Buscar

TCC- Pena de morte e o mito da diminuição da criminalidade

Prévia do material em texto

COLÉGIO FRANCISCANO NOSSA SENHORA APARECIDA
MARIA EDUARDA CAPELETTI PIRES
PENA DE MORTE E O MITO DA DIMINUICAO DA CRIMINALIDADE
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP 2022
PENA DE MORTE E O MITO DA DIMINUICAO DA CRIMINALIDADE
Trabalho de conclusão de curso apresentado para o Colégio Franciscano Nossa Senhora Aparecida
ORIENTADORAS:
(Cristina Arraes)
(Ione Vicente da Costa)
SÃO JOSE DOS CAMPOS - SP 2022
 (
MARIA
 
EDUARDA
 
CAPELETTI
 
PIRES
)
PENA DE MORTE E O MITO NA DIMINUICAO DA CRIMINALIDADE
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Colégio Franciscano Nossa Senhora Aparecida para conclusão do Ensino Médio
São José dos Campos – SP, 2022
BANCA EXAMINADORA
Monica Maria de Souza
SÃO JOSE DOS CAMPOS - SP 2022
 (
MARIA
 
EDUARDA
 
CAPELETTI
 
PIRES
)
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho ao meu pai, minha mãe e meu irmão que me impulsionaram todos os dias com palavras de apoio.
O presente trabalho visa abordar o histórico da Pena de morte, com ênfase para o tema no que tange ao Brasil.
Para tanto, o estudo será estruturado em torno das leis e da legislação brasileira. Assim como apresentará o posicionamento de especialistas no assunto. Sempre com o objetivo de contribuir para uma reflexão crítica no que diz respeito aos prós e contras de legalidade da pena em nosso país, visando enfatizar a ineficiência da mesma no que cabe à diminuição da criminalidade.
Palavras-chave: Pena de morte; sociedade; Ineficiência.
 (
RESUMO
)
The present work aims to approach the history of the Death Penalty, with emphasis on the theme in relation to Brazil.
Therefore, the study will be structured around Brazilian laws and legislation. As well as presenting the position of experts on the subject. Always with the objective of contributing to a critical reflection with regard to the pros and cons of the legality of the penalty in our country, aiming to emphasize its inefficiency in terms of reducing crime.
Keywords: Death penalty; society; Inefficiency.
 (
ABSTRACT
)
Figura 1 - Pessoa sendo fervida em óleo quente como pena de morte	24
Figura 2 - Empalamento	25
Figura 3 - Esfoliação	26
 (
ÍNDICE
 
DE
 
ILUSTRAÇÕES
)
1 Introdução	15
2 Teóricos	17
2.1 François Marie Arouet	17
2.2 Heleno Cláudio Fragoso	17
2.3 Santo Agostinho	18
3 Pena de Morte no Brasil	19
4 Direitos humanos e sua relação com a pena de morte	21
5 História da pena de morte	23
5.1 Cesare Beccaria	17
5.2 Ser Fervido	24
5.3 Empalamento	25
5.4 Esfolação	25
6 Porque deve ter	27
7 Porque não deve ter	31
8 Perspectivas históricas do movimento de supressão da pena de morte ao redor do mundo	35
9 Considerações Finais	45
Bibliografia	47
 (
SUMÁRIO
)
1 INTRODUÇÃO
Falar sobre pena de morte nunca foi um assunto questionado o bastante, posto que grade parte da população brasileira cumpre o papel de desinteressado por política e como ela nos afeta. Esse trabalho trará muitas indagações a respeito da pena capital, sua história e suas vertentes, pretendendo trazer pensamentos de filósofos, advogados, historiadores e estudiosos. A pena de morte é um tema que é apenas indagado durante uma crise de segurança nacional ou quando presenciamos um crime de grande repercussão. Por esse motivo queremos
trazer à tona fatos e questões sobre este tópico.
A falta de repercussão desse assunto traz grandes problemas governamentais e acaba se tornando um mistério para a população. Criando assim um certo preconceito político em relação a isso, e um “tabu”.
Visando o total trabalho, abordamos a história da pena de morte e como as pessoas lidavam com isso dentro de uma linha do tempo, citando argumentos de Cesare Beccari como base do desenvolvimento. Já mais especificamente tratamos sobre a ineficiência da pena de morte em relação a diminuição da criminalidade.
Concluímos que faríamos a história da pena de morte ao redor do mundo e a pena de morte no Brasil. Assim tratando sobre os motivos nos quais devem e nos quais não devem acontecer a pena. Posto isso, chegamos ao capítulo onde nos conduz a refletir sobre o principal assunto: a diminuição da criminalidade.
Usando uma metodologia descritiva e exploratória, com base em bibliografias e estudos de casos, levando-nos a pensar e refletir, mas ao mesmo tempo apresentando fatos de pensadores, como Antônio Marcelo J. F. da Silva. Além disso, aborda argumentos jurídicos e constitucionais de juízes e advogados para melhor compreensão do tema.
 (
16
)
 (
15
)
2 TEÓRICOS
2.1 Cesare Beccaria
Um Aristocrata milanês, é considerado o principal representante do iluminismo penal e da Escola Clássica do Direito Penal. Imbuído pelos valores e ideais iluministas, tornou-se reconhecido por contestar a triste condição em que se encontrava a esfera punitiva de Direito na Europa dos déspotas - sem, contudo, contestar como um todo a ordem social vigente. Suas obras, mais especificamente a intitulada "Dos Delitos e Das Penas", são consideradas as bases do Direito penal moderno. As proposições ali contidas projetaram arquiteturalmente a política e o direito modernos: igualdade perante a lei, abolição da pena de morte, erradicação da tortura como meio de obtenção de provas, instauração de julgamentos públicos e céleres, penas consistentes e proporcionais, dentre outras críticas e propostas que visaram a humanizar o direito. Desta forma, Beccaria repensou a lei e as punições com base na análise filosófica, moral e econômica da natureza do ser humano e da ordem social.
2.2 François Marie Arouet
Mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire, foi um dos mais importantes filósofos do iluminismo. Defensor das liberdades individuais e da tolerância, foi uma das principais inspirações da Revolução Francesa. Para Voltaire, deve ser garantido às pessoas o direito à liberdade de expressão, à liberdade religiosa e à liberdade política. Por suas defesas, o filósofo foi perseguido pela Igreja Católica e pelo Estado absolutista francês.
2.3 Heleno Cláudio Fragoso
Foi um dos mais importantes advogados de presos políticos na época da ditadura militar, defendendo inúmeras pessoas acusadas de oposição ao regime, tais como o ilustre historiador Caio da Silva Prado Júnior, Niomar Moniz Sodré Bittencourt, dona do Correio da Manhã, Ênio Silveira, dono da Editora Civilização Brasileira, Stuart Angel Jones, filho da estilista Zuzu Angel, Francisco Pinto, deputado acusado de crime contra a segurança nacional, por críticas ao general Augusto Pinochet, dentre outros. Foi
Vice-Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que, à época, era presidida pelo professor Caio Mário da Silva Pereira. Foi Conselheiro Federal da OAB por vários biênios. Exerceu, também, a vice-presidência da Seção da OAB do antigo Estado da Guanabara, hoje Estado do Rio de Janeiro. Membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros, integrando seu Conselho Superior. Foi um dos mais respeitados defensores de direitos humanos na época da ditadura militar, sendo, por isso, até preso pelos agentes da repressão, em 1970, juntamente com os advogados Augusto Sussekind de Moraes Rego e George Tavares e com o maestro Erlon Chaves. Santo Agostinho Santo Agostinho (354-430) foi um filósofo, escritor, bispo e importante teólogo cristão do norte da África, durante a dominação romana. Suas concepções sobre as relações entre a fé e a razão, entre a Igreja e o Estado, dominaram toda a Idade Média.
2.4 Santo Agostinho
Conhecido também como Agostinho de Hipona, nasceu em Tagaste, na cidade da Numídia (hoje Argélia), no norte da África, região dominada pelo Império Romano, no dia 13 de novembro de 354. Sua infância e adolescência transcorreram principalmente em sua cidade natal, em um ambiente limitado por um povoado perdido entre montanhas. Seu pai era pagão e sua mãe uma cristã devota que exerceu grande influência sobre a conversão do filho.
3 PENA DE MORTE NO BRASIL
A pena de morte tem sua origem, no âmbito nacional, no Brasil colonial,antes da independência, a pena de morte foi adotada para crimes comuns. Assim manteve até a constituição de 1891, onde teve uma mudança, a pena de morte só era aplicável para casos de: homicídio, rebelião de escravos e latrocínio.
A parte da abolição ocorreu em meados do século XIX, após a morte de Manuel Motta Coqueiro, essa condenação teve uma enorme repercussão por ter sido um erro, ele foi morto no lugar de outra pessoa. A imprensa acompanhou a investigação, e depois de dois julgamentos parciais, ele foi morto. Essa história é marcante para o nosso país até hoje, o chamado o maior erro judiciário brasileiro.
