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A L D E I A N O V A NEO-REALISMO

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★ Trabalho Avaliativo- Aldeia Nova- Neo-realismo português
★ Data de entrega: 30.11
★ Acadêmica: Mariana Martins Marquesan
1.) Apresente as principais características estéticas do Neo-realismo, situando-o
corretamente na história portuguesa.
Segundo Massaud Moisés (1988), em “A Literatura Portuguesa” o Neo-realismo
surgiu como uma reação contrária ao movimento Presencista e foi motivada pelo repúdio ao
seu caráter estético e pela descoberta da ficção norte-americana e brasileira dos anos de 30,
de fisionomia sócio-realista. As duas vertentes de ficção se assemelham, a grosso modo, nas
novidades introduzidas: a objetividade, que não pressupõe negação do lirismo autêntico e
realista, a simpatia generosa por tudo quanto determina altos propósitos de reconstrução
social, o desejo de fazer literatura não com heróis pré-fabricados, mas com os humildes, os
injustiçados, os marginais, uma tentativa de estruturação cinematográfica do romance.
O início da Grande Depressão ou Crise de 1929 foi a maior recessão econômica do
século XX, causa de desemprego e quedas drásticas no PIB de diversos países, além disso,
houve queda nos preços de ações e uma diminuição na produção industrial em inúmeros
países. Quatro anos antes dessa crise implementou-se a Ditadura Militar em Portugal, que
teve o início em 29 de Maio de 1926. Em meio a Ditadura, em 1927, Branquinho da Fonseca
e João Gaspar Simões fundam uma revista, denominada “Presença”. Essa revista marcou o
segundo modernismo português, o “Presencismo” (1927-1940), cuja preocupação não era
com os problemas sociais da época portanto não se opunha ao regime totalitário, mas
discutia problemas individuais. Era literatura intimista e psicológica com influências de
Freud, voltada para a introspecção e para o experimentalismo. Os autores que fizeram parte
desse movimento foram Adolfo Rocha, Miguel Torga, Irene Lisboa, mas o principal
idealizador foi José Régio, o qual escreveu Originalidade Verdadeira e Originalidade
Falseada, textos que definem a proposta estética da segunda fase modernista.
Portugal enfrentava uma crise financeira muito grande, portanto Antônio de Oliveira
Salazar, Presidente do Conselho de Ministros, através do aumento tributário e o
condensamento de gastos públicos Salazar resgatou Portugal da crise financeira em que se
encontrava. As decisões tomadas pelo ditador português conceberam-o influência e poder
por isso seu governo durou cerca de 40 anos. O Salazarismo, denominação do “Estado Novo”
português foi o regime político que derrubou a Ditadura Militar, inspirado no fascismo
italiano e que deu fim ao liberalismo em portugal e teve características autocratas,
corporativas, fascistas, antidemocráticas, autoritaristas, anticomunistas, tradicionalistas e
nacionalistas. A Ditadura Salazarista resultou na perda imediata da liberdade de expressão e
do direito à greve, entre outras perdas.
O cenário mundial na década de 40 foi muito conturbado, os conflitos que afligiam a
década anterior chegam ao clímax: na Alemanha o Holocausto estava no auge, nos Estados
Unidos, Japão executou o plano de ataque a Pearl Harbor (1941), fato que resultou na entrada
dos EUA na Segunda Guerra Mundial e no bombardeio de Hiroshima e Nagasaki (1945),
antecipando o fim da Segunda Guerra Mundial, Hitler cometeu suicídio e Mussolini é
fuzilado. Ocorreram também os Julgamentos de Nuremberg, onde 24 aliados a Hitler foram
julgados por crimes de guerra. Além disso, a Guerra Fria aumentou a tensão diplomática entre
a URSS e os EUA havendo sempre uma disputa pelo poder. O resultado da guerra foi a
criação da ONU, a OTAN, o FMI e do Banco Mundial, além disso é colocado em ação o
Plano Marshall, ou Programa de recuperação Européia, 13 milhões de dólares foram
aplicados para ajudar a Europa se estabilizar economicamente.
