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A RELAÇÃO TRIANGULAR ENTRE O MAGREBE, A UNIÃO AFRICANA E A UNIÃO EUROPEIA: UMA ANÁLISE ECONÓMICA E SECURITÁRIA Jouberth Wevertton Nunes Godoy Cultura e Sociedade do Magrebe e do Mundo Árabe Professor Doutor Albino Cunha Mestrado em Estudos Africanos Lisboa 2021 Resumo: Este working paper propõe analisar a relação triangular entre o Magrebe, a União Africana e a União Europeia sob uma perspetiva económica e securitária. Como conceitos chaves deste estudo tem-se a integração regional e os complexos regionais de segurança. Com uma abordagem metodológica mista, de predominância qualitativa na recolha dos dados, este é guiado por uma epistemologia pós-positivista. Estruturado primeiramente por uma revisão literária e embasamento teórico, posteriormente é desenvolvida uma análise individualizada sobre as relações estudadas a fim de demonstrar o potencial magrebino como ponte entre a África e a Europa, como também a ambiguidade entre o discurso e a realidade das parcerias entre África-Magrebe- Europa. Palavras-Chave: Integração Regional; Complexo Regional de Segurança; Magrebe; União Africana; União Europeia. Abstract: This working paper proposes to analyze the triangular relationship between the Maghreb, the African Union and the European Union from an economic and security perspective. Key concepts of this study are regional integration and regional security complexes. With a mixed methodological approach, with a qualitative predominance in data collection, it is guided by a post-positivist epistemology. Structured primarily by a literary review and theoretical basis, an individual analysis is then developed on the relationships studied in order to demonstrate the Maghreb potential as a bridge between Africa and Europe, as well as the ambiguity between the discourse and the reality of partnerships between Africa-Magreb-Europe. Keywords: Regional Integration; Regional Security Complex; Maghreb; African Union; European Union INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como tema central as relações económicas e securitárias entre o Magrebe, a União Africana (UA) e a União Europeia (UE). Assim, como problema desta pesquisa, aborda-se estas relações sob uma perspetiva das instituições regionais e dos complexos regionais de segurança (RSC) (Buzan & Wæaver, 2003). A região magrebina, é descrita por pesquisadores como uma ilha, estando cercada pelo Mar Mediterrânio ao norte e o mar de areia do Deserto do Saara ao sul (Sellier, 2004). No entanto, a análise triangular é capaz de possibilitar a evidência da região não isolada, mas intimamente ligada tanto ao sul quanto ao norte, sendo o próprio Mediterrâneo o maior fator integrador entre as dinâmicas europeias e africanas. Para fins de recorte temporal, este trabalho aborda as relações contemporâneas entre a África, Europa e Magrebe, principalmente as desenvolvidas após a primeira década deste século. O tema aqui analisado, se insere na temática da integração regional, que, por sua vez costuma enquadrar-se nas áreas de conhecimento das Relações Internacionais e da Geopolítica. Estruturado como um estudo de caso exploratório, esta pesquisa possui como característica a abordagem inicial do assunto para a recolha de dados e a construção de um estudo posterior de forma mais aprofundada (Yin, 2001). A literatura sobre esta temática, consiste sempre em análises bilaterais, não considerando o todo da dinâmica africana-magrebina-europeia. As relações do Magrebe vistas sob uma perspetiva triangular, é fundamental e justificada para o estudo sobre a região, já que historicamente esta é interligada ao continente europeu, mas fisicamente presente em África. A região é marcada pela ausência de uma integração regional de fato, ficando as análises existentes apenas centradas na falha da União do Magrebe Árabe (UMA), instituição esta criada em 1989 e que tem por finalidade a promoção da integração entre os países da região magrebina. No entanto, o conflito entre o Marrocos e a República Árabe Saaraui Democrática pelo controle do Saara Ocidental, com este último sendo apoiado pela Argélia, sempre foi o grande bloqueador do estreitamento