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★ Trabalho Avaliativo- Aldeia Nova- Neo-realismo português ★ Data de entrega: 30.11 ★ Acadêmica: Mariana Martins Marquesan 1.) Apresente as principais características estéticas do Neo-realismo, situando-o corretamente na história portuguesa. Segundo Massaud Moisés (1988), em “A Literatura Portuguesa” o Neo-realismo surgiu como uma reação contrária ao movimento Presencista e foi motivada pelo repúdio ao seu caráter estético e pela descoberta da ficção norte-americana e brasileira dos anos de 30, de fisionomia sócio-realista. As duas vertentes de ficção se assemelham, a grosso modo, nas novidades introduzidas: a objetividade, que não pressupõe negação do lirismo autêntico e realista, a simpatia generosa por tudo quanto determina altos propósitos de reconstrução social, o desejo de fazer literatura não com heróis pré-fabricados, mas com os humildes, os injustiçados, os marginais, uma tentativa de estruturação cinematográfica do romance. O início da Grande Depressão ou Crise de 1929 foi a maior recessão econômica do século XX, causa de desemprego e quedas drásticas no PIB de diversos países, além disso, houve queda nos preços de ações e uma diminuição na produção industrial em inúmeros países. Quatro anos antes dessa crise implementou-se a Ditadura Militar em Portugal, que teve o início em 29 de Maio de 1926. Em meio a Ditadura, em 1927, Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões fundam uma revista, denominada “Presença”. Essa revista marcou o segundo modernismo português, o “Presencismo” (1927-1940), cuja preocupação não era com os problemas sociais da época portanto não se opunha ao regime totalitário, mas discutia problemas individuais. Era literatura intimista e psicológica com influências de Freud, voltada para a introspecção e para o experimentalismo. Os autores que fizeram parte desse movimento foram Adolfo Rocha, Miguel Torga, Irene Lisboa, mas o principal idealizador foi José Régio, o qual escreveu Originalidade Verdadeira e Originalidade Falseada, textos que definem a proposta estética da segunda fase modernista. Portugal enfrentava uma crise financeira muito grande, portanto Antônio de Oliveira Salazar, Presidente do Conselho de Ministros, através do aumento tributário e o condensamento de gastos públicos Salazar resgatou Portugal da crise financeira em que se encontrava. As decisões tomadas pelo ditador português conceberam-o influência e poder por isso seu governo durou cerca de 40 anos. O Salazarismo, denominação do “Estado Novo” português foi o regime político que derrubou a Ditadura Militar, inspirado no fascismo italiano e que deu fim ao liberalismo em portugal e teve características autocratas, corporativas, fascistas, antidemocráticas, autoritaristas, anticomunistas, tradicionalistas e nacionalistas. A Ditadura Salazarista resultou na perda imediata da liberdade de expressão e do direito à greve, entre outras perdas. O cenário mundial na década de 40 foi muito conturbado, os conflitos que afligiam a década anterior chegam ao clímax: na Alemanha o Holocausto estava no auge, nos Estados Unidos, Japão executou o plano de ataque a Pearl Harbor (1941), fato que resultou na entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial e no bombardeio de Hiroshima e Nagasaki (1945), antecipando o fim da Segunda Guerra Mundial, Hitler cometeu suicídio e Mussolini é fuzilado. Ocorreram também os Julgamentos de Nuremberg, onde 24 aliados a Hitler foram julgados por crimes de guerra. Além disso, a Guerra Fria aumentou a tensão diplomática entre a URSS e os EUA havendo sempre uma disputa pelo poder. O resultado da guerra foi a criação da ONU, a OTAN, o FMI e do Banco Mundial, além disso é colocado em ação o Plano Marshall, ou Programa de recuperação Européia, 13 milhões de dólares foram aplicados para ajudar a Europa se estabilizar economicamente. Aproximadamente um ano depois do início da Segunda Guerra Mundial, surge em um caótico contexto histórico-social, o Neo-realismo. O Neo-realismo foi uma corrente artística de caráter ideológico marcado pelo pensamento Marxista, esse movimento se manifestou em vários aspectos na arte além da literatura, como por exemplo, a música e a pintura, porém sua maior exposição foi no cinema italiano. Essa corrente resgata