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Descartes e a Busca pela Verdade

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DESCARTES 
 
Questão para reflexão inicial: 
 
Você consegue pensar em coisas nas quais acreditava, quando era mais jovem, 
porém não mais acredita que sejam verdadeiras? Algumas (ou mesmo muitas) das coisas 
em que você acredita agora poderiam tornar-se igualmente falsas? O que faz você ter 
certeza do que sabe?1 
 
a) Dados biográficos 
 
René Descartes nasceu na cidade francesa de La Haye em 1596, mesmo ano em 
que Kepler publicava a obra “Mysterium Cosmographicum”, onde relacionava o movimento 
dos planetas com formas geométricas perfeitas. Com apenas um ano de idade, perde a 
mãe e passa a ser educado por sua avó. Aos dez anos, é enviado para o Colégio Henri IV, 
em La Flèche, uma escola mantida por jesuítas. Apesar desse alinhamento católico, pode-
se dizer que a escola mantinha relativa abertura às novidades intelectuais da época, o que, 
entretanto, pareceu insuficiente a Descartes. Ali, além de estudos humanísticos, 
matemáticos e teológicos, também aprende a arte da esgrima. Aos vinte anos, obtém 
diploma em Direito pela universidade de Poitiers. Dois anos depois, vai para a Holanda, 
onde se alista ao exército de Maurício de Nassau. Porém, consagra mais tempo aos estudos 
do que às armas. Constrói amizades com grandes estudiosos, como Isaac Beeckmann. Em 
1619, se alista ao exército do Duque Maximiliano da Baviera. É neste período que Descartes 
relata ter recebido uma espécie de “revelação intelectual”, onde parece perceber com uma 
clareza quase mística os fundamentos metodológicos da nova ciência. 
Em 1626, Descartes fixa sua residência em Paris, onde participa ativamente do 
círculo intelectual. Seus amigos o influenciam a elaborar um sistema filosófico expondo 
suas ideias, e ele decide então retirar-se para a Holanda, local de liberdade intelectual, e 
chega a produzir obras sobre metafísica e ótica. Sabendo que Galileu havia sido condenado 
pela Inquisição (1633), Descartes desiste de publicar seus textos. Cerca de cinco anos 
depois, Descartes permite a publicação de quatro textos seus, numa espécie de coletânea, 
provocando reações tanto de aceitação como de crítica pela sociedade científica da epoca: 
O Discurso do Método, que serve de introdução para os outros três tratados científicos, A 
Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria. Quatro anos depois, em 1641, Descartes publica as 
Meditações, em latim, seguidas das objeções recolhidas enquanto o manuscrito circulava. 
Em 1644 publica os Princípios da Filosofia, obra dedicada à princesa Isabel da Boêmia. No 
ano seguinte, escreve As Paixões da Alma, também dedicada à princesa Isabel, mas 
 
1 (BonJour, et al., 2010) 
publicada somente em 1649. Neste ano, é convidado pela Rainha Cristina da Suécia para 
estabelecer-se em Estocolmo, onde vem a falecer em fevereiro do ano seguinte.2 
“Homem de sua época, Descartes foi, ao mesmo tempo, 
viajante contumaz e homem retirado, soldado engajado em 
exércitos em guerra e homem em busca de tranquilidade, aliado de 
católicos e protestantes, homem da corte e habitante da província, 
pensador isolado e correspondente da intelectualidade europeia, 
autor de um manual prático de esgrima e de uma das mais 
profundas obras de metafísica, racionalista, homem de ciência e 
interessado na magia e nos mistérios dos rosacruzes, a cuja ordem 
talvez tenha pertencido. É a diversidade dessas experiências que 
forma a matéria a partir da qual Descartes desenvolve seu 
pensamento, e é por insistência do próprio Descartes que devemos 
compreender o pensamento filosófico como resultado da reflexão 
sobre a experiência da vida.”3 
 
