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Por una América indígena - Cremilda

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1
Para o livro: CAMINHOS DO SABER PLURAL 
 
Projeto: NOVOS CAMINHOS DA CIÊNCIA 
 
Série: Número 7 
Ano: 1999. 
 
Organizadora: Dra. Cremilda Medina 
 Professora Titular 
 Escola de Comunicações e Artes - ECA 
 Universidade de São Paulo - USP 
 
 
 
 
Artigo: POR UMA AMERICA INDÍGENA* 
 
Autor: Enrique Amayo Zevallos, Ph.D. 
 Livre Docente 
 Professor Adjunto 
 Departamento de Economia 
 FCL - Campus de Araraquara 
 Universidade Estadual Paulista - UNESP 
 E-mail: <eazamayo@fclar.unesp.br> 
 
----------------------------------------------------------------------------------------------- 
* Este artigo é resultado das leituras feitas nos dois últimos anos preparando 
aulas para meus alunos de graduação, pós-graduação e especialização latu-
sensu. A eles, por suas constantes perguntas e generosas inquietações, dedico 
este trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 2
POR UMA AMÉRICA INDÍGENA 
 
... não é exagero dizer que o rápido crescimento industrial da Alemanha é o maior 
monumento político gerado pelo impacto, na Europa, dos produtos alimentícios 
americanos... igualmente, o extraordinário crescimento do poder e da população da 
Rússia nos séculos XIX e XX tem a ver com a superioridade da batata... como alimento 
básico de uma sociedade em processo de industrialização... O aumento da população e a 
expansão da industrialização na Europa do norte, com seu resultante impacto na 
distribuição do poder a partir de 1750, simplesmente não poderia ter acontecido sem a 
alimentação gerada pela expansão da batata nos campos de cultivo. Nenhum outro 
produto americano desenvolveu papel tão decisivo no cenário mundial... 1
 
 
I. INTRODUÇÃO. 
 
A conquista do Novo Mundo (finalmente conhecido como América) foi 
consequência da superioridade do Velho Mundo, cujo eixo, desde o século XVI, 
é a Europa. Ou seja, a conquista e destruição da América pré-colombiana 
(Indígena) foram o resultado natural do choque entre dois mundos diferentes. 
Nesse choque o superior tinha que se impor ao inferior. Em outras palavras: foi o 
resultado natural do processo de desenvolvimento histórico. Foi uma fatalidade 
histórica que demostra uma vez mais o domínio das formações sociais técnica e 
institucionalmente superiores (neste caso Europa) sobre as inferiores (América 
Indígena). De tão óbvia, esta é uma verdade quase axiomática, evidente por si 
mesma, sem precisar de explicação. 
 
Esse tipo de raciocínio é componente essencial da síndrome conhecida como 
eurocentrismo. 2 Esse fenômeno histórico-social considera a história mundial, 
especialmente a partir do século XVI, quase como uma mera extensão da 
história da Europa. Para essa visão, as diferenças ou especificidades locais e 
regionais não contam ou contam muito pouco. Assume-se como natural a 
superioridade dos produtos institucionais e técnicos europeus, e por extensão 
do Ocidente, quando comparados com seus similares de qualquer outra 
formação social conhecida. E como resultado dessa comparação, paralelamente 
à idéia de superioridade, foi-se desenvolvendo a atitude conhecida como 
arrogância. Superioridade e arrogância, componentes estruturais do racismo, 
são também elementos chaves do eurocentrismo. 
 
É bom dizer que a síndrome eurocêntrica não carateriza todos os nascidos na 
Europa ou no Ocidente. Na verdade muitos deles, consciente ou 
inconscientemente, tiveram papel essencial precisamente no desenvolvimento 
da crítica dessa síndrome. Ao mesmo tempo, muitos latino-americanos, talvez 
por ignorância, comodidade ou coisas piores, não se reconhecem em sua 
própria história. Talvez o medo de aceitar que ela não é cópia nem prolongação 
 
1 McNeill: 50-51. 
2 Aníbal Quijano é provavelmente o mais importante introdutor da problemática do eurocentrismo no 
debate acadêmico latino-americano da atualidade. Uma lista de alguns de seus trabalhos sobre o tema 
podem-se encontrar na nota 5 de seu artigo da bibliografia (v. Quijano: 117). 
 3
da história européia os faça optar, consciente ou inconscientemente, pelo fácil 
caminho do eurocentrismo. 
 
Este ensaio tem o propósito de mostrar, com alguns exemplos sobretudo na 
área do conhecimento técnico, que pelo menos é preciso duvidar dessa verdade 
quase axiológica apontada acima. Igualmente quer indicar alguns exemplos de 
personalidades eurocêntricas. 
 
II. ALGUNS EXEMPLOS 
 
O Museu Nacional de História Natural de Washington DC, EUA, parte da 
mundialmente reconhecida “Smithsonian Institution”, organizou uma exposição 
para celebrar as plantas e animais que, transplantados após a invasão da 
América pela Europa, foram essenciais para mudar a história mundial a partir de 
1492. A partir dessa exposição editou-se o livro Seeds of Change (v. 
bibliografia). As plantas eram a batata, o milho e a cana de açúcar. As duas 
primeiras são originárias da América Indígena, sendo a batata do Peru e o milho 
do México; a última é do Velho Mundo (domesticada em Nova Guiné 3) mas não 
da Europa. O animal era o cavalo. O livro também estuda as doenças, quase 
sempre consequência dos virus trazidos pelos invasores, um dos principais 
fatores que dizimaram a população nativa da América. 
 