Aproximadamente um ano depois do início da Segunda Guerra Mundial, surge em um
caótico contexto histórico-social, o Neo-realismo. O Neo-realismo foi uma corrente artística
de caráter ideológico marcado pelo pensamento Marxista, esse movimento se manifestou em
vários aspectos na arte além da literatura, como por exemplo, a música e a pintura, porém sua
maior exposição foi no cinema italiano. Essa corrente resgata valores realistas, visando uma
mudança no cenário político da época.
Os autores participantes do Neo-realismo foram engajados politicamente, sendo ativos
na mudanças de Portugal, através de suas narrativas retratam a realidade do país na época.
Inspirados no povo exilado e nos camponeses os autores discorrem sobre a vida estagnada,
agrária e subdesenvolvida de Portugal. A principal revista do Neo-realismo foi a Vértice
(1942) cujos ideais foram antifascista. A primeira publicação foi Gaibéus escrito por Alves
Redol, a obra debate questões da vida do campo. Com a chegada do Neo-realismo em
Portugal, surge uma nova tendência para a literatura de crítica social, tanto na poesia, quanto
na prosa.
Com o Fim da Ditadura Salazarista, ocorreu uma decadência econômica que o país
sofreu juntamente com o esgotamento propiciado pela guerra colonial resultou na insatisfação
populacional gerando um movimento contra a ditadura. A deposição do governo Salazarista
começou com a transmissão, via rádio, de uma música até então proibida: Grândula Vila
morena de Zeca Afonso. A revolução dos Cravos foi um movimento em que a população
colocou cravos nas espingardas dos soldados, por esse motivo virou o símbolo da revolução.
Conclui-se que o Neo-realismo foi um movimento engajado em modificar o cenário
político de Portugal usando as várias formas de arte, por exemplo a literatura, como meio de
manifestação. A denúncia social é a principal característica desse período estético. Através da
voz narrativa o leitor se sente próximo aos personagens, este passa a partilhar dos valores e
sentimentos dos depoimentos, onde os personagens estão vivendo em um lugar sem
perspectiva de mudança, agrário e subdesenvolvido, destituídos de sua voz social e reinados
por uma Ditadura. A literatura é um recurso para a indagação e o contestamento, ao dar voz
aos oprimidos rompem barreiras, acaba com a repressão e muda vidas. Nesse sentido, o
Neo-realismo foi muito mais do que um movimento artístico, foi a retratação de um povo
cujos valores foram esmagados por uma Ditadura opressora e fascista. Foi uma forma de
expressão e denúncia social e só persistiu até a libertação do seu povo, não sendo necessário
após o fim da Ditadura Salazarista.
2.) Feito esse percurso de compreensão do movimento estético chamado
Neo-realismo, agora é possível realizar uma análise substancial dos contos que
compõem a obra Aldeia Nova (1944), de Manuel da Fonseca. Assim você deverá
trabalhar com os textos discriminados abaixo:
★ Campaniça
★ Aldeia Nova
Segundo Massaud Moisés (1988, p. 278), Manuel da Fonseca abdicou de sua
autonomia e lucidez para acolher mecanicamente os postulados estéticos então vigentes. Sua
ficção constitui um hino do Alentejo, a ponto de os livros de contos e os romances formarem
um largo afresco daquela província, a saga dum povo que, padecendo longamente toda sorte
de inclemências, aguarda com resignação a hora do despertar e da redenção.