valores realistas, visando uma mudança no cenário político da época. Os autores participantes do Neo-realismo foram engajados politicamente, sendo ativos na mudanças de Portugal, através de suas narrativas retratam a realidade do país na época. Inspirados no povo exilado e nos camponeses os autores discorrem sobre a vida estagnada, agrária e subdesenvolvida de Portugal. A principal revista do Neo-realismo foi a Vértice (1942) cujos ideais foram antifascista. A primeira publicação foi Gaibéus escrito por Alves Redol, a obra debate questões da vida do campo. Com a chegada do Neo-realismo em Portugal, surge uma nova tendência para a literatura de crítica social, tanto na poesia, quanto na prosa. Com o Fim da Ditadura Salazarista, ocorreu uma decadência econômica que o país sofreu juntamente com o esgotamento propiciado pela guerra colonial resultou na insatisfação populacional gerando um movimento contra a ditadura. A deposição do governo Salazarista começou com a transmissão, via rádio, de uma música até então proibida: Grândula Vila morena de Zeca Afonso. A revolução dos Cravos foi um movimento em que a população colocou cravos nas espingardas dos soldados, por esse motivo virou o símbolo da revolução. Conclui-se que o Neo-realismo foi um movimento engajado em modificar o cenário político de Portugal usando as várias formas de arte, por exemplo a literatura, como meio de manifestação. A denúncia social é a principal característica desse período estético. Através da voz narrativa o leitor se sente próximo aos personagens, este passa a partilhar dos valores e sentimentos dos depoimentos, onde os personagens estão vivendo em um lugar sem perspectiva de mudança, agrário e subdesenvolvido, destituídos de sua voz social e reinados por uma Ditadura. A literatura é um recurso para a indagação e o contestamento, ao dar voz aos oprimidos rompem barreiras, acaba com a repressão e muda vidas. Nesse sentido, o Neo-realismo foi muito mais do que um movimento artístico, foi a retratação de um povo cujos valores foram esmagados por uma Ditadura opressora e fascista. Foi uma forma de expressão e denúncia social e só persistiu até a libertação do seu povo, não sendo necessário após o fim da Ditadura Salazarista. 2.) Feito esse percurso de compreensão do movimento estético chamado Neo-realismo, agora é possível realizar uma análise substancial dos contos que compõem a obra Aldeia Nova (1944), de Manuel da Fonseca. Assim você deverá trabalhar com os textos discriminados abaixo: ★ Campaniça ★ Aldeia Nova Segundo Massaud Moisés (1988, p. 278), Manuel da Fonseca abdicou de sua autonomia e lucidez para acolher mecanicamente os postulados estéticos então vigentes. Sua ficção constitui um hino do Alentejo, a ponto de os livros de contos e os romances formarem um largo afresco daquela província, a saga dum povo que, padecendo longamente toda sorte de inclemências, aguarda com resignação a hora do despertar e da redenção. Ainda em consonância com as ideias de Moisés, os contos fixam cenas em torno de personagens que retornam em mais de uma narrativa, vegetando no mesmo vilarejo apático, à mercê do sol, do vento e da chuva. A aldeia, em “Aldeia Nova”: simboliza todas as outras irmãs gêmeas espalhadas pelo mundo, e, ao fim, representa uma situação mais ampla, como se fosse a prisão do homem tolhido em sua condição e em sua angústia. Interessados nos transes psicológicos, empatizado com o povo humilde, sem intuito polêmico à mostra, o afeiçoamento aos temas regionais não se dobra nunca ao pitoresco ou ao folclórico: o objeto de análise é o homem. mas sem preocupações ideológicas deformantes e esquemáticas. Seu mundo é o lirismo, o das relações humanas mais íntimas, em que o psicológico e o lírico antecedemo social (MOISÉS, 1988, p.278). A capa do livro “Aldeia nova”, de Manuel da Fonseca, mostra uma estrada, representando o desejo de fuga dos personagens da vida rural e subdesenvolvida. Existe em todos os contos do livro “Aldeia nova” um debate social discutindo o homem campesino e retratando o espaço opressor em que vive. Essas narrativas são escritas em um período de crise em Portugal, tempo de atraso e descaso com o povo português, tendo como consequência o sofrimento do povo e a exclusão de Portugal do resto da Europa. Manuel da Fonseca é um dos