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UNIDADE 01 FUNDAMENTOS DE QUALIDADE E SEGURANÇA DOS ALIMENTOS 1 Conceitos gerais sobre segurança dos alimentos Considerando o contexto de atuação de um nutricionista, é importante que você, futuro profissional da área, entenda quais são os conceitos relacionados a um alimento seguro. Além disso, saber abordar de maneira correta alguns termos comumente empregados na área de alimentos, como segurança dos alimentos (food safety) e segurança alimentar (food security) é essencial. Tais conhecimentos são amplamente debatidos no cenário atual, já que cada vez mais as pessoas têm realizado suas refeições fora de casa, além de consumirem grandes quantidades de alimentos processados e prontos para consumo. Assim, torna-se responsabilidade da indústria e dos serviços de alimentação oferecer alimentos inócuos à população, sendo esse um possível campo de atuação para o nutricionista, profissional que poderá liderar e integrar equipes que prezarão pela qualidade e segurança dos alimentos nesses estabelecimentos. 1.1 Food safety versus food security A alimentação é um ato essencial para a manutenção e o bom funcionamento do organismo humano. Assim, é de suma importância que os alimentos consumidos, além de serem interessantes do ponto de vista nutricional e sensorial, também sejam considerados seguros. Mas afinal, o que é um alimento seguro? Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o alimento seguro é aquele que “não contém agentes ou substâncias nocivas em quantidades que possam causar agravos à saúde ou danos ao consumidor” (ANVISA, 2014). Nesse contexto, você poderá encontrar alguns termos que, apesar de serem muito parecidos e estarem relacionados entre si, apresentam diferentes sentidos para a nutrição. As expressões “segurança dos alimentos” e “segurança alimentar” são aplicadas em diferentes ocasiões, e cabe ao nutricionista compreender em qual situação cada uma delas deve ser utilizada corretamente. Segurança dos alimentos Proveniente do termo inglês food safety, está relacionada ao âmbito da vigilância sanitária e se preocupa com a produção de alimentos seguros, livres de contaminantes e que não colocam em risco a saúde do consumidor. Pode-se dizer que a segurança dos alimentos é consequência da adoção de medidas, recomendadas pelos órgãos regulatórios, durante todas as etapas da cadeia de produção, ou seja, desde o campo até a mesa do consumidor. No âmbito mundial, o Codex Alimentarius é uma grande referência que apresenta normas, recomendações e padrões, a fim de facilitar o livre-comércio de mercadorias, além de proteger a saúde do consumidor. Já no âmbito nacional, entre os principais órgãos responsáveis pela inspeção e regulação dos alimentos no Brasil, devemos destacar a Anvisa, a qual é uma autarquia (ou seja, apesar de estar ligada ao governo, é um órgão que tem certa autonomia) vinculada ao Ministério da Saúde; o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), o qual também é uma autarquia federal, porém vinculada ao Ministério da Economia e, por fim, o Mapa (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento). Já quando nos referimos à segurança alimentar, cujo termo é originário do inglês food security, este pode ser entendido como: o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. (BRASIL, 2006, p. 01) A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) e a OMS (Organização Mundial da Saúde) são os órgãos que lideram a discussão da segurança alimentar no âmbito internacional. Segundo dados do último relatório publicado (FAO/WHO, 2019), cerca de 2 bilhões de pessoas vivem em insegurança alimentar moderada ou grave devido à falta de acesso regular à alimentos, fazendo com que mais de 820 milhões de pessoas ainda passem fome no mundo. Assim, entende-se que as ações ligadas à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) são aquelas que visam desenvolver políticas públicas para reduzir as desigualdades econômicas e sociais, as quais impactam diretamente no quadro de insegurança alimentar e desnutrição. A partir do exposto, ficou claro compreender que iremos focar nos conceitos relacionados à segurança dos alimentos (food safety), a qual é fundamental para o fornecimento de alimentos de qualidade e livres de perigos ao consumidor. 