Ainda em consonância com as ideias de Moisés, os contos fixam cenas em torno de
personagens que retornam em mais de uma narrativa, vegetando no mesmo vilarejo apático, à
mercê do sol, do vento e da chuva. A aldeia, em “Aldeia Nova”:
simboliza todas as outras irmãs gêmeas espalhadas pelo mundo, e, ao fim,
representa uma situação mais ampla, como se fosse a prisão do homem tolhido em
sua condição e em sua angústia. Interessados nos transes psicológicos, empatizado
com o povo humilde, sem intuito polêmico à mostra, o afeiçoamento aos temas
regionais não se dobra nunca ao pitoresco ou ao folclórico: o objeto de análise é o
homem. mas sem preocupações ideológicas deformantes e esquemáticas. Seu
mundo é o lirismo, o das relações humanas mais íntimas, em que o psicológico e o
lírico antecedemo social (MOISÉS, 1988, p.278).
A capa do livro “Aldeia nova”, de Manuel da Fonseca, mostra uma estrada,
representando o desejo de fuga dos personagens da vida rural e subdesenvolvida. Existe em
todos os contos do livro “Aldeia nova” um debate social discutindo o homem campesino e
retratando o espaço opressor em que vive. Essas narrativas são escritas em um período de
crise em Portugal, tempo de atraso e descaso com o povo português, tendo como
consequência o sofrimento do povo e a exclusão de Portugal do resto da Europa. Manuel da
Fonseca é um dos autores engajados politicamente nas questões sociais do seu país, sendo
além de um escritor neo-realista demonstrando, através de sua obra literária, princípios
morais e uma estética cuja síntese reflete uma profunda preocupação com o ser humano.
A atmosfera narrativa do conto “Aldeia nova” e “Campaniça” retratam a vida de
personagens que vivem marginalizados e duramente abandonados pelo sistema, mostrando a
impossibilidade de fuga, sem perspectiva de mudança ou vestígios de esperança. O tom
sentencioso que o narrador adota no conto “Campaniça” demonstra a negatividade que
perpassa toda a narrativa. A narrativa já se inicia de maneira pejorativa ao afirmar que
“Valgato é terra ruim” (FONSECA 2001, p. 15) e também ao decorrer da narrativa quando é
proferido que “Valgato é uma terra triste” (FONSECA 2001, p.16) .
No Universo atrasado do conto “Aldeia Nova” o foco é o trabalhador rural, o
ambiente é desde o início descrito como sombrio e melancólico, expondo uma crítica ao
sistema agrário subdesenvolvido de Portugal. O narrador descreve sombras que se alastram
pelo descampado disseminando a solidão abafada e sem eco daqueles que vivem ali, e, essas
tristezas se transformam em cantigas tão largas como a noite que ali paira:
Ao findar do dia, comida a última côdea, ganhões e malteses para ali ficam longo
tempo, adormecendo à custa de histórias e descantes. Por trilhos de carros, subindo o
cabeço onde se ergue o monte, ainda a essa hora; de sábado para domingo, vem gente
para opaleio, que dura até tarde. Mas, com as sombras alastrando, por todo o
descampado, alastra a solidão que não tem eco para histórias e depressa puxa
cantigas, tristes e largas como a noite alentejana. (FONSECA 2001, p. 143)
O narrador do conto “Aldeia Nova” crítica o país atrasado quando relata os anseios e
angústias dos trabalhadores rurais, chegando a lamentar sua própria existência, pode-se
perceber nitidamente o sofrimento do trabalhador campesino ao questionar seu destino de
“trabalhador de enxada” como uma condenação inata:
...aquela mágoa rude dos cansaços de sol a sol, que vem tão inteira do peito dos
ganhões que montados, esteveiras e barrancos parecem tomados de medo. E, no
silêncio que se faz àquele arranque esvaído num queixume, de novo, sozinha, a voz
insiste pedindo amparo para tanta desgraça :Não tem perdão, minha mãe, pôr-me no
mundo a viver… De novo o coro responde, não para consolar, que não há nos
homens senão igualdade de destino; responde a mesma pena: Sou trabalhador
de enxada. fui condenado ao nascer!…(FONSECA 2001, 143)
Na narrativa “Aldeia Nova” a existência amarga é desvelada através do olhar,
sentimento e perspectiva do jovem Zé Cardo, porém mesmo inserido em um meio inerte, tem
esperanças e sonhos. Enquanto o adulto representa o conservadorismo, a criança representa o
sonho, o que representa o desejo do Neo-realismo de modernização:
E vinha-lhe a sua grande ambição: abandonar o monte e ir, por caminhos velhos,
até às estradas reais. Até às vilas e às aldeias e ao mais que houvesse, que ele não
sabia bem o que era, mas que,tinha a certeza, seria diferente daquele descampado
tão cerradinho de solidão… Ir para Aldeia Nova, ao menos!