No Brasil desde a Constituição Federal de 1891 não era utilizada a pena de morte. Ela deixou de ser aplicada para casos civis, no final do século XIX, em 1876. O Brasil foi oficialmente o segundo país da América Latina a abolir a pena de morte para crimes comuns. A Constituição brasileira de 1937 voltou a instituir a pena de morte para casos de crimes militares e contra a segurança do Estado, segundo o decreto 4766 de 1º de outubro de 1942.
Define crimes militares e contra a segurança do Estado, e dá outras providências. O Presidente da República, usando da atribuição que lhe conferem os arts.
Pena: morte, grau máximo; reclusão por vinte anos, grau mínimo; aos corréus: reclusão de vinte a trinta anos, ressalvada, quanto ao executor de violência, a pena a esta correspondente, se for mais grave.
Em 1969, durante o regime militar e o 5* Ato Constitucional, a pena de morte foi reestabelecida para alguém que é inimigo do regime, caso essa pessoa cometesse homicídio. O Supremo Tribunal Militar comutou essa pena para prisão perpétua, após poucas mortes. Essa foi uma exceção histórica, após longa proibição da pena capital no Brasil, que ocorreu durante o regime militar em 1969, com o Ato Constitucional nº 01, que previa, através do artigo de emenda constitucional, sob o Decreto de Lei nº 898, a aplicação da pena de morte em casos especificados no decreto, que é ainda hoje conhecido como a Lei de Segurança Nacional.
Hoje em dia, ainda existe a pena no Código Penal Militar, para casos de: genocídio, traição, furto, abandono do posto, desobediência e covardia. Todas essas razões acontecem somente durante o período de guerra. Mesmo tendo na legislação, a pena de morte nunca foi exercida após a proclamação da república, nem mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, o último conflito armado que o Brasil participou.
4 DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM A PENA DE MORTE
Os direitos humanos são direitos e liberdade que todos temos, não importa quem somos nem o que fazemos, para viver com dignidade os seres humanos têm o direito de viver com liberdade, segurança e um padrão de vida decente.
Por mais que hoje o termo Direitos Humanos seja bem conhecido e os tenhamos como direitos garantidos, importante destacar que nem sempre foi assim.
Na medida em que esses grupos foram surgindo, a vida dos indivíduos pertencentes a eles passou a ser baseada em relações sociais, como a interação cultural, religiosa, econômica e a comunicação, que exerciam um papel muito importante para a harmonia daquelas sociedades.
Mas, para que essas relações funcionassem bem, as regras passaram a ser um fator essencial, conduzindo as condutas e o comportamento de todos os que estão submetidos a elas. É nesse contexto de regras das sociedades nascentes que surgiram os primeiros elementos dos Direitos Humanos.
Foi em 539 a.C que o primeiro desses elementos apareceu na história da humanidade. Conhecido como Cilindro de Ciro, ele marcava a libertação do povo hebreu da Babilônia, além de permitir a liberdade religiosa e estabelecer a igualdade racial na região da Pérsia (atual Irã).
Mas, ainda assim, a ideia de Direitos Humanos ainda estava longe de ser um consenso global nessa época.
Para efeitos de comparação, em 450 a.C (cerca de 89 anos depois do Cilindro de Ciro) foi decretada a Lei das Dozes Tábuas na Roma Antiga, que diferente da concepção social e humana do documento da Babilônia, permitia a execução de bebês que nasciam com deficiências ou deformidades
Dessa forma, apesar de seu elemento original ter nascido na antiguidade, os Direitos Humanos tiveram de passar por um longo processo de aprimoramento.
Em primeira instancia, os direitos humanos reprimem a pena de morte, mesmo nos casos mais graves. No Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos contém tratados para controlar a abolição da pena nos países.
No plano global, o art. 6.2 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP)[4] estabelece que:
“Nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta apenas nos casos de crimes mais graves (…)”. E o seu Segundo Protocolo Facultativo[5], por sua vez, avança para dizer que “Nenhum indivíduo sujeito à jurisdição de um Estado Parte no presente Protocolo será executado” (art. 1.1), e
também que “Os Estados Partes devem tomar as medidas adequadas para abolir a pena de morte no âmbito da sua jurisdição” (art. 1.2). Referido Protocolo Facultativo sequer admite reservas, exceto a formulada “no momento da ratificação ou adesão que preveja a aplicação da pena de morte em tempo de guerra em virtude de condenação por infração penal de natureza militar de gravidade extrema cometida em tempo de guerra” (art. 2.1). Igual preocupação legislativa é encontrada no plano regional da Organização dos Estados Americanos (OEA), em que o art. 4.1 da Convenção Americana[6] estabelece que “Nos países que não houverem abolido a pena de morte, está só poderá ser imposta pelos delitos mais graves (…)”, e o seu Protocolo Adicional[7], da mesma forma que seu correspondente normativo global, prevê que “Os Estados-Partes neste Protocolo não aplicarão em seu território a pena de morte a nenhuma pessoa submetida a sua jurisdição”, estabelecendo, ainda, idêntico sistema de reservas.
A organização dos direitos humanos tenta todos os dias abolir a pena de morte nos países que ainda não fizeram, tentando assim diminui-la aos crimes mais graves e apenas em nativos.
5 HISTÓRIA DA PENA DE MORTE
Nas comunidades primitivas a pena de morte adequava-se para vingar as famílias das vítimas de tais crime, ou seja, não havia cárcere. A condenação à morte também se constituía- se em causar sofrimento ao condenado para que assim ele servisse de exemplo para as outras pessoas.
Sob o prisma histórico que as faculdades de direito se desenvolveram, o que a história criou permanece em seu contexto original. Foi criado a partir da hostilidade auto protetora dos homens que não possuíam o conhecimento necessário para governar sua comunidade e atuar como uma entidade compositora heterogênea. Enquanto a humanidade criava descendentes na Terra, seus métodos de resolução de disputas eram comuns, incluindo a pena de morte.
À medida que a cultura se desenvolveu, as pessoas criaram outras formas de litígio além da pena de morte. A forma de auto associação adotada pela maioria dos Estados-nação tornou- se proeminente. Os países que adotam a chamada "abordagem pacífica para a resolução de conflitos" o fazem para melhorar sua própria cultura e respeitar a evolução histórica. Os países que adotaram a pena de morte adotaram teorias liberais bem conhecidas. Portanto, os países que adotam o sistema de pena de morte desrespeitam os direitos humanos e apoiam a economia, embarcando em um caminho de aceleração econômica acelerada.
A falta de atenção à dignidade humana em prol do ganho econômico possibilita acelerar o desenvolvimento financeiro, porém, leva à pena de morte os cidadãos de baixa renda e aqueles que necessitam de auxílio educacional, por não terem respaldo legal adequado e a sociedade sem o status de presumir inocência.
Para os hebreus, como diz a Bíblia, em Gênesis, Êxodo, Levítico e Deuteronômio Deus, as penas eram um ato de satisfação que iam contra Deus, e à custa de dor física. Quando ocorre um crime de morte, os familiares do falecido têm o direito de sacrificar o assassino.
O primeiro caso de pena de morte ocorreu em 1750 a.C.na Antiga Mesopotâmia durante a aplicação do Código de Hamurabi, onde era-se condenado à morte quando cometido crime de difamação, enganação, traição ou crimes comuns - como furto, homicídio, assassinato - tal código tinha como objetivo melhorar o relacionamento do povo com o Estado e diminuir a desobediência da população. O código era baseado na Lei de Talião, nela consta a reciprocidade de crimes, “olho por olho, dente por dente’’.
Na idade média foi que surgiram talvez os mais cruéis castigos e penas de que se tem registros. Alguns dos castigos de pena de morte mais cruéis são:
5.1 Ser Fervido
Lenta e agonizante, esta punição já foi feita com água, óleo, cera e até mesmo vinho e chumbo derretido. Se o choque da dor não deixar a vítima inconsciente, ela vai experimentar uma sensação insuportável de ter as camadas externas da pele destruídas pelo calor até serem dissolvidas. Em seguida, haverá a ruptura completa do tecido adiposo.
Figura 1 - Pessoa sendo fervida em óleo quente como pena de morte
Pode parecer que uma morte tão severa foi destino de grandes criminosos, mas o Imperador Nero impôs esta condenação a milhares de cristãos. Já na Idade Média, os falsificadores de moedas é que recebiam tal penalidade.
Apesar de chocante e cruel, acredita-se que esta prática tenha sido realizada recentemente, em 2002, pelo governo do Uzbequistão, conduzido por Islam Karimov. Eles foram acusados de torturar vários suspeitos de terrorismo desta maneira.
5.2 Empalamento
Método usado por Vlad, o Empalador, Príncipe da Valáquia que governou a região durante o século XV, o empalamento costuma ser retratado por uma estaca atravessando verticalmente uma pessoa – o que poderia passar a impressão de ser uma morte rápida, porém o processo real durava muito mais tempo.
Figura 2 - Empalamento
Tradicionalmente, a lança era afiada e fixada no chão. A vítima era colocada sobre a ponta, com o objeto inserido pelo reto ou vagina. O peso do corpo fazia com que a lança fosse perfurando os órgãos de uma maneira lenta e agonizante, até que, depois de penetrar por todo o torso, rasgava uma saída através do ombro, pescoço ou garganta. De acordo com relatos, a vítima poderia demorar até 8 dias para morrer.
