentemente. Os sinais de alerta/alarme mais frequentemente observados na dengue são: dor abdominal, vômitos persistentes, evidência clínica de acúmulo de fluidos (p. ex., derrame pleural), letargia/irritabilidade, sangramento de mucosas, hepatomegalia maior do que 2 cm e aumento do hematócrito associado a trombocitopenia (SALOMÃO, 2017). DENGUE GRAVE ↠ O quadro costuma iniciar-se de forma abrupta, similar à forma clássica da dengue, com febre alta, náuseas e vômitos, mialgias e artralgias (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ Os fenômenos hemorrágicos surgem no segundo ou terceiro dia de doença, com petéquias na face, véu palatino, axilas e extremidades (FOCACCIA et. al., 2015). Pode-se realizar o teste do torniquete ou prova do laço, que consiste na insuflação de um esfigmomanômetro até a média aritmética entre as pressões arterial sistólica e diastólica, mantendo-se essa pressão por cinco minutos e buscando-se a presença de petéquias, sob o torniquete ou abaixo – o teste é considerado positivo quando se encontram 20 petéquias ou mais, em área de uma polegada quadrada, isto é, em um quadrado cujos lados tenham aproximadamente 2,5 cm. Quando positivo pode preceder o surgimento espontâneo das sufusões hemorrágicas, mas deve-se ter em mente que esse teste pode ser positivo em outras doenças, cursando fragilidade capilar ou trombocitopenia (FOCACCIA et. al., 2015). 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Podem ocorrer púrpuras e grandes equimoses na pele, epistaxes, gengivorragias, metrorragias e hemorragias digestivas moderadas (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ A presença de hepatomegalia, hematêmese e dor abdominal indica mau prognóstico, com provável evolução para o choque (FOCACCIA et. al., 2015). IMPORTANTE: A síndrome de choque da dengue costuma surgir entre o terceiro e o sétimo dias de doença, mantendo-se esse estado crítico por 12 a 24 horas. Os pacientes mostram-se agitados e em alguns casos referem dor abdominal. Posteriormente, tornam-se letárgicos, afebris e com sinais de insuficiência circulatória: pele fria e pegajosa, cianose perioral, pulso rápido e sudorese fria. A pressão arterial mostra-se convergente, baixa ou imensurável. Instala-se acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada (CIVD). Com a ausência de tratamento, o óbito costuma ocorrer em 4 a 6 horas. Entretanto, após a recuperação, o doente geralmente não apresenta sequelas (FOCACCIA et. al., 2015). CLASSIFICAÇÃO DA DHF A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a DHF/DSS em quatro graus de gravidade, localizando nos dois primeiros, as formas mais benignas, apenas com febre hemorrágica; e nos dois últimos os quadros graves, com falência circulatória, a síndrome do choque da dengue. É importante ressaltar que a hemoconcentração está presente em todos os níveis e que todos os sintomas presentes na doença menos grave estarão presentesnos quadros mais graves. A classificação preconizada pela OMS é a seguinte: (FOCACCIA et. al., 2015). ➢ Grau I: febre e sintomas inespecíficos tendo como principais achados a plaquetopenia, manifestações hemorrágicas de pequena monta e a prova do laço positiva. ➢ Grau II: sintomas contidos no Grau I e presença de fenômenos hemorrágicos espontâneos. ➢ Grau III: características do Grau II associado à insuficiência circulatória caracterizada por pulso fraco e rápido, redução da pressão de pulso a 20 mmHg, hipotensão, pele pegajosa e fria, agitação. ➢ Grau IV: choque profundo caracterizado por ausência de pulso e pressão arterial após o aparecimento dos sintomas dos graus anteriores. Os graus III e IV são classificados como síndrome do choque da dengue, ao passo que todos os quatro graus são classificados como febre hemorrágica da dengue (FOCACCIA et. al., 2015). FORMAS CLÍNICAS MENOS FREQUENTES ↠ Incluem quadros que acometem o sistema nervoso, como encefalites e polineuropatias (por exemplo, Guillain- Barré). Esses quadros podem surgir no decorrer da doença ou na convalescença. Quadros de hepatite com icterícia e importante elevação de transaminases séricas tem sido descritos, inclusive com raros quadros de hepatite fulminante (FOCACCIA et. al., 2015). ↠ Outro acometimento