No conto, o olhar do jovem Zé Cardo, de treze anos representa o desejo e a ânsia por
mudanças de perspectivas. O jovem representa o novo em oposição a mesmice, oposto do
conservador, o desejo de esperança que é semeado pelo jovem, através do narrador, faz uma
crítica às estruturas vigentes. O narrador se aproxima da criança e a descreve de maneira
diferente em relação aos outros personagens, a criança é, simbolicamente, o que representa
mudança, e nessa a aproximação com o jovem se encontra a metáfora da narrativa. Zé Cardo,
contrariamente aos outros personagens não tem uma visão pessimista do mundo, e sim expõe
sua ambições a procura de novos caminhos:
Embora os seus treze anos já fossem uma vida cheia, Zé Cardo sabia bem que a
mesma sorte dos ganhões seria a sua quando chegasse a homem. E o seu gosto não
eram cantigas mas sim histórias: aquela gente de sítios distantes falando das suas
terras… Ao sábado, vinha mais cedo. Mas o caminho era longo e, longe ainda,
chegavam-lhe os descantes ondeando pelos vales. Então, pensava se não seriam
iguais àquela herdade todas as outras herdades. Não, não devia ser assim. Já ouvira
falar. E vinha-lhe a sua grande ambição: abandonar o monte e ir, por caminhos
velhos, até às estradas reais. Até às vilas e às aldeias e ao mais que houvesse, que
ele não sabia bem o que era, mas que, tinha a certeza, seria diferente daquele
descampado tão cerradinho de solidão… Ir para Aldeia Nova, ao menos!
O Sr. Vairinho representa o pessimismo e a forma cruel e negativa de enfrentar a vida.
Na narrativa “Aldeia Nova”, personagem de Vairinho é descrito pelo narrador como um
homem desagradável que atravessa as noites contando histórias trágicas e mal sucedidas,
despertando em Zé Cardo seus medos, o medo da violência, um medo infantil embutido em
um um corpo trêmulo.
O Sr.. Vairinho só cantava coisas de gente má. Aparecia pela noite e, cachimbando
junto às brasas, entretinha os serões sempre com o mesmo: mortes e roubos, tudo
passado em noites desgraçadas. Aquela da Ponte das Duas Aguas com três homens
de emboscada e o lavrador mais a mulher e o filho passando desprevenidos, logo
tombados à machadada e os dedos cortados na pressa de tirar os anéis, parecia um
pesadelo!… Zé Cardo tremia na saca com a respiração incerta. Quaisquer ruídos de
ratos lhe pareciam passos; decerto algum ladrão subindo a escada. E cada vez mais
próximo! Tanto que Zé Cardo nem tinha força para puxar a mão que lhe ficara fora
da manta. Ah, se pudesse gritar!… Mas o ladrão, ao abrigo da treva, erguia o
machado a cortar-lhe a mão cerce pelo pulso! O moço saltava na saca um safanão
nervoso, alagado de suores. E os bandidos ou avejões – talvez fossem avejões! –
demorando o golpe pela noite dentro, esgotavam-lhe as forças. Até que por fim,
exausto, caía num sono fundo.
Zé Cardo, no final da narrativa, perde seus medos em nome de um bem maior, o
anseio de encontrar a Aldeia Nova e deixar para trás uma terra descampada em busca do
prenúncio de uma alvorada. Sr. Vairinho não mais o amedronta com suas histórias infelizes. O
desconhecido torna-se um acalento e aconchego com uma perspectiva de vida melhor para Zé
Cardo.