de laços entre a região (Lounnas & Messari, 2018). Em um contexto fragmentado a nível regional, com busca económica por parceiros e gravemente afetado pelos fluxos migratórios da África subsaariana para a Europa, se insere a pergunta-central desta investigação: De que forma decorre a parceria contemporânea entre Magrebe, União Africana e União Europeia em assuntos económicos e de segurança? Para auxiliar na resposta desta pergunta de partida, este trabalho possui como objetivo geral a análise das relações intra e intercontinentais da Europa e África. Com o objetivo de se atingir este objetivo, tem-se como acessórios os seguintes objetivos: • Identificar e caracterizar as relações securitárias e econômicas destas regiões. • Analisar como o Magrebe se beneficia desta relação triangular. Estruturado em um cenário regional comparativo, este estudo de caso adota uma abordagem mista, de articulação entre abordagens qualitativas e quantitativas, com predominância da articulação qualitativa. A opção por esta análise com dados mistos, permite uma maior validade à pesquisa, decorrente da triangulação entre os dados colhidos para a elaboração de uma pesquisa mais robusta e realista quanto aos objetivos pretendidos (Bryman, 2012). O levantamento dos dados aqui propostos, decorre de uma busca por fontes primárias em posicionamentos da União Europeia e da União Africana e análises de políticas comuns. Os dados secundários consistem na literatura existente sobre este tema. Já referente à parte quantitativa, esta pesquisa adota a análise sobre os dados do Observatório de Complexidade Económica, sendo o recorte temporal econômico aqui empregado, condicionado pelos dados encontrados, sendo os mais recentes do ano de 2018. Concernente à epistemologia aqui adotada, este trabalho se estrutura por uma ótica pós-positivista dialogando o neorrealismo com o neoliberalismo. Esta opção teórica aparentemente dualista, se dá pelos objetos deste estudo, sendo duas organizações internacionais guiadas pela visão neoliberal da conquista de ganhos absolutos e a realidade da região magrebina sendo evidenciada pela insegurança entre os estados e a busca relativa da maximização de seus poderes. Assim, este trabalho se estrutura inicialmente por uma revisão da literatura sobre o processo de integração regional e do regionalismo sob uma perspetiva securitária, posteriormente se faz uma exposição sobre as relações entre a União Africana e o Magrebe, a União Europeia e o Magrebe e por fim a análise sobre as relações continente-continente, através da UA e da UE. 1. A INTEGRAÇÃO REGIONAL E AS QUESTÕES DE SEGURANÇA A fim de visualizar a imagem deste estudo de caso, opta-se por uma estrutura teórica dupla, sendo a relação triangular entre o Magrebe, a União Africana e a União Europeia, observada tanto pela lente das teorias de integração regional (Haas, 1961); (Herz & Hoffmann, 2004); (Ravenhill, 2016), quanto pela lente securitária dos complexos regionais de segurança (Buzan & Wæaver, 2003). Assim, primeiramente, busca-se explicar os processos de integração regional, podendo ser em níveis económicos, políticos e securitários e posteriormente faz-se uma caracterização dos complexos regionais de segurança, com foco no sub-complexo regional do Magrebe12. Tendo dois conceitos primordiais, a integração e a região, Mônica Herz e Andrea Hoffman (2004, p. 160) bem definem a integração regional como um “processo dinâmico de intensificação em profundidade e abrangência das relações entre atores levando à criação de novas formas de governança político-institucionais de escopo regional”. Sendo este exemplo, bem aplicado à União Europeia que iniciou seu processode integração na década de 1950, por meio da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e a Comunidade Económica Europeia (CEE) e também à União Africana, com sua origem na década de 1960 com a Organização da Unidade Africana (OUA). Junto com o conceito de regionalismo, há também a regionalização, dois conceitos fundamentais para a integração regional que se distinguem quanto aos atores envolvidos na dinâmica. O regionalismo, segundo John Ravenhill (2016), demanda um envolvimento estatal no processo