que cada vez mais tem sido descrito, é o acometimento miocárdico na dengue, podendo resultar em miocardite viral, pericardite e choque cardiogênico, levando ao óbito, se não houver pronta intervenção. Estudos com mães que tiveram dengue durante a gravidez e seus filhos não mostraram casos de infecção congênita, mas podem influenciar no desenvolvimento da criança, resultando em recém-nascidos de baixo peso e também pode desencadear partos prematuros (FOCACCIA et. al., 2015). Diagnóstico ANAMNESE E EXAME FÍSICO ↠ A história clínica deve ser a mais detalhada possível e os itens a seguir devem constar em prontuário (MS, 2007). História da doença atual: ➢ cronologia dos sinais e sintomas. ➢ caracterização da curva febril (estabelecer a data de início da febre). ➢ pesquisa de sinais de alarme. ➢ pesquisa de manifestações hemorrágicas: hematêmese (vômitos com raias de sangue ou tipo “borra-de-café”), melena (fezes escuras). Na criança podem passar despercebidas. Epidemiologia ➢ Perguntar sobre presença de casos semelhantes no local de moradia ou de trabalho. ➢ História de deslocamento nos últimos 15 dias para área de transmissão de dengue. História patológica pregressa ➢ Doenças crônicas associadas: hipertensão arterial, diabetes mellitus, DPOC, doenças hematológicas crônicas (principalmente anemia falciforme), doença renal crônica, doença grave do sistema cardiovascular, doença acidopéptica e doenças auto-imunes. ➢ Investigar o uso de medicamentos, sobretudo antiagregantes plaquetários, anticoagulantes, antiinflamatórios e imunossupressores. Pesquisar sobre o uso de salicilatos para controle da febre reumática e doença de Kawasaki. 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck ➢ Na criança, além das doenças de base já citadas, valorizar as manifestações alérgicas como: asma brônquica, dermatite atópica. ↠ Ao exame físico observa-se fígado palpável e doloroso, 2 a 4 cm abaixo do rebordo costal. Esplenomegalia é observada em alguns casos (FOCACCIA et. al., 2015). ➢ Ectoscopia: destacar a pesquisa de edema subcutâneo (palpebral, de parede abdominal e de membros), assim como manifestações hemorrágicas na pele, mucosas e esclera. Avaliar o estado de hidratação. ➢ Verificar a pressão arterial em duas posições, pulso, enchimento capilar, freqüência respiratória, temperatura e peso. ➢ Segmento torácico: pesquisar sinais de desconforto respiratório e de derrame pleural e pericárdico. ➢ Segmento abdominal: pesquisar hepatomegalia, dor e ascite. ➢ Sistema nervoso: pesquisar sinais de irritação meníngea, nível de consciência, sensibilidade e força muscular. IMPORTANTE: Diferentemente do que ocorre em outras doenças que levam ao choque, na dengue, antes de haver uma queda substancial na pressão arterial sistólica (menor que 90mmHg, em adultos), poderá haver um fenômeno de pinçamento da pressão arterial, ou seja, a diferença entre a pressão arterial sistólica e a diastólica será menor ou igual a 20mmHg, caracterizando a pressão arterial convergente. A verificação do tempo do enchimento capilar é mandatório em todos os casos atendidos como suspeitos de dengue (MS, 2007). IMPORTANTE: O enchimento capilar se faz normalmente em um tempo de até dois segundos. Para sua verificação pode se comparar o tempo de enchimento do paciente com o do examinador (MS, 2007). DIAGNÓSTICO VIROLÓGICO E SOROLÓGICO ↠ O diagnóstico laboratorial de dengue pode ser realizado por meio de métodos virológicos e sorológicos. O diagnóstico laboratorial é importante para o adequado manejo dos quadros de dengue e, se possível, por motivos epidemiológicos, deve-se realizar a identificação sorotípica dos vírus isolados (SALOMÃO, 2017). DIAGNÓSTICO VIROLÓGICO ↠ Os métodos virológicos compreendem: o isolamento viral por inoculação em culturas celulares, animais e mosquitos; a detecção de antígenos virais por meio de testes imunoenzimáticos e imunocromatografia; a detecção do genoma viral por transcrição reversa do seu RNA em DNA complementar, seguida de amplificação em cadeia pela polimerase (RT-PCR); ou a hibridização com sondas moleculares marcadas (SALOMÃO, 2017). ↠ O diagnóstico virológico pode ser efetuado a partir do sangue ou de outros fluidos orgânicos, fragmentos de órgãos