 
b) A nova ciência 
 
Disse Leibniz: “Costumo chamar os escritos de Descartes de vestíbulo da 
verdadeira filosofia, já que, embora ele não tenha alcançado seu núcleo íntimo, foi quem 
dele se aproximou mais do que qualquer outro antes dele, com a única exceção de Galileu, 
do qual oxalá tivéssemos todas as meditações sobre os diversos temas, que o destino 
adverso reduziu a silêncio. Quem ler Galileu e Descartes se encontrará em melhores 
condições de descobrir a verdade do que se houvesse explorado todo gênero dos autores 
comuns.”4 Descartes é, de fato, o pai da filosofia moderna. Seu projeto filosófico é a defesa 
do novo modelo de ciência inaugurado por Copérnico, Kepler e Galileu contra a concepção 
escolástica/aristotélica em vigor no final da Idade Média.5 As proposições destes 
pensadores coloca em cheque, juntamente com as exigências morais da Reforma, a 
autoridade moral e teológica da Igreja Católica. A autoridade do saber tradicional passa a 
ser questionada, e com o passar do tempo, mostrou-se que este saber continha diversas 
teorias falsas no que diz respeito à concepção cosmológica. 
Descartes percebe urgência na fundamentação filosófica deste novo modo de 
fazer ciência. E a sua “revelação intelectual” aponta na direção de um método6. Este 
método vislumbrado por Descartes não é o método silogístico aristotélico, complexo e 
cheio de regras para efetuar deduções, mas o método indutivo. A questão metodológica 
 
2 (Valéry, et al.) 
3 (Marcondes, 2004) pg 161/162. 
4 (Reale, et al., 2004) 
5 (Marcondes, 2004) 
6 Método (let. Tardio methodus, do gr. Methodos, de metá: por, através de; e de hodos: caminho) 1. Conjunto de 
procedimentos racionais, baseados em regras que visam atingir um objetivo determinado. P. ex., na ciência, o 
estabelecimento e a demonstração de uma verdade científica. “Por método, entendo as regras certas e fáceis, 
graças às quais todos os que as observam exatamente jamais tomarão como verdadeiro aquilo que é falso e 
chegarão, sem se cansar com esforços inúteis, ao conhecimento verdadeiro do que pretendem alcançar” 
(Descartes). (Japiassú, et al., 2008). 
colocada por Descartes é: como garantir que a nova ciência produza certeza e evitar que 
ela se perca em erros como nas pesquisas que o antecederam. E a solução alcançada por 
Descartes é justamente o método, considerado como um caminho, um procedimento que 
visa garantir o sucesso de uma tentativa de conhecimento para a elaboração de uma teoria 
científica. 
O método proposto por Descartes é simples, possui somente quatro regras: 
“[...] E como a multiplicidade de leis fornece muitas vezes desculpas aos vícios, 
de modo que um Estado é bem mais regrado se, tendo bem poucas, elas são estritamente 
observadas, assim eu julguei que, em vez do grande número de preceitos de que se 
compõe a lógica, me bastariam os quatro seguintes, contanto que tomasse a firme e 
constante resolução de não deixar de observá-los uma vez sequer. 
 Regra da evidência: “não tomar jamais coisa alguma por verdadeira a não 
ser que a conhecesse evidentemente como tal: quer dizer, evitar 
cautelosamente a precipitação e a prevenção; e só incluir em meus juízos 
o que se me apresentasse ao espírito de modo tão claro e nítido que não 
tivesse como colocá-lo em dúvida.” 
 Regra da análise: “dividir cada dificuldade que examinasse em tantas 
parcelas quantas possíveis e necessárias para melhor resolvê-las.” 
 Regra da síntese: “Conduzir meus pensamentos de forma ordenada, 
começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para 
subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais 
complexos; e supondo mesmo uma ordem entre aqueles que de modo 
algum precedem naturalmente uns aos outros.” 
 Regra da verificação: “Fazer sempre levantamentos tão complexos e 
inspeções tão gerais que tivesse a certeza de nada omitir” 7. 
Uma ideia “clara e distinta” é uma ideia evidente por si só, a qual é obtida a 
partir da intuição direta e do raciocínio discursivo. 
 