1.2 Fontes de contaminação dos alimentos Podemos relacionar o sucesso da segurança dos alimentos à adoção de práticas de higiene, as quais podem ser entendidas como medidas de segurança e salubridade dos alimentos ao longo de toda a cadeia produtiva. Dessa maneira, os princípios de higiene devem ser seguidos por todos os estabelecimentos que trabalham de maneira direta (bares, lanchonetes, restaurantes etc.) ou indiretamente (produtores, fornecedores, vendedores etc.) com a manipulação dos alimentos. Para a divulgação desse conhecimento à população, a OMS (WHO, 1989) desenvolveu uma ferramenta instrutiva a qual aborda as “dez regras de ouro”, a fim de se evitar a presença de possíveis contaminantes nos alimentos, os quais podem ser de origem física, química ou microbiológica. Vamos aprender um pouco mais sobre cada uma dessas fontes de contaminação? Veja cada uma delas no esquema a seguir. 1.2 Fontes de contaminação dos alimentos Podemos relacionar o sucesso da segurança dos alimentos à adoção de práticas de higiene, as quais podem ser entendidas como medidas de segurança e salubridade dos alimentos ao longo de toda a cadeia produtiva. Dessa maneira, os princípios de higiene devem ser seguidos por todos os estabelecimentos que trabalham de maneira direta (bares, lanchonetes, restaurantes etc.) ou indiretamente (produtores, fornecedores, vendedores etc.) com a manipulação dos alimentos. Para a divulgação desse conhecimento à população, a OMS (WHO, 1989) desenvolveu uma ferramenta instrutiva a qual aborda as “dez regras de ouro”, a fim de se evitar a presença de possíveis contaminantes nos alimentos, os quais podem ser de origem física, química ou microbiológica. Vamos aprender um pouco mais sobre cada uma dessas fontes de contaminação? Veja cada uma delas no esquema a seguir. Podemos compreender os contaminantes da seguinte maneira: ● Contaminantes físicos podem ser compreendidos como corpos estranhos que não deveriam estar presentes nos alimentos, como cacos de vidro, parafusos, insetos, ossos, espinhas vírgulas caroços, pedaços de plástico, papel, lascas de madeira, fio de cabelo, pedras, areia etc. Nesses casos, os contaminantes costumam ser originários dos equipamentos utilizados no processamento, os quais podem desprender parafusos, pedaços de embalagem ou das próprias matérias-primas, nas quais podem conter grande quantidade de sujidades aderidas ou não são devidamente preparadas durante sua manipulação ● Contaminantes químicos podemos associá-los à presença de resíduos de produtos de higiene, agrotóxicos, antibióticos, metais pesados etc. Mercúrio, chumbo e cobra são exemplos de metais pesados, os quais são tóxicos a nosso organismo e podem ser encontrados com mais frequência em pescados. A higienização incorreta de alguns utensílios e alimentos também associam a contaminação por resíduos de produtos semelhantes devido ao enxergo insuficiente ou inexistente. Uso excessivo e inadequado de alguns pesticidas nos produtos agrícolas e de antibióticos em animais destinados ao consumo humano também podem representar um potencial risco à saúde. ● Contaminantes biológicos são aqueles provocados por microorganismos, como vírus, fungos, bactérias, protozoários etc. Você sabia que esses são considerados as principais causas de contaminação nos alimentos? Isso porque os microrganismos são seres muito pequenos, os quais não conseguimos ver a olho nu. Além disso, são capazes de se proliferar de maneira muito rápida, dependendodas condições encontradas nos alimentos. Fatores intrínsecos, ou seja, condições encontradas no próprio alimento e fatores extrínsecos, os quais estão ligados ao ambiente em que o alimento se encontra são capazes de influenciar no crescimento e desenvolvimento microbiano. Dessa maneira, devemos dar atenção a esses fatores quando desejamos prolongar a vida útil dos alimentos e também para produzir de maneira segura. Quando nos referimos aos microrganismos nos alimentos, devemos entender que, de acordo com sua ação, eles podem ser classificados em dois tipos: os deteriorantes e os patogênicos. Microrganismos deteriorantes são aqueles que comprometem a qualidade do alimento por interferirem em suas propriedades organolépticas e sensoriais, porém não causam doenças aos seres humanos. Já os microrganismos patogênicos são aqueles que causam doenças, porém podem ou não promover modificações nas características dos alimentos. É aí que está o grande perigo, pois muitas vezes um alimento pode conter microrganismos patogênicos e não apresentar mudanças em sua coloração, aroma ou sabor, fazendo