e, também, macerados de mosquitos. A técnica virológica mais comumente utilizada no Brasil é a tentativa de isolamento viral por inoculação em culturas celulares, particularmente a linhagem C6/36 oriunda do mosquito Aedes albopictus (SALOMÃO, 2017). ↠ A confirmação do isolamento viral na cultura celular costuma ser feita de 6 a 10 dias após a inoculação, utilizando-se anticorpos monoclonais tipo-específicos em teste de imunofluorescência indireto. Para se obter um diagnóstico mais rápido, pode-se utilizar a RT-PCR em culturas de células inoculadas com material suspeito (SALOMÃO, 2017). ↠ Outra técnica que vem se tornando cada vez mais frequente é a transcrição reversa do RNA viral, seguida da amplificação específica dos genomas dos vírus dengue (RT-PCR). Contudo, existem dificuldades técnicas e comerciais, e o método ainda não é viável para uso rotineiro, tendo sido usado mais comumente em pesquisa e para vigilância virológica (SALOMÃO, 2017). ↠ Recentemente, foi desenvolvida técnica de detecção da proteína NS1 dos vírus dengue por teste imunoenzimático e por imunocromatografia, com a vantagem de fazer o diagnóstico da dengue na fase aguda da doença, já que detecta uma proteína estrutural do vírus encontrada somente durante a replicação viral. O teste imunoenzimático tem sensibilidade e especificidade altas, comparáveis, em alguns estudos até superiores, àquelas observadas à RT-PCR. Ainda como vantagem, essa técnica é rápida e adequada ao uso em situações epidêmicas (SALOMÃO, 2017). O teste rápido de diagnóstico da dengue, com base em imunocromatografia, consiste em uma fita na qual deve ser colocado 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck o soro do paciente e incubado à temperatura ambiente por apenas 15 min. A sensibilidade e a especificidade são comparáveis às do NS1 ELISA. Deve-se salientar que esse teste apresenta sensibilidade diferenciada aos diversos sorotipos, tendo recentemente apresentado sensibilidade diminuída aos vírus dengue 2 e 4 (SALOMÃO, 2017). Deve-se realizar o diagnóstico virológico da dengue na fase aguda das infecções, enquanto ocorre viremia, embora a RT-PCR possa ser usada até o início da fase de convalescença. O período virêmico costuma durar até o sexto dia após o aparecimento dos sintomas, comos maiores títulos virais sendo encontrados no início da doença e decaindo à medida que se aproxima a defervescência. A partir desse período, os testes sorológicos devem ter preferência aos virológicos na rotina diagnóstica. As amostras de sangue devem ser coletadas em frasco estéril, sem anticoagulante, e mantidas a 4°C por período de, no máximo, 24 h, quando devem ser processadas ou armazenadas à temperatura de –70ºC ou menos (SALOMÃO, 2017). DIAGNÓSTICO SOROLÓGICO ↠ Os métodos sorológicos indiretos se baseiam na pesquisa de anticorpos específicos contra o vírus dengue infectante (SALOMÃO, 2017). ↠ Os testes mais utilizados são os imunoenzimáticos, principalmente o de captura de IgM (MAC-ELISA). Deve- se considerar o fato de que essa técnica permite o diagnóstico da dengue apenas na fase de convalescença, pois esses testes devem ser realizados após o sexto dia de doença, para assegurar a certeza do resultado. Portanto, na maioria das vezes, quando o resultado do teste é liberado, o paciente já se recuperou da doença (SALOMÃO, 2017). OUTROS EXAMES ↠ Hematócrito, contagem de plaquetas e dosagem de albumina são os mais importantes para o diagnóstico e acompanhamento dos pacientes com dengue, especialmente os que apresentarem sinais de alarme, sangramento, e para pacientes em situações especiais (MS) ↠ O acometimento hepático é bastante comum, mesmo em quadros menos graves, com aminotransferases aumentadas, geralmente entre duas e cinco vezes o limite superior da normalidade, e a aspartato aminotransferase (AST) em níveis mais elevados do que a alanina aminotransferase (ALT) (SALOMÃO, 2017). IMPORTANTE: a prova do laço pode ser realizada, conforme página 7 do resumo. OBS.: Portanto, o diagnóstico de DHF/DSS deve ser lembrado sempre que houver um paciente que apresentou um quadro clínico compatível com dengue clássica e que apresente, após 3 a 5 dias do início do quadro, prova do laço positiva, equimoses, petéquias