Já a cabeça de Zé Cardo se erguera e um arrepio pelo corpo obrigou-o a fechar as
mãos com força. Aldeia Nova! Pareceu-lhe aquela imagem tão clara que, em volta,
se fez como que o prenúncio de uma alvorada. Aldeia Nova! Terra que ele nunca
vira mas era o alento para os seus dias de maior tristeza. E Cinta Mouro, que como
ele fora porcariço, decerto não mentia. Sim, Aldeia Nova tinha vida melhor!
[...]Assim se ergueu Zé Cardo, a caminho da arramada, sem medo às sombras, e
foi-se deitar para que a noite passasse depressa.
Que lhe importavam as histórias do Sr. Vairinho?
Num devaneio noturno, o narrador descreve Zé Cardo adormecendo em seu
(des)aconchego leito de palha batida, com seu sonho de conforto futuro, o menino, quando o
sono encobre seus olhos principia sua saga aventurando-se e rompendo tempo e espaço num
deslumbre desejo de estar na Aldeia Nova:
Antes de adormecer sobre a saca de palha batida, o porcariço sonhou o melhor
sonho da sua vida: um dia, iria para a aldeia!
Assim esteve até que, quando o sono lhe fechou os olhos, se julgou entrando
deslumbrado, ao romper da manhã,em Aldeia Nova.
No conto “Campaniça”, ao descrever Valgato o narrador descreve um ambiente
impróprio para a existência humana, sem árvores frutíferas, um lugar seco e feio. O narrador
expõe um ambiente inóspito e solitário e denomina uma “terra nua” como sinônimo de
improdutividade e infertilidade, ou seja, o narrador descreve um solo triste “debaixo de um
céu parado” que remete a monotonia típica interiorana:
Fica no fundo de um córrego, cercada de carrascais e sobreiros descarnados. O mais é
terra amarela, nua até perder de vista. Não há searas em volta. Há a charneca sem
fim, que se alarga para todo o resto do mundo. E, no meio do descampado, no fundo
do vale tolhido de solidão, fica a aldeia de Valgato debaixo de um céu parado.
(FONSECA 2001, P. 15)
Os personagens campesinos da narrativa “Campaniça” usam instrumentos
ultrapassados e vivem uma vida circular, ou seja, não há mudanças, nem perspectivas de
mudanças. A vida circular, ou seja, uma vida que principia e termina da mesma forma, linear,
é símbolo da Ditadura, a mesma não apresenta alternativas, ou saídas para os portugueses. O
excerto a seguir retrata o comportamento autômato dos personagens, seguindo o mesmo
caminho todos os dias, até mesmo no escuro, sem se perder:
Saem os homens para o trabalho ainda a manhã vem do outro lado do mundo. Levam
enxadas e foices e conhecem todos os trilhos, entre o mato, com estevas que são mais
altas que duas vezes o tamanho do mais alto dos homens de Valgato. Tanto conhecem
os caminhos que vão, sem desvio nem engano, até às herdades que ficam a léguas de
distância, ainda com o sono e o escuro da noite fechando‑lhes os olhos. Não é de
admirar. Zé Tarrinha tem uma mula que caiu num barranco de piteiras e vazou os
dois olhos. Pois a mula nunca erra a casa e vai sozinha à fonte. Não é de admirar que
os homens saiam ainda com o escuro da noite, e com o sono, e vão sem desvio ou
engano até às herdades. (FONSECA 2001, P.16)
Ainda em “Campaniça” também há uma aproximação do homem ao animal,
comparando o comportamento do homem a uma mula, pois a mula remete a um animal
irracional que percorre longos caminhos e torna ao mesmo posto, com um comportamento
premeditado e circular que apesar de, fazer suas andanças exacerbadas, volta a seu ponto
inicial com os olhos “cegos de sono” noite adentro, diariamente, em um terreno inóspito com
uma mata rasteira muito fechada, emaranhada, difícil de ser atravessada:
A vista dos homens de Valgato é um sentido embotado. Há uma névoa
cobrindo‑a,mesmo de dia com o céu esbranquiçado e o lume do Sol tremendo no ar.
