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1 2 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA SECRETARIA DE GESTÃO E ENSINO EM SEGURANÇA PÚBLICA DIRETORIA DE ENSINO E PESQUISA COORDENAÇÃO-GERAL DE ENSINO COORDENAÇÃO DE ENSINO A DISTÂNCIA CONTEUDISTAS Pedro Paulo Porto de Sampaio Cristiano Israel Caetano Diego de Oliveira Nogueira REVISÃO TÉCNICA Marcos Cesar Silva Valverde REVISÃO ORTOGRÁFICA Ariele Louise Barichello Cunha REVISÃO PEDAGÓGICA Ardmon dos Santos Barbosa SETOR DE CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PROGRAMAÇÃO E EDIÇÃO Renato Antunes dos Santos DESIGNER Ozandia Castilho Martins Renato Antunes dos Santos DESIGNER INSTRUCIONAL Ozandia Castilho Martins Luana Manuella de Sales Mendes 3 Sumário Apresentação do Curso ....................................................................................................... 4 Objetivos Gerais .................................................................................................................... 6 Objetivos Específicos ....................................................................................................... 6 Estrutura do Curso ................................................................................................................ 6 MÓDULO 1 – SURGIMENTO DO CAMPO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ...................... 7 Apresentação do módulo ................................................................................................ 7 Objetivos do módulo ........................................................................................................ 7 Estrutura do módulo ......................................................................................................... 7 Aula 1 – COMEÇANDO A DISCUSSÃO ........................................................................ 8 Aula 2 – O SURGIMENTO DO CAMPO ....................................................................... 13 Aula 3 – POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL ............................................................ 18 Aula 4 – CONCEITO, ELEMENTOS GERAIS E OBJETIVO DA POLÍTICA PÚBLICA ............................................................................................................................ 21 Aula 5 – TIPOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS ............................................................... 30 Finalizando ........................................................................................................................ 33 Módulo 2 – NOÇÕES DO CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ................................... 36 Objetivos do módulo ...................................................................................................... 36 Estrutura do módulo ....................................................................................................... 37 Aula 1 – INTRODUÇÃO AO CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ........................... 38 Aula 2 – DEFINIÇÃO DE AGENDA ............................................................................... 47 Aula 3 – FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E TOMADA DE DECISÃO .............................................................................................................................................. 58 3.1 Contextualização ................................................................................................... 58 3.2 Alternativas de formulação de políticas públicas: incrementais e fundamentais ................................................................................................................ 60 3.3 Tipos de abordagem de análise: racionalista e argumentativa/participativa ...................................................................................... 61 3.3.1 Abordagem racionalista: geração de alternativas .................................... 62 3.3.2 Abordagem racionalista: critérios e indicadores ..................................... 67 3.3.3 Abordagem racionalista: projeção de resultados .................................... 69 AULA 4 – IMPLEMENTAÇÃO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ......... 73 Finalizando ........................................................................................................................ 83 Referências ........................................................................................................................... 86 4 Apresentação do Curso “[...] as coisas que se me afiguraram verdadeiras quando comecei a concebê-las pareceram-me falsas quando decidi colocá-las no papel [...]” (DESCARTES, 1637). Boas-vindas ao curso de Políticas Públicas de Segurança: noções introdutórias. Antes de iniciarmos, alguns questionamentos serão apresentados, a fim de delimitar nosso objeto de estudo. Figura 1: Questionamentos Fonte: SCD/EaD/Segen. As respostas a essas e outras questões sobre o tema serão tratadas ao longo de nossa discussão. Desse modo, objetivamos, com este curso, que você tenha um primeiro contato com os elementos introdutórios de políticas públicas e compreenda: o os antecedentes históricos que impulsionaram a criação do campo no Brasil e no mundo; o o conceito, a finalidade e os tipos de políticas públicas; o os momentos que representam o ciclo da política pública. Em nosso curso, buscamos transmitir os conhecimentos essenciais para uma visão panorâmica de cada um desses temas, consolidando assim o interesse no estudo futuro das políticas que serão desenvolvidas por gestores. Embora seja voltado aos integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), o referencial teórico apresentado no curso é também o fio 5 condutor para a elaboração de políticas públicas de todos os campos de atuação da Administração Pública, em subsistemas como saúde, educação, cultura, esporte, entre outros, o que demonstra o caráter multidisciplinar do campo. Como campo multidisciplinar, a política pública envolve conhecimentos de diversas áreas, que englobam orçamento e finanças públicas, administração de pessoal e logística, planejamento estratégico, programas e projetos, entre outros temas. O curso Políticas Públicas de Segurança: noções introdutórias busca oferecer aos leitores em geral e a você, profissional de segurança pública, em particular, as ferramentas para a análise crítica das dificuldades envolvidas no complexo processo que envolve o ciclo das políticas públicas. Ele aborda desde a representação estratégica de situações (problemas), que incidem na formação da agenda, até a avaliação das políticas após sua implementação. Nosso objetivo é que, ao final do curso, você tenha agregado um conjunto de informações necessárias para colaborar com a formação de políticas públicas em sua organização, implementá-las adequadamente e favorecer eventuais processos de monitoramento e avaliação. Esperamos que, durante o curso, você tenha acesso a um rol de conhecimentos que lhe permitam mudar a forma de pensar planejamento e gestão, programas e projetos, orçamento e finanças públicas, além de outros temas relevantes, mas nem sempre observados, no interior de sua instituição. Aproveite os conteúdos, pesquise e participe do curso por meio das atividades de aprendizagem criadas. Se possível, converse sobre o tema com seus colegas e demais profissionais que atuam na área de segurança pública e defesa social. 