ou púrpuras, sangramento de mucosas, hematêmese ou melena, plaquetopenia (plaquetas < 100.000/mm3), alteração do hematócrito > 20% ou sinais de perda plasmática, tais como derrame pleural, ascite ou hipoproteinemia. Outro achado de importância na avaliação laboratorial desses pacientes é o edema da parede da vesícula biliar ao exame ultrassonográfico (FOCACCIA et. al., 2015). Tratamento ↠ O tratamento da dengue consiste na hidratação precoce, da maneira mais agressiva possível, sempre levando em consideração a existência de cardiopatias e da capacidade dos pacientes de suportar a administração de grandes volumes de líquido. Como o aumento da permeabilidade capilar, com consequente extravasamento de plasma para o interstício e as cavidades, é o principal evento fisiopatológico da dengue, a hidratação é o único tratamento disponível, pois até o momento não há fármacos antivirais que tenham ação específica e efetiva contra os vírus dengue (SALOMÃO, 2017). ↠ O tratamento baseia-se principalmente em hidratação adequada, levando em consideração o estadiamento (Grupo A, B, C e D) da doença, segundo os sinais e sintomas apresentados pelo paciente, para decidir condutas, bem como o reconhecimento precoce dos sinais de alarme. É importante reconhecer precocemente os sinais de extravasamento plasmático para correção rápida com infusão de fluidos. Quanto ao tipo de unidade de saúde para o atendimento dos pacientes de dengue, deve-se levar em consideração o estadiamento da doença, seguindo as indicações a seguir: (MS). ➢ tratamento ambulatorial para os pacientes que se consultam durante as primeiras 48 horas e que NÃO apresentam sangramento e NEM sinal de alarme. Esses pacientes pertencem ao Grupo A; ➢ tratamento em unidade de saúde com leitos de observação para os pacientes que apresentam algum tipo de sangramento (espontâneo ou induzido). Esses pertencem ao Grupo B. ➢ tratamento em unidade hospitalar com leitos de internação para os pacientes que apresentam SINAIS DE ALARME. Esses pertencem ao Grupo C; ➢ tratamento em unidade hospitalar com leitos de UTI para pacientes que apresentem SINAIS DE CHOQUE. Esses pertencem ao Grupo D. IMPORTANTE: O uso de salicilatos deve ser evitado, pois esses fármacos podem causar hemorragias digestivas altas e acidose, além de atuarem sobre a agregação plaquetária, podendo agravar ainda mais os quadros graves da dengue. Prefere-se utilizar o paracetamol ou a dipirona, tomando-se o cuidado com doses elevadas de paracetamol (acima de 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck 4 g/dia, no adulto), já que é hepatotóxico – devido à dor apresentada pelos pacientes com dengue, pode haver excesso na dose ingerida, podendo-se chegar a níveis tóxicos de concentração. A OMS também recomenda evitar o uso dos anti-inflamatórios não hormonais (AINH), especialmente o ibuprofeno (SALOMÃO, 2017). Prevenção ↠ Atualmente, as melhores ferramentas de prevenção e controle contra os DENV são as políticas públicas, que viabilizam o combate ao principal vetor das áreas urbanas, o Aedes aegypti. Em 2002, foi criado o Programa Nacional de Controle da Dengue, que envolve não apenas medidas efetivas de controle vetorial, mas também a reformulação de planos anteriormente criados e a participação da sociedade, através de campanhas de conscientização ambiental (SALOMÃO, 2017). OBS.: A vacinação contra a dengue é, sem sombra de dúvida, a forma ideal para se controlar essa doença. Entretanto, o desenvolvimento de vacinas para a dengue tem frustrado a comunidade científica mundial, pois tem sido retardado, em razão das próprias características dos vírus. Um dos problemas é que, por causa da hipótese do “aumento da infecção mediado pelo sistema imune”, a vacina para a dengue necessita ser uma vacina tetravalente (FOCACCIA et. al., 2015). IMPORTANTE: Por ser uma doença de notificação compulsória, todo caso suspeito e/ou confirmado, deve ser comunicado ao Serviço de Vigilância Epidemiológica, o mais rapidamente possível. Esse serviço deverá informar, imediatamente, o fato à equipe de controle vetorial local para a adoção das medidas necessárias ao combate do vetor. Os casos graves devem ser notificados e investigados imediatamente, preferencialmente, durante