5.3 Esfolação
A esfolação tem uma história longa e grotesca: registros da prática existem desde 911 a.C., mas ela foi utilizada com maior frequência durante a Europa Medieval. Várias técnicas têm sido aproveitadas em diferentes culturas, mas a base continua a ser a mesma: retirar a pele lentamente, mantendo a vítima viva pelo maior tempo possível.
Figura 3 - Esfoliação
Esculturas do período assírio mostram que o processo começa com incisões nas coxas ou nas nádegas, enquanto no modo europeu a pele era arrancada a partir dos pés. A morte viria normalmente, como resultado da perda de sangue e do choque.
Porém, nos piores casos, a vítima era mantida em estado de agonia por vários dias, até sucumbir aos ferimentos infectados.
6 PORQUE DEVE TER
É sabido que a primeira legislação civil – ou seja, estamos descartando todas as leis produzidas por sociedades cuja organização política era mítico-religiosa, como, por exemplo, Babilônicos, Hebreus, Egípcios etc. – aparece com o Direito Romano. Para este caso, antes de mais nada, deve-se entender a organização da sociedade romana como vinculada ao princípio da Res Publica (coisa de todos). Não havia espaço para qualquer discussão que escapasse da ideia de que apenas existia a sociedade e, acima de tudo, ela deveria ser mantida. Tomando por empréstimo os argumentos de seu principal jurisconsulto, Marco Túlio Cícero, o único papel que deveria ser exercido (funcionando como um direito e uma obrigação, ao mesmo tempo) pelo indivíduo era o de ser um “cidadão virtuoso” ou, em outras palavras, agir em prol da saúde pública, o bem-estar de todos. Para Cícero, a virtuosidade deveria ser espontânea; porém, caso isso não surgisse de forma natural, ela deveria ser observada nas ações dos grandes vultos que promoveram a existência e manutenção de Roma, daí brotar o princípio de “história mestra da vida”, ou seja, a história como sendo a dos bons exemplos, dos homens virtuosos. Da mesma forma, o inverso era verdadeiro: um homem não virtuoso transformar-se-ia muito rapidamente em um mau exemplo a ser seguido. Nesse sentido, era necessária a produção de uma série de normas jurídicas que de algum modo funcionassem como referência a todos os homens que desejassem a virtuosidade e, por via de consequência, o bem-estar da república.
Dando sequência ao argumento do autor, o passo seguinte seria definir quem faria parte da res publica, isso porque a exigência e/ou expectativa em relação à virtuosidade dos homens era diretamente proporcional a seu vínculo com a sociedade. Desse modo, Cícero (1973, p. 155) afirmava que
“é, pois, (...) a República coisa do povo, considerando tal, não todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que tem seu fundamento no consentimento jurídico e na utilidade comum. Pois bem: a primeira causa dessa agregação de uns homens a outros é menos a sua debilidade do que um certo instinto de sociabilidade em todo inato; a espécie humana não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas como uma disposição que, mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum. (grifo nosso). Assim, não deve o homem atribuíres, como virtude, sua sociabilidade, que é nele intuitiva. (...) [Deste modo], todo povo, isto é, toda sociedade fundada com as condições por mim expostas, (...) toda coisa pública, (...) necessita, para ser duradoura, ser regida por uma autoridade inteligente que sempre se apoie sobre o princípio que presidiu a formação do Estado”.
Dessa maneira, a virtuosidade deveria ser algo esperado dos homens que fizessem parte da República, ou seja, daqueles que estivessem dentro do “consentimento jurídico da utilidade pública”, da mesma forma que os “direitos e obrigações” do cidadão romano eram itens da
agenda daqueles que fizessem parte da república, nunca para aqueles que não possuíssem a cidadania.
Assim, transportando os argumentos de Marco Túlio Cícero para analisarmos a legislação romana que chegou até nós, a Lei das XII Tábuas, observamos que, quando um cidadão romano cometia um delito, o primeiro passo em termos de uma punição seria, dependendo do caso, o açoite ou uma multa. A reincidência do delito poderia determinar a perda da cidadania (sendo transformado em escravo) e, aí sim, surgia a possibilidade da pena capital (precipitando o punido do alto da rocha da Tarpéia). A importância de destacarmos esse processo reside na ideia de que apenas um “não cidadão” poderia ser condenado à morte: jamais alguém com a cidadania plena sofreria tal punição. Em outras palavras, a relação entre a pena capital e a cidadania era completa: enquanto existisse a segunda, jamais a primeira poderia ocorrer. O que estava em jogo, portanto, seria a garantia de existirem sempre “cidadãos virtuosos” nos quadros da res publica: os que ameaçavam o bem-estar de todos teriam, antes, perdido seus direitos dentro da Pax Romana e, por conseguinte, estariam fora da circunscrição da lei.
Observa-se, para esse primeiro caso, que a pena capital apenas aparece para aqueles que não fazem parte do conjunto de direitos e obrigações dentro da ordem jurídico-política, inexistindo para qualquer outro. A maior punição, portanto, seria a perda da cidadania por um grave delito cometido, o que já significava a exclusão do meio social.
Se o bem-estar da sociedade seria a principal referência para o funcionamento do Direito Romano, o Mundo Medieval insere o argumento “moral” dentro dos estudos jurídico-políticos. A palavra “moral” (morus, em latim) originalmente significava o conjunto de hábitos, costumes de uma determinada sociedade. Assim, estar dentro dos termos moralmente aceitos significava agir dentro dos costumes do meio social em que se vivia. Com o advento do cristianismo, essa palavra ganhou um novo desígnio, passando a estar vinculada aos termos que areligião imprimia. A consequência prática foi que, se antes a “moral” era uma coisa que brotava da própria sociedade, a partir da Idade Média a mesma seria “exterior” à sociedade, ou seja, seria um conjunto de valores que deveriam oferecer referências ao comportamento dos indivíduos. Ao mesmo tempo, a personagem do governante adquiriu uma roupagem presa aos valores cristãos, assumindo, então, um caráter que não apenas o deixava como sendo o representante primeiro do poder político, mas também o legítimo representante dos interesses morais. É por essa época que começa a ser construída a ideia dos crimes de “lesa majestade” (cuja fórmula estará completa no Mundo Moderno), ou seja, aqueles crimes que ameaçavam os interesses do rei e, por conseguinte, de toda a sociedade. Para esses casos, a pena de morte aparecia para
punir um delito que tanto era compreendido como uma ameaça ao bem-estar da sociedade, quanto era também um desafio à ordem moral. Em outras palavras, se para o Mundo Romano a perda da cidadania era o “pré-requisito” necessário para ser punido com a morte, no Medievo esta mesma cidadania se vê acrescida de elementos que estariam, a priori, fora da sociedade: um bom cidadão seria não apenas aquele que age em prol de todos, mas também aquele que é moralmente correto em suas ações.
É com essa linha de raciocínio que se chega à Idade Moderna e, particularmente, àquele que irá fornecer o melhor argumento sobre o tema: Thomas Hobbes.
O raciocínio hobbesiano parte da observação de que a natureza humana é incapaz de, espontaneamente, lidar com suas principais características, a saber: seu ímpeto predatório e sua vontade de vingança vivendo em um mundo escasso em bens. Tal questão seria a fonte principal da vaidade dos homens que, por sua vez, inviabilizam a própria condição primária de se viver em grupo. Nas palavras do autor (HOBBES, 1973, p. 79):
“os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (...) quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito. Porque cada um pretende que seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele se atribui a si próprio e, na presença de todos os sinais de desprezo ou de subestimação, naturalmente se esforça (...) por arrancar de seus contendores a atribuição de maior valor, causando-lhes dano, e dos outros também, através do exemplo. 184 Revista de Informação Legislativa De modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória. A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurança; e a terceira, a reputação. Os primeiros usam a violência para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens; os segundos, para defendê- los; e os terceiros por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome”.
Com isso, mesmo que os homens não estejam explicitamente em um conflito bélico, existe, como uma sombra constante, um “estado de guerra dos homens com outros homens”, o “homem como sendo o lobo do próprio homem”, na conhecida expressão de Hobbes.
A única solução possível, conforme o autor, é a existência de um poder soberano sobre todos os homens, tendo como princípio gerador desse poder o reconhecimento de todos de que ele é a única fonte legítima de todas as decisões políticas e jurídicas. Para tanto, esse poder deve determinar o conjunto de leis civis, definidas como “constituída por aquelas regras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como critério de distinção entre o bem e o mal; isto é, do que é contrário ou não é contrário à regra” (HOBBES, 1973, p. 165). Dessa maneira, antes de mais nada, a lei civil é algo que existe
para limitar as ações dos homens: “a lei não foi trazida ao mundo para nada mais senão para limitar a liberdade natural dos indivíduos, de maneira tal que eles sejam impedidos de causar dano uns aos outros, e em vez disso se ajudem e se unam contra o inimigo comum” (HOBBES, 1973, p. 167).
Assim, frente ao exposto, os únicos atenuantes admitidos pelo autor ao não cumprimento de uma lei seriam o seu desconhecimento, pela pouca clareza da mesma, por seguirem as interpretações erradas de pessoas autorizadas a interpretá-la, por ser constrangido por meio da força a cometer um delito, por não poder renunciar a sua própria preservação ou por “inferências erradas feitas a partir de princípios verdadeiros” (HOBBES, 1973, p. 182). Em todos os outros casos, ninguém poderá ser absolvido caso cometa um crime, isso porque tal prática faria aflorar a natureza dos homens e, consequentemente, haveria o risco do bem-estar da sociedade.