com que ele seja consumido e, posteriormente, relacionado ao desenvolvimento de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA). As DTA, portanto, podem ser definidas como as doenças que são ocasionadas devido ao consumo de água ou alimentos contaminados. Anualmente, milhares de pessoas adoecem devido à ocorrência de DTA no mundo, o que gera grandes impactos econômicos, sociais e na área da saúde. Atualmente, mais de 250 tipos de DTA são conhecidas, sendo que elas podem ser classificadas como infecções, intoxicações ou toxi-infecções alimentares (BRASIL, 2020). Os quadros de intoxicações estão relacionados à ingestão de toxinas previamente produzidas nos alimentos por microrganismos (exemplo: botulismo, o qual deve-se à ingestão da toxina botulínica produzida pela bactéria Clostridium botulinum; intoxicação estafilocócica, a qual está ligada ao consumo de toxinas produzidas pela bactéria Staphylococcus aureus). As infecções alimentares ocorrem quando a doença é ocasionada pela ingestão de células vivas de microrganismos (exemplos: salmonelose, a qual ocorre pela presença de Salmonella spp.; toxoplasmose, causada pelo Toxoplasma gondii). As toxi-infecções são aquelas resultantes da ingestão de alimentos que contêm determinada quantidade de microrganismos vivos, os quais são capazes de produzir ou liberar toxinas após seu consumo (exemplo: Vibrio cholerae, o qual é o agente causador da cólera) (BRINQUES, 201 Dentre os principais sintomas desencadeados pelas DTA estão náuseas, vômitos, dores abdominais, diarreia, dores de cabeça etc. Devemos nos lembrar que esses sintomas podem variar dependendo do tipo de microrganismos envolvido e do estado de saúde do paciente, já que indivíduos mais vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com a saúde debilitada podem apresentar agravamento dos sintomas, o que pode até levá-los à morte. Quando duas ou mais pessoas apresentam os mesmos sintomas após a ingestão de água ou alimentos de mesma origem, isso configura um quadro de surto alimentar e, nesses casos, a Vigilância Sanitária deverá ser acionada para investigação epidemiológica. Quando não notificados rapidamente, torna-se mais complicada a coleta de amostras para confirmação do agente etiológico (microrganismo) envolvido no surto. Além disso, como em alguns casos os sintomas de DTA são considerados brandos, os indivíduos acabam não buscando por atendimento médico, o que faz com que o número de casos seja subestimado. Devemos considerar que os contaminantes podem chegar aos alimentos de diferentes formas, inclusive pelo o que denominamos de contaminação cruzada, a qual se refere à transmissão de substâncias ou microrganismos de um local contaminado para um alimento pré-preparado ou pronto para consumo. Isso pode ocorrer tanto por contato direto ou ainda de maneira indireta, pelo uso compartilhado de equipamentos e utensílios, pela falta de higiene do manipulador, como também pelo mal planejamento do fluxo de produção. Dessa forma, para que a elaboração de alimentos seguros seja eficaz, torna-se necessária a adoção de práticas higiênico-sanitárias e ferramentas de qualidade, tais como as Boas Práticas de Fabricação (BPF), Procedimentos Operacionais Padronizados (POP) e Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), cuja implementação é recomendada pela Anvisa. 2 Importância da qualidade no panorama atual O consumidor atual tem se mostrado cada vez mais exigente e consciente de suas escolhas alimentares. Ele busca por alimentos que, além de serem saborosos e nutritivos, também sejam produzidos a partir das recomendações higiênico-sanitárias, apresentem selos e certificados de qualidade, sejam padronizados e que possuam uma rotulagem informativa. Essas condições levam a uma maior confiança e credibilidade da marca ou empresa, influenciando de maneira positiva, a decisão de compra do consumidor (ITAL, 2010). Assim, a implementação de programas e ferramentas de qualidade, que antes era vista como um diferencial, hoje é dada como uma exigência de mercado, afinal esses programas e essas ferramentas auxiliam na obtenção de produtos seguros e que atendam às expectativas e necessidades do consumidor. Para a indústria de alimentos, a qualidade é um fator elementar no sucesso de seus produtos e, para isso, é muito importante que tenhamos claro o que de fato contempla o conceito de qualidade, além de saber como e por que ela surgiu. 