O livro contém trabalhos de 20 pesquisadores de diversas nacionalidades, todos 
de renome internacional. Mas importa aqui destacar a opinião de Herman Viola, 
Diretor dos Programas do Quinto Centenário desse museu e um dos editores do 
livro. Viola na apresentação diz: 
 
Quatro desses colaboradores merecem reconhecimento especial devido a que seus 
trabalhos e conselhos deram forma ao projeto “Seeds of Change” desde seu início. O 
mais importante é Alfred Crosby [Professor de Estudos Americanos da Universidade de 
Texas, Austin], porque foi o primeiro historiador a comprender e interpretar a rápida 
transformação do Novo Mundo depois de 1492. Seu livro The Columbian Exchange [e o 
outro Ecological Imperialism] abriu uma nova área de pesquisa e foi fonte para o trabalho 
de incontáveis pesquisadores... os outros... foram William McNeill [Professor Emérito de 
História da Universidade de Chicago] autor de Plages and Peoples; Sidney Mintz 
[Professor de Antropologia, Universidade Johns Hopkins], autor de Sweetness and 
Power; e Henry Hobhous [jornalista, agricultor e educador] da Grã Bretanha, a quem 
devemos nosso título. O livro de Hobhouse [também chamado] Seeds of Change é a 
história de cinco plantas: milho, fumo, quinina, chá e cana de açúcar e originou a 
exposição [do Museu nacional de História Natural de Washington]... 4 
 
Desse grande livro, apresentado por Viola e feito por pesquisadores na maioria 
dos Estados Unidos e da Europa, podemos tirar alguns exemplos. 
 
 
 
3 Mintz: 116. 
4 Viola: 14. Vale destacar que entre as últimas plantas mencionadas, três são do Novo Mundo (milho, fumo 
e quinina) e dois do Velho (chá e cana de açúcar) ainda que nenhuma da Europa. 
 4
II.I. SAÚDE. 
 
Os conhecimentos médicos, relacionados com a saúde em geral, estavam 
obviamente mais avançados na Europa do que na América Indígena. Quanto a 
isso é bom levar em conta a informação seguinte. 
 
Nas páginas 222 e 223 do livro aparecem frente a frente as figuras de 
Motezuma, o último rei Azteca, e de Carlos V, Imperador da Espanha no tempo 
da conquista da América. Essa é a moldura do pequeno artigo “Health Profiles”, 
em seguida traduzido at literis, que compara os perfis de saúde de um guerreiro 
azteca e de um conquistador espanhol. 
 
II.I.1. O AZTECA. 
 
Um azteca podia ser escolhido para fazer o serviço militar depois dos 15 anos. 
Na sociedade azteca o sucesso no campo de batalha era o meio principal de 
ascensão social e por isto muitos moços desejavam ser guerreiros. Mas o 
campo de batalha era um lugar perigoso, onde normalmente se usavam flechas, 
dardos, fundas e clavas com afiadas bordas de obsidiana que podiam produzirferimentos terríveis. Para o tratamento dos feridos o exército azteca tinha um 
corpo de especialistas que recompunham os ossos quebrados, recolocavam em 
seu lugar as articulações e limpavam e suturavam as feridas. 
 
Os desconfortos mais comuns eram problemas intestinais, dores de cabeça, 
resfriados e febres. Estava amplamente difundida a idéia de que as doenças 
eram enviadas pelos deuses ou eram resultado de feitiçaria. Procurava-se então 
a orientação de médicos profissionais para curar a doença e adivinhar sua 
origem. A sociedade azteca tinha muitos médicos que se especializavam em 
doenças particulares. A cura normalmente misturava rituais e remédios feitos de 
ervas. Cerca de mil e duzentas plantas eram usadas pelos aztecas com fins 
medicinais. A maioria dessas plantas ou das poções feitas com elas se achavam 
no mercado, com vendedores especializados em ervas, medicinas e toda a 
parafernália curativa. 
 
Os aztecas eram muito cuidadosos com sua higiene pessoal. Tomavam banho 
regularmente em rios e lagos, além de muitos banhos de vapor. A maioria das 
casas da capital Tenochtitlan tinha banheiro, uma pequena estrutura circular 
esquentada por um forno na parede externa. Ali se entrava e se jogava água nas 
paredes para gerar vapor. Os banhos de vapor eram usados por higiene e 
também para tratar de resfriados, febres e problemas nas articulações. Os 
aztecas também eram cientes da importância da higiene bucal e por isso 
limpavam regularmente seus dentes com um pó de carvão vegetal e sal. 
 
Em relação à impressão que causava a saúde dos aztecas, um conquistador 
espanhol do século XVI escreveu: “a população desta terra é forte e mais bem 
alta que pequena. São morenos como os leopardos... bem treinados, robustos e 
 5
incansáveis e, ao mesmo tempo, os homens mais moderados que se possam 
conhecer. São também belicosos e confrontam a morte com determinação” 
(Bray, W. Everyday life of the Aztecs. New York, Dorset Press, 1968).5
 
II.I.2. O ESPANHOL. 
 
Os conquistadores espanhóis que chegaram ao Novo Mundo foram os 
sobreviventes de um prolongado e violento processo de seleção. A mortalidade 
infantil era muito alta na Europa dos séculos XV e XVI. Uma em cada três 
crianças morria no primeiro ano e menos da metade chegava aos 15 anos. A 
nutrição deficiente e as doenças infecciosas eram as causas principais dessa 
alta mortalidade. A deficiência de vitaminas era comum e o escorbuto era o 
companheiro normal dos navegadores. Epidemias reincidentes de peste 
bubônica, varíola, sarampo, tifo e outras doenças periodicamente vitimavam a 
população européia, como também o faziam a seca e a fome. 
 
