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Os atentados de 11 de setembro de 2001 e o despontar da persuasão neoconservadora

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ESTRATÉGICOS 
 
 
 
 
Marcos Valle Machado da Silva 
 
 
 
 
 
Os atentados de 11 de setembro de 2001 e o despontar da persuasão 
neoconservadora no governo George W. Bush 
 
 
 
 
 
 
Niterói 
2011
 
Marcos Valle Machado da Silva 
 
 
 
 
 
Os atentados de 11 de setembro de 2001 e o despontar da persuasão neoconservadora no 
governo George W. Bush 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Marcial A. Garcia Suarez 
 
 
 
Niterói 
2011 
Dissertação apresentada, como requisito parcial 
para obtenção do título de Mestre, ao Programa de 
Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa 
e Segurança (PPGEST) da Universidade Federal 
Fluminense (UFF), como requisito parcial para 
obtenção do Título de Mestre em Estudos 
Estratégicos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
S586 Silva, Marcos Valle Machado da. 
 Os atentados de 11 de setembro de 2001 e o despontar da 
persuasão neoconservadora no governo George W. Bush / 
Marcos Valle Machado da Silva. – 2011. 
 153 f.; il. 
Orientador: Marcial A. Garcia Suarez. 
Dissertação (Mestrado em Estudos Estratégicos) – 
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas 
e Filosofia, Departamento de Ciência Política, 2011. 
 Bibliografia: f. 137-144. 
1. Estados Unidos; política e governo. 2. Poder militar. 
3. Política externa. 4. Bush, George Walker, 1946- . I. Suarez, 
Marcial A. Garcia. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto 
de Ciências Humanas e Filosofia. III. Título. 
 
Marcos Valle Machado da Silva 
 
 
 
Os atentados de 11 de setembro de 2001 e o despontar da persuasão neoconservadora no 
governo George W. Bush 
 
 
 
Dissertação apresentada, como requisito 
parcial para obtenção do título de Mestre, ao 
Programa de Pós-Graduação em Estudos 
Estratégicos da Defesa e Segurança 
(PPGEST) da Universidade Federal 
Fluminense (UFF), como requisito parcial 
para obtenção do Título de Mestre em 
Estudos Estratégicos. 
 
Aprovada em 05 de setembro de 2011. 
 
Banca Examinadora: 
 
 
 _________________________________________________ 
 Prof. Dr. Marcial A. Garcia Suarez (Orientador) 
 Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança 
(PPGEST) da UFF 
 
 _________________________________________________ 
 Prof. Dr. Renato Petrocchi 
 Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança 
(PPGEST) da UFF 
 
 
 _________________________________________________ 
 Prof. Dr. Mauricio Santoro Rocha 
 Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas 
 
 
 
Niterói 
2011
 
DEDICATÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para 
Handerson da Silva, 
meu pai. 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Agradeço a minha família pelo apoio inconteste, particularmente à Eliane que 
incentivou a execução do presente trabalho e compreendeu, de maneira terna, os muitos 
momentos em que nosso tempo de lazer foi substituído pelas atividades de pesquisa e 
elaboração desta dissertação. 
Ao Prof. Dr. Marcial A. Garcia Suarez, meu orientador, agradeço pelas observações 
seguras e inteligentes, bem como pelo incentivo ao trabalho de pesquisa e desenvolvimento da 
dissertação. 
Ao professor Vágner Camilo Alves, Coordenador do PPGEST e ao Contra-Almirante 
Reginaldo Gomes Garcia dos Reis, Chefe do Departamento de Ensino da Escola de Guerra 
Naval, agradeço pelas palavras de incentivo, proferidas na "hora certa", que contribuíram de 
forma inconteste para o êxito dessa primeira etapa acadêmica. 
Aos professores do PPGEST externo o meu muito obrigado pelos conhecimentos 
transmitidos e, principalmente, pela exemplo de dedicação. 
Aos amigos e amigas, mestrandos com quem trilhei essa jornada acadêmica, agradeço 
pelo muito que aprendi com todos. 
Não poderia deixar de agradecer a dona Graça dos Reis Gonçalves, Chefe da 
Secretaria do PPGEST, pelo auxílio nas questões administrativas que surgiram ao longo dos 
dois anos do mestrado. 
Finalmente, e acima de tudo, agradeço a Deus por todas as bênçãos em minha vida, 
esta em especial. 
 
 
RESUMO 
 
 
SILVA, Marcos Valle Machado da. Os atentados de 11 de setembro de 2001 e o despontar da 
persuasão neoconservadora no governo George W. Bush. 2011. 153 f. Dissertação (Mestrado 
em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. 
 
O Objetivo Geral deste trabalho consiste em analisar se após os atentados de 11 de 
setembro de 2001, a administração George W. Bush reorientou a política externa dos EUA 
para o emprego do Poder Militar, de forma preemptiva e unilateral, em consonância com o 
pensamento neoconservador. Para consecução deste objetivo, a dissertação está estruturada 
em três eixos: identificar a gênese e a essência do pensamento neoconservador; analisar e 
avaliar o peso do pensamento neoconservador no núcleo central de decisão da política externa 
do governo Bush, após os atentados de 11 de setembro de 2001; e analisar a penetração do 
pensamento neoconservador nos documentos normativos estratégicos de maior relevância da 
Administração George W. Bush, isto é, a National Security Strategy (NSS) 2002 e 2006. Cada 
um desses eixos corresponde a um capítulo da dissertação. Assim, o primeiro deles visa 
identificar a gênese do pensamento neocon e evidenciar seus pontos centrais, com destaque 
para aqueles concernentes às questões de política externa. O segundo capítulo busca avaliar 
em “se” e em que grau o pensamento neocon esteve presente na administração George W. 
Bush, tomando por base analítica, à luz da Teoria de Unidades de Decisão, três decisões da 
Administração Bush: a declaração da “Guerra contra o Terror”, a Guerra no Afeganistão e a 
Guerra no Iraque. Já o Capítulo 3 corresponde a analise do conteúdo da NSS 2002 e da NSS 
2006, quanto à convergência com os pontos centrais do pensamento neoconservador, 
principalmente no que tange à “ação militar preemptiva”. O trabalho é finalizado com as 
considerações finais acerca da “Guerra contra o Terror” e da reestruturação da política externa 
da administração George W. Bush para um crescente unilateralismo, calcado no emprego da 
força militar e normatizado pela possibilidade da “ação militar preemptiva”, em consonância 
com os pontos centrais do chamado pensamento neoconservador, após os atentados de 11 de 
setembro de 2001. 
 
 
Palavras-Chave: Ação Militar Preemptiva. Administração George W. Bush. “Guerra contra o 
Terror”. National Security Strategy (NSS) 2002 e 2006. Pensamento Neoconservador. Política 
Externa dos EUA. 
 
 
ABSTRACT 
 
 
The aim of this work is to analyze whether after the attacks of September 11, 2001, the 
George W. Bush administration reoriented U.S. foreign policy for the employment of military 
power, so preemptive and unilateral, in line with neoconservative thinking. To achieve this 
objective, the dissertation is structured in three main axis: identifying the origin and essence 
of neoconservative thought, analyze and evaluate the weight of neoconservative thought on 
the central core of foreign policy decision of the Bush administration after the attacks of 
September 11; and analyze the penetration of neo-conservative thinking in the most relevant 
strategic regulatory documents of George W. Bush administration, that is, the National 
Security Strategy (NSS) 2002 and 2006. Each of these axes corresponds to a chapter of the 
dissertation. Thus, the first one is to identify the genesis of neocon thinking and highlight its 
key points, especially those pertaining to foreign policy issues. Thesecond chapter seeks to 
assess "if" and to what degree the neocon thought was present in the administration George 
W. Bush, using as analytical base, according to the Theory of Decision Units, three decisions 
of the Bush administration: the declaration of the "War on Terror", the war in Afghanistan 
and the war in Iraq. Chapter 3 analyzes the content of the NSS and the NSS 2002, 2006, 
regarding the convergence of the central points of neoconservative thought, especially 
regarding the "preemptive military action." The job ends with concluding remarks about the 
"War on Terror" and the restructuring of the George W. Bush administration’s foreign policy 
to a growing unilateralism, rooted in the use of military force and regulated by the possibility 
of "preemptive military action", in line with the central points of neoconservative thinking, 
after the attacks of September 11, 2001. 
 
 
Keywords: George W. Bush Administration. Preemptive Military Action. National Security 
Strategy (NSS) 2002 e 2006. Neoconservative Thinking. United States Foreign Policy. "War 
on Terror". 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
 
Quadro 1 - Síntese dos pontos centrais do pensamento neoconservador 
estadunidense ............................................................................................. 
 
 
33 
Gráfico 1 - Identificação política da população estadunidense 1992- 2011 ................. 
 
41 
Quadro 2 - Síntese dos pontos centrais do pensamento neoconservador 
estadunidense acerca da política externa ................................................... 
 
 
48 
Figura 1 - Relações entre os componentes do Modelo de Unidades de Decisão ........ 
 
57 
Quadro 3 - Composição do NSC durante o período 2001-2003 ................................... 
 
65 
Figura 2 - Aplicação do Modelo teórico selecionado para análise da Decisão de 
desencadear a “Guerra contra o Terror” .......................…………………. 
 
 
73 
Quadro 4 - Composição do NSC na reunião de 15 de setembro de 2001 ..................... 
 
76 
Figura 3 - Aplicação do Modelo teórico selecionado para análise da Decisão de 
desencadear a Guerra no Afeganistão ........................................................ 
 
 
79 
Quadro 5 - Signatários da Carta ao presidente Clinton em 1998 e com cargos na 
administração Bush em 2001 ..................................................................... 
 