2.1. Conceitos e definições de qualidade Atualmente, muito se ouve falar o quão importante é termos um produto de qualidade. Mas e aí, quais atributos um alimento precisa ter para ser considerado “de qualidade”? Você seria capaz de definir? Apesar de parecer algo simples, definir o que é qualidade pode ser uma tarefa nada fácil. Isso porque o uso desse termo se tornou muito abrangente, tanto em nosso cotidiano quanto no mundo empresarial. Além disso, pode-se dizer que o conceito de qualidade é algo temporal, ou seja, pode se modificar com o passar dos anos, ademais deve ser algo relativo (BOND, BUSSE, PUSTILNICK, 2012). Quando pensamos, por exemplo, em um hambúrguer de qualidade, quais características vêm em sua mente? São as mesmas que para os seus colegas? Muitas vezes não. Você pode atribuir o conceito de qualidade a características sensoriais do seu hambúrguer, como a textura da carne, seu sabor e aroma; enquanto que para seu colega, atributos de qualidade estão relacionados a propriedades nutricionais (quantidade de gorduras, vitaminas, minerais), práticas higiênico-sanitárias (uso de boas práticas de fabricação) etc. Já parou para pensar nessa possibilidade? Assim, na literatura encontramos diversas definições empregadas para o termo qualidade. Dentre elas, podemos destacar as apresentadas por alguns dos gurus da qualidade: Joseph Juran ele afirma que qualidades são aquelas características do produto que atendem as necessidades dos clientes e portanto promovem a sua satisfação qualidade consiste na ausência de deficiências. Kaoru Ishikawa O importante figura da qualidade no Japão afirma que "qualidade é desenvolver, projetar, produzir e comercializar um produto de qualidade que é mais econômico, mais útil e sempre satisfatório para o consumidor" Willian Edwards Deming vai além e complementa que "qualidade é tudo aquilo que melhora o produto do ponto de vista do cliente. Somente o cliente é capaz de definir a qualidade de um produto. Um conceito de qualidade muda de significado na mesma proporção em que as necessidades dos clientes evoluem" Vicente Falconi Campo por fim, no entendimento de Campos "um produto ou serviço de qualidade é aquele que atende perfeitamente, de forma confiável, de forma acessível, de formaula segura e no tempo certo as necessidades do cliente” Em todas as perspectivas, observe que tamanha atenção é dada ao cliente/consumidor. Pensando na indústria de alimentos, lembre-se que para a qualidade ser atingida, práticas de higiene e qualidade devempermear por toda a cadeia produtiva, ou seja, desde o campo, transporte, processamento, armazenamento, distribuição, preparo até o momento do consumo do alimento. A implementação de ferramentas e programas de qualidade torna-se então imprescindível, afinal, qualquer falha que ocorra em alguma etapa do processo poderá favorecer a ocorrência de problemas no produto final, como possíveis perigos e contaminações. Isso, além de gerar possíveis prejuízos à imagem e reputação da empresa, sabemos que representa danos à saúde do consumidor. Os conceitos e as estratégias de qualidade nem sempre foram empregados da maneira como é feito no mundo atual. Para entender um pouco mais sobre como foi a evolução desses procedimentos, vamos estudar um breve histórico das diversas etapas vivenciadas pelas empresas até se chegar na ideia de sistema de gestão da qualidade que temos nos dias de hoje. 3 Histórico dos procedimentos de controle de qualidade Como você já pôde observar, o conceito de qualidade não é algo muito recente. Desde os tempos mais primórdios, o homem buscava por acesso a bens que atendessem suas necessidades e interesses. Segundo David Garvin (2002), outro estudioso da qualidade, a evolução dos procedimentos ligados à área pode ser compreendida em quatro estágios distintos: inspeção, controle estatístico da qualidade, garantia da qualidade e gestão da qualidade total. Vamos conhecer um pouco mais sobre como a qualidade foi abordada em cada uma dessas fases? 