6 Objetivos Gerais Ao fim deste estudo, pretendemos que você tenha ampliado seus conhecimentos, exercitado/desenvolvido habilidades específicas e fortalecido atitudes favoráveis à sua atuação profissional. Acompanhe, a seguir, os objetivos específicos. Objetivos Específicos Ampliar conhecimentos: • compreender que o conhecimento em políticas públicas pode auxiliar na qualidade do serviço público prestado; • analisar o surgimento do campo das políticas públicas;• conceituar e definir os termos correntes em políticas públicas; • identificar o ciclo de políticas públicas, reconhecendo a possibilidade de sua aplicação no contexto da segurança pública. Exercitar/desenvolver habilidades específicas: • reconhecer as etapas do ciclo de políticas públicas; • traçar o passo a passo de determinada política pública; • utilizar referencial teórico para colaborar na ideação de políticas públicas. Fortalecer atitudes favoráveis à sua atuação profissional: • reconhecer a importância do estudo de políticas públicas para uma organização; • incorporar práticas de gestão e de planejamento em seu ambiente de trabalho; • integrar uma equipe para o sucesso das políticas públicas em sua implementação. Estrutura do Curso Este curso compreende os seguintes módulos: Módulo 1 – Surgimento do campo e conceitos básicos Módulo 2 – Noções do ciclo de Políticas Públicas Bons estudos! 7 MÓDULO 1 – SURGIMENTO DO CAMPO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Apresentação do módulo Neste módulo, você irá conhecer o surgimento do campo de políticas públicas. Para tanto, convidamos você a mergulhar um pouco na história desta importante área do conhecimento. Além disso, você vai poder explorar o conceito de políticas públicas, compreender sua finalidade e os tipos de políticas públicas descritos pela literatura. Objetivos do módulo Ao final do Módulo 1, você será capaz de: ● identificar as justificativas para haver estudos aprofundados sobre o campo de conhecimento políticas públicas; ● reconhecer os elementos que fizeram surgir o campo de políticas públicas; ● citar as características das políticas públicas; ● reconhecer o conceito e os elementos das políticas públicas; ● saber como se posicionam as políticas públicas nos tempos de hoje. Estrutura do módulo Este módulo está dividido em 5 aulas, conforme descrito a seguir: Aula 1 – Começando a discussão. Aula 2 – Surgimento do campo. Aula 3 – Políticas públicas no Brasil. Aula 4 – Conceito, elementos gerais e objetivo da política pública. Aula 5 – Tipos de política pública. 8 Aula 1 – COMEÇANDO A DISCUSSÃO Desde a década de 1980, observamos maior preocupação dos governos em garantir a segurança de seus cidadãos diante do aumento dos crimes e da violência. A proteção das comunidades passou a tomar conta da pauta dos governos e de seus gestores, ganhando espaço no debate público, ao lado de outras políticas tão relevantes como saúde, educação, geração de renda e emprego. Consequentemente, maiores investimentos têm sido direcionados para esse importante campo, exigindo cada vez mais a qualificação dos profissionais que atuam na área, desde os responsáveis pela elaboração das políticas públicas até aqueles que as implementam e as executam no dia a dia (PINTO; AFONSO, 2019; CERQUEIRA, 2019). Apesar dos reiterados investimentos, pesquisas indicam que os resultados em termos de políticas oficiais nem sempre são alcançados, havendo assim certa frustração da sociedade; em alguns casos há o desperdício ou a malversação de recursos públicos, gerando até mesmo a responsabilização de gestores. Tudo isso acaba aumentando a sensação de insegurança da população diante dos crimes e da violência, que alcançam de forma indistinta grandes centros urbanos e pequenas cidades (PINTO; AFONSO, 2019; CERQUEIRA, 2019; SAMPAIO, 2018). Depois dessas observações iniciais, uma questão se coloca: quais seriam as possíveis causas da falta de eficácia ou efetividade das políticas públicas em geral e, em particular, em algumas políticas públicas de segurança? Embora estejamos tratando de um problema complexo – cujas origens derivam de várias causas –, a literatura aponta como uma das possíveis respostas a falta de um conjunto de conhecimentos teórico-científicos destinados a auxiliar o gestor na elaboração de políticas públicas, em sua implementação, no monitoramento e na sua avaliação (SECCHI, 2019; SAMPAIO, 2018). Por isso, gestores públicos não familiarizados com a natureza e o funcionamento do processo de políticas podem não ser capazes de elaborar estratégias eficazes para garantir um conjunto integrado de resultados (WU et al., 2014, p. 14). 9 Segundo Kurt Lewin (1965, p. 191), “não há nada melhor do que uma boa teoria para resolver um problema prático.” Não é incomum que gestores públicos formulem políticas sem o devido respaldo técnico, seja porque não aproveita dos dados, informações que estão acessíveis, desconsidera as informações de que dispõe, seja porque desconhece ferramentas básicas para esse processo de construção (SECCHI, 2019). Após uma formulação sem as estruturas necessárias, pode ser que o agente público que irá implementar a política também não tenha obtido as informações básicas sobre o funcionamento e a finalidade de um programa ou projeto. Assim, segue o descompasso entre o que foi ou deveria ter sido pensado e planejado e o que será executado (WU et al., 2014; CAVALCANTE; LOTTA, 2015). Portanto, essas realidades demonstram lacunas tanto na formulação quanto na implementação da política. Essas lacunas, como vimos, podem ocorrer porque as políticas são mal concebidas por profissionais que não possuem qualificação para tal e, consequentemente, não dispõem das informações necessárias sobre a importância e o funcionamento de um programa ou projeto (WU et al., 2014). Por fim, muitas organizações não se dedicam a investigar o que deu certo e o que deu errado, uma vez que não são habituais os processos de monitoramento e avaliação de políticas públicas. A avaliação e o monitoramento se destinam tanto a corrigir os rumos de uma política em andamento, quanto a desconstruir e começar o trabalho de novo quando necessário. O percurso destinado à formação de políticas públicas é chamado pela doutrina especializada de policy-making process (processo de formação da política), também conhecido como policy cycle (ciclo de políticas públicas) (SECCHI; COELHO; PIRES, 2019; HOWLETT; GIEST, 2013). Um dos maiores estudiosos da atualidade em políticas públicas, Leonardo Secchi (2019, p. 2), aponta que essa ausência de conhecimentos técnicos tem conduzido governos a adotar medidas improvisadas, baseadas em repetição, imitação, preconceito, autointeresse ou mesmo "achismo". Assim, nossas sociedades, nossos governos e gestores públicos, por vezes, "planejam sem informações suficientes", tomam decisões ultrapassadas e “à revelia 10 do interesse público” (SECCHI, 2019, p. 2) e reproduzem soluções de outros lugares de maneira acrítica. Além da ausência de elementos doutrinários, muitas falhas de formulação e/ou implementação decorrem da falta ou disfunção de elementos essenciais como: o recursos humanos; o recursos financeiros; o recursos logísticos; o resistências culturais a mudanças; o barreiras da burocracia estatal; o questões de ordem política (SECCHI, 2019; CIPE, 2012). Essas faltas ou disfunções prejudicam todo o processo da política pública, uma vez que foi permeado por inconsistências e falta de coordenação, podendo ainda se revelar como um grande foco de tensões sociais (WU et al., 2014). Uma alternativa promissora para reorientar essas faltas ou deficiências é oferecer ao profissional do Susp, independentemente da organização a que pertença ou do grau hierárquico que ocupe, um repertório de ferramentas robustas para que compreenda seu papel no ciclo das políticas públicas de segurança. Assim, o integrante operacional do Susp que adquirir bagagem "teórica e metodológica aplicada à elaboração de políticas públicas” estará mais preparado para resolver os problemas sociais que enfrenta no seu cotidiano (SECCHI, 2019, p. XI). Para compreender as nuances de todo esse percurso, conhecimentos como conceitos, objetivos,tipos e processo de formação de políticas públicas – por meio do desenvolvimento analítico de um ciclo – são determinantes para a elaboração de medidas que se mostrem exequíveis e sustentáveis a longo prazo. Leonardo Secchi (2019, p. 5) aponta dois conceitos fundamentais para entender o campo de políticas públicas: o problema público e a política pública. Problema público: refere-se à distância entre a situação vigente (status quo) e a situação ideal possível dentro de uma percepção de realidade pública. Esse problema público só existe se representa foco de insatisfação de um grupo considerável de atores sociais (SECCHI, 2019). 