c) O “cogito”7 (Marcondes, 2000), (Valéry, et al.) 
A obra prima de Descartes é, sem sombra de dúvidas, suas Meditações. A 
clareza com que expõe suas ideias é brilhante, assim como chama a atenção pela elegância 
com que escreve. Trata-se, de fato, da obra inaugural do pensamento metafísico moderno. 
Na primeira meditação, Descartes expõe os motivos que o levaram a filosofar: 
a inconsistência entre o ensinamento recebido na escola jesuíta e as novas descobertas 
feitas por Galileu. A reflexão sobre esta insatisfação é pontuada da seguinte forma: 
“Não é de hoje que venho percebendo que desde meus 
primeiros anos recebi por verdadeiras uma porção de opiniões 
falsas, e que o que depois baseei sobre princípios tão mal seguros 
só poderia ser muito duvidoso e incerto; julguei desde então que 
urgia me empenhar seriamente uma vez na vida em me desfazer de 
todas as opiniões recebidas antes, e tudo começar de novo quanto 
aos fundamentos, se queria estabelecer alguma coisa de firme e de 
constante nas ciências.”8 
Ora, se a proposta cartesiana é de se desfazer de todas as ideias, basta analisar 
a origem destas ideias, a sua fonte. Se a fonte for confiável, então as ideias originadas a 
partir desta fonte serão confiáveis também. Se a fonte não for confiável, então é preciso 
considerar as ideias provenientes daí como duvidosas. Como um dos princípios da 
metodologia cartesiana é tomar como verdadeiro somente o que for claro e distinto, ou 
seja, o que for indubitável, basta que haja uma ponta de dúvida para que a ideia seja 
tomada como falsa. Ora, quando Descartes estabelece este critério, fica clara sua 
concepção de conhecimento: conhecer é representar. Os sentidos captam as sensações 
provenientes do mundo exterior, a partir das quais se formam as ideias na mente. Estas 
ideias representam a realidade, como uma espécie de espelho. Chamamos esta noção de 
“princípio clássico da correspondência 9”, isto é, as ideias são entidades mentais que 
correspondem à realidade externa à mente. Com isto, Descartes funda a distinção entre o 
“mundo interior”, a mente, e o “mundo exterior”, que é a realidade que nos cerca. 
Seguindo a expressão cartesiana de “arruinar os fundamentos10”, Descartes 
procede metodicamente duvidando dos fundamentos das ideias. Sua intuição inicial é de 
que todas as ideias que existem na mente são provenientes dos sentidos, ou constituídas 
a partir dos sentidos. Entretanto, os sentidos não mostram-se muito confiáveis como 
geração de certezas, pois comumente somos enganados por eles. Para comprovar isto, 
basta se lembrar de quantas vezes já se confundiu com alguma sensação externa, quando 
cumprimentou uma pessoa pensando ser outra, quando escutou alguém chamar seu nome 
quando não havia ninguém, entre outras. Em outras palavras, muitas vezes as sensações 
obtidas pelos sentidos são difusas e confusas, gerando certa confusão, e portanto, dúvida. 
 