Por analogia, conforme o autor, o crime deve ser medido segundo determinados “graus”, cujas penas deverão ser equivalentes, a saber: pela malignidade da fonte ou causa, pelo contágio do exemplo, pelo prejuízo ou efeito e pela concorrência de tempo, lugares e pessoas (HOBBES, 1973, p. 185). Nesses casos, como na fundação do Estado cada um renunciou ao direito de se defender dos outros em virtude da natureza comum de todos os homens, cabe ao poder público determinar a pena a ser aplicada – inclusive a pena de morte – principalmente porque, “de todas as paixões, a que menos faz os homens tender a violar as leis é o medo” (HOBBES, 1973, p. 183). Segundo Hobbes, se é papel do Estado garantir a paz pública, essa garantia deve ser dada com todos os recursos disponíveis, principalmente pelo medo provocado pela aplicação das leis, incluindo a morte do criminoso.
Por último, conforme o autor, admite-se a possibilidade do erro no julgamento. Porém, esse erro seria muito mais visível na órbita do Estado – posto ser ele o responsável pela justiça
–, e assim os representantes políticos da sociedade poderiam ser substituídos por outros. Dito de forma diferente, se, dentro do contrato social hobbesiano, o papel do Estado é garantir a paz tripartida de ter assumido todos os direitos abdicados pelos cidadãos), o maior interessado na inexistência do erro jurídico seria o próprio Estado, ou aqueles que o fazem funcionar, isso porque a não garantia da paz significaria a substituição do Leviatã por outro.
Vimos, ainda que de modo sucinto, as três formas apresentadas historicamente na defesa da pena de morte e em todas elas observamos que o passo crucial para esse tipo de punição é a perda da cidadania, seja pela reincidência de um grave delito, por razões morais ou pela ameaça à paz da sociedade. Vejamos, agora, a argumentação contrária a esse tipo de pena.
7 PORQUE NÃO DEVE TER
As guerras religiosas que assolaram a Europa a partir da Reforma Protestante (Lutero, em 1517, Calvino e Henrique VIII, ambos em 1534) foram, pouco a pouco, corroendo as certezas que sustentavam os poderes políticos nos países. Todavia, essas mesmas guerras, pelo menos em seus dois primeiros séculos, acabaram por determinar a vitória de um ou outro lado sem, entretanto, resolver o pomo da discórdia que seria a convivência de ambas as partes num mesmo lugar.
Dentro dessa questão, o caso francês assumiu proporções distintas do restante do continente europeu visto que a população francesa encontrou-se desde o primeiro momento dividida quase que de forma igual entre católicos e protestantes, o que determinou diversos embates entre os grupos desde a tristemente célebre Noite de São Bartolomeu, em 1572.
Chegando ao século XVIII, os franceses se viram envolvidos no escandaloso julgamento de Jean Calas acusado de matar seu próprio filho por razões religiosas. Condenado à morte, o processo sofreu uma reviravolta, com novas provas, tendo sido reabilitada a memória do réu e indenizada a família. Esse julgamento foi o mote de um dos livros mais famosos do pensador francês Voltaire (1993, p. 109), chamando a atenção para o fanatismo religiosoe as consequências tremendas que poderia causar, tanto na esfera do poder público, quanto nos termos da sociedade:
“para que um governo não tenha o direito de punir os erros dos homens, é necessário que esses erros não sejam crimes; eles só são crimes quando perturbam a sociedade; perturbam a sociedade a partir do momento que inspiram fanatismo. Cumpre, pois, que os homens comecem por não ser fanáticos para merecer a tolerância”.
Esse problema nitidamente social, segundo podemos deduzir a partir da afirmação de Voltaire, determinava uma alteração na postura do governo em relação às penalidades a serem aplicadas – particularmente a pena capital –, posto que, com o fanatismo, todo o processo jurídico estaria comprometido.
O debate provocado pelo texto de Voltaire suscitou novas discussões sobre a pena de morte. Contudo, para que essa discussão possuísse um argumento mais sólido, era necessário um novo entendimento sobre a própria organização social. Em outros termos, quando entendida da forma tradicional, a ideia que se tinha sobre a sociedade autorizava, de um modo ou de outro, a existência dessa penalidade conforme vimos anteriormente.
De forma curiosa, posto que a preocupação residia em outro registro, essa discussão tem início a partir da obra de Montesquieu. Para ele, toda organização social não pode estar sob o jugo de uma única pessoa ou grupo, daí ser necessária a divisão de poderes para que nenhuma espécie de abuso seja cometida. A legitimidade do poder, afirma esse autor, apenas existe quando esse poder serve para garantir condições e direitos básicos a todos os indivíduos, nunca o contrário. Assim, a legitimidade do poder apenas existe quando o mesmo se dá dentro 186 Revista de Informação Legislativa dos limites necessários: para além disso, toda e qualquer prática torna-se abusiva.
Paralelamente a essa obra, um outro pensador, Helvétius, oferecia o argumento necessário para o funcionamento completo desta fórmula, ao afirmar que a sociedade seria o resultado da soma de todas as partes contidas em seu interior (SANTOS, 2002, p. 15). Sendo assim, numa relação recíproca, o bom funcionamento de todos segmentos (indivíduo, sociedade e Estado) seria dado pelas garantias fundamentais oferecidas pelas leis e sustentadas por todos os segmentos sociais.
Reunindo os argumentos de Montesquieu e Helvétius, vem à baila, na década de 1760, o livro Dos Delitos e das Penas, de Cesare Beccaria. Nessa obra, o autor acata a ideia de que a sociedade é a soma de seus indivíduos e de que não há sentido no poder que vá além daquilo que está estabelecido. Contudo, Beccaria acrescenta outros pontos. Para ele, a lei ideal seria aquela que proporciona a “máxima felicidade compartilhada pela maioria” (BECCARIA, 1999,
p. 40), principalmente porque, se é verdade que os homens para viverem em sociedade entregaram uma parte de suas liberdades visando o bem comum, é também verdadeira a afirmação de que isso ocorreu tão-somente para que cada um atingisse particularmente o máximo de felicidade possível. Dito de outra forma, a “soma das partes” que acaba formando a sociedade é um “caminho de mão dupla”, ou seja, se, por um lado, cada um contribuiu para a formação do grupo social, por outro lado, cada um espera atingir a sua felicidade particular, individual, dentro do grupo em questão. Admitir isso significa aceitar o argumento de Montesquieu sobre a função dos Poderes de Estado; admitir isso significa entender que a necessidade das leis e, mais particularmente, das penas somente é possível desde que derive da “necessidade absoluta”: caso contrário, a lei e a punição perderam suas qualidades primárias e seriam transformadas em atitudes tirânicas. Por essas razões, Beccaria defende então a ideia de que a lei deve ser produzida com o intuito de facilitar a busca à felicidade, nunca o contrário.
Entretanto, o autor admite que alguns indivíduos podem exceder seus direitos e, com isso, provocar um mal estar a outros. Como, então, seriam estabelecidas as penas? A primeira preocupação, diz esse autor, é identificar o grau de utilidade que uma pena oferece à sociedade.
Ao contrário dos argumentos anteriores que viam a punição como algo que operava unicamente com o intuito de atingir o criminoso, Beccaria afirma que uma penalidade apenas tem sentido se efetivamente produzir ganhos reais à sociedade, ou seja, se ela for efetivamente útil à felicidade da maioria (BECCARIA, 1999, p. 61). Sabendo-se que uma punição não possui o papel de “desfazer um delito”, nas palavras do próprio autor, é “necessário escolher penas e modos de infligia as, que, guardadas as proporções, causem a impressão mais eficaz e duradoura no espírito dos homens” (BECCARIA, 1999, p. 62). Assim, invertendo um dos argumentos de Hobbes, se o funcionamento de uma lei – principalmente aquela que trata das punições – está diretamente vinculado ao “medo” que sua aplicação pode produzir, não é na severidade da pena que esse medo aparecerá, mas sim na rapidez do julgamento – pois, “quanto mais a pena for rápida e próxima ao delito, tanto mais justa e útil ela será” (BECCARIA, 1999, p. 79) – e na constância de sua aplicação:
“não é a intensidade da pena que produz o maior efeito sobre o espírito humano, mas a extensão dela; pois a nossa sensibilidade é mais fácil e mais constantemente afetada por impressões mínimas, porém, renovadas, que por um abalo forte, mas passageiro” (BECCARIA, 1999, p. 96).
Nesse sentido, afirma Beccaria, é muito mais racional uma ação pública que vise evitar o delito do que uma que se preocupe tão-somente em aplicar punições (BECCARIA, 1999, p. 30):
“é melhor prevenir os delitos do que os punir. É este o escopo principal de toda boa legislação, que é a arte de conduzir os homens ao máximo de felicidade ou ao mínimo de infelicidade possível, conforme todos os cálculos dos bens e dos males da vida”.