 
84 
Figura 4 - Preferências Reveladas na decisão da Guerra no Iraque ............................ 
 
93 
Figura 5 - Aplicação do Modelo teórico selecionado para análise da Decisão de 
desencadear a Guerra no Iraque ...................................………………….. 
 
 
96 
Quadro 6 - Correlação entre os motivos da Guerra no Iraque e os Pontos Centrais do 
Pensamento Neoconservador ..................................................................... 
 
 
100 
Quadro 7 - Convergência das ações estratégicas contidas na NSS 2002 com os 
Pontos Centrais do Pensamento Neoconservador....................................... 
 
 
111 
Quadro 8 - Convergência das ações estratégicas contidas na NSS 2006 com os 
Pontos Centrais do Pensamento Neoconservador ...................................... 
 
125 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
 
ABM Anti-Ballistic Missile (Míssil Anti-Balístico) 
ADM Armas de Destruição em Massa 
CENTCOM United States Central Command 
AEI American Enterprise Institute 
CPD Committee on the Present Danger 
DPG Defense Planning Guide 
EOP Executive Office of the President (Escritório Executivo do Presidente) 
NSC National Security Council (Conselho de Segurança Nacional) 
NSS National Security Strategy 
ONU Organização das Nações Unidas 
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte 
PNAC Project for a New America Century 
RDPC República Democrática Popular da Coréia 
 
SUMÁRIO 
 
 
 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 11 
1 O NEOCONSERVADORISMO NOS EUA ....................................................... 16 
1.1 A Gênese do Neoconservadorismo nos EUA ...................................................... 17 
1.1.1 O Tradicionalismo .................................................................................................. 22 
1.1.2 O Libertarianismo ................................................................................................... 22 
1.1.3 O Neoconservadorismo .......................................................................................... 24 
1.2 Pontos Centrais do Pensamento Neoconservador ............................................. 28 
1.3 Política Externa e o Pensamento Neoconservador ............................................ 34 
1.4 A Administração George W. Bush e o Neoconservadorismo ........................... 49 
2 O PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO EM POLÍTICA EXTERNA 
NOS EUA .............................................................................................................. 
 
54 
2.1 Margareth Hermann e o Modelo das Unidades de Decisão ............................. 56 
2.1.1 Iniciando o Processo – o Reconhecimento de um Problema e a Ocasião para a 
Decisão ................................................................................................................... 
 
57 
2.1.2 A Unidade de Decisão dominante .......................................................................... 58 
2.1.2.1 Determinando a Unidade de Decisão Dominante em uma Ocasião para a 
Decisão ................................................................................................................... 
 
58 
2.1.3 Condições Estruturais que Favorecem a Ação do Líder Predominante ................. 59 
2.1.4 Condições Estruturais que Favorecem a Ação de um Grupo Único ...................... 59 
2.1.5 Condições Estruturais que Favorecem a Ação da Coalizão de Agentes 
Autônomos ............................................................................................................. 
 
60 
2.1.6 Determinando a Unidade de Decisão Dominante .................................................. 61 
2.1.7 Resultados do Processo de Decisão ........................................................................ 61 
2.2 A Estrutura Formal do Governo dos EUA ........................................................ 63 
2.3 Identificando a Unidade de Decisão Dominante, em Política Externa, no 
Primeiro Mandato de George W. Bush .............................................................. 
 
66 
2.4 Analisando a Coesão dos Vulcans e o Tipo de Resultado do Processo 
Decisório ................................................................................................................ 
 
68 
2.5 A Ocasião para a Decisão: Os atentados de 11 de setembro de 2001 .............. 71 
2.6 A decisão de invadir o Afeganistão e derrubar o Regime Talibã .................... 75 
2.6.1 Analisando os pontos de contato da decisão da Guerra no Afeganistão com o 
pensamento neoconservador ................................................................................... 
 
79 
 
2.7 A decisão de invadir o Iraque e derrubar Saddam Hussein ............................. 82 
 
2.7.1 Analisando os pontos de contato da decisão da Guerra no Iraque com o 
pensamento neoconservador ................................................................................... 
 
98 
3 A ESTRATÉGIA DE SEGURANÇA NACIONAL (2002 E 2006) E O 
PENSAMENTO NEOCONSERVADOR .......................................................... 
 
101 
3.1 A NSS 2002 ........................................................................................................... 103 
3.2 A NSS 2006 ........................................................................................................... 113 
4 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 127 
 REFERÊNCIAS ...................................................................................................137 
 APÊNDICE A - Síntese Biográfica dos principais personagens mencionados .... 145 
 APÊNDICE B - Importações de Petróleo dos EUA: 2000 - 2009 ........................ 153 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
Estudos acerca da política externa dos Estados Unidos da América (EUA) têm 
despontado na área acadêmica brasileira, principalmente após os atentados de 11 de setembro 
de 2001. A administração George W. Bush é objeto de estudo de várias teses, dissertações, 
monografias, ensaios e artigos de acadêmicos brasileiros. A maioria das análises resulta em 
conclusões depreciativas acerca da política externa dos dois mandatos daquele presidente, 
usualmente percebida como “capturada” por expoentes do chamado neoconservadorismo 
estadunidense, supostamente presentes nos escalões decisórios mais elevados do executivo 
dos EUA, nos dois mandatos do presidente George W. Bush. Nesse sentido, duas das marcas 
da política externa da administração George W. Bush, a “Guerra contra o Terror” e a 
possibilidade da “ação militar preemptiva1” são, muitas vezes, identificadas como fatores 
causais de uma crescente percepção de insegurança e instabilidade no sistema internacional. 
Neste contexto, passada uma década desde os atentados de 11 de setembro de 2001, esta 
dissertação é uma contribuição adicional ao estudo da política externa dos EUA e tem como 
Objeto de Estudo, as relações entre o pensamento neoconservador (neocon) estadunidense e a 
"ação militar preemptiva", no contexto da chamada "Guerra contra o Terror". A moldura 
temporal abrange o período compreendido entre 2001 a 2008, isto é, os dois mandatos do 
presidente George W. Bush. 
Como forma de contextualizar os antecedentes do Objeto de Estudo supracitado, é 
pertinente recordar que o início da década de 1990 marcou a ascensão dos EUA como a única 
superpotência do globo. O colapso da União Soviética, a coalizão montada contra o Iraque e a 
fácil vitória militar contra esse país, bem como o crescimento da economia estadunidense, 
proporcionaram a percepção de que os EUA se mostravam insuperáveis no aspecto militar, 
econômico e cultural. Essa sensação de invencibilidade e invulnerabilidade refletia-se na 
postura de muitos dos formuladores da política externa estadunidense que, gradativamente, 
passaram a atuar sem levar em conta outros atores do sistema internacional. 
Há que se considerar que, mesmo durante os dois mandatos do presidente Clinton, o 
Congresso e vários expoentes da política externa dos EUA, já apontavam para uma postura 
estratégica que tendia ao unilateralismo, pautado pela defesa dos interesses imediatos da 
superpotência norte-americana. Neste contexto, os EUA deram as costas para diversos e 
significativos acordos, normas e fóruns de negociação internacional. Esse processo é hoje 
 
1 Uma ação militar iniciada em decorrência de uma evidência incontroversa de que um ataque inimigo é iminente 
(USA, 2010, Department of Defense. Dictionary of Military and Associated Terms. JP 1-02, p. 369). 
 
 
12 
 
facilmente percebido ao vermos que, no período compreendido entre 1997 e 2000, o governo 
estadunidense se recusou a assinar importantes tratados internacionais2. Com a eleição de 
George W. Bush para presidente dos EUA, essas posições ganharam ímpeto. Um exemplo 
disso foi o Protocolo de Kyoto, assinado pelo Presidente Bill Clinton em 1997 e retirado, 
definitivamente, pelo presidente George W. Bush, da pauta de futuro encaminhamento ao 
Senado, em março de 2001. Outro exemplo foi a decisão unilateral de retirar-se do Tratado de 
Mísseis Antibalísticos3 (Antiballistic Missile Treaty – ABM), em dezembro de 2001, assinado 
com a então URSS e que vigorava desde 1972. 
Entretanto, a sensação de invulnerabilidade estadunidense foi abruptamente cortada no 
dia 11 de setembro de 2001. Nesta data, quatro aeronaves comerciais foram seqüestradas por 
terroristas da rede al-Qaeda, sendo que duas delas foram jogadas contra as torres gêmeas do 
World Trade Center, e uma contra o Pentágono. A quarta aeronave, o Vôo 93 da United 
Airlines, caiu em uma área rural na Pensilvânia, em decorrência da reação dos passageiros 
contra os terroristas impedindo, assim, que um quarto alvo fosse atingido. Essas ações 
simultâneas paralisaram, ainda que momentaneamente, a superpotência norte-americana. No 
entanto, a resposta veio rapidamente e na forma de uma declaração de “Guerra contra o 
Terror”, anunciada pelo presidente George W. Bush, no seu discurso no Congresso, na sessão 
conjunta do dia 20 de setembro de 2001: 
 
No dia 11 de setembro de 2001, os inimigos da liberdade cometeram um ato de 
Guerra contra o nosso país. [...] Nossa Guerra contra o terror começa com a al 
Qaeda, mas não termina aí. Não terminará até que cada grupo terrorista de alcance 
global seja encontrado, parado e derrotado. [...] Deste dia em diante, qualquer nação 
que continue a apoiar ou abrigar o terrorismo, será considerada, pelos Estados 
Unidos, como um regime hostil. [...]4 (Tradução nossa). 
 
2 Como exemplos podemos citar que, em dezembro de 1997, o governo estadunidense rejeitou o Tratado sobre a 
Proibição de Minas Terrestres, bem como em julho de 1998, rejeitou a participação dos EUA no Tribunal 
Penal Internacional. O artigo de Richard Du Boff, publicado pelo Centre for Research on Globalization, 
apresenta 21 tratados e acordos multilaterais rejeitados pelos EUA, até dezembro de 2001 (DU BOFF, 2001). 
 