8 (Valéry, et al.). 
9 (Marcondes, 2004). 
10 (Valéry, et al.). 
Mesmo considerando os sentidos como uma fonte de ideias duvidosas, parece 
improvável que certas ideias, que são provenientes dos sentidos, também sejam 
duvidosas. Por exemplo, que este corpo seja meu, ou que eu esteja aqui onde estou e 
fazendo o que estou fazendo. Descartes nos lembra então de que somos humanos, e 
dormimos. E durante o sono, imaginamos coisas tão inverossímeis quanto os loucos 
quando estão acordados. E dentre estes sonhos e fantasias, algumas parecem tão reais que 
nos confundem: “foi sonho, ou foi real?”. Sendo assim, é bem possível que esta situação 
que estamos vivenciando agora seja apenas um sonho, uma fantasia da imaginação, e não 
a pura realidade. 
Poderíamos argumentar então que, mesmo que estejamos sonhando, ou 
acordados, ou no passado, ou no futuro, ou em qualquer lugar do sistema solar, a adição 
de dois mais três sempre resultaria em cinco. Isto é, parece-nos que as ideias puramente 
racionais da matemática sejam uma garantia maior de certeza do que as ideias 
provenientes dos sentidos. Neste momento, Descartes nos lembra novamente de nossa 
pequeneza, afirmando que somos criaturas de Deus, que nos fez como bem quisesse. E, 
portanto, poderia Deus ter nos feito de modo que sempre nos enganássemos. Pensaríamos 
que existe um céu, uma terra, e todo um mundo à nossa volta, quando na verdade, não 
haveria nada. Pensaríamos que estávamos a acertar quando adicionamos dois mais três, 
igualando a cinco, quando na verdade, seria outro valor. Estaria Deus a pregar peças e 
zombar de nós? 
É claro que Descartes não poderia sustentar essa noção de Deus como um ser 
zombeteiro e enganador. Sugere então que, em lugar disso, exista um gênio maligno, 
ardiloso e poderoso, que se dedica a me enganar com todas as suas forças. Neste momento 
você deve estar pensando: “peraí, acho de Descartes foi longe demais com essa.” E 
realmente foi. A proposta de Descartes é mostrar que podemos levar a dúvida às suas 
últimas consequências, e a partir daí, brilhará a inquestionável certeza. Isso mesmo: para 
se atingir a certeza, o primeiro passo é duvidar, e duvidar radicalmente de tudo. 
Chamamos esta técnica cartesiana de “dúvida metódica”, ou “dúvida hiperbólica”. 
O método da dúvida proposto por Descartes possui então quatro etapas. As 
duas primeiras se referem aos erros dos sentidos, enquanto as duas últimas se dirigem 
para as ideias racionais. O primeiro argumento contra os sentidos é o “argumento do erro 
dos sentidos”, que questiona a validade das sensações difusas e confusas dos sentidos, a 
partir de objetos que estão distantes, ou de difícil observação. A seguir, Descartes formula 
o “argumento do sonho”, questionando a validade de qualquer ideia sensorial. O terceiro 
argumento, do “Deus enganador”, e sua reformulação como “argumento do gênio maligno” 
se referem às ideias racionais e à realidade sensória em geral. Podemos perceber que a 
dúvida cartesiana progride em amplitude e profundidade a cada reformulação. 
Argumentos 
contra os 
sentidos 
Argumento do 
erro dos sentidos 
Mostra que as ideias de objetos distantes e de 
difícil observação são duvidosas. 
Argumento do 
sonho 
Mostra que qualquer ideia sensória é 
duvidosa. 
Argumentos 
contra a razão 
Argumento do 
Deus enganador Mostra que qualquer ideia sensória e qualquer 
ideia racional, como as ideias geométricas e 
matemáticas, são duvidosas. Argumento do 
Gênio maligno 
 
O objetivo de Descartes, como vimos, não é o de simplesmente mostrar que as 
ideias são duvidosas. Sua proposta é oferecer um fundamento sólido para a nova ciência, 
e não desqualificar todas as ideias que possuímos em nossa mente. É nesse sentido que 
dizemos que a dúvida, como é utilizada por Descartes, constitui um ceticismo 
metodológico, ou seja: a dúvida é empregada como método para se alcançar certezas, e 
não um objetivo em si, como seria o caso num ceticismo clássico. Mas, depois de tanto 
duvidar, Descartes encontra alguma certeza? 
“A meditação que fiz ontem me encheu o espírito de 
tantas dúvidas, que doravante me é de todo impossível esquece-las. 
E, todavia, não vejo de que maneira as poderei solucionar. E, como 
eu tivesse caído de repente numa água muito profunda, me sinto 
de tal modo perplexo que nem posso firmar meus pés no fundo nem 
nadar para me manter em cima. [...] Arquimedes, para tirar o mundo 
do seu lugar e o locomover para outro, não pediu mais do que um 
ponto que fosse firme e imóvel; assim, terei o direito de conceber 
altas esperanças se for bastante feliz de encontrar apenas uma 
coisas que seja certa e indubitável. 11” 
Neste ponto, a reflexão de Descartes é simples: como o gênio maligno poderia 
me enganar, se eu não existisse? Ora, se estou colocando tudo em dúvida, é porque penso. 
E se penso, é porqueexisto. Seria absurdo supor que algo que não existe duvidasse e 
pensasse sobre algo. Portanto, se penso, então existo (cogito ergo sum). Na quarta parte 
do Discurso do Método, Descartes escreve: 
“[...] Mas logo em seguida notei que, enquanto queria 
assim pensar que tudo era falso, urgia necessariamente que eu, que 
assim pensava, fosse alguma coisa, e, notando esta verdade: eu 
penso, logo existo, era tão firme e tão segura que todas as demais 
suposições extravagantes dos céticos não seriam capazes de a 
abalar, julguei que a podia receber sem escrúpulos para primeiro 
princípio da filosofia que buscava. 12” 
Estamos agora diante da primeira certeza cartesiana: após colocar todas as 
ideias em suspenso, Descartes percebe que o próprio fato de duvidar encerra em si uma 
certeza, a da própria existência. Entretanto, esta existência permanece problemática: que 
 