de integração, constituindo uma instituição supranacional responsável pela coordenação deste processo. Já a regionalização, é predominantemente praticada por constantes trocas, sejam elas económicas, sociais ou culturais sem a necessidade de um ator estatal. Também não constituindo uma organização supranacional neste processo. Tendo as duas em comum, a necessidade do escopo geográfico regional. Na análise de Ernst Haas (1961) sobre as causas motivadoras da integração regional, o autor foca na resolução de conflitos, como fator primordial para a constituição de interesses comuns e posteriormente a criação de organizações internacionais. Todas estas vertentes e interpretações da integração regional, se pautam por uma perspetiva neoliberal das relações de poder absolutas e com as instituições desempenhando um papel fundamental na facilitação da cooperação (Herz & Hoffmann, 2004). 1 Os cinco países do Magrebe, dentro da teoria dos Complexos Regionais de Segurança (Buzan & Wæaver, 2003) são parte do grande RSC do Oriente Médio. No entanto, constituem um subcomplexo, por estar distante do centro do RSC e com dinâmicas securitárias mais ligadas com a Europa e a África Ocidental, podendo de forma precária, ser analisado como um complexo independente, apesar de sua baixa interação e predominância de conflitos internos que dificultam uma abordagem comum para os problemas regionais. 2 Ver Figura 11. Complexo Regional de Segurança do Oriente Médio em anexo. Outro conceito fulcral para a análise sobre a relação triangular aqui proposta, concerne à teoria dos complexos regionais de segurança. A partir de uma análise pós-Guerra Fria sobre as dinâmicas de segurança mundiais, os autores Barry Buzan e Ole Wæver (2003 apud Magalhães, 2012) concebem que a compreensão dessas práticas não pode ser mais interpretada separadamente do fenômeno da regionalização. Esse fenômeno se refere ao crescimento da integração social, económica e política dentro de uma região, sendo esses processos muitas vezes involuntário. Essa maior integração social leva ao desenvolvimento entre os grupos sociais e os atores políticos de novas conceções de interesses comuns e também a reformulação de identidades coletivas (Hurrell, 1998). Em uma conceção ainda tradicional e estadocêntrica, a teoria dos complexos regionais de segurança parte de uma perspetiva em que os Estados possuem certo grau de interações securitárias, onde as “[...] principais perceções e preocupações referentes à segurança são tão interligadas que seus problemas de segurança nacional não podem ser razoavelmente analisados ou resolvidos de maneira separada” (Buzan, 1991, p. 198). Já na reformulação da teoria dos complexos regionais de segurança feita por Buzan e Wæver em (2003), uma visão alargada dos conceitos de segurança é adotada, estendendo-a para além dos assuntos militares, passando a abranger assuntos do âmbito político, económico, social e ambiental (Rothschild, 1995) ao adotar outras unidades que de certa forma possuem sua segurança e sobrevivência ameaçadas. Sendo assim, os complexos regionais de segurança também podem ser formados quando “[...] um conjunto de unidades cujos principais processos de securitização, dessecuritização, ou ambos, são tão interligados que seus problemas securitários não podem ser analisados ou resolvidos de maneira separada entre as unidades” (Buzan & Wæaver, 2003, p. 44).3 Essa reformulação da conceção dos complexos regionais de segurança abarcando os outros setores da Escola de Copenhague, permite que complexos de segurança sejam constituídos tanto ‘de cima para baixo’ quanto ‘de baixo para cima’. Na teoria de Buzan, complexos eram gerados apenas por intermédio dos Estados, considerados os únicos atores de uma análise de segurança. Na nova teoria, outros atores, tais como Nações, grupos ambientalistas e comunidades epistêmicas podem formar tais complexos (Tanno, 2003, pp. 70-71). 