3 Em maio de 1972 foi assinado, com a URSS, o Tratado sobre Mísseis Anti-Balísticos (Anti-Ballistic Missile - 
ABM) que limitava os sistemas de defesa antimíssil a duas áreas de lançamento, com um número máximo de 
100 mísseis interceptadores para cada uma das duas superpotências. Posteriormente, em 1974, uma revisão 
deste tratado limitou ainda mais a defesa estratégica antimísseis, permitindo apenas uma área de lançamento 
para cada lado. O objetivo do Tratado ABM era, em essência, proibir o desenvolvimento em larga escala de 
mísseis estratégicos antimísseis, de modo que a Destruição Mútua Assegurada, continuasse a ser uma premissa 
nos cálculos de segurança das duas superpotências (GRAHAM, 2004, p. 90-91). 
 
4 “On September the 11th, enemies of freedom committed an act of war against our country. […] Our war on 
terror begins with al Qaeda, but it does not end there. It will not end until every terrorist group of global 
reach has been found, stopped and defeated. […] From this day forward, any nation that continues to harbor 
or support terrorism will be regarded by the United States as a hostile regime” (USA. Homeland Security 
Department. Speeches and Statements. Address to a Joint Session of Congress and the American People 
<http://www.dhs.gov/xnews/speeches/speech_0016.shtm>). 
 
 
13 
 
Nesse contexto, é pertinente questionar se dentro do processo de formulação e tomada 
de decisão de política externa do governo George W. Bush existia uma visão de mundo, 
compartilhada, pelos atores que participaram desse processo, e se este núcleo de ideias 
compartilhadas estaria em consonância com o chamado “pensamento neoconservador” 
(neocon), tal qual apontam os críticos da administração Bush. Se essa visão de mundo 
compartilhada existia, cabe também questionarmos quais foram seus reflexos sobre a política 
externa estadunidense, à luz de um modelo teórico que lide com esse contexto e proporcione 
um poder explanatório forte o suficiente para analisarmos o processo de formulação e tomada 
de decisão de política externa do governo George W. Bush, após os atentados de 11 de 
setembro de 2001. É importante relembrar que o presidente em pauta, montou sua equipe de 
governo, no âmbito da formulação e decisão da política externa, com integrantes que, em sua 
maioria, haviam exercido funções nos Departamento de Estado e Defesa, durante os governos 
RonaldReagan e George H. W. Bush (o vice-presidente Richard Cheney, o Secretário de 
Defesa Donald Runsfeld, o Secretário de Estado Collin Powell, bem como Paul Wolfowitz e 
Richard Perle, entre vários outros assessores do segundo escalão do executivo). Como 
veremos ao longo deste trabalho, alguns desses personagens são apontados, pelos críticos do 
governo George W. Bush, como expoentes do pensamento neocon. 
O que pretendemos contextualizar nessa Introdução ao presente trabalho é que, 
naquele momento de unipolaridade do sistema internacional, bem como de ímpeto de 
posições unilateralistas por parte de expressivos segmentos relacionados com a formulação e 
execução da política externa dos EUA, ocorreram os atentados de 11 de setembro de 2001, 
que cortaram, abruptamente, a percepção de invulnerabilidade da superpotência estadunidense 
e conduziram a uma nova postura no que tange às decisões de política externa, por parte da 
administração George W. Bush. Nesse contexto, um Questionamento Central nos pareceu 
pertinente: A “Guerra contra o Terror” reflete a reorientação da política externa dos EUA para 
o emprego preventivo do seu Poder Militar, em consonância com o denominado pensamento 
neoconservador? 
A partir dessa Questão-Chave, outras Questões Correlatas foram formuladas: Que 
postura estratégica reflete a expressão “Guerra contra o Terror”? Essa postura foi elaborada 
somente após os atentados de 11 de setembro de 2001, ou já se encontrava subjacente entre 
um segmento expressivo de formuladores da política externa estadunidense? Ela reflete os 
pontos centrais do chamado pensamento neocon? Quais são esses pontos centrais? Quais seus 
principais expoentes? O círculo decisório da política externa dos EUA foi ocupado por 
indivíduos que se identificavam com o pensamento neocon? Se isso ocorreu, qual o impacto 
 
 
14 
 
que teve sobre a formulação dessa política externa? Se não ocorreu, existe um modelo teórico 
que explique esse processo de formulação e decisão da política externa dos EUA, em 
consonância com um núcleo central de ideias, que após o 11 de setembro de 2001, poderia ser 
percebido como próximo ao neoconservadorismo? 
As questões supracitadas motivaram a elaboração da presente dissertação, cujo Objeto 
de Estudo (OE), conforme exposto no início da presente Introdução, consiste nas relações 
entre o pensamento neoconservador estadunidense e a "ação militar preemptiva", no contexto 
da chamada "Guerra contra o Terror". A moldura temporal abrange o período compreendido 
entre 2001 a 2008, isto é, os dois mandatos do presidente George W. Bush. 
 Assim sendo, o Objetivo Geral deste trabalho consiste em analisar se após os atentados 
de 11 de setembro de 2001, a administração George W. Bush reorientou a política externa dos 
EUA para o emprego do Poder Militar, de forma preemptiva e unilateral, em consonância 
com o pensamento neoconservador. 
 Para a consecução do Objetivo Geral supracitado o trabalho foi estruturado em torno 
de três Objetivos Específicos a seguir apresentados: 
 a) Identificar a gênese do pensamento neoconservador, seus pontos centrais, assim 
como seus principais expoentes e seu alcance na Administração George W. Bush. 
 b) Analisar o processo de decisório da política externa do governo George W. Bush, à 
luz da Teoria de Unidades de Decisão5, a fim de identificar qual o lócus decisório e quais os 
atores participantes desse processo, bem como qual o peso da coesão de ideias, isto é, do 
pensamento neoconservador, sobre os resultados desse processo, no governo George. W. 
Bush, após os atentados de 11 de setembro de 2001. 
 c) Analisar se a Estratégia de Segurança Nacional dos EUA (National Security 
Strategy – NSS), lançada em 2002 e a subseqüente NSS, divulgada em 2006, são consonantes 
com os pontos centrais do pensamento neoconservador, principalmente no que tange à “ação 
militar preemptiva”. 
Os Objetivos Específicos supracitados são explorados ao longo dos três capítulos da 
presente dissertação. Assim, o Capítulo 1, corresponde ao esforço de pesquisa para 
alcançarmos o primeiro Objetivo Específico apresentado, isto é, identificar a gênese do 
pensamento neocon; seus pontos centrais, com destaque para aqueles concernentes às 
questões de política externa; e seu alcance na Administração George W. Bush. 
 
5 Tal como apresentada por Margareth H. Hermann, em How Decision Units Shape Foreign Policy (Vide 
Referências Bibliográficas) (Nota do autor). 
 
 
15 
 
O Capítulo 2 está correlacionado com o segundo Objetivo Específico apresentado, ou 
seja, analisar o processo decisório da política externa do governo George W. Bush, à luz de 
um modelo teórico já consolidado, de modo a evidenciar seu lócus decisório e o peso das 
ideias, bem como o grau de coesão em relação a essas ideias, no caso, os pontos centrais do 
pensamento neoconservador, no processo supracitado. Deste modo, o capítulo em pauta 
permitirá avaliar em “se” e em que grau o pensamento neocon esteve presente na 
administração George W. Bush, tomando por base analítica, à luz do modelo teórico 
selecionado (Teoria de Unidades de Decisão), três decisões da Administração Bush: a 
declaração da “Guerra contra o Terror”, a Guerra no Afeganistão e a Guerra no Iraque. Assim, 
o Capítulo 2 congrega a análise e avaliação do peso do pensamento neoconservador, bem 
como do seu grau de coesão no núcleo central de formulação e decisão da política externa do 
governo Bush, após os atentados de 11 de setembro de 2001. 
Já o Capítulo 3 corresponde à consecução do terceiro Objetivo Específico, isto é, 
analisar se a NSS 2002 e 2006 têm seus respectivos conteúdos normativos, acerca da política 
externa, consonantes com os pontos centrais do pensamento neoconservador, principalmente 
no que tange à “ação militar preemptiva”. Para tanto, foi efetuada uma comparação entre as 
ações estratégicas prescritas nestes dois documentos, com os pontos centrais do pensamento 
neocon, evidenciados no primeiro capítulo desta dissertação. 
O trabalho é finalizado com a constatação de que a “Guerra contra o Terror”, um dos 
alicerces da Estratégia de Segurança Nacional da administração George W. Bush, após os 
atentados de 11 de setembro de 2001, foi uma metáfora6 empregada por aquele governo, que 
catalisou a coesão nacional e, posteriormente, permitiu a reestruturação da política externa 
estadunidense com base no unilateralismo, calcado no emprego da força militar e normatizado 
pela possibilidade da “ação militar preemptiva”, em consonância com os pontos centrais do 
chamado pensamento neoconservador, mesmo sem expoentes deste sistema ideacional no 
primeiro escalão da administração George W. Bush. Essa reestruturação foi exposta de forma 
normativa no documento estratégico de mais alto nível do governo estadunidense, isto é, a 
National Security Strategy (2002 e 2006). 
 
6 Cabe aqui observar o sentido do termo metáfora como sendo o emprego de uma palavra em um sentido 
figurado, o que permite que se transfiram atributos de um conjunto de circunstâncias para outro, a fim de que 
se possa expressar uma percepção da realidade. Entendida desse modo, a metáfora de uma “Guerra contra o 
Terror” expressava tanto a intenção do governo Bush de confrontar e derrotar aqueles que perpetraram os 
ataques de 11 de setembro, quanto os sentimentos da nação agredida (Nota do autor). 
 