Sendo assim, aceitar a possibilidade de se excluir permanentemente um indivíduo do meio social será, antes de mais nada, admitir o fracasso da própria sociedade e dos poderes públicos na educação deste mesmo indivíduo, posto que o meio social e o Estado possuem um instrumental mais do que necessário para prover qualquer membro das condições mínimas de civilidade.
Em outro aspecto, condená-lo à morte seria também entrar em contradição com a definição daquilo que vem a ser uma sociedade: a soma de todos os seus indivíduos. Se uma pessoa, durante certo tempo, contribuiu para a formação e funcionamento de sua sociedade, ela não pode ser descartada sumariamente, pouco importando o delito.
Por último, não haveria ganho nenhum para a sociedade com a condenação de alguém.
Segundo Beccaria (1999, p. 96):
“não é o espetáculo terrível, mas passageiro da morte de um celerado, e sim o longo e sofrido exemplo de um homem privado da liberdade e que, convertido em besta de carga, recompensa com seu trabalho aquela sociedade que ofendeu, que constitui o freio mais forte contra os seus delitos. Aquela repetição a si mesmo, eficaz por seu insistente retorno, ‘eu mesmo serei reduzido a tal longa e mísera condição se cometer semelhantes delitos’, é muito mais poderosa do que a ideia da morte, que os homens sempre veem longínqua e obscura”.
Aproximadamente trinta anos depois de Beccaria ter publicado seu livro, Jeremy Bentham potencializa esse argumento. Aceitando a ideia da máxima felicidade (que, em seu texto, assume outra terminologia, a saber, a relação existente em todos os homens entre a dor e o prazer), Bentham (1989, p. 60-62) defende que, nos casos das punições, a lei deve possuir duas características fundamentais: a primeira, que o castigo deve ser aplicado quando efetivamente valer a pena fazê-lo e, a segunda, que a lei deve induzir o criminoso a praticar o delito menos grave, aumentando ou diminuindo a punição conforme as ações cometidas ao se materializar o delito ou, nas suas palavras:
“I – o valor ou gravidade da punição não deve ser em nenhum caso inferior ao que for suficiente para superar o valor do benefício da ofensa ou crime; II –quanto maior for o prejuízo derivante do crime, tanto maior será o preço que se pode valer a pena pagar no caminho da punição; III – quando houver dois crimes em concorrência, a punição estabelecida para o crime maior deve ser suficiente para induzir uma pessoa a preferir o menor; IV – a punição deve ser regulada de tal forma para cada crime particular, que para cada nova parte ou etapa do prejuízo possa haver um motivo que dissuada o criminoso de produzi-la; V – a punição apenas deve ocorrer quando o seu custo não for superior ao valor do crime cometido.”
Muito mais pragmático do que Beccaria, Bentham entende, pelo que nos foi possível examinar, que todas as leis devem ser produzidas a partir da relação custo/benefício para todo o conjunto da sociedade (entendida, também, por ele como sendo a soma de todos os indivíduos). Quando uma lei produzir mais dor do que prazer ou, para o caso das punições, seu custo não for compensador, o resultado de ambos os casos é que a sociedade será punida e, portanto, esse tipo de legislação deve ser descartado.
Em ambos os autores, observa-se o problema de um prisma distinto daquele que vimos anteriormente. Para o primeiro caso – os argumentos que entendem como uma opção plausível a exclusão permanente de um indivíduo do meio social –, identificamos que a preocupação fundamental reside na aplicação da penalidade. Para esses últimos, a pergunta que se faz é saber até que ponto esse tipo de punição oferece um ganho para o meio social e, com isso, a negativa para uma pena de tal espécie reside em ser ela, a priori, completamente desnecessária.
8 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DO MOVIMENTO DE SUPRESSÃO DA PENA DE MORTE AO REDOR DO MUNDO
A análise do movimento de revogação, desde o seu surgimento à época do Iluminismo, com os largos debates que se travaram no século passado, revela que diversos têm sido os argumentos suscitados em torno à matéria, os quais defluem do ambiente cultural historicamente determinado.
Pertence, sem dúvida, a BECCARIA a glória de ter sido o primeiro a reclamar a abolição da pena de morte. Até sua época não se discutia a legitimidade da pena máxima, que correspondia rigorosamente às ideias que inspiravam as antigas leis penais. No período que antecedeu ao Iluminismo, a repressão era arbitrária e feroz, através de penas cruéis, que visavam tão somente à intimidação e eliminação do criminoso. THOMAS MORUS, apontado como precursor, em sua Utopia, publicada em 1516, limitou-se a pôr e dúvida a utilidade da pena de morte para a repressão de certos crimes, BECCARIA desfralda a bandeira abolicionista em sua famosa obra Dei delitti e delle pene, publicada em Livorno, em 1764, partindo da ideia do Contrato Social e de uma concepção utilitarista da pena, cujo fim seria o de impedir o réu de praticar novos malefícios contra os seus concidadãos e o de afastar os outros do delito. A abolição da pena de morte, sustentada por ele, aliás sem rigor lógico, com base na fábula do contrato social, tinha seu verdadeiro fundamento na ideia geral da mitigação e proporcionalidade das penas que seriam injustas se não fossem necessárias.
. Propunha BECCARI que a pena de morte fosse substituída pela escravidão perpétua, em que via cio che basta per rimuovere qualunque animo determinato e a vantagem de moltissimi e durevoli esempi. Não nega, pois, a legitimidade da pena de morte, que admite em tempo de anarquia e perturbação social e quando a morte do cidadão fosse il vero ed único freno per distogliere gli altri dal commetere delitti.
MONTESQUIEU era partidário da pena capital: Um citoyen mérite la mort lorsqu'il a violé la sûreté au point qu’il a ôté la avie, ou qu’il a entrepris de l’ôter. Cette peine de mort est comme lê remede de la société malade. Sustentando que os crimes patrimoniais deveriam ter penas pecuniárias, admitia que poderiam existir razões para a imposição, mesmo em tais casos, da pena de morte. Assim também ROUSSEAU, invertendo a lógica de BECCARIA, via na pena de morte a consequência natural da violação do pacto: C’est pour n’être pás la victime d’um assassin que l’on consent à mourir si on lê devient. O malfeitor, atacando o direito torna- se traidor, sendo executado menos como cidadão que como inimigo.
Como muitos observam, a partir de FACHINEI, o raciocínio de BECCARIA quanto à pena de morte, tendo em vista a ideia do contrato social, poderia ser aplicado a todas as penas, inclusive a da perda total e perpétua da liberdade. Por outro lado, DIDEROT observava que, reputando a escravidão perpétua mais grave que a morte, BECCARIA renunciava ao seu princípio da mitigação das penas.
O abolicionismo progrediu no pensamento dos grandes publicistas do séc. XVIII. VOLTAIRE, em seus comentários ao livro de BECCARIA reclama apenas a estrita regulamentação da pena de morte e sua limitação aos crimes mais graves. No entanto, pouco antes de sua morte, ocorrida em 1778, pronunciou-se mais amplamente contra a pena capital. Entre os partidários de tal pena destacam-se nessa época, pela importância de suas obras, FILANGIERI e MABLY. Este afirmava que o homem, no estado de natureza tem o direito de defender-se mesmo com a morte do ofensor e que tal direito foi cedido à sociedade, de modo que esta pode impor a pena de morte. FILANGIERI, por seu turno, dizia eu o homem em estado de natureza tem o direito de punir, mesmo com a morte, o qual foi cedido à sociedade, que pode exercitá-lo. Em 1795 publicou CARMIGNANI em Florença um pequeno livro, pouco conhecido, em que sustentava a pena de morte, afirmando que o direito de punir não deve ser procurado nelle ombre chimeriche di um preteso patto sociale, mas que reside na natureza das coisas. Negava a utilidade da mitigação das penas, procurando refutar, um a um, os argumentos de BECCARIA. A sociedade, aplicando a pena de morte, exerce o direito de defender-se do criminoso: se la scietà crede necessário allá sua totale, o parziale conservazione il recidere, e annichilare questo membro esso non può nella sua qualità di essere morale reclamarei l diritto della sua física conservazione. A justiça da pena de morte deflui de sua necessidade.
No séc. XVIII, contra a pena de morte, devem ser destacadas as obras de SERVAN, BRISSOT DE WARVILLE e PASTORET. Batendo-se contra a última pena, de forma eloquente, BRISSOT e PASTORET a admitem excepcionalmente, para o regicídio e quando não for possível conservar o criminoso sem perigo social.
O projeto de Código Penal, apresentado por LEPELETIER DE SAINTFARGEAU, abolia a pena de morte (art. 2), salvo na hipótese do chefe de partido declarado rebelde pela assembleia legislativa, cuja execução atendia à exigência de segurança do Estado. O projeto foi nesse ponto, rejeitado, declarando-se, no entanto, que a pena de morte deveria consistir na simples privação da vida.
Verifica-se que no debate a que deu lugar a obra de BECCARIA, no século XVIII não se pôs em dúvida a legitimidade da pena capital, girando os argumentos dos abolicionistas em torno da necessidade e da utilidade, com a invocação de humanitarismo, que caracterizou aquele
período. A justiça da pena de morte fundava-se na sua utilidade, pois a ideia dominante de justiça era a da utilidade do maior número (HUME). A legitimidade tinha por base o direito natural.