E sem ver, ainda a manhã vem no outro lado do mundo, os homens, certinhos como a
mula do Zé Tarrinha, andam léguas e léguas e vão dar às herdades. E de noite,
sempre de noite, tornam para a aldeia, certos e direitos, com os olhos cegos do sono
que volta. Certos e direitos que um homem não precisa mais que saber onde põe os
pés. Todos os dias assim: sair de noite, voltar de noite. Que a aldeia de Valgato é terra
ruim cercada de carrascais. (FONSECA 2001, P.16)
A narrativa “Campaniça” termina da mesma forma que se inicia, o que remete a
forma circular, característica presente no conto, onde os personagens circundam
incessantemente e incansavelmente em um devaneio de uma vida mais digna, porém
acomodados com a situação. A terra ruim simboliza a falta de alternativa e oportunidade para
os habitantes de Valgato. O narrador, ao mencionar uma “planície sem fim” remete a ideia de
que os personagens que ali vivem não podem cruzar a linha da aldeia em busca de novos
horizontes, pois ela se alarga para todo o resto do mundo deixando os personagens fadados a
um destino ruim, assim como a terra:
Que a aldeia de Valgato é uma terra triste. Cercada de carrascais e sobreiros
descarnados, não tem searas em volta.
Só a planície sem fim que se alarga para todo o resto do mundo. E, no meio do
descampado, no fundo do vale tolhido de solidão, fica a aldeia de Valgato debaixo de
um céu parado.
Valgato é terra ruim.(FONSECA 2001, P. 20)
Maria Campaniça em “Campaniça” representa o desejo de fuga do povo português. A
narrativa utiliza as crianças como representação do novo, do diferente contrariando a
Ditadura Salazarista. O medo que ela sente representa a submissão do povo português em
relação à Ditadura.
Maria Campaniça, quando era solteira, pensava todos os dias fugir da aldeia. Era
nova e tinha o rosto corado e um lenço de barra amarela. Subia a quebrada,
sentava‑se no cabeço mais alto à sombra de um chaparro e punha‑se a pensar para
que lado partiria. Mas o descampado, correndo sem fim por vales e outeiros, bravio,
agressivo de cardos e tojos, metia‑lhe medo. (FONSECA 2001, P.17)
Baleizão simboliza a família, o camponês entra na vida de Maria Campaniça e muda
seus valores e perspectivas. Por ter cinco filho ela não pode mudar-se para outra cidade e
pelas condições rurais e precárias em vive não há perspectiva de melhorias. Toda essa cena
retrata a vida carente e fundiária em que os portugueses são submetidos para sobreviver:
Depois apareceu o Baleizão com conversas, à noite, na soleira da porta. E o mesmo
desejo continuou: fugir de Valgato. Comprariam os dois uma bácora e um bácoro e
ao fim de algum tempo haviam de ter uma vara de porcos. Iriam vendê‑los à feira de
Cerromaior e aí ficariam a viver. Aí ou noutra terra, contanto que não fosse em
Valgato. Agora Maria Campaniça há muito tempo que vive com o seu homem.
Quando quer saber os anos ao certo, conta o número de filhos. Tem cinco e o mais
novo poucos meses. Portanto, vai para sete anos que está com o Baleizão.
Maria Campaniça tinha medo de morrer em Valgato, porém para todo os outros
habitantes,Valgato era o lar e lá ficariam até morrer, conscientes e sem medo disso. A
Ditadura estagnou o processo de desenvolvimento do país, portanto as pessoas eram obrigada
a viver de maneira despretensiosas , eram conscientes de suas condições e futuros, o
Neo-realismo critica essa visão de mundo a partir das obras literárias que denunciam essas
condições:
Uma noite, Maria Campaniça sonhou que era velha e morria sem sair de Valgato. Foi
e contou à mãe.