3 [...] a set of units whose major processes of securitisation, securitisation, or both are so interlinked that their security problems cannot reasonably be analysed or resolved apart from one another. Apesar de formular tal teoria com propensões universalistas, o trabalho de Buzan e Wæver (2003) apresenta algumas inconsistências ou mesmo limitações ao enquadrar a região do Grande Magrebe, em uma dinâmica estritamente pelo fator árabe, junto ao RSC do Oriente Médio, não considerando as dinâmicas mediterrânicas ou subsaarianas em sua análise. Fato é que, à época da formulação, em 2003, esta região não possuía níveis significativos de interdependência nas relações entre os agentes securitizantes e entre os Estados, com relação à segurança, suficientes para que se pudesse pensar em um complexo completamente estabelecido e desvinculado do Oriente Médio. Portanto, o Magrebe ficou caracterizado como um sub-complexo regional, devido à fragilidade e pouca relevância das suas dinâmicas regionais de segurança (Antonelo, 2014), ocorrendo apenas situações de spillover 4 das dinâmicas domésticas entre os governos e atores não estatais, para as relações interestatais destes Estados africanos. Sendo tais interações geradas mais pela fraqueza dos Estados, que pela força de algum deles (Buzan & Wæaver, 2003). 1.1. A RELAÇÃO UNIÃO AFRICANA – MAGREBE A relação do Magrebe com a União Africana ou sua antecessora, a OUA, a partir de 1982, foi marcada pela peculiaridade da ausência do Reino do Marrocos como membro da organização continental que contava com a participação de todos os demais países africanos independentes5. Um dos pais fundadores da Organização da Unidade Africana em 1963 e sede do encontro pan-africanista em 1961 na cidade de Casablanca, o Marrocos se retira da OUA em 1984 após o reconhecimento pela instituição, da República Árabe Saaraui Democrática, como estado soberano e membro pleno. Por trinta e três anos esta foi a configuração da OUA/UA, não contando com o Marrocos como membro. No entanto, em 2017, a readmissão do Reino do Marrocos como membro da União Africana, descrita pelo rei marroquino Mohammed VI, como um “retorno à casa” (The New Arab, 2017), marcando assim uma reconfiguração nas dinâmicas económicas e securitárias da região com o continente. 4 Processo inter-relacionado de transbordamento de questões de níveis nacionais para o plano internacional (Haas, 1970). 5 É necessário destacar que a África do Sul só fora aceita como membro em 1994 após o fim do regime de Apartheid no país. Economicamente, o Magrebe sempre teve seus olhos virados para a europa, negligenciando assim o comércio com a África subsaariana. No entanto, a crise financeira do fim da década de 2000 que assolou o mundo e impactou significativamente os mercados europeus, fez diminuir a demanda destes, obrigando a região magrebina a procurar novos mercados para seus produtos (Abderrahim & Aggad, 2018). Como pode-se observar pela figura 6 em Anexo, no período entre 2010 e 2018, o Marrocos foi o país da região com a maior diversificação de parceiros económicos em África, por isso o seu regresso ao seio da União Africana é fator tão importante para a análise da relação desta região com o continente. Nessa busca por novos mercados, a região demonstra ser incapaz de obter os benefícios do comércio com seus vizinhos ao sul (Groof, Bossuyt, Abderrahim, & Djinnit, 2019). Fatorimportantíssimo para as interações económicas do Magrebe é notar a baixa relação intra-magrebina entre os cinco países da região, não ultrapassando os 3% do comércio total praticado por esses países (Abderrahim & Aggad, 2018). Mesmo com os incentivos da UA por uma maior interação comercial entre estes países por meio da União do Magrebe Árabe como uma das 8 Comunidades Económicas Regionais (RECs) do continente, está é a que menos possui suas dinâmicas interligadas. Sendo descrito como um “colapso definitivo da experiência endógena de regionalismo no nível sub-regional” (Colombo, 2018). Essa baixa interação anteriormente provocada pelos conflitos decorrentes da reivindicação do Saara Ocidental pelo Marrocos, agora fora substituída pelo conflito Líbio, resultado direto da Primavera Árabe que atingiu a região a partir de 2011, tendo impacto significativo na economia destes países (Groof, Bossuyt, Abderrahim, & Djinnit, 2019). Já no que concerne às interações securitárias, as questões migratórias na última década se tornaram tópicos de prioridade política