 
16 
 
1 O NEOCONSERVADORISMO NOS EUA 
 
 
 O Objetivo do presente capítulo é analisar e evidenciar os pontos centrais do chamado 
pensamento neoconservador estadunidense, destacando aqueles afetos às questões de política 
externa e em que momento esses pontos mostraram-se coerentes com a realidade que se 
apresentava aos decisores da política externa dos EUA, bem como seu alcance na 
administração George W. Bush. Foge ao propósito do presente trabalho detalharas origens e 
as raízes históricas do neoconservadorismo, tema já explorado em trabalhos acadêmicos 
brasileiros de qualidade7. Assim sendo, nosso corte temporal será aquele em que o termo 
neoconservadorismo começa a ser utilizado, nos EUA, para definir um conjunto de ideias 
específico, bem como a ter indivíduos definido-se como neoconservadores, isto é, o período 
que se inicia na década de 1970. 
 Naquela década, dois eventos singulares marcaram os EUA, um de caráter interno e 
outro externo. Internamente, a sociedade estadunidense vivia um período de turbulência 
decorrente do movimento denominado contracultura, caracterizado, em linhas gerais, pela 
crítica aos valores "americanos" e à Guerra do Vietnã. Externamente, a détente era a palavra 
de ordem e o governo Nixon buscava reduzir a tensão e o clima de confronto com a URSS. Os 
dois eventos marcam o despertar de um corpo de ideias reativas a esses dois fatores e que, ao 
longo das décadas seguintes foi ampliado, sistematizado e dotado de coerência, de modo que 
chegou ao início do século XXI como um conjunto de ideias que guarda pontos de tangência 
com os principais paradigmas das relações internacionais – o realismo e o liberalismo -, bem 
como com o pensamento político liberal e conservador. Conforme será exposto no presente 
capítulo, essa característica faz com que o pensamento neoconservador tenha uma aceitação, 
ao menos de parte de seus pontos centrais, por um segmento expressivo da sociedade 
estadunidense. Porém, seu conjunto central de proposições, observado como um todo, 
desponta como algo único no pensamento político estadunidense sem, no entanto, poder ser 
considerado um corpo teórico no sentido estrito da palavra. Frisamos a expressão “seu 
conjunto central de proposições”, haja vista que existem, conforme será analisado e 
evidenciado nesse trabalho, variações entre as posições específicas dos que se intitulam 
neoconservadores. No entanto, existe um núcleo central de pontos em comum que são o cerne 
do chamado pensamento neoconservador e que serão evidenciados no presente capítulo. 
 
7 Notadamente o livro O pensamento neoconservador em política externa nos Estados Unidos, de autoria de 
Carlos Augusto Poggio Teixeira, publicado pela UNESP, em 2010 (Vide Referências Bibliográficas) (Nota do 
autor). 
 
 
17 
 
1.1 A Gênese do Neoconservadorismo nos EUA 
 
 
O neoconservadorismo tornou-se a palavra central em relação à administração Bush, 
após os atentados de 11 de setembro e, mais ainda, depois da invasão do Iraque em 2003. 
Mas, no consiste esse chamado neoconservadorismo estadunidense? Como e no que esse 
neoconservadorismo se distingue do denominado pensamento conservador? Qual a sua 
influência sobre o a sociedade e governo dos EUA? 
Irving Kristol8, o fundador das revistas The National Interest e The Public Interest, 
dois dos principais veículos na mídia impressa para divulgação do pensamento neocon, e 
sobre as quais falaremos ainda nesse capítulo, é considerado como o “avô dos 
neoconservadores” por ter difundido as ideias associadas ao termo com o qual ele e outros 
foram, inicialmente, denominados de forma pejorativa. Kristol também é o autor de 
Neoconservatism: The autobiography of an Idea9 (1999), obra que sistematiza o chamado 
pensamento neoconservador em diversos aspectos da vida política, econômica e cultural da 
sociedade estadunidense. Esse ícone do neoconservadorismo inicia seu artigo The 
Neoconservative Persuasion (Kristol, 2004, p. 33), com a seguinte indagação: “O que 
exatamente é o neoconservadorismo?10” (Tradução nossa). Kristol responde a essa questão 
apontando que: “[...] desde sua origem entre intelectuais liberais desiludidos, nos anos 1970, o 
que nós chamamos de neoconservadorismo tem sido uma daquelas tendências intelectuais 
ocultas que emergem apenas intermitentemente11” (Ibid., p. 33) (Tradução nossa). 
Deixando claro que não se trata de um “movimento”, Kristol situa o 
neoconservadorismo como “[...] a ‘persuasão’, que se manifesta por certo tempo, mas 
irregularmente, e cujo significado só percebemos claramente em retrospecto12” (Ibid., p. 33) 
(Tradução nossa). 
 
8 O Apêndice A apresenta uma síntese biográfica de Irving Kristol e de outros expoentes do pensamento 
neoconservador citados no presente trabalho, bem como de alguns personagens históricos, não 
necessariamente ligados ao neoconservadorismo, mas também citados ao longo desta dissertação (Nota do 
autor). 
 
9 Vide Referências bibliográficas (Nota do autor). 
 
10 “What exactly is neoconservatism?” (KRISTOL, 2004, p. 33). 
 
11 “ [...] ever since its origin among disillusioned liberal intellectuals in the 1970s, what we call neoconservatism 
has been one of those intellectual undercurrents that surface only intermittently” (Ibid., p.33). 
 
12 “ […] a ‘persuasion’ that manifests itself over time, but erratically, and one whose meaning we clearly glimpse 
only in retrospect” (Ibid., p. 33). 
 
 
 
18 
 
Jeane Kirkpatrick13, em seu artigo Neoconservatism as a Response to the Counter-
Culture (2004, p. 235), diz que se sentiu intrigada quando, em 1972, foi chamada pela 
primeira vez de neoconservadora: “A designação 'neoconservadora' me intrigou. Eu nunca 
tinha pensado em mim como uma conservadora em qualquer questão. O que é um 
neoconservador?14” A partir de conversas com Irving Kristol, Jeane Kirkpatrick diz que se 
convenceu de que um neoconservador é uma pessoa com um passado liberal, sendo essa a 
principal distinção entre um conservador e um neoconservador. Ela amplia sua visão acerca 
do neoconservador da seguinte forma: “[...] o neoconservadorismo nasceu de uma reação à 
contracultura que dominou a política americana através dos anos sessenta e setenta15” (Ibid., 
p. 235) (tradução nossa). 
A contracultura foi mais do que o movimento contra Guerra do Vietnã, constituindo 
uma ampla rejeição às tradicionais atitudes, valores e objetivos “americanos”. A contracultura 
criticava e repudiava praticamente todos os aspectos da vida e cultura estadunidense. O 
movimento propagou-se nas cidades, campi universitários e redações de inúmeros periódicos 
dos EUA, desafiando as crenças básicas “americanas” e questionando o papel conferido ao 
poder dos EUA. Kirkpatrick aponta que na primeira metade da década de 1970, a 
contracultura tinha progressivamente radicalizado a vida intelectual dos EUA. Na mídia, nas 
universidades, nas demonstrações e debates públicos, um grande número de estadunidenses 
partiu para a crítica contundente ao American way of life. No contexto da Guerra do Vietnã e 
da Guerra Fria, o inimigo passava a ser a própria sociedade estadunidense e seus valores 
(Ibid., p. 235-236; 239). 
 
 
Enquanto os Estados Unidos foram percebidos como uma sociedade virtuosa, as 
políticas que fortaleciam o poder Americano eram também vistas como virtuosas. A 
moralidade e o poder Americano estão ligados de maneira indissolúvel. Mas, com os 
EUA definidos como uma sociedade essencialmente imoral, valorizar ou fortalecer o 
poder foram percebidos como algo imoral. A moralidade, agora, requer a 
transformação da nossa sociedade vista como falida, e não o fortalecimento do seu 
poder16 (KIRKPATRICK, 2004, p. 236) (Tradução nossa). 
 
13 Vide Apêndice A, para síntese biográfica correspondente (Nota do autor). 
 
14 “The ‘neoconservative’ designation puzzled me. I had never thought of myself as a conservative of any kind. 
What is a neoconservative?” (KIRKPATRICK, 2004, p. 235). 
 
15 “ […] the neoconservative was born from a reaction to the counter-culture that dominated American politics 
through the sixties and seventies” (Ibid., p. 235). 
 
16 “As long as the United States was perceived as a virtuous society, policies that enhanced American Power 
were also seen as virtuous. Moralityand American Power were indissolubly linked in the traditional 
conception. But with the U.S. defined as an essentially immoral society, valuing and/or enhancing power were 
perceived as immoral. Morality now required transforming our deeply flawed society, not enhancing its 
power” (Ibid., p. 236). 
 