11 Política Pública: representa a diretriz elaborada para enfrentar o problema público (SECCHI, 2019). No caso específico do Brasil, dada a dimensão territorial e a variedade de aspectos econômicos e sociais, não há como impor medidas padronizadas, que não reconheçam as realidades locais e o perfil de cada instituição de segurança pública envolvida. Desse modo, partindo de um arcabouço teórico-científico básico e considerando as características regionais, tanto os problemas públicos quanto as políticas públicas deverão ser compreendidas de forma particularizada. Evidentemente que práticas de benchmarking deverão ser adotadas, até mesmo para avaliar se experiências bem-sucedidas em outras regiões de nosso país, ou mesmo do exterior, poderão ser aproveitadas. Benchmark trata de padrão ou referência. Benchmarking é “processo contínuo e interativo de investigação e análise das estratégias de sucesso das empresas líderes ou de referência e excelência administrativa, procurando conhecer, adaptar e aprimorar essas estratégias para a realidade da empresa considerada” (OLIVEIRA, 2020, p. 318). Se ainda não existe um banco dedicado à busca de boas práticas dentro de sua organização, essa seria uma primeira medida possível a ser implementada como política pública. Trataremos melhor da ferramenta de Benchmarking no Módulo 2. Conforme adverte Leonardo Secchi (2019, p. 3), todo esse arcabouço técnico “não garante uma boa formulação e decisão, mas pode aumentar as suas chances.” Portanto, com melhor compreensão dos processos de políticas públicas, gestores públicos podem superar muitas das barreiras que prejudicam o seu potencial de contribuir para os referidos processos e, eventualmente, para o sucesso destes (WU et al., 2014, p. 13). Essa observação reforça nosso entendimento de que os profissionais de segurança pública – sem prejuízo de conhecimentos técnicos e táticos para o exercício da atividade policial – deverão possuir informações fundamentais sobre políticas públicas. 12 Como ponto de partida desse estudo, é necessário compreender o surgimento do campo de políticas públicas, tema de nossa próxima aula. 13 Aula 2 – O SURGIMENTO DO CAMPO Um dos primeiros trabalhos sobre o papel do Estado nas políticas públicas é de Richard Hofstadter (1955), na obra vencedora do Prêmio Pulitzer de 1956, na categoria história, chamada The age of reform. Ela trata do pensamento da população dos Estados Unidos da América (EUA), que, no século XIX, passou a requerer maior participação do Estado na regulação de atividades econômicas (CAVALIERI, 2009). A obra de Hofstadter (1955) relata como os monopólios existentes provocaram na sociedade da época um sentimento coletivo da necessidade de maior participação do poder público na regulação dos mercados, protegendo assim pequenos e médios fazendeiros. O começo do século XX, principalmente nos EUA, foi representado por novas tecnologias nas áreas de transportes, eletrificação e comunicação, o que expandiu a atuação dos mercados. Tal expansão motivou apelos da sociedade para a participação do Estado nos conflitos derivados dessas relações, que passaram a ser vistos como problemas públicos (MINTROM; WILLIAMS, 2013). Políticas regulatórias como o Sherman Act (1890) e o Clayton Act (1914) foram elaboradas a fim de evitar a concentração de mercados na forma de monopólios ou monopsônios. Sobre os tipos de políticas públicas, na aula 5 deste módulo trataremos da tipologia de Lowi (1964; 1972), que concebe as políticas públicas como distributivas, regulatórias, redistributivas e constitutivas. Monopólio: significa que um indivíduo ou uma corporação detém de forma exclusiva e sem concorrência o acesso e a produção a determinado produto ou serviço. Monopsônio: representa a “estrutura de mercado em que existe apenas um comprador de uma mercadoria (em geral, matéria-prima ou produto primário). Nesse caso, mesmo quando vários produtores fortes oferecem o produto, os preços não são determinados pelos vendedores, mas pelo único comprador” (SANDRONI, 2016, p. 2261). A expansão do Estado, com o aumento da atividade de regulação feita pelo governo federal, gerou a necessidade de haver profissionais qualificados em análise de políticas públicas. Essa realidade foi evidenciada como efeito do plano de recuperação econômica decorrente da crise provocada pela quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929 (MINTRON; WILLIAMS, 2013). 14 A maior participação do Estado ocorreu a partir do New Deal, impulsionado, em 1933, pelo presidente Franklin Delano Roosevelt. O plano se destinou a recuperar os Estados Unidos da crise de 1929, cujos efeitos da “grande depressão” se estenderam pela década de 1930. Roosevelt ampliou o alcance das políticas públicas oferecidas pelo governo, que passou a agir em áreas onde não atuava (CAVALIERI, 2009). A partir desse desenho histórico, “o campo de públicas” nasce nos EUA como um fragmento da ciência política. De acordo com Celina Souza (2018, p. 12): [...] a política pública enquanto área de conhecimento e disciplina acadêmica nasceu nos EUA, rompendo ou pulando as etapas seguidas pela tradição europeia de estudos e pesquisas nessa área, que se concentravam, então, mais na análise sobre o Estado e suas instituições do que propriamente na produção dos governos. Os primeiros elementos de política pública foram escritos por Harold D. Lasswell, em 1936 (s/p), na obra Politics: who gets what, when, how (Política: quem ganha, o que, quando e como). Fischer (2003) destaca que Lasswell tinha o objetivo de criar uma ciência social aplicada, que fizesse a articulação entre as universidades e os agentes públicos, cuja finalidade seria apontar soluções objetivas e práticas para problemas públicos. Harold D. Lasswell e Daniel Lerner desenvolveriam ainda mais o campo com a obra The Policy Sciences: recent developments in scope and method (1951). No texto, os autores indicam como originárias das políticas públicas: “a normatividade, a multidisciplinaridade e o foco na resolução de problemas públicos" (SECCHI, 2019, p. 6; HOWTETT; RAMESH; PERL, 2020, p. 22, tradução nossa). Normatividade: de acordo com Secchi (2019, p. 7), “a normatividade passou a conviver com a pesquisa positiva, neutra, contrária à explicitação de valores”. Por normatividade, Lasswell e Lerner (1951) determinavam que os analistas de políticas públicas deveriam incluir aspectos valorativos no processo de formação das políticas. Como veremos a seguir, hoje muitos pesquisadores avaliam políticas públicas a partir de medidas como eficiência e eficácia, ou usam o registro dos esforços políticos para estabelecer se na prática os governos têm ou não dirigido suas atividades para o alcance de seus objetivos declarados, sem levar em consideração, em ambos os casos, o 15 quanto os próprios objetivos seriam desejáveis ou racionais (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2020, p. 22, tradução nossa). Multidisciplinaridade: o estudo do campo deve se desligar da análise restrita de instituições e estruturas políticas, devendo compreender outras áreas do conhecimento,como sociologia, economia, direito e política. Foco na resolução de problemas: na perspectiva de Lasswell e Lerner (1951) as políticas deveriam estar vinculadas aos princípios da relevância, ou seja, direcionadas a resolver problemas do mundo real, não se engajando em debates acadêmicos. Secchi (2019) relata que, modernamente, essa visão prática perdeu espaço para o desenvolvimento do campo, que invariavelmente expandiu em razão da evolução científica. Celina Souza (2007), em estudo intitulado “Estado da arte em políticas públicas”, destaca que, junto a Harold D. Lasswell, os “pais fundadores” da área foram Herbert Alexander Simon, Charles Edward Lindblom e David Easton. O objetivo de Lasswell era criar um mecanismo de mediação, um espaço de diálogo entre três grandes grupos: os agentes públicos responsáveis pela tomada de decisão, a academia/universidade e os cidadãos, propondo como resultado soluções objetivas para problemas que atingem a todos (FISCHER, 2003). Simon introduziu um importante conceito no estudo do campo, a chamada racionalidade limitada dos tomadores de decisão. Segundo Celina Souza (2007), Simon retratava que a racionalidade dos formuladores de políticas (policymakers) era sempre limitada por uma série de problemas, como informações incompletas ou imperfeitas, supressão de tempo para a tomada de decisão ou mesmo autointeresse. Simon argumenta, no entanto, que essa limitação poderia ser, pelo menos em parte, superada pelo conhecimento racional (SIMON apud SOUZA, 2007, p. 67). Lindblom incorporou outras variáveis à formulação e à análise de políticas públicas (SOUZA, 2007). Além disso, retratou as políticas públicas como incrementais, afirmando que o processo de tomada de decisão política seria melhor amparado com base na repetição ou adaptação de soluções já implementadas em outros períodos ou contextos fáticos (SAMPAIO, 2018; SOUZA, 2007). 16 Figura 2: Modelo incremental Fonte: SCD/EaD/Segen. Segundo Celina Souza (2007, p. 68), “Easton (1965) contribuiu para a área ao definir a política pública como um sistema, ou seja, como uma relação entre formulação, resultados e o ambiente”. Para Easton, políticas públicas recebem inputs dos partidos políticos, da mídia e de grupos de interesse, os quais geram influência nos resultados e nos efeitos da política (SOUZA, 2007). O Quadro 1 sintetiza as principais ideias e contribuições dos fundadores do campo de políticas públicas (SOUZA, 2007). Quadro 1 – Principais ideias e contribuições dos fundadores do campo de políticas públicas Fonte: Sistematizado pelos autores com base em Souza (2007). Nos anos posteriores, o campo se ampliou, com destaque para os avanços industriais decorrentes da Segunda Guerra Mundial. Nesse período de guerra, e da consequente mobilização para atender as demandas dos exércitos, houve maior participação estatal na regulação dos preços no mercado interno dos Estados Unidos (CAVALIERI, 2009). 17 Para essa expansão do campo, também foram importantes os institutos denominados de "think tanks". Nos EUA, os primeiros a surgir foram a National Science Foundation, a RAND Corporation e a Brookings Institution, que desenvolveram estudos especializados sobre a forma de agir dos governos (DELEON, 2006). A RAND Corporation elaborou estudos para o Departamento de Defesa, além do Sistema de Planejamento e Orçamento Programado (PPBS). No Brasil, são considerados como “think tanks” o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), as universidades e outros centros de excelência voltados à discussão, reflexão e produção científica para diversos temas do cotidiano, como educação, saúde, economia, segurança pública e demais temas de interesse social. Nos links a seguir disponibilizados, você pode saber mais sobre cada um desses think tanks visitando suas páginas na internet. RAND Corporation. National Science Foundation. Brookings Institution. Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Na próxima aula, que trata das políticas públicas no Brasil, veremos que o “campo de públicas” foi significativamente marcado, a partir da década de 1980, pelo movimento chamado New Public Management (nova gestão pública). Com início nos governos de Margaret Thatcher (Reino Unido) e Ronald Reagan (Estados Unidos), a perspectiva direcionou o Estado para um amplo movimento de reforma gerencial, baseado no ajuste fiscal, na desregulamentação do setor privado e no aumento da eficiência do setor público por meio de instrumentos como a avaliação de desempenho e a redução de custos (MAXIMIANO; NOHARA, 2017; LOTTA, 2016; SOUZA, 2007). https://www.rand.org/ https://www.nsf.gov/ https://www.brookings.edu/ https://enap.gov.br/pt/ https://forumseguranca.org.br/ https://www.ipea.gov.br/portal/ 18 Aula 3 – POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL No Estado brasileiro, Farah (2016) explica que, durante o período da República Velha, não se contemplava uma política de atuação muito robusta. Não havia na época uma visão de maior participação do Estado. A mudança de cenário ocorreu a partir de 1930, quando o Brasil viu sua indústria se desenvolver de forma mais acelerada, no denominado Estado Nacional-Desenvolvimentista. A política de participação do estado brasileiro ficou mais evidente com a regulação do café, atuação que refletiu tanto nas exportações do produto quanto no consumo interno com o acompanhamento de preços (PELAEZ, 1971; CAVALIERI, 2009). A reforma burocrática brasileira, segundo Maximiano e Nohara (2017), teve sua origem especificamente no ano de 1936, com a origem do Conselho Federal do Serviço Público Civil. O órgão posteriormente foi transformado no Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), por Luís Simões Lopes, no ano de 1938. Os novos caminhos traçados pelo Dasp fortaleceram a necessidade de novos especialistas em políticas públicas. Um segundo momento de grandes alterações ocorreu em 1967 com o Decreto-Lei n. 200, considerado a principal norma de organização da administração pública. Nessa norma, definiram-se diretrizes, princípios, descentralização administrativa, papel dos ministérios, orçamento, planejamento, controle, entre outros. O Decreto-Lei n. 200 foi desenvolvido a partir das ideias de Fayol (MAXIMIANO; NOHARA, 2017). A Constituição Federal de 1988 foi outra fronteira para as políticas públicas brasileiras, já que representou importantes avanços em termos de princípios e elementos estruturantes da administração pública. No entendimento de Celina Souza (2018), ganharam espaço o reconhecimento de direitos sociais, o acréscimo de competências para os entes federativos, o acesso amplo à saúde, a alteração nos arranjos formais para a aprovação de emendas constitucionais, dentre outros. As mudanças pararam. Anos mais tarde, o então ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser-Pereira, (1995-1998), tentou substituir o modelo burocrático por um modelo de padrão gerencial, criando o 19 denominado Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado. Os esforços do ministro se traduziram na aprovação da Emenda Constitucional n. 19/1998, que, dentre outras mudanças, inseriu o princípio da eficiência no artigo 37 da Constituição Federal (MAXIMIANO; NOHARA, 2017). É importante entender que a reforma brasileira de 1995 recebeu forte influência da New Public Management (nova gestão pública), que teve início na década de 1980, seguindo os princípios da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e do presidente norte-americano Ronald Reagan. Dentro dessa perspectiva, a reforma do estado brasileiro foi ampliada,apresentando cenários como a criação de mecanismos de avaliação de desempenho, controle de gastos, controle do orçamento, privatizações, delegação de serviços públicos ao particular, aperfeiçoamento de serviços públicos, desregulamentação (ABRUCIO, 1997; MAXIMIANO; NOHARA, 2017; LOTTA, 2016). Bresser-Pereira defendia ideias voltadas a uma economia brasileira que atravessasse as fronteiras internacionais, entendendo que era obrigação do Estado promover todas as reformas administrativas, fiscais, previdenciárias e estruturais, para que tal expansão se concretizasse (NASCIMENTO, 2021; BRESSER-PEREIRA, 1997). Muitas das características desse período seguiam uma tendência mundial iniciada no programa lançado em 1993 por Bill Clinton, presidente dos EUA, denominado programa Revisão Nacional do Desempenho. Bill Clinton inspirou seu programa a partir da obra Reinventing government: how the entrepreneurial spirit is transforming the public sector (1992) (Reinventando o Governo: como o espírito empreendedor está transformando o setor público). O projeto de Clinton, em 1998, tornou-se a Aliança Nacional para a Reinvenção do Governo e, finalmente, logo após, passou a se chamar New Public Management (KELNERT; SILVA, 1993). Para fins deste estudo, simplificamos os fundamentos da “nova gestão pública” em três pontos, apresentados a seguir, que se complementam e guardam correlações entre si: 1) gerencialismo puro; 2) consumerismo; e 3) orientação para o serviço público (ABRUCIO, 1997). 