3.1 Inspeção Na idade média, os artesãos eram as figuras responsáveis não apenas pela produção, como também pela inspeção do produto. Eles participavam de todo o processo de produção e buscavam encontrar possíveis falhas e defeitos no produto final de acordo com seus próprios critérios. Essa tarefa, apesar de minuciosa, não era tão demandante, visto que naquela época os materiais eram produzidos em pequenas escalas, feitos normalmente sob encomendas. Já no início do século XX, com a Revolução Industrial, os produtos passaram a ser produzidos em massa (grandes quantidades) e, portanto, houve a necessidade da padronização da produção. Desse modo, tornou-se essencial que as inspeções fossem aplicadas de maneira mais formal, foi quando surgiu a figura do inspetor ou supervisor de qualidade. Os produtos, então, passavam por medidas de inspeção e controle (gabaritos e fichas de modelo padrão), sendo avaliados se estavam ou não em conformidade aos padrões estabelecidos. Tal medida, no entanto, não colaborou para melhoras na produtividade, pois nesse momento apenas o produto final era avaliado e não todo seu processamento. Dessa maneira, os inspetores não se atentavam em quais eram as causas dos problemas e quais as práticas preventivas necessárias para se evitar falhas ou erros encontrados. O produto defeituoso apenas era corrigido ou modificado antes de chegar às mãos do consumidor. Em casos em que isso não era possível, o produto era descartado, gerando custos e desperdícios para a empresa. 3.2 Controle estatístico da qualidade Vendo que a figura do inspetor de qualidade não era suficiente para entrega de produtos satisfatórios em meio à alta produtividade demandada na época, novas medidas precisaram ser adotadas. Assim, em 1931, o engenheiro e estatístico americano, Walter A. Shewhart sugeriu o uso de técnicas estatísticas para controlar os processos, já que havia a preocupação de que os produtos fabricados atendessem as especificações exatas de seus clientes. De acordo com a proposta científica de Shewhart, era impossível que sem o uso de um método de controle de qualidade as peças produzidas oferecessem precisamente as mesmas características, afinal, variações nas matérias-primas, mão de obra (a qual era pouco preparada) e uso de equipamentos influenciavam diretamente na qualidade do produto final (DAMIAN, 2018). A falta de padronização dos elementos produzidos em larga escala fez com que muitos países tivessem problemas com seus equipamentos bélicos e militares na Primeira Guerra mundial (1914-1918), por exemplo. Frente à falta de tempo e custos excessivos para inspeção dos produtos, o emprego de procedimentos estatísticos, como a amostragem, auxiliou no controle da qualidade da produção. A partir desse embasamento, não mais todos os produtos necessitavam ser analisados individualmente em relação a cada um de seus atributos, mas sim apenas uma pequena parcela (amostra) deles. Além disso, outras ferramentas, como o gráfico de controle de processos, também auxiliaram na constatação de quais eram as causas das variações nos processos produtivos, relacionando-as aos defeitos observados nos produtos. Nessa vertente, o serviço de inspeção foi então sendo pouco a pouco substituído pelo controle de processo, o qual já estava bem implementado ao final da Segunda Guerra mundial (1939-1945). Nesse novo patamar, as indústrias levavam em consideração não mais apenas o produto final, mas todas as suas etapas de produção, sendo o processo, portanto, o foco da qualidade. Em meados de 1950, os japoneses que encontravam seu país arrasado após a Segunda Guerra mundial, buscavam por medidas práticas para recuperar sua economia e conter os problemas sociais. Foi quando dois estudiosos norte-americanos, Deming e Juran, foram convidados a treinar os alto executivos nipônicos sobre como melhorar os projetos de qualidade implantando ferramentas de controle estatístico. Os resultados foram visivelmente satisfatórios, o que levou a uma verdadeira revolução na indústria japonesa. 3.3 Garantia da qualidade Ainda na década de 50, a indústria precisou evoluir os conceitos antes empregados sobre controle de qualidade para ferramentas que priorizavam à garantia da qualidade. Você consegue ver a diferença entre o uso dos termos controle e garantia? Será que eles apresentam o mesmo significado? Já posso te adiantar que não. Vamos lá! Apesar de ambos serem práticas essenciais para obtenção de um produto de qualidade, elas têm definições diferentes. Controle Quando falamos de ações que visam o controle da qualidade, nos referimos à execução de práticas que visam identificar e corrigir problemas encontrados no produto final. Tais ações, portanto, são reações frente à presença de não conformidades (algum defeito ou erro detectado) no produto final, sendo o controle de qualidade considerado uma ferramenta corretiva. Garantia Quando nos referimos à garantia da qualidade, falamos