 
19 
 
Segundo Kirkpatrick (2004, p. 239), toda representação de autoridade – pais, policiais, 
presidente, juízes, governadores – eram atacados com veemência. Nas principais 
universidades dos EUA – Columbia, Berkeley, Harvard, Kent State, etc. – os fundamentos do 
liberalismo e da democracia eram repudiados, e seus defensores atacados. Desse modo, o 
aspecto central do movimento era menos a rejeição da Guerra do Vietnã do que a rejeição aos 
EUA. O argumento central não era o de que a guerra era desnecessária, mas sim que o país 
era “imoral – uma sociedade doente – culpada de racismo, materialismo, imperialismo e 
assassinato de pessoas do Terceiro Mundo no Vietnã” (Ibid., p. 239). 
No entanto, muitos liberais ligados ao Partido Democrata acreditavam que, embora 
imperfeita, a sociedade “americana” era uma sociedade de sucesso, capaz de prover liberdade 
e um padrão de vida decente à maioria de seus cidadãos. Para esses estadunidenses, sem 
dúvida sua sociedade poderia ser melhorada, mas antes ela devia ser preservada (Ibid., p. 
240). 
Nas primárias do partido democrata para as eleições presidenciais de 1972, uma parte 
dos democratas que estava descontente com esse discurso negativista, apoiou o pré-candidato 
Henry “Scoop” Jackson, que criticava o engajamento americano no Vietnã, mas ressaltava 
que isso não podia se transformar em uma postura complacente ou derrotista frente a URSS. 
Entre os democratas que o apoiavam estavam, por exemplo, Irving Kristol, Jeane Kirkpatrick, 
Richard Perle e Elliot Abrams. O concorrente de Jackson era o senador George McGovern17, 
cujas principais propostas eram: a retirada imediata das forças militares dos EUA que estavam 
no Vietnã, o anúncio da indiferença à expansão do comunismo no sudeste asiático, dentro de 
um contexto revisionista que colocava os EUA como o principal responsável pela Guerra Fria 
(Ibid., p. 240). 
Foi nessa época que um intelectual de esquerda, Michael Harrington, lança um rótulo 
sobre aqueles democratas que apoiavam Henry “Scoop” Jackson: “vocês não são mais gente 
de esquerda, vocês são neoconservadores” (FRACHON; VERNET, 2006, p. 42). Essa, 
segundo Irving Kristol, foi a origem do termo neoconservador que, naquele contexto, tinha o 
sentido de “renegados” e inicialmente causou surpresa e rejeição, mas depois foi aceito como 
uma marca que distinguia uma nova corrente do pensamento político estadunidense 
(KRISTOL, 1999, p. 33). 
Outro fator relevante no entendimento da emersão do pensamento neoconservador foi 
decorrente da política externa do governo Nixon, ou seja, a détente com a URSS. Os mesmos 
 
17 George McGovern foi escolhido pelo partido democrata para disputar as eleições presidenciais com o 
candidato do partido republicano Richard Nixon, sendo por este derrotado (Nota do autor). 
 
 
20 
 
liberais que se opunham aos excessos da contracultura também criticavam essa postura 
estratégica, defendendo uma atitude de enfrentamento dos regimes comunistas, o que os 
colocava numa posição de distanciamento da administração Nixon, mas não do Partido 
Republicano. A abordagem voltada para confrontar o comunismo e a expansão soviética 
ganhou eco no Think Tank denominado Committee on the Present Danger18 (CPD), 
originalmente criado em 1950 para construir um consenso nacional em prol da Política de 
Contenção do presidente Truman. Na década de 1970, no contexto de oposição à détente, um 
CPD renovado voltou a emergir, tendo como missão construir uma política afirmativa 
destinada a promover a segurança dos Estados Unidos e seus aliados, bem como alertar para o 
risco inerente de "apaziguar" o totalitarismo. Em outras palavras, prescreviam a adoção de 
uma postura mais forte contra a URSS, caso os EUA desejassem vencer a chamada Guerra 
Fria. 
Nesse contexto, os intelectuais liberais, então ligados ou simpatizantes do partido 
democrata que assumiram um posicionamento crítico sobre os rumos da política interna e 
externa dos EUA, notadamente opondo-se à contracultura e a détente, receberam e, ao longo 
do tempo, aceitaram a alcunha de neoconservadores. Uma parte desse grupo estava 
essencialmente voltada para as questões, domésticas, isto é, a política interna, entre eles 
destacavam-se: Irving Kristol, Daniel Patrick Moynihan, James Q. Wilson e Nathan Glazer19. 
A outra parte desses “dissidentes” tinha como foco a política externa, particularmente o 
aparente declínio da posição dos EUA frente à URSS, dentro do contexto da derrota no 
Vietnã. Nesse grupo encontravam-se Jeane Kirkpatrick, Norman Podhoretz e Eugene V. 
Rostow20 (MURAVICHIK, 2004, p. 244). 
Essa pode ser considerada a primeira geração de neoconservadores nos EUA e alguns 
periódicos tornaram-se os veículos de disseminação das ideias desses “liberais desiludidos”. 
 
18 O Committee on the Present Danger (CPD) é uma organização que se define com não-partidária, tendo como 
meta presente, o fortalecimento da decisão estadunidense de confrontar o desafio atual do terrorismo e as 
ideologias que o promovem. Atualmente, o CPD retorna para confrontar uma nova ameaça: o islamismo 
militante e o terrorismo que ele propaga. Em 2010, o CPD possuía entre seus membros mais de cem ex-
funcionários da Casa Branca, embaixadores, acadêmicos, escritores e vários peritos em política externa, sendo 
co-presidido pelo ex-secretário de Estado George Shultz e pelo ex-diretor da Agência Central de Inteligência 
(CIA) James Woolsey (Committee on the Present Danger. Mission. 
<http://www.committeeonthepresentdanger.org/index.php?option=com_content&view=article&id=50&Itemid
=54>). 
 
19 Vide Apêndice A para consultar a síntese biográfica desses expoentes da primeira geração de 
neoconservadores estadunidenses (Nota do autor). 
 
20 O mesmo da nota anterior(Nota do autor). 
 
 
 
21 
 
Assim, as revistas Commentary21, The Public Interest22 e The National Interest23, as duas 
últimas criadas por Irving Kristol, converteram-se nos principais veículos de expressão para o 
pensamento desses intelectuais (AYERBE, 2006, p. 80). 
Outra abordagem acerca das origens do pensamento neoconservador é apresentada por 
Adam Wolfson24 (2004, p. 216) que argumenta que os contornos básicos do 
neoconservadorismo emergiram no contexto de seus dois principais rivais conservadores: o 
libertarianismo25 e tradicionalismo. Essas três abordagens conservadoras – o libertarianismo, 
o tradicionalismo e o neoconservadorismo – começaram a tomar a forma pela qual são hoje 
conhecidas logo após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, cada uma delas tem raízes 
históricas e filosóficas que serão sumarizadas nas seções seguintes. De um modo geral, o 
tradicionalismo tem suas raízes em Edmund Burke; o libertarianismo em Adam Smith e mais 
recentemente em Frederich Hayek; e o neoconservadorismo em Alexis de Tocqueville 
(WOLFSON, 2004, p 216). Assim, Wolfson descreve os principais segmentos constituintes 
de cada uma dessas abordagens conservadoras: 
 
 
Aqueles de nós que lamentamos muito da vida moderna americana e encontramos 
consolo em antigos caminhos herdados se apegarão ao tradicionalismo. Outros, que 
celebram a liberdade e novas tecnologias, vão guinar para o libertarianismo. Aqueles 
que vêem na modernidade princípios admiráveis, mas também as tendências 
preocupantes, a sua persuasão será o neoconservadorismo26 (WOLFSON, 2004, p. 
217) (Tradução nossa). 
 
21 Publicada pela primeira vez em 1945, a Commentary tornou-se, na década de 1970, um dos principais veículos 
de propagaçãodo pensamento neoconservador. Os artigos publicados abordam questões acerca da fé na 
democracia e nos valores democráticos num mundo ameaçado por ideologias totalitárias; a segurança do 
Ocidente e dos EUA; Israel e os EUA; e preservação da cultura “americana” em meio ao colapso dos valores 
morais (COMMENTARY. About Us. <http://www.commentarymagazine.com/about/>). 
 
22 Irving Kristol, juntamente com Daniel Bell, fundou a Public Interest em 1965. Até o ano do seu encerramento 
– 2005 – a revista foi uma importante plataforma para o pensamento neoconservador nos temas afetos às 
questões sociais e política interna (RIGHT WEB. Irving Kristol. <http://www.rightweb.irc-
online.org/profile/Kristol_Irving>). 
 
23 Irving Kristol fundou a National Interest em 1985 tendo como linha editorial os interesses dos EUA nas 
questões internacionais. A equipe editorial da National Interest congrega escritores alinhados tanto como o 
neoconservadorismo quanto com o realismo, já que desde 2001, a revista foi adquirida pelo Nixon Center. 
Entre seus editores alinhados com a visão realista das Relações Internacionais estão, por exemplo, Henry 
Kissinger, John J. Mearsheimer e Graham Allison (RIGHT WEB. National Interest. 
<http://www.rightweb.irc-online.org/profile/National_Interest>). 
 
24 Vide Apêndice A, para síntese biográfica correspondente (Nota do autor). 
 
25 Termo utilizado pelo autor para traduzir o original em inglês libertarianism (Nota do autor). 
 
26 “Those of us who regret much of modern American life and find solace in old, inherited ways will cling to 
traditionalism. Others, who celebrate the new freedoms and new technologies, will turn to libertarianism. As 
for those who see in modernity admirable principles but also worrisome tendencies, their persuasion will be 
neoconservatism” (WOLFSON, 2004, p. 217). 
 
 
22 
 
1.1.1 O Tradicionalismo 
 
 
 No período seguinte a Segunda Guerra Mundial, vários pensadores dedicaram-se a 
resgatar o tradicional conservadorismo de Edmund Burke para a vida pública estadunidense. 
Eles se tornaram conhecidos como “novos conservadores”, sendo o mais proeminente deles 
Russel Kirk, que em 1953 publicou o best-seller The Conservative Mind. O típico 
conservador “americano” no período anterior à Segunda Guerra mundial era, de fato, o liberal 
do século XIX – um crente no laissez-faire, no desenvolvimento científico e no progresso de 
maneira ampla. A renovação do pensamento de Burke, da qual Kirk participou na década de 
1950, conferiu ao conservadorismo uma nova voz, qual seja: a de que já não seria o partido 
dos grandes negócios ou um apologista da sociedade burguesa. Para os novos conservadores o 
problema da modernidade era a voracidade por lucros a qualquer custo (WOLFSON, 2004, p 
217). 
O desejo de parar, refletir, reconsiderar e talvez voltar atrás permanece vivo dentro dos 
círculos conservadores do tradicionalismo, podendo ser percebido na defesa da família, na 
valorização das virtudes e na sensibilidade religiosa. Além disso, na visão tradicionalista o 
governo federal usurpou as prerrogativas das localidades. Assim, esse segmento do 
conservadorismo olha para o passado, quase melancolicamente, em busca de uma “América” 
de pequenas cidades com suas comunidades fechadas (Ibid., p 218). 
 