para os países do Magrebe para uma maior interação da região em direção ao sul (Groof, Bossuyt, Abderrahim, & Djinnit, 2019). A presença de grupos terroristas nos países ao sul do Magrebe, nomeadamente o Boko Haram e da instabilidade líbia que propiciou a proliferação de operadores de tráfico internacional de pessoas, diversifica as dinâmicas securitárias da região sofrendo uma interação maior com o Complexo Regional de Segurança do Oeste Africano, sendo o sub-complexo do Magrebe, atingido diretamente pelo spillover do fluxo migratório advindo da África subsaariana. Tornando assim, a Argélia e Líbia pontos de saída destes migrantes em sentido a Europa. O retorno do Marrocos à União Africana, pode vir a representar um embate diplomático no âmbito da organização continental entre Rabat e Argel pela liderança da região. A diversificação de parceiros em uma abordagem bilateral do Marrocos como evidenciado pela figura 6 em anexo, permite compreender que o país entre os outros 4 da região, melhor tem seu mercado em diálogo com o continente africano.6 Essas parcerias diversificadas, foram fundamentais para a conquista dos votos necessários para o regresso à UA em 2017. Assim, A luta anti-imperialista da Argélia no conflito contra a França nas décadas de 1950-60, propiciou ao país certo grau de destaque na OUA recém fundada e centrada no fim do colonialismo em África (Zoubir, 2015). Já a política continental argelina de combate ao terrorismo, capitaneou o país a uma posição de prestígio dentro da UA, tendo este, a liderança da Comissão da União Africana de Paz e Segurança desde 2002, ano de fundação desta comissão. Ao longo dos últimos 19 anos, três argelinos foram Comissários deste importante órgão da UA, sendo a comissão atualmente gerida pelo diplomata Smaïl Chergui desde 2013 (Abderrahim & Aggad, 2018). Para a UA, as questões de segurança que são capitais à instituição, principalmente o afluxo de jovens africanos que passam pelo Magrebe ou se estabelecem na região, possuem como foco a ação na origem destas rotas, nas regiões da África Central e Golfo da Guiné, como também no Corno de África. Através da New Partnership for Africa's Development (NEPAD) e do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), a União Africana se concentra no apoio ao desenvolvimento destas regiões, na capacitação dos jovens, mas principalmente no fomento de programas educacionais (Groof, Bossuyt, Abderrahim, & Djinnit, 2019). Essa preocupação dos países magrebinos com a migração subsaariana, é evidente atualmente, na abstenção de todos estes da assinatura do Protocolo de Livre Circulação de Pessoas à nível do Acordo de Livre Comércio Continental Africano (AfCTA) que entrou em vigor na primeira hora de 2021. A defesa desta não assinatura, se passa pela busca de uma alternativa gradual que permita o controle do impacto potencial deste acordo tanto pelo influxo de migrantes para a região, quanto pelo possível abalo das relações bilaterais com a Europa concernentes às questões securitárias (Abderrahim & Aggad, 2018). 6 Ver figuras 2, 4, 6, 8 e 10 sobre o crescimento de mercado dos países magrebinos entre 2010 e 2018. 1.2. A RELAÇÃO UNIÃO EUROPEIA – MAGREBE Dentro do recorte temporal adotado por esta análise, as relações União Europeia – Magrebe aqui abordadas, se referem a um contexto contemporâneo, sem prejuízo do passado histórico de relações entre a porção norte e sul do Mar Mediterrâneo ou o período colonial de domínio europeu sobre a África. Estas relações contemporâneas, são geridas tanto pela Política Europeia de Vizinhança (PEV), adotada a partir de 2004, que proporciona aos países do Norte de África um tratamento preferencial, quanto pela Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), adotada a partir de 2009, com o Tratado de Lisboa. Importante também para as relações Magrebinas com a Europa, está o Diálogo 5+57, instituído a partir de 1990 com a finalidade de uma maior cooperação do Mediterrâneo Ocidental nas áreas de “Administração Interna, Defesa, Transportes, Ambiente, Turismo e, mais recentemente, Ensino Superior e Investigação Científica, Agricultura e Segurança Alimentar” (Turismo de Portugal, s.d). No que concerne