11 (Valéry, et al.). 
12 (Valéry, et al.). 
tipo de coisa é isto o que eu sou? Sei que existo porque estou pensando, então, a única 
coisa que sou permitido a concluir é que sou algo que pensa, enquanto pensa. A 
materialidade ainda encontra-se em suspenso, pois ainda pode ser obra do gênio maligno. 
Como fazer então para sair do solipsismo, e ter certeza da realidade material? 
 
d) A ideia de Deus 
 
Se somos algo que pensa, e todo pensamento é composto por ideias, Descartes 
propõe encontrar na mente uma ideia que tenha correspondência de modo claro e distinto 
com seu objeto real. Na terceira meditação, Descartes demonstra que as ideias que estão 
na mente possuem duas origens: ou são adventícias, isto é, adquiridas através dos 
sentidos, ou são fictícias, ou seja, elaboradas pela imaginação a partir de ideias 
adventícias. Por exemplo, se pensamos em um elefante, a ideia representada em nossa 
mente é uma ideia adventícia, pois só somos capazes de representar mentalmente um 
elefante caso já tenhamos visto um elefante antes. Agora, se imaginamos um elefante 
voador com asas de morcego e chifres, estamos representando em nossa mente uma ideia 
fictícia, criada a partir de diversas ideias adventícias recortadas e coladas pela 
imaginação, produzindo um ser novo, monstruoso e imaginário. 
Entre todas as ideias que possuímos em nossa mente, uma tem uma 
característica especial: é a ideia de Deus. Ora, que ideia é esta? É a ideia de um ser infinito, 
perfeito e necessário. Qual a origem desta ideia? Bom, com certeza não se trata de uma 
ideia adventícia, pois não temos nenhuma sensação objetiva de Deus. Também não se 
trata de uma ideia fictícia, pois a mente humana, imperfeita e finita, é incapaz de criar 
uma ideia perfeita e infinita. De que tipo de ideia se trata então? De uma ideia inata, isto 
é, uma ideia que já está na nossa mente quando nascemos, que não é obtida pelos 
sentidos. Sendo assim, é necessária a existência de Deus na realidade exterior, e a ideia 
de Deus é uma espécie de “marca” que o criador coloca em sua criatura. Este é o ponto 
que distingue o chamado inatismo cartesiano. Descartes introduz aqui a noção de 
“realidade objetiva”: as ideias possuem mais realidade à medida em que seu objeto 
correspondente na realidade possui mais perfeição. A ideia de Deus, por se tratar de uma 
ideia perfeita, seria então a ideia que possui mais realidade objetiva, e, portanto, seria a 
garantia de que as ideias que estão na mente tem um correspondente fora dela, na 
realidade exterior. 
 