 
1.1.2 O Libertarianismo 
 
 
Para Wolfson (2004, p. 220), em contraste com os tradicionalistas, os libertarianistas 
estão absolutamente a vontade no mundo atual. Orientam-se por John Locke, Adam Smith, 
Stuart Mill, bem como por alguns pensadores sociais do século XX como Friedrich Hayek. O 
espírito do libertarianismo é progressista e tem como proposta central expandir ainda mais a 
liberdade de escolha individual e econômica, opondo-se a quase todos os tipos de regulações 
sejam elas econômicas ou morais. 
Nesse sentido, discute-se se o libertarianismo é, de fato, uma variante do pensamento 
conservador. Para Wolfson (2004, p 220), na verdade é, pois busca conservar e ampliar as 
liberdades individuais frente ao Estado, em consonância com, por exemplo,com o pensamento 
 
 
23 
 
de Locke27 e Stuart Mill28, e desde a década de 1950 tem sido um importante corpo de ideias 
abraçadas pela direita estadunidense, tanto no partido republicano, quanto pelos 
conservadores em geral 
É pertinente observar que, aparentemente, há uma confusão entre os termos 
conservadorismo libertarianista e os princípios liberais. Assim é pertinente recordar a que 
“existe um liberalismo econômico que pretende dar ao mercado o maior espaço possível” e 
existe, também, “um liberalismo político que insiste na igualdade de direitos, em uma 
extensão tão ampla quanto possível das liberdades e também nos limites à intervenção do 
Estado” (BOUDON apud AYERBE, 2006, p. 122). O libertarianismo busca conservar a 
ambos, sendo, portanto incluído por Wolfson, como uma das correntes do pensamento 
conservador estadunidense29. 
Nesse sentido, em nenhuma outra questão a influência do libertarianismo é mais 
perceptível do que na oposição conservadora ao “Big Government” e ao ceticismo com 
relação ao moderno Estado de Bem-Estar Social. Tendo como referência o pensamento de 
Friedrich Hayek, particularmente seu best-seller da década de 1940 - O Caminho da 
Servidão30 -, esse segmento defende o progresso e as liberdades, tanto econômicas como 
individuais. São contra a regulação do mercado e, conforme mencionado, desconfiam do 
Welfare State e do Big Government, pois numa visão singular da obra de Hayek receiam que o 
 
27 John Locke (1632-1704) produziu uma notável contribuição ao pensamento político, principalmente com sua 
obra, hoje um clássico, da Ciência Política, Segundo Tratado sobre o Governo: um ensaio relativo sobre à 
verdadeira origem, extensão e objetivo do governo civil . Nele Locke, sintetiza os limites do poder do Estado 
perante o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Assim, as instituições executivas do governo deveriam ser 
regidas pela lei e que o consentimento é a base da obrigação política (LOCKE, 1979). 
 
28 John Stuart Mill (1806-1873) é bastante conhecido por aprimorar o utilitarismo de Jeremy Bentham. No 
entanto, sua obra de maior repercussão é o ensaio Sobre a Liberdade, uma apologia do individualismo liberal. 
Na defesa dessa liberdade Mill deixa claro que nenhum indivíduo ou governo tem o direito de cercear a 
palavra, a publicação de ideias, ou a conduta de outro indivíduo, exceto quando necessário evitar que isso 
venha a causar dano a outra pessoa. Mill aborda ainda em seus ensaios a defesa do sufrágio universal e do 
governo representativo, onde as minorias fossem também representadas (ADAMS; DYSON, 2006, p. 115-
119). 
 
29 De modo geral, existe certa incoerência no uso dos termos liberal e conservador. Convém recordar, por 
exemplo, que nos EUA, durante a Guerra Fria, os liberais foram associados à complacência ou simpatia para 
com o socialismo e os conservadores associados ao anticomunismo. Mas, durante o esfacelamento do 
comunismo no Leste europeu, no fim da década de 1980 e início de 1990, os defensores do comunismo foram 
chamados de conservadores, ao passo que os pró-capitalistas foram denominados liberais (JOHNSON, 1997, 
p. 51). Esse deslizamento no sentido dos termos ao longo do tempo e de lugar para lugar, gera essa aparente 
confusão, cabendo essas observações complementares no presente trabalho (Nota do autor). 
 
30 No original, The Road to Serfdom, foi escrito em 1944, como uma crítica ao totalitarismo nazista e soviético, 
mas também à crescente popularidade do planejamento econômico e do socialismo no Ocidente. No Prefácio 
das edições de 1956 e 1976, Hayek argumenta que a expansão do Welfare State nos EUA e na Europa 
Ocidental poderia levar a uma redução da liberdade individual, em função da intervenção e regulação 
crescente do Estado na vida econômica e civil da sociedade (WOLFSON, 2004, P. 221). 
 
 
24Estado que proporciona esse Bem-Estar transforme-se em um Estado hipertrofiado. No que 
tange à política externa, não são isolacionistas, nem tampouco intervencionistas sistemáticos, 
uma vez que identificam uma possível conjunção das operações militares no exterior, com o 
consequente aumento das despesas militares, e a necessidade de um maior orçamento Estatal, 
o que poderia implicar num crescimento do papel do Estado que, no limite, poderia restringir 
as liberdades individuais (FRACHON; VERNET, 2006, p. 72). 
No entanto, é a crítica libertarianista mais analítica e politicamente orientada que 
domina os Think Tanks como o Cato Institute31, The American Enterprise Institute32 e The 
Heritage Foundation33. Suas preocupações com a eficiência econômica e a liberdade 
individual predominam em seus estudos e, nessa produção intelectual repousa a força das 
ideias dessa corrente, aparentemente progressista, mas de fato ligada, em sentido amplo, ao 
conservadorismo estadunidense (WOLFSON, 2004, p 221). 
 
 
1.1.3 O Neoconservadorismo 
 
 
 A breve síntese do tradicionalismo e do libertarianismo permite observar que as duas 
linhas de pensamento fazem oposição a regulação e aos gastos do governo, mas, além disso, 
as duas abordagens compartilham pouco em comum. Os tradicionalistas acreditam que a 
cultura ou a história é o fator primário nas relações humanas. Já para os libertarianistas esse 
fator é a economia. Da discordância dessas duas abordagens surge o neoconservadorismo, que 
 
31 O Instituto Cato é uma organização de pesquisa de políticas públicas - um Think Tank - dedicado aos 
princípios da liberdade individual, governo limitado, mercados livres e a paz. Seus acadêmicos e analistas 
conduzem pesquisas independentes, não partidárias, acerca de várias questões políticas relacionadas aos 
pricípios supracitados (CATO INSTITUTE. About Cato. <http://www.cato.org/about.php>). 
 
32 O AEI tem sua origem no American Enterprise Association (AEA), um pequeno grupo de empresários de New 
York reunido em 1938 e que, no auge da Segunda Guerra Mundial, em 1943, decidiu abrir uma associação 
para defender a rápida desmobilização econômica do pós-guerra e, mais genericamente, para melhorar a 
compreensão do Congresso sobre as consequências econômicas das suas ações. Isso foi decorrente, dos 
debates no Congresso, acerca da manutenção permanente do controle de preços e da produção, do período de 
guerra, de forma a evitar que outra depressão no período de paz. Posteriormente, a Associação evoluiu para 
Instituto, originando o American Enterprise Institute. Na década de 1970, alguns dos intelectuais democratas, 
desiludidos com os rumos do partido, tais como, Irving Kristol, Jeane Kirkpatrick e Michael Novak, 
ingressaram nas fileiras acadêmicas do AEI (AMERICAN ENTERPRISE INSTITUTE. History of AEI. 
<http://www.aei.org/history>). 
Atualmente, o Instituto congrega alguns dos expoentes do pensamento neocon, tais como: John R. Bolton, 
Richard Perle e Paul Wolfowitz, (AMERICAN ENTERPRISE INSTITUTE. Scholars. 
<http://www.aei.org/scholars>). 
 
33 Fundada em 1973, a Heritage Foundation é um Think Tank, “cuja missão é formular e promover políticas 
públicas conservadoras baseadas nos princípios da livre empresa, governo limitado, liberdade individual, 
valores tradicionais americanos e uma forte defesa nacional” (THE HERITAGE FOUNDATION. About. 
<http://www.heritage.org/About>). 
 