de um conjunto de ações preventivas, ou seja, que visam evitar possíveis erros ou defeitos durante o processamento e que, consequentemente, interfeririam no produto final. Assim, podemos dizer que a garantia da qualidade é uma ferramenta de gestão, em que toda equipe deve estar envolvida para a correta verificação do andamento do sistema. O cenário do pós-guerra fez com que muitas mudanças ocorressem nos Estados Unidos e no Japão. ● Estados Unidos ● Uma potência mundial que tanto tinha investido na produção de armamentos e material bélico, observavam que outros produtos, como bens de consumo, começaram a apresentar uma qualidade muito inferior à desejada, com muitos defeitos e alta recusa do consumidor. Nessa época, a indústria norte-americana havia deixado de lado o conceito de qualidade e prezava pela produção em grandes volumes, a fim de abastecer o mercado. Assim, os custos com a qualidade se tornaram cada vez maiores e ao final gerou-se um grande deficit para a economia do país. ● Japão ● Enquanto isso, no Japão, a economia tentava se recuperar e as indústrias se atentavam à prevenção dos defeitos na linha de produção, desenvolvendo padrões e normas de qualidade que deveriam ser seguidos não apenas por um departamento específico (como o departamento de controle de qualidade), mas sim por toda a organização. Nessa nova ideologia, os elevados custos com o tratamento de produtos defeituosos foram realocados para uso na prevenção no processo, e os conceitos de qualidade passaram a ser praticados desde o projeto de criação do produto até o consumidor final. A satisfação do cliente sobreos bens e serviços também passou a ser considerada. Nesse período, várias teorias foram elaboradas por estudiosos da área de qualidade, como o norte-americano Philip Crosby, o qual lançou na década de 60 o programa “defeito zero”. Esse tinha por objetivo demonstrar que a ausência de defeitos deveria ser o padrão de desempenho dos sistemas de gestão e, portanto, as empresas deveriam se preocupar em fazer o trabalho certo já na primeira vez, evitando-se assim futuros gastos com problemas de má qualidade dos produtos. No Japão, Kaoru Ishikawa foi o responsável por adaptar as ideias de Deming e Juran no país, auxiliar na criação da JUSE (Japanese Union of Scientists and Engineers) e na implantação de diversas ferramentas de qualidade, como o Círculo de Controle de Qualidade e o Diagrama de Ishikawa (ACADEMIA PEARSON, 2011). Dessa maneira, impulsionado pela necessidade de melhorar as condições do país no pós-guerra, o Japão colocou em prática com imensa disciplina as teorias desenvolvidas e logo observou um grande avanço na sua economia. Os produtos japoneses começaram então a ganhar notoriedade mundial, sobretudo pela qualidade superior aos do mercado ocidental. 3.4 Gestão da qualidade total Nas décadas de 70 e 80, Japão e Estados Unidos apresentavam-se como as grandes potências industriais, sendo que cada país investia em uma estratégia distinta para seu crescimento econômico: enquanto os EUA privilegiavam aspectos como visão de mercado e necessidades dos clientes, os japoneses davam prioridade à melhoria contínua de seus processos. Entre as décadas de 80 e 90 foi quando o modelo japonês de fato se sobressaiu e difundiu-se entre os demais países, já que todos queriam conhecer essa nova ferramenta que propiciou tão rápido crescimento à economia japonesa, promovendo a satisfação do cliente e trazendo redução de custos à organização (CORTADA e QUINTELLA apud SCHUCHTER, 2004). A gestão da qualidade total trouxe um novo olhar de gerenciamento, demonstrando que para uma empresa ter sucesso no mercado, é imprescindível que ela otimize seu desempenho como um todo, promovendo a satisfação mútua, ou seja, atenda às necessidades e expectativas de todos os participantes do sistema produtivo, por exemplo: clientes, fornecedores, funcionários, acionistas etc. Para isso, investimentos em treinamentos e programas de qualidade devem ser considerados com o intuito de encontrar ações de planejamento, controle, monitoramento e melhoria contínua do processo. Um exemplo de ferramenta utilizada para assegurar a qualidade total são as apresentadas pelas normas internacionais da série ISO 9000. Agora ficou fácil para você entender um pouco mais sobre como foi o aprimoramento dos procedimentos de qualidade ao passar dos anos e a grande relevância do sistema de gestão de qualidade para o mercado atual.