Em termos de higiene pessoal, o conquistador espanhol teve muito que 
aprender de seu adversário azteca. O banho era um ritual raramente praticado 
na Europa do século XVI e as cidades não eram reconhecidas por terem boas 
condições sanitárias. 
 
Os europeus quase não tinham noção da natureza contagiosa de algumas 
doenças, atribuindo-as geralmente a fenômenos astrológicos, bruxarias, moral 
pessoal dissoluta e principalmente castigo divino contra os pecaminosos. O 
tratamento médico, que poderia incluir a sangria do paciente e remédios de 
ervas, tinham por objetivo recuperar o equilíbrio dos humores corporais como 
sangue, muco ou bílis. Os ricos podiam consultar médicos treinados na 
universidade mas a pessoa comum tinha que procurar os barbeiros-cirurgiãos, 
boticários e praticantes autodidatas. Os barbeiros-cirurgiãos eram os médicos 
que acompanharam conquistadores e primeiros colonizadores ao Novo Mundo. 
A desconfiança em suas qualidades médicas é sugerida pelo fato de os 
conquistadores, para cuidar de seus problemas de saúde, frequentemente 
preferirem os praticantes aztecas e não seus compatriotas equivalentes. 
 
Os espanhóis que chegaram ao Novo Mundo no século XVI eram violentos, 
curtidos aventureiros com cicatrizes de batalhas. Muitos mostravam as marcas 
deixadas pela varíola, quando crianças, e também as das feridas de campanhas 
anteriores. Mesmo entendendo pouco sobre como proteger sua saúde ou tratar 
suas doenças, eles eram sobreviventes. E como os aztecas, seus oponentes no 
campo de batalha, tampouco temiam a morte.6
 
 
 
 
 
5 Verano e Ubelaker: 222. 
6 Ibid: 223. 
 6
II.I.3. A MEDICINA NO TEMPO DOS INCAS 
 
Em outra parte dessa obra, lê-se que preferir um médico indígena era prática 
comum nos Vice-Reinados do México e do Peru. Ficamos também sabendo que: 
 
Gradualmente numerosas plantas medicinais nativas do Novo Mundo como o Árvore da 
Quina (matéria prima do quinino) e a Coca transformaram-se em adições importantes à 
farmacopéia dos médicos ocidentais. Algumas das práticas médicas dos nativos do Novo 
Mundo claramente excediam em brilho às equivalentes da Europa. Um exemplo é a 
trepanação, a prática cirúrgica de remover uma parte do osso do crânio do paciente, 
normalmente um tratamento médico reservado a fraturas com afundamento do crânio. 
Curiosamente, a trepanação evoluiu de forma independente no Velho e Novo Mundo e, em 
1492, era praticada em ambos os lados do Oceano Atlântico. Na América a trepanação foi 
prática comum dos Incas e de outras culturas importantes dos Andes. Praticada 
primeiramente na Costa Sul do Peru 400 anos AC, continuou sendo feita até o século XVI 
em regiões do Peru e da Bolívia. O mais impressionante da trepanação no Novo Mundo é 
a porcentagem de sobrevivência. Enquanto que a trepanação praticada na Europa tinha 
uma porcentagem de mortes próxima de 90% até o fim do século XIX, quando técnicas 
cirúrgicas de esterilização foram adotadas, os trepanadores nativos da América do Sul 
tinham uma porcentagem de sobrevivência entre 50% e 60%, mesmo tratando-se de 
pacientes com fraturas cranianas muito graves.7
 
A partir do exposto anteriormente, fica claro que, até 1492, em termos de 
conhecimentos técnicos médicos, os povos nativos da América não estavam em 
situação de inferioridade com relação à Europa. Ao contrário, em algumas áreas 
da medicina, estavam na frente. 8
 
II.2. MINERAÇÂO 
 
A excelência dos conhecimentos da América Indígena não se limitava à saúde. 
Também atingia outras áreas como a tecnologia de mineração. Dois 
historiadores dos Estados Unidos proporcionam a informação seguinte: 
 
No Perú a exploração da prata transformou-se na atividade econômica principal antes que 
no México ... pois os povos andinos tinham conseguido desenvolver sofisticadas 
técnicas de mineração e refino ... em 1545 foram índios (trabalhando para os espanhóis) 
os que descobriram Potosí. Nessa mina, localizada a grande altitude, os foles europeus 
 
7 Ibid: 216-17; itálico nosso. A Árvore da Quina e o Arbusto da Coca são típicos da Amazônia Andina. O 
primeiro é a Árvore Nacional do Peru (assim como no Brasil é o Pau Brasil). A coca tem uma estrutura 
complexa e por isso sua folha tem grande utilidade médica. Quase todos seus derivados químicos, que são 
dezenas, são positivos, como os anestésicos usados por exemplo na cirurgia ocular. Tem apenas um 
derivado químico negativo, a cocaína, e por isto a planta inteira, autêntica maravilha botânica essencial na 
cultura andina, é perseguida e ameaçada de destruição. 
8 Sem dúvida isso era consequência do conhecimento da imensa farmacopéia que os médicos da América 
Indígena tinham à disposição. Já dissemos que os médicos aztecas utilizavam até 1.200 plantas diferentes. 
Obviamente isto decorria da extrema biodiversidade do território que habitavam. O México na atualidade é 
um dos seis países do mundo (e o único no Hemisfério Norte) que por sua grande riqueza biológica são 
chamados de megadiversos (v. “Mapa - Países de Megadiversidad del Planeta - Según Russell 
Mittermeier”. In Amazonía sin Mitos: 18). Por sua parte, os trepanadores Incas e pré-Incas tinham acesso 
à extraordinária farmacopéia da Amazônia, a área de maior biodiversidade da terra. 
 7
não tinham capacidadepara aquecer o mineral à temperatura adequada. Então o Huayra 
indígena, um forno para fundir metais construído nas montanhas de modo a aproveitar os 
fortíssimos ventos de Potosí (a denominação do forno homenageia o vento), foi usado e 
assim se obteve o primeiro “boom” produtivo. Os índios construíam os fornos e também 
eles fundiam o metal. Mas isso não impediu que um espanhol, dizendo-se seu inventor, 
estampasse o Huayra sobre seu brasão ... 9
 