 
25 
 
vê na política em geral e na política democrática em particular, o fator chave das relações 
humanas. A nostalgia do tradicionalismo pelo passado pré-iluminista e pré-industrial é 
ausente no neoconservadorismo. O que não significa dizer que os neocons são proponentes de 
um mercado totalmente desregulado ou que não apreciem a herança moral e espiritual 
“americana”. A crítica neoconservadora ao projeto “neo-Burkeano” dos tradicionalistas é de 
que esse projeto tem poucas chances de prosperar, pois um núcleo central de ideias que busca 
resgatar o passado, ou a “tradição” para guiar as relações sociais ou para frear as mudanças e 
inovações terá uma aceitação reduzida na sociedade estadunidense (WOLFSON, 2004, p 222-
223). 
Para Kristol, o neoconservadorismo é a primeira variante do conservadorismo 
estadunidense no século passado, que mantém suas origens nas raízes “americanas”. Desse 
modo, Kristol argumenta que o neoconservadorismo é “esperançoso, não lúgubre, 
progressista, não nostálgico, e seu tom geral é alegre, não triste ou dispéptico”34. Seus heróis 
do século XX são Theodore Roosevelt, Franklin Delano Roosevelt e Ronald Reagan 
(KRISTOL, 2004, p. 34). Assim, os neocons sentem-se mais a vontade nos EUA de hoje que 
os tradicionais conservadores estadunidenses. Porém, a percepção entre os neocons de 
constante declínio da cultura democrática, “afundando em um novo nível de vulgaridade” faz 
com que guardem pontos de unidade de pensamento com os conservadores tradicionais – mas 
não com os “conservadores libertarianistas” que, segundo Kristol, são conservadores em 
questões econômicas, mas que se esqueceram da cultura “americana”. Assim, o desfecho das 
interações entre as três abordagens conservadoras foi uma inesperada aliança entre os neocons 
e os tradicionalistas religiosos (Ibid., p. 35). 
É pertinente analisar quais os pontos em comum do pensamento neocon com o 
fundamentalismo cristão estadunidense possibilitaram um campo de entendimento mútuo. A 
percepção de que a “América” foi fundada sobre uma “ideia” é um desses pontos em comum. 
No entanto, os neocons encontram essa “ideia” na Declaração de Independência de 1776. Já 
os fundamentalistas cristãos encontram essa ideia no cristianismo. Por outro lado, os dois 
segmentos compartilham valores: a preservação da família, a luta contra a vulgaridade e a 
pornografia na cultura “americana”, a importância de uma educação de qualidade e o repúdio 
ao relativismo cultural e moral (FRACHON; VERNET, 2006, p. 74-75). Esses valores 
compartilhados têm como conseqüência a formação de uma “aliança” tácita entre os 
fundamentalistas cristãos e os neocons, com reflexos tangíveis nas eleições estadunidenses. 
 
34 “[…] hopeful, not lugubrious, forward-looking, not nostalgic; and its general tone is cheerful, not grim or 
dyspeptic” (KRISTOL, 2004, p. 34). 
 
 
26 
 
Isso porque os fundamentalistas representam um contingente crescente no eleitorado 
estadunidense e, boa parte desse eleitorado vota nos candidatos que aparentam compartilhar 
os seus valores morais. A historiadora Gertrude Himmelfarb35, mulher de Irving Kristol, em 
um artigo intitulado Democratic Remedies for Democratic Disorders, publicado na The 
Public Interest, em 1998, já descrevia esse renascimento religioso, que implicava na 
existência do que ela denominou de “a outra nação”, ao buscar um termo que representasse 
uma parcela da população estadunidense em oposição aos libertarianistas (HIMMELFARB, 
1998, p. 12). 
Essa “outra nação” congrega um amplo espectro da sociedade estadunidense, que vai 
da direita cristã a indivíduos sem filiação religiosa particular, mas com fortes convicções 
morais tradicionais. Ela escreve que 43% dos americanos se consideram Born-again 
Christians, e que um terço deles se identifica com a direita religiosa (Ibid., p. 17). 
 
 
Num extremo do espectro desta outra nação (em paralelo com a elite cultural da 
nação dominante) encontra-se a "direita religiosa". Este é o núcleo duro da outra 
nação - um determinado e articulado grupo de protestantes evangélicos. Em uma 
pesquisa recente, 18 por cento do público se identificou com este rótulo. [...] 
Quarenta e três por cento do público se descreve como "cristãos renascidos”, mas 
apenas um terço desse segmento é associado à direita religiosa. Portanto, a outra 
nação, se estende bem além da direita religiosa. Inclui protestantes tradicionalistas, 
católicos,mórmons, alguns judeus ortodoxos e as pessoas sem afiliação religiosa, 
mas de fortes convicções morais tradicionais36 (HIMMELFARB, 1998, p. 17) 
(Tradução nossa). 
 
 
Mesmo não sendo a maioria do eleitorado estadunidense, esses fundamentalistas 
cristãos, que compartilham valores com o pensamento neocon, talvez sejam uma parcela 
essencial para assegurar a eleição de candidatos identificados com esses valores. Assim, nas 
palavras de Irving Kristol: 
 
 
35 Vide Apêndice A, para síntese biográfica correspondente (Nota do autor). 
 
36 “At one end of the spectrum of this other nation (paralleling the cultural elite of the dominant nation) is the 
"religious right." This is the hard core of the other nation--a determined and articulate group of evangelical 
Protestants. In a recent survey, 18 percent of the public identified themselves under this label. […] Forty-three 
percent of the public describe themselves as "born-again" Christians, but only one third of these associate 
themselves with the religious right. The other nation, then, extends well beyond the religious right. It includes 
traditionalist Protestants, Catholics, Mormons, some Orthodox Jews (the latter a very small number 
proportionately), and individuals of no particular religious affiliation but of strong traditional moral 
convictions” (HIMMELFARB, 1998, p. 17). 
 
 
27 
 
O resultado é uma inesperada aliança entre neoconservadores, que inclui uma boa 
proporção de intelectuais seculares, com os tradicionalistas religiosos. Eles estão 
unidos em questões afetas à qualidade da educação, às relações da Igreja com o 
Estado, ao controle da pornografia [...] E já que o partido republicano tem agora uma 
base substancial entre os religiosos, isso dá uma certa influência e até mesmo poder 
aos neocons37 (Kristol, 2004, p. 35) (Tradução nossa). 
 
 
Em suma, podemos depreender que as origens do pensamento neoconservador 
estadunidense estão ligadas à algo que podemos chamar de “contra-contracultura” nos EUA e 
que aflorou na década de 1970. Nesse contexto, alguns intelectuais ligados ao partido 
democrata, romperam com este partido e passaram a defender posições de resgate dos valores 
morais “americanos”, bem como uma postura firme no enfrentamento com a URSS, dentro do 
contexto da Guerra Fria. Ao longo da década seguinte, esses dois eixos ideacionais foram 
ganhando eco nos EUA, por meio de uma produção intelectual realizada em Think Tanks e 
disseminada em alguns periódicos já mencionados. 
No que tange à estrutura político-partidária dos EUA, o partido republicano, 
gradualmente, acolheu essas ideias e nas palavras de Irving Kristol, "ao longo das décadas de 
1970 e 1980, o partido republicano foi gradualmente se modernizando, em parte, por causa 
dos textos de autores neoconservadores38" (KRISTOL, 1999, p. xi) (Tradução nossa). Para a 
primeira geração de neoconservadores, o ponto de inflexão foi a administração Reagan, onde 
os dois eixos ideacionais supracitados foram aplicados, impulsionando o neoconservadorismo 
e fazendo dele uma expressão significativa da vida política estadunidense. 
Feita essa breve síntese acerca da gênese do neoconservadorismo nos EUA, na qual 
utilizamos as percepções de três expoentes desse pensamento – Irving Kristol, Jeane 
Kirkpatrick e Adam Wolfson – serão evidenciados na próxima seção deste trabalho os pontos 
centrais do neoconservadorismo estadunidense. 
 
37 “The upshot is a quite unexpected alliance between neocons, who include a fair proportion of secular 
intellectuals, and religious traditionalists. They are united on issues concerning the quality of education, the 
relations of Church and State, the regulation of pornography [...] And since the Republican Party now has a 
substantial base among the religious, this gives neocons a certain influence and even power” (KRISTOL, 
2004, p. 35). 
 
38 "In the course of the 1970s and 1980s, however, the Republican party gradually 'modernized' itself to some 
degree, in part because of the writings of neoconservatives" (KRISTOL, 1999, p. ix). 
 
 
28 
 
1.2 Pontos Centrais do Pensamento Neoconservador 
 
 
Para evidenciarmos os pontos centrais do pensamento neoconservador estadunidense, 
utilizaremos como fontes de pesquisa os artigos e livros de alguns expoentes do 
neoconservadorismo que buscaram, ao longo das décadas de 1980 e 1990, sistematizar e dar 
coerência a esse pensamento. Assim sendo, tal como na seção anterior, selecionamos como 
fontes básicas, alguns autores, no caso cinco acadêmicos, identificados com o 
neoconservadorismo: Irving Kristol, Adam Wolfson, Max Boot, Irwin Stelzer e Francis 
Fukuyama39. 
Para Irving Kristol (2004, p. 35), na política externa, assim como na economia e na 
cultura, não há uma teoria neoconservadora, mas um conjunto de atitudes derivadas da 
experiência histórica dos EUA, uma persuasão, que ele sistematiza em quatro princípios: 
patriotismo; repúdio a qualquer tentativa de estabelecimento de um governo mundial; o papel 
do estadista em reconhecer amigos e inimigos; e o interesse nacional como algo além de 
interesses materiais. 
 
 
Essas atitudes podem ser resumidas nas seguintes ‘theses’ (como diria um marxista): 
Primeiro, patriotismo é um sentimento natural e saudável, devendo ser encorajado 
pelas instituições públicas e privadas [...]. Segundo, um governo mundial é uma 
ideia terrível, uma vez que pode levar a uma tirania mundial. Assim, as instituições 
internacionais que apontem para a meta do estabelecimento de um governo mundial 
devem ser vistas com profunda suspeita. Terceiro, o estadista deve, acima de tudo, 
ter a habilidade de distinguir entre amigos e inimigos. Isso pode não ser tão fácil 
quanto parece, haja vista história da Guerra Fria, onde o número de que homens 
inteligentes que não viam a URSS como um inimigo era absolutamente 
surpreendente. Finalmente, para uma Grande Potência, o ‘interesse nacional’ não é 
um termo geográfico [...]. Uma grande nação, cuja identidade é ideológica, como a 
União Soviética no passado e os EUA de hoje, têm inevitavelmente interesses 
ideológicos em adição às preocupações mais materiais40 (KRISTOL, 2004, p. 36) 
(Grifo nosso) (Tradução nossa). 
 