autores engajados politicamente nas questões sociais do seu país, sendo além de um escritor neo-realista demonstrando, através de sua obra literária, princípios morais e uma estética cuja síntese reflete uma profunda preocupação com o ser humano. A atmosfera narrativa do conto “Aldeia nova” e “Campaniça” retratam a vida de personagens que vivem marginalizados e duramente abandonados pelo sistema, mostrando a impossibilidade de fuga, sem perspectiva de mudança ou vestígios de esperança. O tom sentencioso que o narrador adota no conto “Campaniça” demonstra a negatividade que perpassa toda a narrativa. A narrativa já se inicia de maneira pejorativa ao afirmar que “Valgato é terra ruim” (FONSECA 2001, p. 15) e também ao decorrer da narrativa quando é proferido que “Valgato é uma terra triste” (FONSECA 2001, p.16) . No Universo atrasado do conto “Aldeia Nova” o foco é o trabalhador rural, o ambiente é desde o início descrito como sombrio e melancólico, expondo uma crítica ao sistema agrário subdesenvolvido de Portugal. O narrador descreve sombras que se alastram pelo descampado disseminando a solidão abafada e sem eco daqueles que vivem ali, e, essas tristezas se transformam em cantigas tão largas como a noite que ali paira: Ao findar do dia, comida a última côdea, ganhões e malteses para ali ficam longo tempo, adormecendo à custa de histórias e descantes. Por trilhos de carros, subindo o cabeço onde se ergue o monte, ainda a essa hora; de sábado para domingo, vem gente para opaleio, que dura até tarde. Mas, com as sombras alastrando, por todo o descampado, alastra a solidão que não tem eco para histórias e depressa puxa cantigas, tristes e largas como a noite alentejana. (FONSECA 2001, p. 143) O narrador do conto “Aldeia Nova” crítica o país atrasado quando relata os anseios e angústias dos trabalhadores rurais, chegando a lamentar sua própria existência, pode-se perceber nitidamente o sofrimento do trabalhador campesino ao questionar seu destino de “trabalhador de enxada” como uma condenação inata: ...aquela mágoa rude dos cansaços de sol a sol, que vem tão inteira do peito dos ganhões que montados, esteveiras e barrancos parecem tomados de medo. E, no silêncio que se faz àquele arranque esvaído num queixume, de novo, sozinha, a voz insiste pedindo amparo para tanta desgraça :Não tem perdão, minha mãe, pôr-me no mundo a viver… De novo o coro responde, não para consolar, que não há nos homens senão igualdade de destino; responde a mesma pena: Sou trabalhador de enxada. fui condenado ao nascer!…(FONSECA 2001, 143) Na narrativa “Aldeia Nova” a existência amarga é desvelada através do olhar, sentimento e perspectiva do jovem Zé Cardo, porém mesmo inserido em um meio inerte, tem esperanças e sonhos. Enquanto o adulto representa o conservadorismo, a criança representa o sonho, o que representa o desejo do Neo-realismo de modernização: E vinha-lhe a sua grande ambição: abandonar o monte e ir, por caminhos velhos, até às estradas reais. Até às vilas e às aldeias e ao mais que houvesse, que ele não sabia bem o que era, mas que,tinha a certeza, seria diferente daquele descampado tão cerradinho de solidão… Ir para Aldeia Nova, ao menos! No conto, o olhar do jovem Zé Cardo, de treze anos representa o desejo e a ânsia por mudanças de perspectivas. O jovem representa o novo em oposição a mesmice, oposto do conservador, o desejo de esperança que é semeado pelo jovem, através do narrador, faz uma crítica às estruturas vigentes. O narrador se aproxima da criança e a descreve de maneira diferente em relação aos outros personagens, a criança é, simbolicamente, o que representa mudança, e nessa a aproximação com o jovem se encontra a metáfora da narrativa. Zé Cardo, contrariamente aos outros personagens não tem uma visão pessimista do mundo, e sim expõe sua ambições a procura de novos caminhos: Embora os seus treze anos já fossem uma vida cheia, Zé Cardo sabia bem que a mesma sorte dos ganhões seria a sua quando chegasse a homem. E o seu gosto não eram cantigas mas sim histórias: aquela gente de sítios distantes falando das suas terras… Ao sábado, vinha mais cedo. Mas o caminho era longo e, longe ainda, chegavam-lhe os descantes ondeando pelos vales. Então, pensava se não seriam iguais àquela herdade todas as outras herdades. Não, não devia ser