O debate prosseguiu e ampliou-se no século passado. Encontramos o fundamento da necessidade, como justificativa básica, desenvolvendo-se através da teoria da defesa indireta. Os abolicionistas debatem, então, a legitimidade da pena máxima.
Como direito de defesa, reconhece ROMAGNOSI legítima a pena de morte: “Pelo mesmo princípio e pelo mesmo direito da guerra defensiva, prova-se também rigorosamente o de castigar até com a morte”. Todo consórcio humano tem um verdadeiro e imperante direito a todos os meios necessários para a conservação da convivência indispensável, e se a morte dos criminosos é necessária a tal fim, ela não só é justa como devida.
Muito se argumentou a favor da pena de morte, em termos de necessidade e defesa, através de concepções que remontam aoempirismo e ao ceticismo e de que são expoentes, em nossa matéria, BECCARIA, ROMAGNOSI e CARMIGNANI. Nesse terreno seria difícil uma impugnação da pena de morte em termos absolutos.
Uma nova perspectiva, no entanto, é introduzida pelos filósofos KANT e HEGEL, e, no campo propriamente do Direito Penal, por PELLEGRINO ROSSI, que buscavam para a pena um fim em si mesma e um fundamento absoluto para a justiça penal, opondo-se às concepções utilitaristas que até então prevaleciam. A filosofia transcendentalista de KANT conduzia à formulação de um conceito de justiça absoluta, devendo a pena encontrar sua justificação em si mesma, como justa retribuição. Não pode ser considerada meio para qualquer outro fim, fundando-se num imperativo categórico. O mal da pena deve corresponder ao mal do delito. No sistema de HEGEL a pena é, igualmente, justa em si mesma, como lesão da lesão do direito, anulação do delito e reintegração do direito.
ROSSI se opõe à ideia do contrato social e refuta as teorias utilitaristas, desenvolvendo a filosofia de COUSIN, que via na justiça o verdadeiro fundamento da pena: a utilidade, social ou pessoal, é apenas a consequência da justiça. Para ROSSI, a pena em si mesma não é mais que a retribuição, com ponderação e medida, do mal pelo mal. A aplicação da pena é obra da justiça. FAUSTO COSTA afirma que a contestação feita por ROSSI das teorias utilitaristas pode considerar-se definitiva. Ele exclui que o útil possa considerar-se como princípio gerador de direito, quando não passa de motivo, medida e limite a seu exercício.
KANT e HEGEL foram partidários da pena de morte, que fundamentavam em termos de justiça absoluta. ROSSI analisa a questão em detalhe afirmando que a opinião que ataca a
pena de morte como ilegítima em si é contrariada de fato pelo acordo quase unânime dos legisladores e dos povos. Conclui-se que nada existe na pena capital que a torne intrinsecamente ilegítima ou imoral, pois todo bem pode oferecer matéria para penalidade, a menos que uma razão especial a isso se oponha. A afirmação de que a existência humana é inviolável é gratuita: dela não se oferece prova alguma. A pena de morte é meio de exercer justiça, extremo, perigo, é verdade, do qual se deve fazer uso com a maior reserva, em caso de verdadeira necessidade. Deve-se procurar suprimi-lo, empregando todos os esforços para tornar a abolição compatível com a segurança pública e particular.
Afirmada a legitimidade da pena máxima, o debate se transfere para a questão da necessidade, que, como dizia ORTOLAN, é coisa variável e contingente, invocando-se também, como argumento ad terrorem o da irreparabilidade em face do erro judiciário.
A questão da pena de morte foi, nessa fase, amplamente examinada na perspectiva do fundamento do direito de punir, partindo-se de premissas jus naturalísticas, afirmando-se que a pena se legitima pela necessidade e a justiça. A necessidade e a justiça da pena capital foram então afirmadas e contestadas. Muitos foram os abolicionistas no século passado, destacando- se, na Itália, CARMIGNANI, CARRARA, ELLERO, TOLOMEI, PUCCIONI,
BUCCELLATI, CANÔNICO e PISCINA, entre outros. Carmignani está entre os que se converteram à causa abolicionista, como FEUERBACH, MITTERMAIER, CONFORTI, e mais recentemente, MAGGIORE.
ELLERO, afirmando que a pena é justa quando necessária, sustentava que a pena de morte pode ser substituída por outras penas com igual efeito, a fim de impedir ulteriores delitos por parte do réu, emendá-lo e assegurar o ressarcimento do dano e intimidar os demais. E que a pena máxima é imoral, irreparável, não graduável e aberrante. CARRARA merece destaque especial, pela sua atuação militante nos largos debates que precederam o Código Zanardelli, após a unificação da Itália. Examinava a pena de morte, como faziam os autores de seu tempo, em face da questão prévia relativa à gênese racional do direito de castigar. Fundando tal direito na lei da natureza, que é essencialmente conservadora, negava o poder de matar, salvo quando a necessidade presente da defesa dos outros homens exija tal sacrifício. Recusava, assim, legitimidade à pena de morte.
Na Alemanha, bateram-se contra tal pena BERNER, MITTERMAIER, HOLTZENDORFF, SCHWARZE, OSSENBRÜGGER, GLASER, KÖSTLIN,
ETC. BERNER negava a justiça da pena de morte, em que identificava uma exigência talionar, bem como a sua necessidade para a defesa da sociedade. Enorme influência exerceram as obras de MITTERMAIER e HOLTZENDORFF, sobretudo a do primeiro.
Entre os positivistas, LOMBROSO e GAROFALO pronunciaram-se favoráveis à pena máxima, como meio de eliminação racial e econômica dos incorrigíveis. Contra a pena de morte manifestou-se FERRI, por não a considerar necessária e seriamente eficaz. Para tirar partido útil, seria necessário executar em massa criminosos natos e incorrigíveis, medida impraticável. FLORIAN sempre foi contrário à pena de morte, entendendo que repugnava ao sentimento público, é irreparável e não tem efeito intimidativo.
Ao início deste século o debate se renova na Alemanha, a propósito da reforma do Direito Penal, por ocasião do 30º e 31º Congresso dos Juristas Alemães (Deutscher Juristentag), em 1910 e 1912, especialmente o último, celebrado em Viena, com as proposições de LIEPMANN e FINGER, sendo a do primeiro no sentido da abolição. Escassa maioria manifestou-se favorável à manutenção da pena capital.
Na Itália, com o Código Rocco, à época do fascismo, a legitimidade da pena de morte foi amplamente proclamada, justificando-se sua reintrodução com a necessidade. A exposição dos motivos ao rei afirmava: La pena di morte è legittima, quando necessario. O grande argumento era, então, a razão de Estado.
Não se modificaram, em substância, os grandes argumentos. Após a Segunda Grande Guerra o abolicionismo ganha impulso vertiginoso, com a eliminação da pena de morte na Alemanha e na Itália. E na Inglaterra, com a fermentação produzida pela Royal Commission on Capital Punishment (1949-1953), que conduziu à atual suspensão da pena capital.
Estamos entre os que entendem que a matéria não é jurídica. A disputa em torno da legitimidade da pena de morte não tem sentido no plano jurídico e não pode ser resolvida nesse terreno. Os juristas do século passado, que procuravam discutir esse aspecto da questão, tinham de deslocá-lo necessariamente para o campo do direito natural. A eliminação da vida humana, como a perda de um bem, pode constituir perfeitamente pena.
A questão da pena de morte é política e é, sobretudo, cultural. A execução constitui espetáculo bárbaro e atinge a dignidade da pessoa humana. Os argumentos apresentados contra a pena de morte estão condicionados pelas contingências sociais e culturais de cada época. Não teria sentido afirmar a inadmissibilidade da pena de morte em termos de respeito à pessoa humana, diante do direito antigo, que conhecia a escravidão e a legitimava, aplicando a tortura como meio normal de investigação e fazendo largo emprego das mutilações e da morte, como penas corporais. Isso tudo correspondia a um substrato cultural determinado.
A história do abolicionismo na legislação demonstra sob diversos aspectos, como evoluiu a matéria até nossos dias.
Com o Iluminismo e o movimento humanitário daquela época, a pena de morte recebeu o primeiro grande impacto, que colheu, de forma mais violenta a tortura e as penas corporais comuns no antigo regime, a insegurança e a desproporcionalidade que então vigoravam no sistema penal. Observamos que a pena de morte se reduz a um número determinado de crimes; que se suprime a agravação e a que se iniciam as primeiras tentativas de abolição. Verificamos em seguida, que as modalidades de execução, procurando evitar sofrimento e o espetáculo bárbaro exibido para o grande público correspondem a novas exigências dos novos tempos. E finalmente contemplamos a exclusão dos crimes políticos e a progressiva abolição que se processa naqueles centros culturais de maior significação. Abolição de direito e abolição de fato. Redução constante e progressiva nonúmero de execuções efetivas, em comparação com as condenações impostas.
A instituição está ferida de morte e contemplamos, através de capitulações sucessivas a sua lenta, porém segura agonia, como exigência cultura de nosso tempo, que não lhe faz mais concessões.