20 1) Gerencialismo puro: tinha como objetivo controlar os gastos do Estado, baseando suas ações em: i) reduzir gastos; ii) melhorar a eficiência da gestão; e iii) buscar o aumento da produtividade (ABRUCIO, 1997; MAXIMIANO; NOHARA, 2017). 2) Consumerismo: é um desdobramento do gerencialismo puro. Seu fundamento consiste na ideia de que, sem prejuízo das características do gerencialismo, as ações do Estado deveriam satisfazer, com a maior plenitude possível, as demandas coletivas (ABRUCIO, 1997; MAXIMIANO; NOHARA, 2017). 3) Orientação para o serviço público:1 é uma contenção da abordagem consumerista, abrangendo conceitos como transparência, accountability (prestação de contas), participação social, justiça, equidade. Essa abordagem afasta características individualistas que poderiam surgir com o consumerismo, contudo, sem retornar ao modelo burocrático de Max Weber. Entenda que a orientação para o serviço público é uma nova visão do modelo gerencial, concebido a partir de princípios republicanos e democráticos (ABRUCIO, 1997; MAXIMIANO; NOHARA, 2017). Para finalizar, compreenda que o modelo gerencial até hoje estabelecido não parou de se transformar. Ele se adaptou de acordo com inúmeros fatores, a exemplo de mudanças sociais, políticas e econômicas. A forma como o Estado atua, seus planejamentos, direcionamentos e, consequentemente, suas políticas públicas em muito dependem de fatores que nem sempre são possíveis de se controlar ou prever. 1 Em inglês, Public Service Orientation ou simplesmente PSO. 21 Aula 4 – CONCEITO, ELEMENTOS GERAIS E OBJETIVO DA POLÍTICA PÚBLICA Conceito da política pública Nas aulas anteriores, você viu que a política pública, como campo do conhecimento, surge como um recorte da Ciência Política nos EUA. Além disso, viu também que as primeiras contribuições teóricas vieram de Harold D. Lasswell, na década de 1930 e que o campo rompeu com a tradição europeia de análise conceitual do Estado, passando a investigar a função dos governos, por entendê- los como produtores, “por excelência, de políticas públicas” (SOUZA, 2018; 2007). Segundo aponta Celina Souza (2018, p. 11), “existem inúmeras definições de políticas públicas que, na sua simplicidade e elegância [...] escondem a complexidade que envolve os governos quando decidem formulá-las e implementá-las”. Thomas R. Dye, que sintetizou o que se iniciou com H. Lasswell como Policy Science, e que depois tomou corpo e evoluiu para o conceito de Public Policy (Política Pública), deixou uma clássica lição, proferida em 1975. Para Dye, “a política pública é o que os governos decidem fazer ou não fazer [...] o que os governos fazem, por que eles fazem isso, e que diferença isso faz” (DYE, 2017, p. 1). Perceba que, apesar do alerta de Celina Souza (2018, p. 13), de que “não existe uma única, nem melhor definição sobre o que seja uma política pública”, a literatura apresenta elementos comuns, que envolvem a busca pela solução de problemas públicos. De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) “uma das formas de se entender as políticas públicas é analisá-las como soluções estruturadas para a solução de grandes problemas coletivos” (IPEA, 2018, p. 53). Leonardo Secchi indica a política pública como: "[...] a atividade e o campo de conhecimento teórico e metodológico voltados para a geração e a sistematização de conhecimentos 22 aplicados ao enfrentamento de problemas públicos" (SECCHI, 2019, p. 1). Melazzo (2010) afirma que o termo “política pública”, por seu conteúdo polissêmico, não se resumiria a um programa ou uma ação governamental. Segundo o autor, [...] este conceito pode se referir ou expressar diferentes dimensões dos processos que envolvem a decisão e a intervenção do Estado sobre determinada realidade ou, ainda, incorporar mecanismos e estruturas de tomadas de decisão ou implementação de ações mais ou menos sujeitas a controles sociais e, somente isto, justificaria uma análise mais detida de seus conteúdos” (MELAZZO, 2010, p. 12). No entanto, Brasil e Capella (2016, p. 74) destacam “[...] que o agente mais importante do processo de produção de políticas públicas é o governo”. Essa posição estatista ou estadocêntrica defende que as políticas públicas são impulsionadas pelos governos. Tal perspectiva ocorre em razão da superioridade objetiva do Estado, que lhe garante, dentre outras prerrogativas, o poder de elaborar e fazer cumprir as leis (SECCHI, 2014; HOWLETT; RAMESH; PERL, 2020; DYE, 2017; MENY; THOENIG, 1992). A literatura estatista compreende como possível a participação de atores externos ao governo, desde que não tenham a prerrogativa de decidir ou conduzir um processo de política pública. Visões distintas concebem uma maior participação de atores externos, como organizações privadas, organizações não governamentais, organismos multilaterais ou redes de políticas públicas (policy networks). Numa abordagem multicêntrica ou policêntrica, considera-se possível a participação de atores externos aos governos ao longo do processo de formação da política pública. Então, pode-se dizer que, num processo de política pública, algumas ações estruturais são características, como: fazer escolhas, tomar decisões, planejar, executar e avaliar se os resultados concretos foram aqueles esperados. Além disso, é importante considerar que o campo das políticas públicas é também um espaço de disputas de diversos segmentos da sociedade, cada um com seus interesses de igual, maior ou menor relevância (MELAZZO, 2010). 23 Elementos gerais da política pública Após apresentarmos o conceito de política pública e antes de aprofundarmos os estudos sobre os elementos gerais da política pública, vamos discutir um pouco sobre o alcance e os possíveis significados do conceito de “política”. Leonardo Secchi (2014, p. 1) destaca que países de língua latina, como Brasil, Espanha, Itália e França, encontram dificuldades em distinguir alguns termos próprios da Ciência Política dos EUA. Isso ocorre de forma específica com o termo “política”. Na língua portuguesa, esse termo pode assumir significados distintos dos estabelecidos pelos falantes de língua inglesa, que utilizam as expressões politics e policy para significados e contextos distintos.Tal diferenciação será abordada no quadro a seguir. Politics (política): na perspectiva de Bobbio (2002 apud SECCHI, 2014, p. 1), esse significado de política representa “a atividade humana ligada à obtenção e manutenção dos recursos necessários para o exercício do poder sobre o homem.” Como destaca Secchi (2014), essa é a acepção mais presente no imaginário coletivo, ligada à ideia de competição – de grupos ou de ideias – fruto do nosso modelo de democracia. “Ninguém mais aguenta a velha política” é uma frase que exemplifica a política no sentido de politics. Policy (política): de acordo com Secchi (2014, p. 1), essa dimensão de política é mais concreta, tendo “relação com orientações para a decisão e ação”. Expressões como “a política da empresa” ou “isso não faz parte da política da organização” retratam essa abordagem. Public policy (política pública): nesse caso, o conceito está relacionado ao sentido policy, uma vez que trata “do conteúdo concreto e do conteúdo simbólico de decisões políticas, e do processo de construção e atuação dessas