e) Dualismo, Mecanicismo e o Problema Mente-Corpo 
 
Deus é a garantia da existência objetiva do mundo exterior à mente. E de todas 
as coisas exteriores que podem chegar à mente, somente a extensão pode ser concebida 
clara e distintamente. Herdeiro do mecanicismo galileano, Descartes defende que não há, 
portanto, mais de uma matéria: o universo é uma grande “máquina”, cujos elementos 
essenciais são matéria e movimento. Também o corpo humano e os corpos dos animais 
são “máquinas” e funcionam a partir de princípios mecânicos que regulam seus 
movimentos e ações. Isso que chamamos de “vida” pode ser reduzido a uma entidade 
material, a elementos muito sutis, veiculados pelo sangue, que se difundem pelo corpo 13. 
Se a ideia de Deus é a ideia de um ser perfeito e infinito, e se essa ideia reflete 
algo de real, pois não pode ter sido criada pela imaginação, muito menos ser adquirida 
pelos sentido, devemos supor que se trata então de um tipo de substância diversa da 
matéria, isto é, uma substância infinita. 
Descartes postulou também a existência de uma substância pensante (a res 
cogitans), além da substância material (na qual ocorrem os fenômenos físicos), e também 
queria construir um domínio de investigação específco dos fenômenos mentais. Sua teoria 
do conhecimento é uma parte dessa doutrina. O corpo humano é concebido por Descartes 
como uma máquina, assim como são, para ele, os animais. Entretanto, os animais não 
possuem alma, enquanto o homem sim, tal como Deus e os anjos. Esta concepção dualista 
do ser humano coloca para Descartes o problema da interação entre corpo e espírito, ou 
alma, ou mente. Enquanto o corpo é, então, uma máquina que funciona de forma 
semelhante às máquinas hidráulicas que eram conhecidas na época de Descartes, a alma 
que está associada a nosso corpo, embora seja de outra natureza, tem de poder interagir 
com o corpo, sem o que não seria possível nossa interação com o ambiente, ou seja, nem 
agirmos sobre ele, segundo nossa vontade, nem percebermos pelos sentidos os objetos a 
nossa volta. Este problema já é colocado por Descartes no Discurso do Método e nas 
Meditações, mas sua teoria é desenvolvida propriamente no livro denominado As Paixões 
da Alma. O problema principal colocado por Descartes, e que ele tenta sem sucesso 
resolver nessa obra, é o da interação entre corpo e alma, isto é, como podem interagir 
estas duas coisas de naturezas diferentes. 
Embora a alma esteja associada ao corpo todo, ela tem sua sede no cérebro, 
mais exatamente, na glândula pineal (também denominada epífse), que é onde, segundo 
Descartes, é possível que haja as interações entre os eventos físicos do corpo e a alma. 
Descartes elabora, de fato, uma teoria que hoje seria denominada neurofisiológica, para 
explicar a transmissão de estímulos pelos membros e partes do corpo e a interação entre 
o corpo e os objetos a sua volta. E, em acréscimo a tal teoria fisiológica, Descartes elabora 
também uma teoria de caráter psicológico, para explicar como, na alma, há alterações 
causadas pelo corpo. Este modelo de interação psicofísica de Descartes não foi bem 
sucedido principalmente por razões meramente metafísicas. Sendo de naturezas 
diferentes – sendo duas substâncias –, corpo e alma não podem, de fato, interagir, mesmo 
 
13 (Reale, et al., 2004). 
localizando tal possível interação na glândula pineal. Esse problema foi legado a 
cartesianos posteriores, como Malebranche e Leibniz, que elaboraram, respectivamente, 
as teorias do ocasionalismo e da harmonia preestabelecida. Ambas as teorias, de fato, 
pressupõem a intervenção divina para que haja fenômenos psicofísicos. Um modelo 
inteiramente materialista, como o que veremos em Hobbes, possui então grandes 
vantagens em relação ao de Descartes. 
Como diz o filósofo contemporâneo Richard Rorty, a concepção de mente 
humana de Descartes e dos demais flósofos modernos é uma concepção especular, isto é, 
eles concebem a mente humana como uma espécie de espelho, capaz de refletir a realidade 
extramental, as coisas fora da mente, e de representá-las com relativa fidelidade. 
Chamamos esta concepção de psicologismo. Em outras palavras, o conhecimento humanoseria, segundo tal perspectiva, uma questão de representações mentais e de eventos 
psicológicos que se dão em nós, e que, em princípio, nos capacitariam a copiar 
internamente os objetos fora de nós. Esta perspectiva psicologista perdurou na teoria do 
conhecimento até o fnal do século XIX, e foi somente com flosofas inovadoras no início 
do século XX que uma outra forma de encarar o conhecimento humano se impôs. 14. 
 
f) Questões para fixação e aprofundamento: 
 