assim. Já ouvira falar. E vinha-lhe a sua grande ambição: abandonar o monte e ir, por caminhos velhos, até às estradas reais. Até às vilas e às aldeias e ao mais que houvesse, que ele não sabia bem o que era, mas que, tinha a certeza, seria diferente daquele descampado tão cerradinho de solidão… Ir para Aldeia Nova, ao menos! O Sr. Vairinho representa o pessimismo e a forma cruel e negativa de enfrentar a vida. Na narrativa “Aldeia Nova”, personagem de Vairinho é descrito pelo narrador como um homem desagradável que atravessa as noites contando histórias trágicas e mal sucedidas, despertando em Zé Cardo seus medos, o medo da violência, um medo infantil embutido em um um corpo trêmulo. O Sr.. Vairinho só cantava coisas de gente má. Aparecia pela noite e, cachimbando junto às brasas, entretinha os serões sempre com o mesmo: mortes e roubos, tudo passado em noites desgraçadas. Aquela da Ponte das Duas Aguas com três homens de emboscada e o lavrador mais a mulher e o filho passando desprevenidos, logo tombados à machadada e os dedos cortados na pressa de tirar os anéis, parecia um pesadelo!… Zé Cardo tremia na saca com a respiração incerta. Quaisquer ruídos de ratos lhe pareciam passos; decerto algum ladrão subindo a escada. E cada vez mais próximo! Tanto que Zé Cardo nem tinha força para puxar a mão que lhe ficara fora da manta. Ah, se pudesse gritar!… Mas o ladrão, ao abrigo da treva, erguia o machado a cortar-lhe a mão cerce pelo pulso! O moço saltava na saca um safanão nervoso, alagado de suores. E os bandidos ou avejões – talvez fossem avejões! – demorando o golpe pela noite dentro, esgotavam-lhe as forças. Até que por fim, exausto, caía num sono fundo. Zé Cardo, no final da narrativa, perde seus medos em nome de um bem maior, o anseio de encontrar a Aldeia Nova e deixar para trás uma terra descampada em busca do prenúncio de uma alvorada. Sr. Vairinho não mais o amedronta com suas histórias infelizes. O desconhecido torna-se um acalento e aconchego com uma perspectiva de vida melhor para Zé Cardo. Já a cabeça de Zé Cardo se erguera e um arrepio pelo corpo obrigou-o a fechar as mãos com força. Aldeia Nova! Pareceu-lhe aquela imagem tão clara que, em volta, se fez como que o prenúncio de uma alvorada. Aldeia Nova! Terra que ele nunca vira mas era o alento para os seus dias de maior tristeza. E Cinta Mouro, que como ele fora porcariço, decerto não mentia. Sim, Aldeia Nova tinha vida melhor! [...]Assim se ergueu Zé Cardo, a caminho da arramada, sem medo às sombras, e foi-se deitar para que a noite passasse depressa. Que lhe importavam as histórias do Sr. Vairinho? Num devaneio noturno, o narrador descreve Zé Cardo adormecendo em seu (des)aconchego leito de palha batida, com seu sonho de conforto futuro, o menino, quando o sono encobre seus olhos principia sua saga aventurando-se e rompendo tempo e espaço num deslumbre desejo de estar na Aldeia Nova: Antes de adormecer sobre a saca de palha batida, o porcariço sonhou o melhor sonho da sua vida: um dia, iria para a aldeia! Assim esteve até que, quando o sono lhe fechou os olhos, se julgou entrando deslumbrado, ao romper da manhã,em Aldeia Nova. No conto “Campaniça”, ao descrever Valgato o narrador descreve um ambiente impróprio para a existência humana, sem árvores frutíferas, um lugar seco e feio. O narrador expõe um ambiente inóspito e solitário e denomina uma “terra nua” como sinônimo de improdutividade e infertilidade, ou seja, o narrador descreve um solo triste “debaixo de um céu parado” que remete a monotonia típica interiorana: Fica no fundo de um córrego, cercada de carrascais e sobreiros descarnados. O mais é terra amarela, nua até perder de vista. Não há searas em volta. Há a charneca sem fim, que se alarga para todo o resto do mundo. E, no meio do descampado, no fundo do vale tolhido de solidão, fica a aldeia de Valgato debaixo de um céu parado. (FONSECA 2001, P. 15) Os personagens campesinos da narrativa “Campaniça” usam instrumentos ultrapassados e vivem uma vida circular, ou seja, não há mudanças, nem perspectivas de mudanças. A vida circular, ou seja, uma vida que principia e termina da mesma forma, linear, é símbolo da Ditadura, a mesma não apresenta alternativas, ou saídas para os portugueses. O excerto a seguir retrata o comportamento autômato dos