decisões” (SECCHI, 2014, p. 1). Atenção: é no contexto de public policy que tratamos das políticas de segurança pública. Como já vimos, Leonardo Secchi (2019, p. 5) indica como fundamentais para o estudo do campo o problema público e a política pública. Segundo o autor, a política pública tem um conceito abstrato, que irá se materializar por instrumentos concretos, 24 como leis, programas, projetos, campanhas, obras, prestação de serviços, impostos, taxas, subsídios, decisões judiciais, entre outras medidas. Howlett, Ramesh e Perl (2020) apresentam como elementos dos problemas públicos – inter-relacionados ao processo de formação da política – os atores políticos, as estruturas e instituições e os conjuntos de ideias, que serão abordados nos quadros a seguir. Atores políticos (policy actors): são os responsáveis por determinar o conteúdo e o processo de formação da política pública. São os indivíduos, grupos ou organizações que exercem um papel na arena política, sendo também hoje utilizada a expressão stakeholders (partes interessadas). As arenas políticas são os espaços em que ocorrem as discussões de ideias. Nelas, os atores tentam sensibilizar a opinião pública (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2020; SECCHI, 2014). Existem várias formas de categorizar os atores. Em nosso estudo, seguiremos a classificação de Leonardo Secchi (2014), que distingue os atores em duas categorias: atores governamentais e atores não governamentais. Atores governamentais: políticos, designados politicamente, burocratas, juízes. Atores não governamentais: grupos de interesse, partidos políticos, meios de comunicação, think tanks, destinatários das políticas públicas (policytakers), organizações do terceiro setor, outras partes interessadas. Sobre os destinatários da política (policytakers), o IPEA (2018, p. 74-75) define como público-alvo: a) população como um todo atingida pela política; b) população que será elegível à política; c) população que será atendida e priorizada, em razão da restrição imposta por diferentes fatores, como a escassez de recursos públicos. 25 Estruturas e instituições: diferentemente da expressão comumente utilizada no país, em que instituição seria sinônimo de entidade ou organização (como uma instituição policial ou instituição de ensino superior), a palavra instituição tem uma conotação mais ampla, como um conjunto de regras formais que “condicionam o comportamento dos indivíduos” (SECCHI, 2014, p. 82). Nesse contexto, supera-se o entendimento clássico de instituição como organização, e o conceito vai além, abrangendo as regras constitucionais, os estatutos, as políticas públicas passadas, os regimentos internos das arenas em que se constroem as novas políticas etc. Essa abordagem é chamada de institucionalista. Entretanto, desde a década de 1980, novos estudos trouxeram a corrente chamada neoinstitucional ou do novo institucionalismo. Para esses pesquisadores, o comportamento dos atores nem sempre é moldado por instituições, dependendo da consolidação dessas regras impostas (FREY, 2000). A corrente neoinstitucional admite também regras informais, como os costumes, as convenções, as crenças. Conjuntos de ideias: Howlett, Ramesh e Perl (2020, p. 56, tradução nossa) destacam os vários conjuntos que distinguem as ideias durante o ciclo de formação da política: “ideias de programas, estruturas simbólicas, paradigmas políticos e sentimentos públicos”. Segundo os autores, ideias de programa “representam amplamente a seleção de soluções específicas entre o conjunto designado como aceitável dentro de um paradigma [...]” de política pública que se pretenda formular (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2020, p. 56, tradução nossa). No campo da segurança pública, podemos citar como política pública a Lei n. 13.675, de 11 de junho de 2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) (BRASIL, 2018). Por meio da Carteira de Projetos e da Carteira de Políticas Públicas, o Ministério da Justiça e Segurança Pública materializa ações governamentais, descrevendo as políticas a partir de público-alvo, objetivo e problema. 26 Objetivo da política pública Perceba que a formulação da política é uma resposta para as necessidades de uma determinada sociedade, comunidade ou população. Assim, os objetivos da coletividade se confundem com o próprio objetivo da política (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996). Conforme já vimos, segundo o IPEA, a política pública é “formulada ou desenhada para atuar sobre a fonte ou a causa de um determinado problema ou conjunto de problemas [...]” (2018, p. 72). Desse modo, o objetivo geral da política pública é a solução ou a minimização de um problema (IPEA, 2018). Como etapa preliminar da elaboração de uma política pública, os formuladores da política realizam o diagnóstico, que é uma identificação da fonte ou causa do problema a ser combatido. Assim, converge-se para uma definição do objetivo da ação pública (IPEA, 2018, p. 72). Mas, a identificação do problema e a realização de diagnóstico serão assuntos tratados no Módulo 2. Segundo o IPEA (2018, p. 74-75), para definir o objetivo da política pública, devem observadas as seguintes diretrizes: o Aplicação dos recursos disponíveis de forma eficiente; o Minimização dos custos envolvidos; o Maximização dos resultados ou benefícios sociais. Ao tratarmos do objetivo da política pública, especialmente em relação à aplicação eficiente dos recursos disponíveis, precisamos associar nosso estudo a outros elementos, dentre os quais o Planejamento Estratégico Governamental (DE TONI, 2016). Além disso, são exigidos conhecimentos sobre administração orçamentária e financeira, programas e projetos, planejamento estratégico. Conhecimentos sobre orçamento público, em especial sobre seus instrumentos básicos de programação – Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual –, também são indispensáveis para a definição de prioridades, de acordo com critérios de hierarquia e essencialidade (BRASIL, 2021, c; PARANÁ, 2021; IPEA, 2018). No Plano Plurianual (PPA), o poder público define as prioridades de médio e longo prazos que materializarão políticas públicas, por meio de programas e projetos. 27 Essas políticas terão objetivos – voltados a resolver problemas públicos – mediante a definição de indicadores e metas direcionadas a um público-alvo. Para a formulação da política pública, seu monitoramento e sua avaliação, são também relevantes os conhecimentos sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) que, junto com o PPA, são instrumentos de programação previstos para a União, osEstados, o Distrito Federal e os Municípios. Segundo o Ministério da Economia (BRASIL, 2021, c), a Lei Orçamentária Anual (LOA) é elaborada com base nas metas e prioridades do Governo definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO); já a LDO estabelece a ligação entre o Plano Plurianual (PPA) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). No Módulo 2, aprofundaremos a discussão sobre os instrumentos básicos de programação e sua correspondência com políticas públicas de segurança. Perceba que todos os elementos anteriormente descritos – no conceito, elementos gerais e objetivo da política pública, poderão ser observados no Planejamento Estratégico do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) (BRASIL, 2021b), cuja finalidade é definir com “clareza para toda a organização quais são os objetivos a serem atingidos e como serão alcançados” (BRASIL, 2021, b). No âmbito do MJSP, o Planejamento Estratégico atual está associado ao Plano Plurianual – PPA 2020-2023 do Governo Federal, sendo representado visualmente por seu Mapa Estratégico, conforme se pode ver na Figura 3 a seguir: Figura 3 – Mapa estratégico 2020-2023 Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública (BRASIL, 2021, b) 28 Para a entrega formal de um produto ou serviço único, o MJSP