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ALICE – MEDICINA – T4 SIMBOLOGIA DO FILME “ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA” Simbologia no Filme A maneira como o filme conta a história levanta questionamentos acerca da origem da cegueira que assola a população daquela cidade. Na obra original, Saramago e o diretor Fernando Meirelles em sua adaptação trazem ao público uma doença de causas misteriosas e de sintomática bastante simbólica. A cegueira é chamada no universo do filme de “mal branco” e em sua essência atinge os indivíduos cegando-os como uma luz que excede os limites da visão humana. Numa visão simbólica, a cegueira poderia ser uma analogia ao excesso de informações e pela rotina aos quais somos expostos, o que inibiria a psique do acesso a subjetividade e a formas de pensamento mais complexas. Saramago é brasileiro, e é interessante as minúcias na sua obra quando este demonstra a primeira pessoa a ser acometida com a cegueira a um indivíduo no trânsito. O ato de dirigir em grandes metrópoles, estar preso em uma caixa de metal, alheio aos rostos dos pedestres e dos motoristas ao seu redor, é tudo muito significativo ao estado final de cegueira proposto. “Por isso, supomos, a cegueira branca indica não uma cegueira, mas um excesso de visão. Encontramos um homem que perde seu anteparo criado pelo recalque e que se desorienta quando passa a ver demais, jogando por terra todos os construtos que mantêm sua estrutura social de pé. Ele vislumbra as consequências do fim do recalque e a explicitação desordenada das pulsões. Saramago não cegou o homem; ele o fez ver algo insuportável, abriu seus olhos e o fez ver demais: fez o homem ver a si mesmo.” (CAMARGOS, 2008, p.132). No livro, o médico explica a cegueira para um personagem, e esclarece que é como se as vias que levam as imagens dos olhos para o cérebro tivessem ficado congestionadas. Para a psicanálise, são essenciais para a sobrevivência da espécie as funções que produzem os sonhos, através da digestão das nossas emoções e do conteúdo sensorial enviado para nosso cérebro, como fica claro em texto de Freud (1914, p. 145-157). O indivíduo deve ser capaz de fazer a elaboração adequada para digerir adequadamente conteúdos psíquicos, e as imagens e a capacidade visual são parte fundamental desse processo. Ou seja, os indivíduos ali estariam sujeitos a uma distorcida representação da realidade, onde sem a função da visão, estes teriam de rearranjar a maneira como abstraem o mundo a sua volta, com diversas funções psíquicas prejudicadas devido a situação atípica. A cegueira pode também ser uma maneira de se observar a natureza do ser humano para além do véu da civilização. O filme propõe essa reflexão à medida que te põe em ALICE – MEDICINA – T4 companhia de uma personagem que de maneira misteriosa não é afetada pelo mal em questão, e ela, como um último bastião de qualquer noção de civilização, observa toda a jornada a sua volta, sendo muitas vezes obrigada a ceder a barbárie. Mesmo desejando não ser capaz de ver muitas coisas nesses momentos, a personagem esposa do médico (Julianne Moore) embarca em uma jornada desagradável em um mundo incapaz de ver a razão do mal que o atinge, ou mesmo uma solução para este problema. Conclusão É notável que a personagem principal passa por uma mudança significativa na vida e, na metáfora do filme, ela precisa se adaptar a um contexto totalmente diferente, onde sua condição de pessoa capaz de enxergar a obriga a buscar maneiras de se incluir nessa nova configuração social. O grande ponto da obra é a perda da visão generalizada, então esta perda gera um estado de luto coletivo, a personagem de Moore observa os indivíduos em sua jornada em estado de negação, enraivecidos, barganhando com o mundo, depressivos com tudo aquilo e por fim, se reorganizando num estado social primitivo, regido pelas pulsões do ser humano e por líderes déspotas, enquanto a esposa do médico assiste a tudo embasbacada. Tudo é muito simbólico no filme, José Saramago põe nas páginas do livro muitos significados e Fernando Meirelles adapta com primazia para a mídia audiovisual; a perda da visão se dando como um “mal branco”, onde a visão não escurece, mas sim é tomada a uma situação análoga a uma luz muito forte, que cega. Os indivíduos afetados pela cegueira serem isoladas em um manicômio é uma prévia dos horrores que viriam a seguir, as pessoas se rendendo a suas pulsões primitivas enquanto organizam de maneira rudimentar, a personagem de Moore assiste, como uma mera testemunha de um mundo civilizado acompanhando a morte da civilização. O esforço que a personagem faz para se incluir nesse mundo novo acaba por custar muito a ela. E no final da obra, os personagens mesmo voltando a enxergar, ficam com um gosto amargo após toda a experiência vivida, como o homem que Platão tira da caverna, a visão retorna de repente para que tudo aquilo seja ressignificado. Conclui-se que, na analogia proposta, o luto mal elaborado pela perda de algo tão precioso no dia-a-dia somado a incapacidade de enxergar e ressignificar os processos, aliados a toda a simbologia por trás do mal branco culminam na ruína daquela sociedade, um provável alerta de Saramago a quem quer que se aventure por sua obra original.
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