à PEV, esta política adotada em um contexto de alargamento da União Europeia para o leste, se referia às preocupações europeias quanto à segurança da UE (Attinà, 2004). Para o Norte de África, essa política significou uma dinâmica económica de trato preferencial e diferenciado em um modelo bilateral, entre os estados do Magrebe de modo individual e à União Europeia (Groof, Bossuyt, Abderrahim, & Djinnit, 2019). No entanto, essa política bilateral favorece a UE que mantém o controle sobre os rumos destes acordos por tratar a região Magrebina de forma fragmentada, o que enfraquece as reivindicações dos países africanos nas relações União Europeia – Magrebe (Dias, 2014). Essa atitude europeia, relega então aos seus vizinhos da porção sul um papel meramente consultivo quanto às políticas económicas estabelecidas (Nogueira, 2018). Como evidenciado nas imagens 1, 3, 5, 7, 9 em anexo, os países da União Europeia são os maiores parceiros comerciais do Magrebe, com exceção da Mauritânia, que pela ausência de ligação territorial com o Mediterrâneo, diversificou seu comércio tendo a China como principal compradora de seus produtos. Essa dependência magrebina pelos mercados europeus, acaba por condicionar e perpetuar a influência europeia sobre suas ex-colônias. O norte de África assim, matem sua visão e planeamento sempre alinhados à Europa enquanto sua realidade ocorre em África. 7 Grupo de diálogo informal entre ministérios setoriais formado pelos países da margem sul e norte do Mar Mediterrâneo Ocidental, sendo eles: Portugal, Espanha, França, Itália e Malta, do lado europeu e, Mauritânia, Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia, do lado africano (Turismo de Portugal, s.d). Embora a força magrebina nas relações com a União Europeia seja mínima, são as questões migratórias e de segurança que fortalecem a barganha na defesa e conquista dos interesses dos países africanos, maximizando seus ganhos económicos e políticos ao mesclar as agendas securitárias e económicas (Groof, Bossuyt, Abderrahim, & Djinnit, 2019). No âmbito da PCSD, o Marrocos ganha destaque na relação com a UE, justamente pelo período em que esteve fora da União Africana. Pela estabilidade política e económica ao longo dos últimos anos, o país se torna um parceiro vital para a UE no Mediterrâneo Sul (Nogueira, 2018). A questão do conflito do Saara Ocidental que dificulta uma maior interação do Marrocos com África, não é um problema para a Europa, possibilitando assim, a atuação do país como uma ponte entre a Europa e a África (Groof, Bossuyt, Abderrahim, & Djinnit, 2019), sendo atualmentecom o retorno do Reino à UA, um porta-voz dos interesses europeus na União Africana. 1.3. A RELAÇÃO UNIÃO AFRICANA – UNIÃO EUROPEIA O diálogo intercontinental entre África e Europa, nas últimas décadas, passou por uma reformulação tanto pela África, que intensifica suas dinâmicas de integração a nível sub- regional e continental, para o fortalecimento do continente como um ator global e da Europa a partir da primeira década deste novo milênio por meio de sua Joint Africa-EU Strategy (JAES) adotada em 2007. Do ponto de vista africano, uma política pan-africanista a partir da adoção da Agenda 2063 8 pela União Africana e do AfCTA, representa uma abordagem única internamente, no entanto, não significando de forma automática uma ação integrada a nível externo (Groof & Bossuyt, 2019). A partir de 2018 e com a necessidade da atualização da JAES firmada uma década antes, a UE parte para a adoção do Neighbourhood, Development and International Cooperation Instrument (NDICI), um instrumento de política externa que em teoria prioriza pela ação conjunta e coordenada das relações com África (European Commission, 2018). Essa nova política, vem em contraponto à anterior prevalência dos acordos bilaterais com países africanos e principalmente com o Magrebe, que tanto se beneficiou com a política de investimentos europeia. Essa parceria Europa-África, no entanto, parece ser contraditória 8 Conjunto de iniciativas propostas em 2015 e em implementação pela União Africana com foco no desenvolvimento económico, integração política, boa governança e justiça, além de uma política