vale-se de um conjunto de ações que integram a Carteira de Projetos Estratégicos. Essas ações são voltadas ao alcance dos objetivos propostos na estratégia (BRASIL, 2021, a). Conheça a Carteira de Projetos Estratégicos clicando aqui! Para o monitoramento e a melhoria contínua de suas ações e para o fortalecimento dos mecanismos de prestação de contas (accountability), o MJSP utiliza a Carteira de Políticas Públicas. Figura 4 – Carteira de Políticas Públicas Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública (BRASIL, 2021, a) Essa ferramenta de gestão “contempla uma lista exaustiva de todas as políticas que o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) atua, sendo organizada de forma setorial, ou seja, vinculadas à cada unidade finalística no âmbito da estrutura organizacional do Ministério” (BRASIL, 2021, a). A Carteira de Políticas Públicas contém uma série de informações que registram essas ações governamentais, tais como: o Unidade Finalística do Ministério da Justiça e Segurança Pública – MJSP; o nome da política; o principais entregas: produtos/serviços; o descrição da política: público-alvo, objetivo, problema; o fase de implementação: instrumentos; o subunidade responsável pela política; o base legal; o Planejamento estratégico 2020-2023: projetos estratégicos; https://legado.justica.gov.br/Acesso/governanca/planejamento-estrategico-2020-2023/pdfs-planejamento-estrategico%2020-23/pe-2020-2023-carteira_projetos_estrategicos_v4.pdf 29 o Planejamento estratégico 2020-2023: indicadores estratégicos; o Plano Plurianual (PPA) 2020-2023: programa temático; o Cadeia de valor: macroprocesso; o Lei Orçamentária Anual (LOA) 2020: ação orçamentária; o Lei Orçamentária Anual (LOA) 2020: plano orçamentário. Clique aqui para visualizar a Carteira de Políticas Públicas do Ministério da Justiça e Segurança Pública. No Módulo 2, veremos aplicações práticas da Carteira de Políticas Públicas. https://www.justica.gov.br/Acesso/governanca/carteira/capa 30 Aula 5 – TIPOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS Nessa aula, trataremos dos tipos de políticas públicas. Inicialmente, é importante compreender que não há um formato único para a descrição de tipologias das políticas públicas, motivo pelo qual serão apresentadas as classificações mais utilizadas pela doutrina. Perceba que a literatura, ao longo dos anos, encarregou-se de diversificar os tipos de políticas públicas, a exemplo da tipologia de Wilson (SECCHI, 2014), que descrevia as políticas a partir dos benefícios e dos custos, classificando-os como distribuídos ou concentrados. Como exemplo, uma política empreendedora seria aquela com custos concentrados e benefícios distribuídos (SECCHI, 2014). Ou seja, nessa política os benefícios são coletivos e os custos se concentram em certas categorias. Continuando com nossos exemplos de classificação, na tipologia de Gormley (1986), duas variáveis são essenciais: Nível de destaque (saliência) de um assunto: um determinado tema é destaque quando “afeta um grande número de pessoas de forma relevante” (GORMLEY, 1986, p. 598; SECCHI, 2014); e Nível de complexidade do tema: nas palavras de Gormley (1986, p. 598) um assunto é complexo quando “levanta questões factuais que não podem ser respondidas por amadores ou generalistas”. Em outras palavras, dependem de pessoas que sejam especialistas para a formulação e aplicação. Para Gormley (1986) os grupos de política são divididos em: ⮚ grupo de política de sala operatória: tem apelo popular (Ex: regulamentação da água, medicamentos etc.); ⮚ grupo de política de audiência: atrai a atenção das pessoas, da mídia, da política (Ex: políticas de cotas etc.); ⮚ grupo de política de sala de reuniões: exige conhecimento especializado e recebe baixa atenção da coletividade (Ex: regulamentação de instituições financeiras, telefônicas etc.); 31 ⮚ grupo de política de baixo escalão: de fácil e simples elaboração, não prende a atenção popular (Ex: prestação de serviços de informação aos cidadãos, protocolos para servidores públicos etc.). Uma terceira tipologia é a de Gustafson (1983, apud SECCHI, 2014), que incorpora o conceito de policymaker (formulador de política pública), cujos critérios de distinção são o conhecimento e a intenção. O modelo busca diferenciar quem tem a real intenção de resolver um problema público e quem não tem a mesma intenção. Ao final, a tipologia de Gustafson chega a duas divisões: ⮚ política pública real: quando o formulador da política busca resolver um problema público com vontade (intenção) de resolvê-lo e com conhecimento para tal; ⮚ política pública simbólica (symbolic policies): quando o formulador da política não tem conhecimento e/ou não tem um corpo técnico especializado e/ou não tem a intenção de resolver o problema. Esta também é chamada de pseudopolítica. Por fim, a tipologia mais usual e tradicional foi a desenvolvida por Theodore J. Lowi, por isso chamada de Tipologia de Lowi, que surgiu a partir de um artigo científico publicado na revista World Politics, em 1964. Segundo Secchi (2014), nesta classificação surgem quatro tipos de políticas públicas, cujo critério é o impacto esperado na sociedade: 1) políticas regulatórias: são políticas em que são definidos padrões de conduta ou de comportamento, produto ou serviço (SECCHI, 2014). A aprovação ou não desse tipo de política irá depender das forças dos atores e dos interesses da sociedade. Exemplificando a política regulatória, Secchi (2014, p. 25) lista: as regras para segurança alimentar, para operação de mercado financeiro, regras de tráfego aéreo, códigos de trânsito, leis e códigos de ética em assuntos como aborto ou eutanásia ou, ainda, proibição de fumo em locais fechados e regras para publicidade de certos produtos. 2) políticas distributivas: são as políticas que beneficiam um grupo de atores, porém seus custos são distribuídos entre toda a coletividade. Para ilustrar essa política, Secchi (2014, p. 25) fala em “subsídios, gratuidade de taxas para certos usuários de serviços públicos, incentivos ou renúncias fiscais.”; 32 3) políticas redistributivas: nessas políticas o benefício é limitado a um grupo e o custo recai sobre outra categoria de atores. Nesse contexto, poderá haver disputa entre os lados opostos. Um exemplo seriam as políticas de incentivos fiscais, em que determinados segmentos da economia são beneficiados em detrimento de outros. Sempre que há renúncia de receita, algum outro setor acaba sendo onerado paraa manutenção do equilíbrio fiscal; 4) políticas constitutivas: são regras que definem como irão ocorrer outros processos, como disputas políticas, como o desenvolvimento de políticas públicas, entre outros, por isso são também denominadas meta-policies. Para explicá-las, Lowi (1985, p. 74) fala em “regras sobre poderes e regras sobre regras”. Segundo Secchi (2014, p. 26), elas “estão acima dos outros três tipos de políticas e comumente moldam a dinâmica política dessas arenas.” O conflito está concentrado nos atores diretamente interessados, não surtindo muito interesse nos cidadãos, que estão mais preocupados com a prestação de serviços públicos ou com as ações concretas do governo. Outros casos que se enquadram nessa forma de política citados por Secchi (2014, p. 26): as regras do sistema político-eleitoral, a distribuição de competências entre poderes e esferas, as regras das relações intergovernamentais, as regras de participação da sociedade civil em decisões públicas. Figura 5 – Lowi (1985) Fonte: SCD/EaD/Segen. 