É sabido que o capítulo da história mundial chamado de “período da acumulação 
primitiva do capital” (aproximadamente da metade do século XVI até a 
Revolução Industrial da década de 1780) foi essencialmente decorrência do 
envio em massa de metais preciosos da América à Europa. E o primeiro ciclo de 
entrada no Velho Mundo de autênticas montanhas de ouro e prata (mais ou 
menos até 1590) é, como vemos pela informação acima, decorrência da 
tecnologia indígena de mineração. Ou seja, consequência dos sofisticados 
conhecimentos metalúrgicos desenvolvidos pela civilização andina antes da 
invasão ibérica. Lembremos ainda que esses metais preciosos, introduzidos na 
Europa principalmente via Espanha, geraram também a primeira inflação, em 
consequência desse primeiro “boom” da produção. Sendo a inflação uma das 
caraterísticas da economia moderna, fica claro então que a tecnologia de 
mineração indígena andina é um dos alicerces materiais que possibilitaram a 
passagem para a modernidade. 
 
Infelizmente pouco se conhece disto tudo, pois já nos primeiros tempos da 
conquista começou a se desenvolver a longa carreira do eurocentrismo.10 A 
exploração e destruição da América Indígena precisavam ser justificadas e para 
isto o conquistador ibérico (ou europeu) desenvolvia sua idéia de superioridade. 
Com relação à natureza, o europeu na América não duvidava de que tinha de 
usar qualquer meio para explorá-la e, quando falhava, se apropriava das 
soluções que ali estavam disponíveis. Mas para dar autenticidade a esse 
processo de expropriação, para tornar seu o invento que era de outro, o 
europeu tinha que negar a existência desse outro. Em outras palavras, o 
europeu na América tinha que dizer que ele era o portador de tudo, pois o nativo 
era idólatra, bárbaro, inculto, incivilizado, numa palavra, um selvagem, que nada 
possuía. Ali estão as raízes da negação total do outro, a justificativa para a 
morte do índio. Isso explica porque o ibérico do exemplo acima achou natural 
transformar no mais representativo do seu brasão o Huayra andino. Esse tipo 
de negação, total e absoluta do que originalmente era de outro, ao ponto de não 
se saber mais nada sobre o destino daquele, é sem dúvida um problema 
complicado quando se trata de restabelecer a verdade histórica. 
 
 
 
 
 
9 Lockhart e Schwartz: 101; itálico nosso. 
10 “O ano 1492 marca o início da história mundial eurocêntrica, da convicção de que uns poucos países 
europeus centrais e ocidentais estavam destinados a conquistar e governar o globo, a euro-megalomania” 
(Hobsbawm 1998: 413). 
 8
II.3. CULTURA 
 
Restabelecer a verdade histórica é difícil mas não impossível, pois felizmente 
este caminho é transitado pelos pesquisadores e intelectuais mais sérios. Nesse 
sentido, de um belo trabalho, vale a pena ler o seguinte: 
 
A contribuição mais importante das Américas ao Velho Mundo foi distribuir pelo globo 
uma cornucópia de produtos selvagens e cultivados, especialmente plantas, sem as quais 
o mundo moderno tal como o conhecemos não seria concebível. Pode-se argumentar que 
isso não tem nada a ver com cultura. Mas o que cultivamos e comemos, sobretudo 
quando há um novo tipo de víveres desconhecido em nosso cotidiano, ou mesmo uma 
forma completamente nova de consumo, deve influenciar, pode até transformar, não só o 
nosso consumo, mas o modo como vivenciamos outros assuntos. Considerem-se apenas 
os víveres básicos. Quatro dos sete produtos agrícolas mais importantes no mundo de 
hoje são de origem americana: a batata, o milho, a mandioca e a batata doce. (Os outros 
três são o trigo, a cevada e o arroz).11
 
Mais adiante, nesse mesmo artigo, o autor se pergunta: 
 
Mas, e os produtos do Novo Mundo que não foram meros substitutos de coisas já 
consumidas no Velho Mundo, mas abriram novas dimensões, novos estilos sociais? 
Chocolate, tabaco, cocaína? Ou que se tornaram ingredientes básicos de novidades como 
o chiclete, a Coca-Cola (mesmo que tenha tirado a cocaína de sua composição original) e 
a tônica do gim-tônica? E as significativas contribuições à farmacopéia médica do mundo, 
como o quinino, durante muito tempo a única droga capaz de controlar a malária? E os 
girassóis que Rembrandt e Van Gogh pintaram, os amendoins sem os quais a 
sociabilidade ocidental moderna seria incompleta,- para não mencionar seu uso mais 
prático como fonte importante de óleos vegetais?. 12 
 
Posteriormente esse historiador britânico reflexiona assim: 
 
Em suma: estamos falando de produtos do Novo Mundo que eram desconhecidos e 
impossíveis de se conhecer antes da conquista das Américas, mas que transformaram o 
Velho Mundo de maneira imprevisível e profunda, que continua ainda hoje. A esse 
respeito posso acrescentar que o Velho Mundo deve mais ao Novo do que as Américas 
devem à Europa. 13
 