personagens, seguindo o mesmo caminho todos os dias, até mesmo no escuro, sem se perder: Saem os homens para o trabalho ainda a manhã vem do outro lado do mundo. Levam enxadas e foices e conhecem todos os trilhos, entre o mato, com estevas que são mais altas que duas vezes o tamanho do mais alto dos homens de Valgato. Tanto conhecem os caminhos que vão, sem desvio nem engano, até às herdades que ficam a léguas de distância, ainda com o sono e o escuro da noite fechando‑lhes os olhos. Não é de admirar. Zé Tarrinha tem uma mula que caiu num barranco de piteiras e vazou os dois olhos. Pois a mula nunca erra a casa e vai sozinha à fonte. Não é de admirar que os homens saiam ainda com o escuro da noite, e com o sono, e vão sem desvio ou engano até às herdades. (FONSECA 2001, P.16) Ainda em “Campaniça” também há uma aproximação do homem ao animal, comparando o comportamento do homem a uma mula, pois a mula remete a um animal irracional que percorre longos caminhos e torna ao mesmo posto, com um comportamento premeditado e circular que apesar de, fazer suas andanças exacerbadas, volta a seu ponto inicial com os olhos “cegos de sono” noite adentro, diariamente, em um terreno inóspito com uma mata rasteira muito fechada, emaranhada, difícil de ser atravessada: A vista dos homens de Valgato é um sentido embotado. Há uma névoa cobrindo‑a,mesmo de dia com o céu esbranquiçado e o lume do Sol tremendo no ar. E sem ver, ainda a manhã vem no outro lado do mundo, os homens, certinhos como a mula do Zé Tarrinha, andam léguas e léguas e vão dar às herdades. E de noite, sempre de noite, tornam para a aldeia, certos e direitos, com os olhos cegos do sono que volta. Certos e direitos que um homem não precisa mais que saber onde põe os pés. Todos os dias assim: sair de noite, voltar de noite. Que a aldeia de Valgato é terra ruim cercada de carrascais. (FONSECA 2001, P.16) A narrativa “Campaniça” termina da mesma forma que se inicia, o que remete a forma circular, característica presente no conto, onde os personagens circundam incessantemente e incansavelmente em um devaneio de uma vida mais digna, porém acomodados com a situação. A terra ruim simboliza a falta de alternativa e oportunidade para os habitantes de Valgato. O narrador, ao mencionar uma “planície sem fim” remete a ideia de que os personagens que ali vivem não podem cruzar a linha da aldeia em busca de novos horizontes, pois ela se alarga para todo o resto do mundo deixando os personagens fadados a um destino ruim, assim como a terra: Que a aldeia de Valgato é uma terra triste. Cercada de carrascais e sobreiros descarnados, não tem searas em volta. Só a planície sem fim que se alarga para todo o resto do mundo. E, no meio do descampado, no fundo do vale tolhido de solidão, fica a aldeia de Valgato debaixo de um céu parado. Valgato é terra ruim.(FONSECA 2001, P. 20) Maria Campaniça em “Campaniça” representa o desejo de fuga do povo português. A narrativa utiliza as crianças como representação do novo, do diferente contrariando a Ditadura Salazarista. O medo que ela sente representa a submissão do povo português em relação à Ditadura. Maria Campaniça, quando era solteira, pensava todos os dias fugir da aldeia. Era nova e tinha o rosto corado e um lenço de barra amarela. Subia a quebrada, sentava‑se no cabeço mais alto à sombra de um chaparro e punha‑se a pensar para que lado partiria. Mas o descampado, correndo sem fim por vales e outeiros, bravio, agressivo de cardos e tojos, metia‑lhe medo. (FONSECA 2001, P.17) Baleizão simboliza a família, o camponês entra na vida de Maria Campaniça e muda seus valores e perspectivas. Por ter cinco filho ela não pode mudar-se para outra cidade e pelas condições rurais e precárias em vive não há perspectiva de melhorias. Toda essa cena retrata a vida carente e fundiária em que os portugueses são submetidos para sobreviver: Depois apareceu o Baleizão com conversas, à noite, na soleira da porta. E o mesmo desejo continuou: fugir de Valgato. Comprariam os dois uma bácora e um bácoro e ao fim de algum tempo haviam de ter uma vara de porcos. Iriam vendê‑los à feira de Cerromaior e aí ficariam a viver. Aí ou noutra terra, contanto que não fosse em Valgato. Agora Maria Campaniça há muito tempo que vive com o seu homem. Quando quer saber os anos ao certo, conta o