de paz e segurança conjunta (African Union, s.d.). dentro da perspetiva triangular das relações com o Magrebe, já que o diálogo com a África subsaariana ocorre também dentro do contexto do Acordo de Cotonu9 e das relações África- Caraíbas-Pacífico (ACP), no qual apenas a Mauritânia faz parte. Apesar do discurso de alto nível da UE bem estabelecido sobre a necessidade de uma abordagem continente-continente, ao mesmo tempo essa política apresenta uma aplicação fragmentada (Groof & Bossuyt, 2019). As medidas apresentadas pelo Conselho Europeu e pela Comissão da União Europeia dão cabo para a necessidade de uma ação de estabilidade africana, assim tratada em nível continental, para a proteção e maximização dos ganhos absolutos da Europa, sob uma perspetiva da interdependência das dinâmicas africanas e europeias. Na prática, esta divergência entre discurso e prática da relação UE-UA se dá segundo a definição de Emmanuel De Groof e Jean Bossuyt (2019) por três importantes fatores. Nomeadamente, sendo eles: (i) A complexidade da integração regional africana dificulta um diálogo direto com o continente; (ii) As prioridades políticas da UE para o Norte de África e a África subsaariana são divergentes; e por fim (iii) a política externa comum europeia enfrenta dificuldades persistentes de coordenação entre as instituições e acordos estabelecidos pela UE. CONSIDERAÇÕES FINAIS A relação triangular apresentada ao longo deste trabalho, demonstra uma dinâmica peculiar e que fora determinante para a compreensão destes processos e destas medidas tão divergentes entre a União Africana e a União Europeia quanto ao Magrebe. Em aspetos económicos, as relações do Magrebe aparentam estar totalmente integradas e dependentes da Europa, refletindo assim, também na abordagem securitária que a UE possui com estes países, tendo como foco o investimento no Norte de África sob uma perspetiva da promoção da paz liberal. Já a relação da subsaariana com a Magrebe, apresenta uma dinâmica de norte para sul em assuntos económicos, a partir da busca de novos mercados, principalmente pelo Marrocos. No entanto, o inverso ocorre nas relações securitárias, em que o sub-complexo 9 Acordo comercial firmado em Cotonu, no Benin, em 2000, constituindo os parâmetros da parceira entre a União Europeia e 79 países da África, das Caraíbas e do Pacífico (União Europeia, 2000). regional de segurança do Magrebe tem suas interações e dinâmicas guiadas pelo spillover do RSC do Oeste Africano, ao sul. A abordagem da União Africana nesse contexto securitário, também se diverge da Europa, tendo como base o foco na região subsaariana para a resolução dos problemas securitários que transbordam para o Magrebe. Sendo os investimentos continentais geridos sob a ótica do fortalecimento destes estados, da ampliação das possibilidades ao iminentes migrantes em sua terra natal e a capacitação da população jovem em busca da inserção no mercado de trabalho. Outro problema notado nesta pesquisa prévia, consiste na necessidade de uma liderança regional estabelecida no Magrebe, notadamente como ocorre no RSC do Oeste Africano com a Nigéria, no RSC do Sul de África com a África do Sul e no proto-complexo do Corno de África com a Etiópia. O conflito diplomático entre Rabat e Argel, patrocinado respetivamente pela União Europeia e a União Africana, ainda enfraquece a região representando uma baixa interação económica e de confiança mútua entre estes países. No entanto, o que se destaca é a potencialidade que os países do Magrebe possuem em ser a ponte entre a Europa e a África nesta guinada para o fortalecimento da parceria continente-continente. Com os olhos para a Europa e o corpo em África, o que se nota é que os benefícios para a região magrebina podem advir com a transposição do grande mar de areia ao sul. Estes ganhos podem ser evidenciados nos últimos anos pela busca de mercados subsaarianos pelo Marrocos, possibilitando uma maior diversificação de seus parceiros e a conquista de seus objetivos políticos ao conseguir transformar parceiros económicos em votos e parceiros diplomáticos dentro da União Africana. Referências Abderrahim, T., & Aggad, F. (Abril de 2018). Starting afresh: The Maghreb’s relations with sub- Saharan Africa. ecdpm(Making policies work), 1-30. African Union. (s.d.). Agenda 2063: The Africa We Want. Obtido em Janeiro de 2021, de African Union: https://au.int/en/agenda2063/overview Antonelo, G. (2014). O Complexo Regional de Segurança do Chifre Africano: Revisão da classificação e definição de fronteiras. Trabalho de conclusão de curso (Monografia) - Relações Internacionais. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil: Universidade Federal de Santa Maria. Attinà, F. (2004). European Neighbourhood Policy and the building of security around Europe. Em F. Attinà, & R. 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A contribuição da escola de Copenhague aos estudos de segurança. Contexto Internacional, 25, 47-80. The New Arab. (1 de Fevereiro de 2017). The New Arab. Obtido em Janeiro de 2021, de Morocco 'back home' in African Union, says King Mohammed: https://english.alaraby.co.uk/english/news/2017/1/31/morocco-back-home-in-african- union-says-king-mohammed Turismo de Portugal. (s.d). Diálogo 5+5. Obtido em Janeiro de 2021, de Turismo de Portugal: http://www.turismodeportugal.pt/pt/quem_somos/cooperacao- internacional/Paginas/dialogo-5-mais-5.aspx União Europeia. (2000). Acordo de Cotonu. Obtido em Janeiro de 2021, de EUR-Lex: https://eur- lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=LEGISSUM:r12101 Yin, R. K. (2001). Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Porto Alegre: Bookman. Zoubir, Y. H. (2015). Algeria’s role in the OAU/African Union: From national liberation promoter to leader in the global war on terrorism. Mediterranean Politics, 20, 55-75. ANEXOS Figuras Figura 1. Relação das exportações da Argélia por produtos e destinos – 2018 Fonte: The Observatory of Economic Complexity <https://oec.world/en/profile/country/dza?deltaTimeSelector1=deltaTime8&tradeScaleSelector1=tradeScale0 >. Acesso em: 18 de jan. de 2021. Figura 2. Crescimento de Mercado das exportações argelinas – 2010-2018 Fonte: The Observatory of Economic Complexity <https://oec.world/en/profile/country/dza?deltaTimeSelector1=deltaTime8&tradeScaleSelector1=tradeScale>. Acesso em: 18 de jan. de 2021. Figura 3. Relação das exportações da Líbia por produtos e destinos – 2018 Fonte: The Observatory of Economic Complexity <https://oec.world/en/profile/country/lby?deltaTimeSelector1=deltaTime8>. Acesso em: 18 de jan. de 2021. Figura 4. Crescimento de Mercado das exportações líbias – 2010-2018 Fonte: The Observatory of Economic Complexity <https://oec.world/en/profile/country/lby?deltaTimeSelector1=deltaTime8>. Acesso em: 18 de jan. de 2021. Figura 5. Relação das exportações do Marrocos por produtos e destinos – 2018 Fonte: The Observatory of Economic Complexity <https://oec.world/en/profile/country/mar?deltaTimeSelector1=deltaTime8>. Acesso em: 18 de jan. de 2021. Figura 6. Crescimento de Mercado das exportações marroquinas – 2010-2018 Fonte: The Observatory of Economic Complexity <https://oec.world/en/profile/country/mar?deltaTimeSelector1=deltaTime8>. Acesso em: 18 de jan. de 2021. Figura 7. Relação das exportações da Mauritânia por produtos e destinos – 2018 Fonte: The Observatory of Economic Complexity <https://oec.world/en/profile/country/mrt?deltaTimeSelector1=deltaTime8>. Acesso em: 18 de jan. de 2021. Figura 8. Crescimento de Mercado das exportações mauritanas – 2010-2018 Fonte: The Observatory of Economic Complexity <https://oec.world/en/profile/country/mrt?deltaTimeSelector1=deltaTime8>. Acesso em: 18 de jan. de 2021. Figura 9. Relação das exportações da Tunísia por produtos e destinos – 2018 Fonte: The Observatory of Economic Complexity < https://oec.world/en/profile/country/tun?deltaTimeSelector1=deltaTime8>. Acesso em: 18 de jan. de 2021. Figura 10. Crescimento de Mercado das exportações tunisinas – 2010-2018 Fonte: The Observatory of Economic Complexity < https://oec.world/en/profile/country/tun?deltaTimeSelector1=deltaTime8>. Acesso em: 18 de jan. de 2021. Figura 11. Complexo Regional de Segurança do Oriente Médio Fonte: (Buzan & Wæaver, Regions and Powers: The Structure of International Security, 2003).
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