A partir dessa informação, ele afirma o seguinte: 
 
 
11 Hobsbawm 1998: 411; itálico nosso. Essa nota foi extraída do capítulo 26: O Velho Mundo e o Novo: 
Quinhentos anos de Colombo escrito, segundo seu autor , “para um seminário sobre o quinto centenário, 
ocorrido em Sevilha em 1992, e versa sobretudo acerca do impacto do Novo Mundo sobre o Velho, 
demonstrando que ele foi criado não pelos conquistadores, mas pelos conquistados, não pelos dirigentes, 
mas pelos povos” (Ibid.: 405). Acima Hobsbawm mencionou trigo, cevada e arroz. E é oportuno informar 
aqui que nenhum desses valiosos produtos é originário da Europa. 
12 Hobsbawm 1998: 412. Esse historiador lembra a razão pela qual o quinino entrou na história mundial. 
Mas é bom lembrar que os médicos andinos desde tempos pré-colombianos faziam uso dele. Mas para 
controlar a malária depois dos anos 1850 entrou na história do capitalismo pois foi essencial para o 
desenvolvimento dos comprimidos no nível de produção de massa. Ou seja que foi um elemento 
importante para o estabelecimento da indústria farmacêutica moderna. 
13 Ibid: 413; a itálica é nossa. 
 9
... o que quero enfatizar é que esses produtos não foram simplesmente “descobertos” 
pelos europeus, e menos ainda procurados deliberadamente, da maneira como os 
conquistadores procuravam ouro e prata. Eram produtos conhecidos, colecionados, 
sistematicamente cultivados e processados pelas sociedades indígenas. Os 
conquistadores e os colonos aprenderam a prepará-los e usá-los nessas sociedades 
locais. Na verdade, teria sido difícil ou talvez impossível sobreviver, caso os colonos não 
tivessem aprendido com os nativos. Até hoje a grande festa simbólica [dos Estados 
Unidos], o dia de Ação de Graças, registra a dívida dos primeiros colonos para com os 
índios, que a civilização branca subsequente, em troca, se encarregou de expulsar. O Dia 
de Ação de Graças é comemorado com uma refeição preparada basicamente com 
alimentos do Novo Mundo, que os colonos aprenderam a manusear com os índios, 
culminando, como sabemos, no peru.14
 
A partir dessas informações é possível deduzir que as sociedades da América 
Indígena , comparadas com as européias naquele período, eram autênticas 
potências agrícolas. Por isso foram capazes de dar à Europa e ao mundo essa 
verdadeira cornucópia de produtos agrícolas. Entre eles, os mais importantes 
mencionados por Hobsbawm como a batata, milho, mandioca e batata doce, 
eram conhecidos, colecionados e sistematicamente cultivados e processados 
pelas sociedades indígenas. Isto era consequência de um conhecimento 
sistemático. Dado que os nativos americanos sabiamdas propriedades e 
potencialidades desses produtos, podiam otimizar seu uso, sabendo como 
cultivá-los, conservá-los, processá-los, cozinhá-los e comê-los. Ao se 
apropriarem desses produtos, os europeus tomaram também todo seu processo. 
Portanto, seu modo de incorporação à dieta européia foi essencialmente 
aprendido na América, foi o modo indígena. Numa atividade social e cultural 
tão importante como comer, os europeus copiaram os indígenas americanos, 
em relação a produtos essenciais de sua dieta. O ato de comer vai além das 
necessidades de produção e reprodução da vida humana, como se sabe, mas é 
parte também de um complexo processo cultural. E por isso Hobsbawm conclui 
seu trabalho dizendo que: 
 
... outras consequências diretas da conquista e da colonização das Américas ainda estão 
conosco ... transformaram o tecido da vida européia para sempre. E também a de outros 
continentes. Quando a história econômica, social e cultural do mundo moderno for escrita 
em termos realistas, a conquista do Sul da Europa feita pelo milho, do Norte e Leste da 
Europa pela batata, e das duas regiões pelo tabaco, e mais recentemente pela Coca-Cola, 
parecerá mais proeminente do que o ouro e a prata em nome dos quais as Américas 
foram subjugadas15
 
III. PORQUE FOI POSSÍVEL A CONQUISTA? 
 
A palavra conquista deve ser entendida como o processo histórico de 
destruição, pela Europa, da América Indígena com suas muitas civilizações e 
culturas milenares até então desenvolvidas de maneira autônoma e 
independente. Em poucas palavras, foi apagar todo um mundo da face da terra. 
Essa destruição foi possível devido ao domínio, pelos europeus, de uma 
 
14 Ibid: 413; a itálica é nossa. 
15 Ibid: 414; itálica nossa. 
 10
tecnologia capaz de atingir essa meta, uma tecnologia desenvolvida com esse 
objetivo. Em outras palavras a conquista foi consequência do triunfo da 
tecnologia destrutiva. Constata-se isto a partir dos resultados que mostram, 
por exemplo, que mais ou menos um século depois da chegada dos europeus, a 
população da América Indígena encolheu de mais de cem milhões de habitantes 
para menos de oito milhões. 16 Tais resultados são o indicador, sem sombra de 
dúvidas, da ampla superioridade dessa tecnologia já que o Velho Mundo do 
período ganhou sempre, todas as vezes em que atacou a população do Novo. 
Essa superioridade baseava-se no domínio da tecnologia do aço,17 fato 
indiscutível. Acontece que a Europa da conquista, como se viu no perfil de 
saúde do espanhol, era pobre em recursos e território fértil para doenças 
endêmicas. Isso talvez ajude a explicar o estado de quase guerra permanente 
nesse continente, já que ele possibilitava a pilhagem dos recursos do vencido. 
Para os fins deste trabalho, basta apenas isso como explicação, pois este não é 
o lugar para aprofundar o estudo sobre porque a história européia foi 
extremamente violenta. Mas essa história é a base para explicar porque a 
Europa do período da conquista já tinha incentivado e desenvolvido quase 
exclusivamente a vertente destrutiva da tecnologia do aço. É inegável que 
nessa vertente está a origem de uma gama impressionante de instrumentos 
para a guerra. 
 