O rosto encarquilhado da velha franziu‑se ainda mais na sombra do lenço:
– Que parvidade, moça! Então onde haverás de morrer?
Quando era nova tinha o rosto corado e gostava de ouvir falar do Zé Gaio. Agora já
ninguém sabia dele.
A denúncia em forma de narrativa explana sobre a necessidade de evasão, a sensação
de estarem presos e como a tristeza toma conta dos personagens que não conseguem, toda a
estrutura de Valgato é elemento representativo da Ditadura, toda a tristeza e pesar dos
personagens é a tristeza dos portugueses pela falta de recursos e liberdade:
E recorda a história do Gaio… Quando os homens recolhiam a Valgato, acontecia às
vezes ficarem de conversa no terreiro. Depois, porque a terra era sem fim para todos
os lados e os homens se sentiam presos naquele vale do fim do mundo, libertavam‑se
cantando. Zé Gaio ouvia com o rosto imóvel e o olhar distante. Em dada altura, o
peito cheio de uma ansiedade que nem ele sabia, erguia‑se e, sem uma fala a
ninguém,partia por trilhos e carreiros de cabras até o cansaço o vencer. Ao voltar à
aldeia era dia e trazia o rosto vincado de tristeza. (FONSECA 2001, P.18)
Em meio a narrativa aparece uma mulher, vestindo roupas coloridas e sorrindo. A
mulher é um elemento novo e diferente na narrativa, ela representa tudo que é contrário à
Ditadura. Ela é descrita do ponto de vista masculino e enquanto toda a terra de Valgato é
cinza ela é colorida. A mulher é o oposto dos personagens, ela é feliz, os personagens não, ela
tem movimento, entrando e saindo de Valgato quando quisesse, os personagens não, ela
representa tudo que eles gostariam de ser e viver.
Uma tarde, já sem sol, quando os homens vindos da faina desciam das cristas dos
cabeços, notaram que havia qualquer coisa de estranho em Valgato. Estugaram o
passo. E perto olharam inquietos, poisando de leve as enxadas no chão. Era uma
forma demulher com um vestido azul, colado, desenhando‑lhe a carne. E tinha a
boca vermelha e os olhos azuis e os cabelos loiros. Sorria. E andando oscilava as
ancas torneadas, vivas, no vestido azul. E os seios tremiam a cada passo e levava os
olhos de todos os homens de Valgato presos nos cabelos loiros, nas ancas e nos
seios.Depois, viera um senhor, dono das terras do vale, e a mulher partiu com ele,
num carro, pelo melhor dos caminhos que sai de Valgato e a léguas dali entra na
estrada real. Os homens continuaram indecisos, com os olhos voltados para o
cabeço por onde a mulher desaparecera. (FONSECA 2001, P.18)
As duas narrativas analisadas exprimem de forma perspicaz o Neo-realismo. Pode-se
perceber uma crítica social aos acontecimentos históricos da época, fazendo alusão a época
de ditadura e de conflitos sociais existentes. Ambos os contos são situados em um ambiente
sem perspectiva de melhoria de vida, porém em “Aldeia Nova” e “Campaniça” há
personagens que representam um desejo de sair desse ambiente triste em busca de novos
horizontes.
REFERÊNCIAS
FONSECA, Manuel da. Aldeia nova. Editotial Caminha SA. 2001.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1988.
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp064357.pdf (acesso em 20/11/16)
http://lusofonia.x10.mx/literatura_portuguesa/literatura_engajada_PTsecXX.htm (acesso em
20/11/16)
http://portugues.uol.com.br/literatura/modernismo-portugal.html(acesso em 20/11/16)
http://portugues.uol.com.br/literatura/presencismo.html (acesso em 21/11/16)
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp064357.pdf
http://lusofonia.x10.mx/literatura_portuguesa/literatura_engajada_PTsecXX.htm
http://portugues.uol.com.br/literatura/presencismo.html

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