 
39 Vide o Apêndice A para consultar a síntese biográfica desses expoentes do neoconservadorismo estadunidense 
(Nota do autor). 
 
40 “These attitudes can be summarized in the following ‘theses’ (as a Marxist would say): First, 
patriotism is a natural and healthy sentiment, and should be encouraged by both private and public institutions. 
[…]. Second, world government is a terrible idea since it can lead to world tyranny. International institutions 
that point to an ultimate world government should be regarded with the deepest suspicion. Third, statesmen 
should, above all, have the ability to distinguish friends from enemies. This is not as easy as it sounds, as the 
history of Cold War revealed. The number of intelligent men who could not count the Soviet Union as an enemy, 
even though this was its own self-definition, was absolutely astonishing. Finally, for a great power, the ‘national 
interest’ is not a geographical term […]. And large nations , whose identity is ideological, like the Soviet Union 
of yesterday and the United States of today, inevitably have ideological interests in addition to more material 
concerns” (KRISTOL, 2004, p. 36). 
 
 
29 
 
Em consonância com esses princípios Kristol aponta que a tarefa histórica e o 
propósito político do neoconservadorismo poderiam ser vistos como: “[...] converter o Partido 
Republicano, e o conservadorismo americano em geral, contra suas vontades respectivas, em 
um tipo novo de política conservadora apropriada a governar uma democracia moderna41” 
(KRISTOL, 2004, p. 33). 
No que tange a política interna e a questão do Big Government,os neocons criticam a 
ênfase exagerada dos movimentos de esquerda ao Welfare State, tendo, porém uma posição 
muito mais branda em relação a essa questão do que os libertarianistas. Na visão neocon a 
democracia tende a encorajar a busca dos interesses privados e, consequentemente, o bem 
comum tende a ser negligenciado, sendo importante o papel do Welfare State para corrigir 
essa distorção (WOLFSON, 2004, p 223). Conforme argumenta Irving Kristol: 
 
 
Os Neocons não gostam da concentração dos serviços no Estado de bem-estar e se 
sentem gratificados estudando formas alternativas de distribuir esses serviços. Mas 
são impacientes com a noção hayekiana de que estamos ‘no caminho da servidão’. 
Os Neocons não sentem esse tipo de alarme ou de ansiedade com o crescimento do 
Estado no século passado, vendo-o como natural, certamente inevitável42 
(KRISTOL, 2004, p. 35) (Tradução nossa). 
 
 
Segundo Max Boot (2004, p. 46), os neocons eram e ainda são a favor dos benefícios 
do Welfare State, igualdade racial e outros princípios liberais. O neoconservadorismo é 
também uma face do liberalismo. No em tanto, não se pode esquecer que as origens do 
pensamento neocon surgiram como uma reação e oposição aos excessos do fim dos anos 1960 
e do início da década de 1970, quando a criminalidade crescia nos EUA, a URSS ganhava 
terreno na Guerra Fria e a ala dominante do partido democrata parecia não querer enfrentar 
essas questões. 
Assim, no que tange ao papel do Estado, os neocons se opõem às críticas dos 
libertarianistas ao Big Government e também à compreensão do que entendem por liberdade. 
Na visão neocon, os libertarianistas defendem qualquer tipo de liberdade individual, assim 
tendem a ser favoráveis ao aborto, legalização das drogas, clonagem humana etc., dentro da 
expansão da direito de escolha individual. O neoconservadorismo apresenta uma proposta de 
 
41 “ […] to convert the Republican Party, and American conservatism in general, against their respective wills, 
into a new kind of conservative politics suitable to govern a modern democracy” (KRISTOL, 2004, p. 33). 
 
42 “Neocons do not like the concentration of services in the welfare state and are happy to study alternative ways 
of delivering these services. But they are impatient with the Hayekian notion that we are on ‘the road to 
serfdom’. Neocons do not feel that kind of alarm or anxiety about the growth of the State in the past century, 
seeing it as natural, indeed inevitable” (Ibid., p. 35). 
 
 
30 
 
defesa da liberdade individual, sem repudiar os valores morais da sociedade “americana” 
(WOLFSON, 2004, p 225). 
Francis Fukuyama é outro expoente neoconservador que produziu textos diretos acerca 
do pensamento neocon. Mundialmente conhecido por seu polêmico The End of History and 
the Last Man43, Fukuyama, publicou em 2006, America at the Crossroads: democracy, power 
and the neoconservative legacy44, onde aponta quatro pontos centrais do pensamento 
neoconservador. O primeiro deles é a crença de que o regime de governo de um Estado é 
importante, “e que a política externa deve refletir os valores mais profundos das sociedades 
liberais democráticas” (diferença basilar em relação ao pensamento realista e neo-realista das 
Relações Internacionais) (FUKUYAMA, 2006, p. 56). O segundo é a crença de que o poder 
estadunidense “tem sido e pode ser usado para fins morais e que os Estados Unidos precisam 
permanecer envolvidos nos assuntos internacionais”, pois como potência dominante, o país 
tem “responsabilidades especiais na área de segurança” (Ibid. p. 56). O terceiro é “a 
desconfiança em relação a projetos ambiciosos de engenharia social” (Ibid. p. 56). 
Finalmente, o quarto ponto central do pensamento neoconservador, segundo Fukuyama, 
reside no “ceticismo a respeito da legitimidade e da eficiência das leis e instituições 
internacionais para conseguir segurança ou justiça” (Ibid. p. 57). Esse é um ponto comum 
entre o pensamento neocon e a corrente realista e neo-realista das Relações Internacionais, 
pois ambos percebem que o Direito Internacional, sozinho, é um instrumento incapaz de 
coibir agressões entre Estados, bem como de fazer cumprir regras, acordos e tratados 
assinados entre Estados, quando estes deixam de ser consonantes com seus interesses. Tanto 
os realistas quanto os neocons criticam a atuação da Organização das Nações Unidas (ONU), 
tanto como agente promotor do direito internacional, quanto como árbitro capaz de 
implementar esse Direito. No entanto, Fukuyama, aponta que “para a maioria dos 
neoconservadores, a desconfiança em relação à ONU não se estende a todas as formas de 
cooperação multilateral; quase todos são favoráveis à Organização do Tratado do Atlântico 
Norte (OTAN) e acreditam em ações coletivas baseadas em princípios democráticos comuns” 
(Ibid. p. 56-57). 
É importante destacar que os quatro princípios neocon supracitados guardam pontos 
de convergência com correntes teóricas já consolidadas, bem como com vários grupos 
 
43 Escrito no contexto da débâcle da URSS, o artigo e, posteriormente, o livro faz uma apologia à supremacia do 
sistema capitalista democrático liberal e o desaparecimento de alternativas a esse sistema (Nota do autor). 
 
44 Foi publicado no mesmo ano no Brasil, com o título O dilema americano: democracia, poder e o legado do 
neoconservadorismo (Vide Referências Bibliográficas) (Nota do autor). 
 
 
31 
 
importantes do espectro político estadunidense. Conforme mencionado anteriormente, o 
ceticismo com relação às instituições internacionais é compartilhado com os realistas e neo-
realistas. O princípio de uma política externa internacionalista e baseada na democracia 
também é defendido por grande parte do partido democrata. A crença nos valores morais da 
sociedade “americana” são pontos em comum com os tradicionalistas cristãos; e a percepção 
negativa do alcance dos projetos de engenharia social é comum com a direita do partido 
republicano (FUKUYAMA, 2006, p 68). No entanto, esses pontos centrais supracitados, se 
olhados como um todo, representam um conjunto singular do pensamento político 
estadunidense, com importantes reflexos para a formulação e decisão de política externa, 
conforme será exposto mais adiante neste trabalho. 
Para Irwin Stelzer, os pontos centrais do neoconservadorismo têm suas raízes na 
história dos EUA, nas políticas defendidas por vários dos presidentes, tais como John Quincy 
Adams, Theodore Roosevelt e, principalmente, Woodrow Wilson (STELZER, 2004, p. 8-9). 
Stelzer aponta como as palavras do presidente Wilson, anunciando o motivo da 
ocupação de Cuba, em 1917, - “Não para a anexação, mas para proporcionar à colônia 
impotente uma oportunidade para a Liberdade45” - guardam semelhança com a linguagem 
utilizada por George W. Bush e Tony Blair, para justificar a invasão do Iraque e a deposição 
de Saddam Hussein (Ibid., p. 9). 
No entanto, Stelzer destaca uma diferença basilar entre os valores defendidos pelo 
presidente Wilson e o pensamento neocon: Wilson acreditava que sua meta poderia ser 
alcançada por meio do multilateralismo e da força das instituições, tal como a Liga das 
Nações. Os neocons vislumbram tornar a democracia uma instituição universal por meio da 
deposição de regimes ditatoriais que ameacem a segurança dos EUA e a ordem mundial, e 
para isso, prescrevem o uso da força militar como recurso de última instância (Ibid., p. 9). 
Analisando a questão dos pontos de contato entre o pensamento neocon e os princípios 
defendidos pelo presidente Wilson, Max Boot aproxima-se da análise de Stelzer, pois 
identifica os neocons como “idealistas wilsonianos”, porém com uma significativa distinção. 
Ao desenvolver o argumento que externa essa distinção, Boot recorda que o rótulo wilsoniano 
tem sido aplicado a qualquer um que acredite que a

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