No entanto, reconhecer que Europa, em relação à América Indígena, tinha 
vantagens na tecnologia do aço não significa admitir sua superioridade em todos 
os terrenos tecnológicos. Os casos já narrados mostram que a América pré-
colombiana tinha vantagens em relação à Europa, por exemplo em tecnologia 
agrícola, empregada não para matar e destruir, mas ao contrário, para dar vida, 
uma tecnologia para a construção. Por isso seus produtos agrícolas, 
incorporados plenamente na dieta européia, foram essenciais para eliminar 
definitivamente a fome na Europa e incrementar a população em lugares 
fundamentais desse continente (Alemanha, Rússia, Escandinávia, Irlanda etc). 
Sem esses produtos não seria possível explicar a explosão demográfica 
européia dos séculos XVII e XVIII que finalmente tornou realidade a observação 
seguinte: “nunca houve na história [como o século XIX] um século mais 
europeu, nem tornará a haver” 18
 
Pode-se concluir que os produtos da tecnologia indígena dominante americana, 
incorporados à história da Europa, favoreceram o aumento de sua população, 
levando esse continente ao topo de seu esplendor. E ao contrário, os produtos 
da tecnologia dominante na Europa da conquista, aplicados na América, são em 
grande parte os responsáveis diretos por dizimar a população indígena e, em 
consequência, destruir a América Indígena. 
 
16 Dobyns: 415 
17 Apesar dos sofisticados conhecimentos metalúrgicos de muitas das civilizações indígenas americanas , 
nenhuma delas conhecia o aço. Ao mesmo tempo importa informar da possibilidade que que o aço seja um 
invento originário da África, o que é bom tema para um outro trabalho. 
18 Hobsbawm 1988: 36. 
 11
 
 
IV. PERSONALIDADES EUROCÊNTRICAS 
 
Informação como a que damos acima interessa pouco ou nada aos espíritos 
eurocêntricos. 
 
IV.1. MARIO VARGAS LLOSA 
 
Nesse artigo19 dedicado à Guerra no Kosovo, opina o seguinte: 
 
... o conceito de guerra justa é algo escabroso, naturalmente, mas também uma realidade. 
Não quer dizer que todas as guerras sejam justas, longe disso. O que é certo é que muitas 
delas, como a apocalíptica sangria enfrentada pelo Iraque e pelo Irã - com um saldo de 1 
milhão de mortos -, são absurdas e poderiam ter sido evitadas. Assim foi a guerrinha 
entre o Peru e o Equador, há alguns anos, à qual me opus ... 
 
Ali guerra é usada para descrever uma carnificina de um milhão de mortos, 
tema evidentemente tão importante que merece usar-se essa palavra. O 
escritor, claro, lamenta esse fato qualificando-o de apocalíptico e absurdo mas, 
ao mesmo tempo o reconhece como um assunto sério e por isto o denomina 
guerra. Ou seja, para ele isso não foi uma piada como sim foi o choque violento 
entre peruanos e equatorianos. Em outras palavras a confrontação entre esses 
sul-americanos em fevereiro de 1995 foi um assunto pouco sério e por isto o 
denomina guerrinha. Então, pareceria estar dizendo que esses andinos são 
gente tão pouco séria que não tem capacidade nem para fazer uma guerra em 
sério e assim acabam fazendo a piada que é uma guerrinha. Por razões 
diferentes ás do escritor parece-me que o diminutivo está certo, pois indicaria 
que peruanos e equatorianos não mostraram ter vocação para se matar 
mutuamente. Os números mostram que os mortos da guerrinha de Mario 
Vargas Llosa não foram mais do que 300, quantidade que fica longe demais de 
sua guerra de 1 milhão de mortos. 
 
Será essa incapacidade dos peruanos e equatorianos o resultado de seu 
passado fortemente indígena? 
 
Antes de tentar uma resposta, informemos que, no mesmo artigo, o conhecido 
romancista expressa o seguinte: 
 
Mas, em circunstâncias excepcionais, como quando a Europa democrática e os Estados 
Unidos enfrentaram Hitler, ou quando os mísseis da OTAN impediram que a tirania 
stalinista da URSS devorasse o Velho Continente, o recurso às armas é um mal menor. 
 
Nessa citação, para qualquer um que tenha a paciência de acompanhar os 
escritos desse romancista, aparecem alguns temas que são uma constante em 
sua produção. Em primeiro lugar, os rasgados elogios, a admiração quase 
 
19 V. bibliografia: Vargas Llosa. 
 12
ilimitada apela Europa e os Estados Unidos. Com relação a este último país, isto 
não é surpreendente pois afinal se trata da “super-Europa”, conforme a 
denominação de Jean-Paul Sartre. Em segundo lugar, essa citação evidencia o 
método usado pelo escritor em seus trabalhos fora da área da ficção. Por essa 
citação fica claro que a derrota de Hitler foi obra exclusiva da Europa 
democrática e dos Estados Unidos. E a URSS, como fica?. Apenas como algo 
talvez ainda mais perverso que o governo de Hitler e que por isso se poderiajustificar até a possibilidade do recurso das armas contra ela. Mas qualquer 
pessoa séria e medianamente informada sabe que a Europa, os Estados 
Unidos e a URSS foram aliados contra Hitler e que a derrota dos nazistas teria 
sido impossível sem o Exército Vermelho. 20 
 
 Agora: por que Mario Vargas Llosa escreve assim? Será que ele não possui 
informação? Claro que a tem, mas a esconde. Por que? Porque usa 
sistematicamente seu método baseado, como no exemplo acima, em meias 
verdades. Esse é o método que produz a pior das mentiras pois interpõe 
grandes dificuldades para restabelecer a verdade histórica, já que leva sempre 
embutida a meia verdade. 
 