1) Qual o principal objetivo da filosofia de Descartes? 
2) Por que Descartes considera importante a fundamentação do conhecimento 
científico? 
3) Qual o papel do método para Descartes? 
4) Por que o exercício da dúvida realizado por Descartes é conhecido como “dúvida 
metódica”, mas também como “dúvida radical ou hiperbólica”? 
5) Resuma o critério de verdade adotado por Descartes. 
6) Diferencie as “ideias que nascem dos sentidos” das “ideias que nascem da razão”. 
Exemplifique. 
7) Analise a dúvida metódica de Descartes, passo a passo, destacando os principais 
raciocínios ou argumentos. 
8) Formule com suas palavras o argumento do cogito. 
9) O que significa solipsismo? 
10) Como entender a oposição mundo interior x mundo exterior na filosofia de 
Descartes? 
11) Por que Descartes precisa recorrer a uma prova sobre a existência de Deus? 
 
g) Questões de vestibular: 
1) (UFU-MG) Em O Discurso sobre o método, Descartes afirma: 
“Não se deve acatar nunca como verdadeiro aquilo que não se reconhece ser tal pela 
evidência, ou seja, evitar acuradamente a precipitação e a prevenção, assim como 
nunca se deve abranger entre nossos juízos aquilo que não se apresente tão clara e 
distintamente à nossa inteligência a ponto de excluir qualquer possibilidade de 
dúvida” (Reale, et al., 2004). 
Após a leitura do texto acima, assinale a alternativa correta. 
a) A evidência, apesar de apreciada por Descartes, permanece uma noção indefinível. 
 
14 (Dutra, 2008). 
b) A evidência é a primeira regra do método cartesiano, mas não é princípio metódico 
fundamental. 
c) Ideias claras e distintas são o mesmo que ideias evidentes. 
d) A evidência não é um princípio do método cartesiano. 
 
h) Questões para reflexão: 
 
1) Descartes concluiu que pensava e que, portanto, era “pelo menos” uma coisa que 
pensa. No entanto, essa conclusão não lhe permitia deduzir que existissem outras 
mentes, outras coisas pensantes como ele. Foi um momento solipsista de sua 
meditação. Solipsismo é esse estado de não saber com certeza se existe outra 
mente (ou sujeito pensante) além de si mesmo, além do eu. 
Reflita sobre essa concepção. Você consegue imaginar-se como uma mente 
sozinha, sendo que todo o resto, coisas e pessoas, é mera ilusão? 
2) O pior cego é aquele que não quer ver. (Provérbio popular) 
Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver 
tentado abrir. (Descartes, Princípios da filosofia, Prefácio). 
Interprete essas duas afirmações, observando suas semelhanças e diferenças e 
buscando exempos para ambas. Depois, escreva sobre o problema da “cegueira” e 
o que as pessoas não querem ver. 
3) Para ser um bom filósofo deve-se ter o desejo forte de saber, combinado à grande 
cautela em acreditar que se sabe; também se deve possuir a acuidade lógica e o 
hábito do pensamento exato. Tudo isso, claro, é uma questão de grau. A incerteza, 
em particular, pertence, até certo ponto, ao pensamento humano; podemos reduzi-
la indefinidamente, embora jamais possamos aboli-la por completo. Em 
consequência, a filosofia é uma atividade contínua, e não uma coisa pela qual 
podemos conseguir uma perfeição final, de uma vez por todas. (RUSSELL, 
Fundamentos de filosofia, p. 9.) 
Descartes concordaria com o filósofo britânico Bertrand Russell (1872-1970) em 
que a filosofia deve ser uma atividade contínua? E você? Justifique sua resposta. 
 
 
 
References 
BonJour, Laurence e Baker, Ann. 2010. Filosofia: textos fundamentais comentados. [ed.] Maria Caroline dos 
Santos Rocha e Roberto Hofmeister Pich. [trad.] André Nilo Klaudat, et al. 2ª. Porto Alegre : Artmed, 2010. p. 
775. 
Burtt, Edwin Arthut. 1983. As Bases Metafísicas da Ciência Moderna: Pensamento Científico. [ed.] Célia Ladeira 
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