número de filhos. Tem cinco e o mais novo poucos meses. Portanto, vai para sete anos que está com o Baleizão. Maria Campaniça tinha medo de morrer em Valgato, porém para todo os outros habitantes,Valgato era o lar e lá ficariam até morrer, conscientes e sem medo disso. A Ditadura estagnou o processo de desenvolvimento do país, portanto as pessoas eram obrigada a viver de maneira despretensiosas , eram conscientes de suas condições e futuros, o Neo-realismo critica essa visão de mundo a partir das obras literárias que denunciam essas condições: Uma noite, Maria Campaniça sonhou que era velha e morria sem sair de Valgato. Foi e contou à mãe. O rosto encarquilhado da velha franziu‑se ainda mais na sombra do lenço: – Que parvidade, moça! Então onde haverás de morrer? Quando era nova tinha o rosto corado e gostava de ouvir falar do Zé Gaio. Agora já ninguém sabia dele. A denúncia em forma de narrativa explana sobre a necessidade de evasão, a sensação de estarem presos e como a tristeza toma conta dos personagens que não conseguem, toda a estrutura de Valgato é elemento representativo da Ditadura, toda a tristeza e pesar dos personagens é a tristeza dos portugueses pela falta de recursos e liberdade: E recorda a história do Gaio… Quando os homens recolhiam a Valgato, acontecia às vezes ficarem de conversa no terreiro. Depois, porque a terra era sem fim para todos os lados e os homens se sentiam presos naquele vale do fim do mundo, libertavam‑se cantando. Zé Gaio ouvia com o rosto imóvel e o olhar distante. Em dada altura, o peito cheio de uma ansiedade que nem ele sabia, erguia‑se e, sem uma fala a ninguém,partia por trilhos e carreiros de cabras até o cansaço o vencer. Ao voltar à aldeia era dia e trazia o rosto vincado de tristeza. (FONSECA 2001, P.18) Em meio a narrativa aparece uma mulher, vestindo roupas coloridas e sorrindo. A mulher é um elemento novo e diferente na narrativa, ela representa tudo que é contrário à Ditadura. Ela é descrita do ponto de vista masculino e enquanto toda a terra de Valgato é cinza ela é colorida. A mulher é o oposto dos personagens, ela é feliz, os personagens não, ela tem movimento, entrando e saindo de Valgato quando quisesse, os personagens não, ela representa tudo que eles gostariam de ser e viver. Uma tarde, já sem sol, quando os homens vindos da faina desciam das cristas dos cabeços, notaram que havia qualquer coisa de estranho em Valgato. Estugaram o passo. E perto olharam inquietos, poisando de leve as enxadas no chão. Era uma forma demulher com um vestido azul, colado, desenhando‑lhe a carne. E tinha a boca vermelha e os olhos azuis e os cabelos loiros. Sorria. E andando oscilava as ancas torneadas, vivas, no vestido azul. E os seios tremiam a cada passo e levava os olhos de todos os homens de Valgato presos nos cabelos loiros, nas ancas e nos seios.Depois, viera um senhor, dono das terras do vale, e a mulher partiu com ele, num carro, pelo melhor dos caminhos que sai de Valgato e a léguas dali entra na estrada real. Os homens continuaram indecisos, com os olhos voltados para o cabeço por onde a mulher desaparecera. (FONSECA 2001, P.18) As duas narrativas analisadas exprimem de forma perspicaz o Neo-realismo. Pode-se perceber uma crítica social aos acontecimentos históricos da época, fazendo alusão a época de ditadura e de conflitos sociais existentes. Ambos os contos são situados em um ambiente sem perspectiva de melhoria de vida, porém em “Aldeia Nova” e “Campaniça” há personagens que representam um desejo de sair desse ambiente triste em busca de novos horizontes. REFERÊNCIAS FONSECA, Manuel da. Aldeia nova. Editotial Caminha SA. 2001. MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1988. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp064357.pdf (acesso em 20/11/16) http://lusofonia.x10.mx/literatura_portuguesa/literatura_engajada_PTsecXX.htm (acesso em 20/11/16) http://portugues.uol.com.br/literatura/modernismo-portugal.html(acesso em 20/11/16) http://portugues.uol.com.br/literatura/presencismo.html (acesso em 21/11/16) http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp064357.pdf http://lusofonia.x10.mx/literatura_portuguesa/literatura_engajada_PTsecXX.htm http://portugues.uol.com.br/literatura/presencismo.html
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