As citações acima evidenciam que esse escritor, enquanto mostra sua 
admiração pela Europa e super-Europa, ridiculariza a países da América Latina. 
Cabe então perguntar a Mario Vargas Llosa se a incapacidade que peruanos e 
equatorianos manifestaram na sua guerrinha é consequência de seu passado 
fortemente indígena? A resposta teria que ser sim, já que em sua obra ele 
mostra coerência com suas próprias idéias. A incapacidade dos latino-
americanos, sobretudo do Peru, país dos Incas e onde Vargas Llosa nasceu, é 
um tema permanente em sua obra, quase uma obsessão, pois surge até mesmo 
quando ele trata de assuntos muito distantes, como no seu artigo que estamos 
comentando. Parece ainda que ele acha essa incapacidade contagiosa. Tal vez 
essa seja a explicação de sua decisão, poucos dias depois de ter perdido as 
eleições de 1990 para Presidente da República do Peru, de fixar residência no 
país dos conquistadores e de se tornar cidadão espanhol. 
 
IV.2. UMBERTO ECO. 
 
O linguista e romancista italiano escreve: 
 
Acreditamos que as invenções e descobertas que mudaram nossas vidas dependeram de 
equipamentos complexos. A verdade é que ainda estamos aqui - nós europeus e também 
os descendentes dos pioneiros do Mayflower e dos conquistadores espanhóis - por 
causa do feijão. Sem feijões, a população européia não teria dobrado em poucos séculos, 
não seríamos hoje centenas de milhões de pessoas no continente e alguns de nós ... não 
existiriam... E os não europeus? Não conheço bem a história dos feijões em outros 
continentes, mas certamente sem os feijões europeus a história desses continentes seria 
diferente... parece-me que essa história de feijões, lentilhas e ervilhas é importante ... 21
 
20 V. Hobsbawm 1995: 17 e 43. 
21 V.bibliografia: Eco. 
 13
 
O artigo de Eco surpreende porque em nenhum trecho fica estabelecido que se 
trata de um conto; não é ficção e portanto tem que ser tratado como se fosse um 
ensaio. 
 
William McNeill, coincidindo com as opiniões expressas por Hobsbawm, informa 
que o mais importante que aconteceu depois de 1492 foi: 
 
A difusão na Europa, Ásia e África dos produtos comestivéis da América... milho, batata, 
batata doce, tomate, amendoim, mandioca, cacao e vários tipos de pimentas, feijões e 
aboboras. Todos totalmente desconhecidos fora da América antes de Colombo. É 
inimaginável italianos sem tomates, chineses sem batata doce, africanos sem milho e 
irlandeses, alemães e russos sem batatas para comer. Tudo isto torna evidente a enorme 
importância das culturas comestíveis americanas para o mundo. 22 
 
No livro Seeds of Change dois pesquisadores estabelecem que: “evidências 
arqueológicas de várias partes do México central mostram que no ano 2 000 AC 
a dieta ali era formada por milho, feijões, abóbora, pimenta, amaranto e 
abacates”. 23 Vemos, nas páginas 26 e 27, que os feijões e outros produtos 
agrícolas já eram utilizados sistematicamente pelos habitantes do território que 
hoje forma parte do Peru, talvez mesmo antes de 2 000 AC. 
 
Num outro livro, resultado de pesquisa séria, fica estabelecido que pelo menos 
três tipos de feijão são dos Andes Centrais (território que vai do Sul do 
Equador ao Norte da Bolívia). Estes são, de acordo com o nome científico: 
Phaseolus Vulgaris, Phaseolus Lunatus e Canavalia SPP (duas espécies). 24 E 
aqui temos que admitir que infelizmente não temos à mão um livro sobre a 
história da agricultura na Mesoamérica. 25 Num livro destes sem dúvida 
apareceriam os nomes dos outros feijões típicos dessa parte da América 
Indígena que são visíveis pois estão em exposição permanente no Mercado 
Azteca, reconstruído dentro do Museu Nacional do México, D.F. 
 
Estes dados tornam lícito duvidar das afirmações de Eco relativas à origem dos 
feijões na agricultura européia. Na verdade é provável que esse grande 
romancista tenha confundido feijões com ervilhas e lentilhas. Mas nos 
perguntamos, será possível que ele desconheça a história desses produtos ao 
 