o período de internação (MS). Antiflamatórios não esteroidais (AINEs) ↠ Os AINEs são um grupo de fármacos quimicamente heterogêneos que se diferenciam na sua atividade antipirética, analgésica e anti-inflamatória (WHALEN, 6ª ed.). ↠ Eles atuam, principalmente, inibindo as enzimas cicloxigenase que catalisam o primeiro estágio da biossíntese de prostanoides. Isso leva à redução da síntese de PGs, com efeitos desejados e indesejados (WHALEN, 6ª ed.). Nota: Diferenças na segurança e na eficácia dos AINEs podem ser explicadas pela seletividade relativa das enzimas COX-1 ou COX-2. A inibição da COX-2 parece levar aos efeitos anti-inflamatório e analgésico dos AINEs, ao passo que a inibição da COX-1 é responsável pela prevenção dos eventos cardiovasculares e pela maioria dos eventos adversos.) (WHALEN, 6ª ed.). MECANISMO DE AÇÃO: O AAS é um ácido orgânico fraco que acetila irreversivelmente e, assim, inativa a cicloxigenase. Todos os outros AINEs são inibidores reversíveis da cicloxigenase. Os AINEs, inclusive o AAS, realizam três ações terapêuticas principais: reduzem a inflamação (afeito anti-inflamatório), a dor (efeito analgésico) e a febre (efeito antipirético). Entretanto, nem todos os AINEs são igualmente potentes em cada uma dessas ações (WHALEN, 6ª ed.). IMPORTANTE: Aumento do risco de sangramentos (efeito antiplaquetário): O TXA2 aumenta a aglutinação das plaquetas, ao passo que a PGI2 a reduz. O AAS inibe irreversivelmente a formação de TXA2 mediada por COX-1, e outros AINEs a inibem reversivelmente. Como as plaquetas não possuem núcleo, elas não podem sintetizar novasenzimas quando inibidas pelo AAS, e a falta de tromboxano persiste durante toda a vida da plaqueta (3-7 dias). Como resultado da diminuição de TXA2, a aglutinação plaquetária (o primeiro estágio da formação do trombo) é reduzida, produzindo efeito antiplaquetário com aumento do tempo de sangramento. Por esse 12 Júlia Morbeck – @med.morbeck motivo, o uso do AAS é suspenso ou não é administrado por pelo menos uma semana (WHALEN, 6ª ed.). ATENÇÃO: Medicamentos que contêm ácido acetilsalicílico (AAS), ibuprofeno e outros anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) devem ser evitados, pois inibem elementos essenciais para a coagulação sanguínea, que já é prejudicada pela redução de plaquetas causada por esses vírus, favorecendo e agravando a ocorrência de hemorragias. ↠ Já o paracetamol inibe a síntese das PGs no SNC. Isso explica suas propriedades antipiréticas e analgésicas. O paracetamol exerce menor efeito sobre as cicloxigenases nos tecidos periféricos devido à inativação periférica, o que contribui para a sua fraca atividade anti-inflamatória. Esse fármaco não afeta a função plaquetária nem aumenta o tempo de sangramento. O paracetamol não é considerado um AINE (WHALEN, 6ª ed.). ↠ Segundo a Anvisa, “o paracetamol é contraindicado para portadores de doenças hepáticas, imunossupressoras e AIDS. O vírus da dengue, especialmente a forma hemorrágica da doença, provoca necrose hepática podendo evoluir para falência do órgão.” IMPORTANTE: Os medicamentos contraindicados em caso de suspeita de dengue são: salicitados (ácido acetilsalicílico), outros anti-inflamatórios não-esteroidais (naproxeno, cetoprofeno, ibuprofeno) e corticoides. Referências FILHO, Geraldo B. Bogliolo - Patologia. Grupo GEN, 2021. SALOMÃO, Reinaldo. Infectologia - Bases Clínicas e Tratamento. Grupo GEN, 2017. FOCACCIA et. al. Tratado de Infectologia, 5ª edição. São Paulo: Editora Atheneu, 2015. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico, v. 53, 2022. YOKOO, S. C. A sazonalidade da ocorrência de dengue no município de Campo Mourão – PR, 2017. NUNES, J. S. Dengue: etiologia, patogênese e suas implicações a nível global. Dissertação para obtenção do Grau de Mestrado, 2011. VARGAS et. al. O Aedes Aegypti e a Dengue: Aspectos Gerais e Panorama da Dengue no Brasil e no Mundo. UNICIÊNCIAS, 2020. WHALEN et. al. Farmacologia Ilustrada, 6ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2016. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Dengue: diagnóstico e manejo clínico – Adulto e Criança, 3ª edição, 2007.
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