A abolição pura e simples, de fato ou de direito, em diversos Estados, iniciou-se com a Toscana, em 1786, com a Riforma della legislazione penale, de PEDRO LEOPOLDO, e a Áustria, em 178729. O séc. XVIII, no entanto, não estava maduro para a abolição, tendo sido rejeitada pela constituinte francesa, como vimos, a proposta de LEPELETIER DE SAINT- FARGEAU.
A partir de meados de século passado, a relação dos países que aboliram a pena de morte amplia-se continuamente.
Na Itália, após intenso debate, a pena de morte é excluída do Código Zanardelli. A questão da pena capital foi o motivo determinante do grande atraso na unificação do Direito Penal que se procurou realizar após 1861, na Itália, pois ou se reintroduzia na Toscana a pena de morte ou se estendia a solução abolicionista a todo o reino. Nos trabalhos em que muito se destacaram, então, sobretudo MANCINI, terminou por prevalecer a abolição no Código de 1889, que se deve especialmente a ZANARDELLI.
O fascismo reintroduziu a pena de morte na Itália, em 1926, na lei de defesa do Estado, aplicada por um Tribunal Especial. Admitida amplamente no Código Rocco, a pena capital foi abolida pela Constituição de 1947.
Na Alemanha, após a unificação, em 1870, ao ser aprovado o Código Penal que ainda está em vigor, apenas três Estados não tinham a pena de morte (Oldenburg, Bremen e Anhalt). A pressão do governo, com a intervenção pessoal do chanceler BISMARCK não conseguiu impedir que na segunda leitura a abolição fosse aprovada por 118 votos contra 81, embora
conseguisse, na terceira leitura, a adoção da pena de morte por escassa maioria (127 contra 119). Limitada aos casos de alta traição e homicídio qualificado, a pena máxima foi progressivamente estendida a outros delitos, com as leis de 1884, 1895, 1922, 1933 e 1934. Com o nazismo, é óbvio, a aplicação da pena de morte se amplia, sendo considerada essencial para a eficiente defesa da comunhão do povo (Volksgemeinschaft). Estima-se que, durante a época do nazismo, cerca de 16.000 condenações à morte foram pronunciadas, sem contar as execuções sumárias realizadas pela Gestapo e em campos de concentração. A nova Constituição alemã, em 1949 (art. 102), aboliu-a porque, como diz MAURACH, ela atinge a dignidade da pessoa humana. E conclui: “Pode-se contar, com segurança, que ela não será novamente introduzida no futuro Direito Penal’’.
A pena de morte foi abolida em 1870 na Holanda; em 1905 na Noruega (última execução em 1876); em 1921 na Suécia; em 1942, na Suíça. Na Europa ocidental, fiéis ao patíbulo continuam apenas a França e a Espanha. Na Inglaterra, o Murder Act de 1965, em vigor desde novembro daquele ano, aboliu completamente a pena de morte para o homicídio, embora tecnicamente por um período de cinco anos.
Na América do Sul, mantêm a pena capital apenas o Peru, o Paraguai e o Chile, onde as execuções são raras. Na América Central, Guatemala, Haiti, Nicarágua e El Salvador. No México, a pena de morte foi abolida pelo governo federal e por 25 dos 29 Estados. Nos Estados Unidos, diversas unidades da Federação têm abolido e posteriormente restabelecido essa pena. Em 1965 eram os seguintes os Estados abolicionistas: Alaska, Havaí, Maine, Minnesota, Wisconsin, Michigan, Oregon, Iowa, West Virginia, Vermont e New York.
A URSS, a China e o bloco soviético mantêm a pena de morte, sem exceção. O art. 22 dos Princípios Gerais aprovados pelo Soviet Supremo prevê a pena de morte como medida excepcional para crimes políticos, banditismo e homicídio qualificado. O art. 23 do Código de 1960, da R.S.F.S.R. contém enumeração ampla. Sabemos que até infrações econômicas são punidas, na União Soviética, com a pena de morte. Em novembro de 1966 realizou-se em Varsóvia um debate sobre a pena de morte, promovido pela revista Panstwo I prowo (“O Estado e o Direito”), que reuniu eminentes juristas e professores, que concluíram afirmando que a pena capital é estranha à ideologia socialista e que, no futuro será eliminada do catálogo de medidas penais. Os professores OSSOWSKA, KOTARBINSKI e BUCHALLA afirmaram que tal pena deveria desaparecer completamente, inclusive por razões éticas. A maioria, no entanto, entendeu que não existem ainda condições favoráveis à abolição, assinalando embora que a pena de morte tem sido aplicada muito raramente, nos últimos anos, naquele país. Foram
propostas medidas tendentes a introduzir progressivamente limitações institucionais à aplicação da pena capital.
No Brasil, nosso Código imperial, de 1830 manteve a pena capital, que desde 1855 não mais foi executada. A ditadura de 1937 tentou introduzi-la, incluindo na Carta constitucional outorgada (art. 122 inc. 13) dispositivo que autorizava a imposição do último suplício por determinados crimes políticos e pelo homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade. O decreto-lei 86, de 20 de janeiro de 1938, autorizava o famigerado Tribunal de Segurança a impor a pena de morte, que, todavia, não foi incluída em nenhuma lei penal, com exceção do Direito Penal Militar, para os tempos de guerra. Temos em nossa casa uma confirmação do irrecusável pendor das ditaduras para a pena máxima, mesmo quando tal pena viole como no caso tão fundamente, o sentimento do povo.
O progresso do abolicionismo demonstra-se ainda quando constata a crescente diminuição do número de crimes punidos com a morte, e também quando se compara o número de execuções efetivas com o das condenações.
Na Inglaterra, no séc. XVIII, mais de 200 crimes (a maior parte contra a propriedade) foram punidos com a morte. Em 1837 esse número havia sido reduzido a 15. Em 1861, a 4 (alta traição, assassínio, pirataria com violência e destruição de docas e arsenais). Em realidade, desde 1938 a pena capital só tem sido aplicada aos casos de homicídio qualificado e traição.
Na França, sob o antigo regime, eram 115 os crimes capitais. O código de 1791 os reduziu a 32; o de 1795, a 30; o de 1810, a 28. A revisão de 1832, a 17. Atualmente são 12 os delitos em que se impõe a pena de morte, dos quais 4 se relacionam com o homicídio.
O direito antigo aplicava amplamente a pena de morte, que a partir da época do Iluminismo é reduzida progressivamente.
Nossas Ordenações do Reino previam a pena capital em mais de 70 casos, pelas mais diversas figuras de delito, como era próprio da legislação de sua época. Nos últimos tempos restringiu-se grandemente a aplicação dessa pena, que o decreto de 12 de dezembro de 1801 limitou aos crimes mais atrozes. O Código imperial cominava a pena de morte a apenas três infrações penais (insurreição de escravos, homicídio agravado e latrocínio).
Numerosos países, embora incluam a pena de morte em sua legislação, não a aplicam, abolindo-a de fato virtualmente. Nos que a aplicam, a percentagem das execuções efetivas está em constante diminuição. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de execuções caiu de 155.2, no período de 1930-34, para 48.6, no período de 1958-6343. Em 1963, houve apenas 20 execuções, embora fossem 809 os casos de homicídio punidos com a morte. No Chile a pena é imposta a 3 ou 4 pessoas por ano, em média, principalmente por parricídio e latrocínio,
cumprindo-se, no entanto, em percentagem inferior a 10%. No período de 1958 a 1962 não houve qualquer execução. Segundo nos diz EDUARDO NOVOA, isso se deve à pressão da opinião pública, que é claramente contrária à imposição da dita pena.
Na Inglaterra, no período de 1958 a 1962, houve apenas 5 execuções.
Outros aspectos da evolução abolicionista são os que se relacionam com a modalidade de execução e a exclusão do agravamento.
As legislações antigas impunham a pena de morte, em casos graves, acompanhada de tormentos e mutilações; executada publicamente e através de modalidades bárbaras, como a fogueira, o esquartejamento,a roda, o empalamento, a imersão, o garrote, o esmagamento (peine forte et dure, abolida na Inglaterra em 1828) etc. A amplitude com que a pena de morte era prevista conduzia à agravação, para corresponder aos casos de maior gravidade. A decapitação e a força, correspondem à forma simples de execução, a primeira para os nobres e a última para os ladrões, homicidas, etc. Nossas Ordenações do Reino contêm numerosos exemplos de agravação. Singular é o fato de que, na Inglaterra, até 1836 os acusados de crime a que era cominada a pena de morte, não tinham direito a defesa por advogado. Com o Código francês de 1791 declarou-se que a morte ne sera plus que la simple privation de la vie (art. 2º), mas o Código napoleônico, de 1810 manteve uma reminiscência das antigas gravações, com o corte da mão direita aos parricidas (art. 13), suprimida em 1832. O Código austríaco, de 1803, excluía qualquer agravação da pena capital. O Código bávaro de 1813 e o de Hannover, de 1840, previam ainda agravação para a pena de morte (pelourinho e arrastamento ao local da execução).
Os métodos de execução modernos visam a proporcionar morte rápida, com o menor sofrimento possível. Prevalece nas legislações a força com aperfeiçoamento na localização do nó e com a introdução da plataforma móvel e a queda, assegurando a morte instantânea pela fratura da segunda vértebra cervical e o esmagamento da medula. A morte do enforcado não sobreviveu por asfixia.