22 McNeill: 43; itálico nosso. 
23 MacLaren e Suguira: 23; itálico nosso. 
24 Amanecer en los Andes: 19. É tão obvio o reconhecimento da origem desses produtos que, por 
exemplo, o Phaseolus Lunatus (em quechua, idioma dos Incas, palhar), nos Estados Unidos é conhecido 
popularmente como Lima Beans (Feijão de Lima). O ruim é que o Lima Beans é um anão, comparado com 
seu original andino que, com frequência, tem grãos que fácilmente superam, cada um, a dois centimetros de 
comprimento e um de largura. 
25 Mesoamérica é o território que vai desde o México até a Costa Rica. Essa é uma das duas partes da 
América onde, historicamente, aconteceu a Revolução Agrícola. A outra, os Andes Centrais. 
 14
ponto de fazer essa confusão?. 26 Por outro lado, é também possível duvidar de 
que as ervilhas e lentilhas tenham origem na muito modesta agricultura 
européia, embora este não seja lugar para aprofundar esse tema. É mais 
provável, no entanto, que tenham sido introduzidas na Europa pelos Árabes. 
Esta opinião deriva de um dado proporcionado pelo próprio Eco. Ele afirma que 
após o ano 1000 DC. é que esses produtos mostraram sua importância na 
Europa. Ou seja, alguns séculos depois de os Árabes estarem influenciando a 
Europa, com sua presença na Península Ibérica desde o Século VIII, para tirá-la 
de sua Idade das Trevas (chamada assim pelo próprio Eco). 27
 
Os árabes desse período, como se sabe, já habitavam os territórios onde talvez 
tenha havido a Revolução Agrícola mais antiga da história, isto é, entre os rios 
Eufrates e Tigris. E também tinham acesso à África, Índia e China, territórios 
onde também ocorrera essa grande revolução, essencial para a conformação da 
civilização humana. Então, é grande a possibilidade que árabes tivessem sido 
os introdutores das lentilhas e ervilhas na Europa.. 
 
Sendo assim, só o eurocentrismo poderia explicar a frase arrogante de Eco: “E 
os não-europeus? Não conheço bem a história dos feijões em outros 
continentes, mas certamente sem os feijões europeus a história desses 
continentes seria diferente...” 
 
Tudo indica que, em relação aos feijões, o grande romancista e linguista italiano 
usou o mesmo método do conquistador espanhol com relação ao Huayra, ou 
seja, apropriou-se dos feijões, atribuindo aos europeus a criação dos mesmos, e 
negando ao mesmo tempo os que verdadeiramente os criaram. 
 
V. CONCLUSÃO. 
 
A complexa história da contribuição da América Indígena ao processo de 
construção da civilização humana precisa ser melhor conhecida. Só a 
ignorância ou a má fé fazem admitir que a conquista foi uma decorrência natural 
da superioridade européia. O eurocentrismo deve ser combatido porque justifica 
formas inaceitáveis de arrog-nância. 
 
Araraquara, maio de 1999. 
 
 
 
 
26 Claro, cabe a possibilidade de que a tradução seja a causa dessa confusão. Acontece que o artigo do 
jornal O Estado de SP foi traduzido do New York Times Magazine, que por sua vez talvez o tenha 
traduzido do italiano, língua nativa de Eco. 
27 Admira que nesse artigo, que trata da Europa mais ou menos de 900 a 1400 DC, Eco nunca mencione os 
árabes. Igualmente, só uma vez menciona dois países não-europeus, apesar deestes terem sido muito 
importantes no período. São a China, mencionada apenas pela seda (e não pela pólvora, apesar de que Eco 
faz referência a ela), e a Índia, por suas especiarias. 
 15
VI. BIBLIOGRAFIA 
 
--------------------------- Amanecer en los Andes. Comisión de Medio Ambiente y 
Desarrollo de América Latina y El Caribe. Comisión Andina de Fomento (CAF), 
Banco Interamericano de Desarrollo (BID), Programa de las Naciones Unidas 
para el Desarrollo (PNUD). Washington D.C. 1997?. 
 
--------------------------- Amazonía sin Mitos. Comisión Amazónica de Desarrollo y 
Medio Ambiente. BID, PNUD, Tratado de Cooperación Amazónica (TCA). 
Washington D.C., 1992?. 
 
Dobyns, H.E. “Estimating aboriginal American population: an appraisal of 
techniques with a new hemispheric estimates”. New Anthropology, 1966, 7: 
395-416. 
 
Eco, H. “Era uma vez um milênio. Sem feijão, o homem nem teria saído da Idade 
Média”. O Estado de S. Paulo (OESP). 13.06.1999: D2-D3. 
 
Hobsbawm, E.J. A Era dos Impérios, 1875-1914. Editora Paz e Terra, Rio de 
Janeiro, 1988. 
 
Hobsbawm, E.J. A Era dos Extremos, breve século XX. 1914 - 1991. 
Companhia das Letras, São Paulo, 1995. 
 
Hobsbawn, E.J. Pessoas Extraordinárias. Resistência, Rebelião e Jazz. 
Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1998 
 
Lockhart, J. e Schwartz, S.B. Early Latin America. A History of Colonial 
Spanish America and Brasil. Cambridge University Press, 1983. 
 
Mac Laren W, J. e Suguiura, Y. “The Demise of the Fith Sun” In Seeds of 
Change... :18-41. 
 
McNeill, W.H. “American Food Crops in the Old World”. In Seeds of Change ... : 
43-59. 
 
Mintz, S.W. “Pleasure, profit and satiation”. In Seeds of Change ... : 112-130. 
 
Quijano, A. “Colonialidad del poder, cultura y conocimiento en América Latina”. 
Anuario Mariateguiano. Lima, Editorial Amauta, Vol. IX, No. 9, 1997: 110 -24. 
 
Vargas Llosa, M. “Ardores pacifistas”. OESP, 23.05.99: A2. 
 
Verano, J.W. e Ubelaker, D.H. “Health and Disease in the Pre-Columbian World”. 
In Seeds of Change... : 210-223. 
 
 16
Viola, H.J. e Margolis, C. (organizadores) Seeds of Change - Five Hundred 
Years Since Columbus. Smithsonian Institution, Washington and London, 1991. 
	II. ALGUNS EXEMPLOS
	IV.1. MARIO VARGAS LLOSA

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