A Espanha, para vergonha de nossa civilização, ainda mantém o garrote como forma oficial de execução. Em 17 de agosto de 1963 dois homens acusados de terrorismo foram mortos pelo garrote, em Madri. Trata-se de um colarinho de aço ajustável que se vai comprimindo até à asfixia.
As execuções públicas, embora mantidas, em alguns países, até data recente, tornaram- se intoleráveis. A morte dada a um ser humano indefeso é espetáculo cruel e bárbaro. Na Inglaterra, a última execução pública foi em 1868 (Capital Punishment Amendment Act); nos
Estados Unidos, em 1936; na França, em 1939. A execução pública estava ligada ao efeito intimidativo que se pretendia ilusoriamente obter, e por isso a defendia PELLEGRINO ROSSI. Nosso Código imperial previa a execução pública. O Aviso de 17 de junho de 1935, no entanto, estabelecia que “a forca será levantada quando seja necessário, para não estar continuamente às vistas do público”.
Outros aspectos demonstram também a marcha para a abolição. Referimo-nos aos crimes políticos, que têm sido a razão de ser da aplicação da pena de morte pelas tiranias. A França foi a primeira a abolir a pena de morte para os crimes políticos em 1848. Referimo-nos também à constante elevação do limite mínimo de idade e às medidas relativas à disposição dos corpos dos condenados.
As aparatosas e macabras cerimônias que constituíam as execuções do passado, foram substituídas por processos em que predomina a surpreendente rapidez.
A Igreja sempre se manifestou favorável ao último suplício. Invoca-se a autoridade de
S. TOMAZ DE AQUINO que, na Summa Theologica, II, defendia a legitimidade da pena de morte para a conservação do corpo social, sendo a ação do soberano que a impunha correspondente à do médico que amputa o membro infecto para preservar o resto do organismo: ordinatur ad salutem totius communitatis. Antecipava, assim, o que séculos mais tarde MONTESQUIEU repetiria. Assim também VITÓRIA, SUAREZ, MOLINA, ALFONSO DE CASTRO, S. AFONSO DE LIGUORI. Olvida-se assim a opinião de S. AGOSTINHO, que afirmava ser a pena de morte a negação da caridade e ofensa a Deus, porque anula a dignidade e a pessoa humana, bem como a posição de DUNS SCOTO, que negava a justiça da pena capital.
CATHREIN sustentava ser a pena de morte justa e necessária e DE MAISTRE que a eventual morte de um inocente seria um infortúnio como qualquer outro.
Opondo-se à opinião da igreja, CARRARA, em sua profissão de fé, proclamava: Io sono abolicionista perchè sono credente, afirmando eu o raciocínio de DE MAISTRE, formulado com característico cinismo, “era um ragionare da barbaro”. No Brasil, alguns sacerdotes de grande talento têm-se destacado em debates públicos em favor da pena de morte, com entusiasmo que, como diz JIMENEZ DE ASÚA, é digno de melhor causa. Por ocasião de um debate que se realizou na Câmara dos Lordes, na Inglaterra, em 1948 o bispo de Truro sugeriu a extensão da pena de morte, ao invés de sua abolição.
A posição reacionária da igreja, que se funda no princípio mors janua vitae, é contrastada por eminentes teólogos e constitui aspecto marcante da luta abolicionista.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo que fora abordado e explanado, há de se compreender o porquê de as pessoas verem a pena de morte como possibilidade, pois ela acaba com o problema ali na hora, no entanto, ante aos fatos, ela é somente uma parte da solução, sendo que será usada durante um curto período de tempo, e somente contra condenados irrecuperáveis, simultaneamente a outras transformações estatais necessárias para diminuir a criminalidade imposta ao país.
O criminoso antes de ser condenado à pena de morte, deverá passar por um julgamento isento e justo, sendo acompanhado desde o início por uma equipe médica, dotada de profissionais da área de psiquiatria e psicologia e demais áreas médicas consideradas necessárias para um bom e justo atendimento, e com assistência religiosa se assim o criminoso preferir.
Durante todo o processo de julgamento, incluindo o duplo grau de jurisdição, somente os profissionais da área de medicina poderão decidir sobre a psicopatia do criminoso, e se ela poderá ser revertida ou não.
Sendo o diagnóstico para a psicopatia do criminoso considerado positivo, este deverá ser condenado à pena de morte, haja visto que ele nunca estará apto a viver sociedade pois não possui empatia pelo próximo, ou seja, ele nunca deixará de ser um risco a cidadãos de bem.
Cumulativamente, deverá ser institucionalizado e realizada uma radical mudança em toda legislação penal e nas políticas públicas envolvendo segurança, educação e políticas públicas voltadas para inserção de pessoas de baixa renda no mercado de trabalho e também qualificá-las para novos empregos, pois a maioria dos criminosos que estão presos são das favelas das cidades, pessoas marginalizadas sem estrutura familiar ou educacional para viver em sociedade.
Outro ponto de partida é ter como referência a teoria das janelas quebras, a que foi implantada na cidade de Nova York nos Estados Unidos, ou seja, começando por crimes de menor potencial ofensivo, desempenhando uma maior fiscalização e punição destes crimes.
Também se deve trabalhar conjuntamente com o poder judiciário para que condenações sejam efetivas e também extinguir os institutos da Transação Penal e de Suspensão Condicional Do Processo, efetivando o cumprimento da pena imposta 49 pela lei.
E como disse Rudolph Giuliani, se as pessoas que estão encarceradas são pessoas criminosas, que se aumente o investimento para que essas pessoas continuem presas e longe da
população de bem. Também deverá ser necessário um alto investimento na educação básica, a qual ficou anos sendo negligenciada pelos últimos governos.
Nossas crianças deverão aprender o valor da cidadania, da honestidade e do trabalho, e seus pais deverão serem qualificados para o mercado de trabalho, ao invés de receber assistência gratuita do governo e não se profissionalizarem para o mercado de trabalho, e assim ensinar aos seus filhos que o trabalho dignifica o homem.
Outra medida importante seria reformular o Código Penal e a Lei 7.210/1984, dissolvendo os institutos da Pena Restritiva de Direito e da Suspensão Condicional da Pena em sede de sentença, e durante o processo de execução da pena, abolir a progressão de regime e saídas temporárias, obrigando o sentenciado a cumprir toda a pena a ele imposta.
Posto isso, o processo criminal conta com outros institutos que beneficiam o acusado, como os regimes aberto, semiaberto e fechado, além das atenuantes que diminuem o tempo de reclusão em sistema prisionalfixado em sentença.
Já na execução o sentenciado deve cumprir toda a pena imposta a ele conforme for decidido o seu regime inicial de cumprimento de pena, sem direito a qualquer benefício previsto hoje na lei de execuções penais, pois os criminosos continuam a praticar crimes durante as saídas temporárias, e é durante este benefício que muitos homicídios acontecem.
Conforme todas essas ações vão se aperfeiçoando e se moldando umas às outras, a pena de morte poderá deixar de ser aplicada como solução a curto prazo, no entanto, aqueles criminosos que continuarem a delinquir ou forem considerados inaptos para a vida em sociedade, ou seja, tiveram sido diagnosticados com psicopatia irreversível, estes serão condenados à prisão perpétua, e trabalhando até a terceira idade para pagar as despesas causadas ao Estado.
A realidade brasileira vivida por sua população está longe do ideal, a realidade brasileira não é igualitária nem proporcional, pelo contrário, poucos têm muito e muitos têm pouco.
A segurança pública, a educação, o sistema prisional e até o político está muito 50 longe do idealizado quando fora instituído a democracia em Atenas, na Grécia Antiga, no entanto, basta dar o primeiro passo, organizar uma comunidade, prezar pela ordem, organização e higienização da comunidade, e também pelo respeito as normas e leis, e assim medidas tão drásticas como a pena de morte não precise voltar ao pensamento do cidadão como opção na luta contra o crime, pois o Estado estará totalmente estruturado para defender aquele cidadão que segue as leis e se comporta em sociedade.
BIBLIOGRAFIA
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Acesso: 25 de Fevereiro de 2022
BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania. São Paulo: Editora da USP, 1996. Acesso: 26 de Fevereiro de 2022
BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Nova. 190 Revista de Informação Legislativa Cultural, 1989. (Os Pensadores). Acesso: 12 de Março de 2022
CÍCERO, Marco Túlio. Da república. São Paulo: Abril, 1973. (Os Pensadores). Acesso: 19 de Março de 2022
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria e forma de um governo eclesiástico e civil. São Paulo: Abril, 1973. (Os pensadores). Acesso: 9 de Abril de 2022
KRAMER, Heirich; SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras. 11. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 1995. Acesso: 20 de Abril de 2022
MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Abril, 1973. (Os Pensadores).
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Os paradoxos do liberalismo: teoria e história. Rio de Janeiro: Revan, 2002. Acesso: 13 de Maio de 2022
TOMÁS DE AQUINO, Santo. Escritos políticos. Petrópolis: Vozes, 1997. Acesso: 18 de Maio de 2022
VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância. São Paulo: Martins Fontes, 1994 Acesso: 20 de Maio de 2022

Continue navegando