33 Finalizando Ao término deste módulo, você aprendeu que, a partir de 1980, aumentou a preocupação dos governos com a garantia da segurança de seus cidadãos diante do aumento de crimes e da violência. Além disso, viu que “não há nada melhor do que uma boa teoria para resolver um problema prático” (LEWIN, 1965, p. 191). Portanto, o conhecimento teórico contribui sobremaneira para os processos de monitoramento e avaliação das políticas públicas, uma vez que a investigação sobre o que deu certo e o que deu errado ainda não é uma prática habitual em muitas organizações (principalmente públicas). Em nosso estudo, você viu também que política pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público. Além disso, que um primeiro passo possível para a elaboração de uma política pública pode se constituir pela implementação de um banco de boas práticas dentro de cada organização. Aprofundando um pouco mais, você conheceu Hofstadter. Esse importante pesquisador identificou, em 1955, que os monopólios existentes provocavam na sociedade da época o sentimento coletivo da necessidade de uma maior participação do poder público na regulação dos mercados. Você também se familiarizou com Roosevelt, presidente norte-americano responsável por ampliar o alcance das políticas públicas oferecidas pelo governo, passando a agir em áreas em que o governo dos EUA até então não atuava. Você deve também se recordar de Lasswell, teórico que tinha o objetivo de criar uma ciência social aplicada. Em sua visão, deveria existir uma articulação entre as universidades e os agentes públicos, cuja finalidade seria apontar soluções objetivas e práticas para problemas públicos. Além de Lasswell, mais três cientistas são reconhecidos como os fundadores da área de políticas públicas: H. Simon, C. Lindblom e D. Easton. Eles contribuíram de formas diferentes para a formação do campo de políticas públicas. Não esqueça de que esse campo se expandiu após a Segunda Guerra Mundial, principalmente com a criação dos institutos denominados de "think tanks". Já um segundo e importante marco nas políticas públicas foi estabelecido a partir de 1980, devido ao movimento chamado New Public Management (nova gestão pública). A seguir, voltamo-nos ao estudo das políticas públicas no Brasil, quando identificamos uma mudança de cenário a partir de 1930, momento em que a indústria se desenvolveu de forma mais acelerada no denominado Estado Nacional- 34 Desenvolvimentista. Alguns anos mais tarde, em 1936, houve a criação do Conselho Federal do Serviço Público Civil. Já em 1967, foi aprovado o Decreto-Lei n. 200, considerado a principal norma de organização da administração pública brasileira. Você conheceu também Luiz Carlos Bresser-Pereira, importante gestor, professor e ministro que, na década de 1990, tentou substituir o modelo burocrático brasileiro por um modelo de padrão gerencial, criando o denominado “Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado” (PDRAE). O Plano Bresser era influenciado por dois nomes da época, Margaret Thatcher e Ronald Reagan, na chamada “nova gestão pública”, que se fundava em três pontos: 1) gerencialismo puro; 2) consumerismo; e 3) orientação para o serviço público. Um conceito simples de política pública foi apresentado por Dye (2017, p. 1): “é o que os governos decidem fazer ou não fazer”. Como exemplos, podemos citar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS). Até este momento dos estudos, acreditamos que você tenha compreendido que o objetivo geral de uma política pública é a solução ou a minimização de um problema. Mas, neste escopo, vamos rememorar que existem três elementos dos problemas públicos – inter-relacionados ao processo de formação da política – sendo eles: os atores, as instituições e as ideias ou conhecimentos. Além disso, relembre que as prioridades estabelecidas pelo poder público serão encontradas no Plano Plurianual (PPA). Neste, estão definidas as prioridades de médio e longo prazos que materializarão políticas públicas por meio de programas e projetos. Essas políticas terão objetivos que buscam resolver problemas públicos mediante a definição de indicadores e metas, sendo direcionadas a um público-alvo. Com esse raciocínio, você concluiu que, para a entrega formal de um produto ou serviço único, o MJSP vale-se de um conjunto de ações que integram a Carteira de Projetos Estratégicos, as quais são voltadas ao alcance dos objetivos propostos na estratégia. O MJSP utiliza ainda a Carteira de Políticas Públicas, instrumento voltado tanto para o monitoramento e a melhoria contínua de suas ações quanto para o fortalecimento dos mecanismos de accountability (prestação de contas). Ao final do Módulo 1, você aprendeu sobre as tipologias de políticas públicas, que variam de acordo com a literatura. Assim sendo, não há um formato único para a descrição dessas tipologias. Wilson descreve as políticas a partir dos benefícios e dos custos, classificando- os como distribuídos ou concentrados. 35 A tipologia de Gormley leva em conta o nível de destaque (saliência) e o nível de complexidade. Para ele, há também os grupos de política, que são divididos em: grupo de política de sala operatória, grupo de política de audiência, grupo de política de sala de reuniões e grupo de política de baixo escalão. Já Gustafson incorporou o conceito de policymaker (formulador de política pública), cujos critérios de distinção são o conhecimento e a intenção. Busca-se diferenciar quem tem a real intenção de resolver um problema público de quem não tem a mesma intenção. A mais conhecida tipologia é a de Lowi, que apresenta como critério o impacto esperado na sociedade. Para Lowi, há quatro tipos de políticas públicas: 1) regulatórias; 2) distributivas; 3) redistributivas; e 4) constitutivas. 36 Módulo 2 – NOÇÕES DO CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Depois dos conhecimentos adquiridos no Módulo 1, que abordou o surgimento do campo, os conceitos fundamentais e os tipos de políticas públicas, neste Módulo 2 estudaremos o ciclo de políticas públicas. Assim, relembrando o que aprendemos no Módulo 1, de acordo com Howlett, Ramesh e Perl (2020, p. 8, tradução nossa): “A política pública é um fenômeno complexo que compreende inúmeras decisões tomadas por muitos indivíduos e organizações no interior do próprio governo, cujas decisões são influenciadas por outros atores que operam interna e externamente ao Estado”. Perceba que o processo de elaboração da política pública (policy-making process) começa quando os atores sociais identificam um problema e apresentam- no como uma demanda que não poderá ser resolvida sem a participação do Estado (DE TONI, 2016).A seguir, o processo de elaboração da política pública apresenta fases/estágios/momentos, que se relevam como marcos do que também se denomina de ciclo de políticas públicas (policy cicle). Destaca-se que não existe um modelo básico ou padronizado do ciclo de políticas públicas. Existem vários modelos, conforme as abordagens dos autores ou das organizações envolvidas. Neste Módulo 2, pretendemos fornecer instrumentos para que o profissional integrante do Susp compreenda seu papel indispensável no ciclo de políticas públicas, podendo participar ativamente das etapas que integram esse processo, considerando respostas alinhadas às expectativas sociais. Objetivos do módulo Com os conteúdos trabalhados neste módulo, você será capaz de: • compreender o ciclo de políticas públicas, que inclui: definição de agenda, formulação da política pública, tomada de decisões, implementação e avaliação da política pública; • proceder a uma reflexão crítica quanto à importância do profissional de segurança pública em todo o processo de formação da política. 37 Estrutura do módulo O presente módulo está dividido em 4 aulas, conforme elencadas a seguir: Aula 1 – Introdução ao ciclo de políticas públicas Aula 2 – Definição de agenda Aula 3 – Formulação de políticas públicas e tomada de decisão Aula 4 – Implementação e avaliação de políticas públicas 38 Aula 1 – INTRODUÇÃO AO CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Esta aula busca oferecer uma visão objetiva e didática sobre o ciclo de políticas públicas (policy cicle), mediante um esquema de interpretação que traduz o processo de elaboração da política pública (policy-making process). De acordo com o dicionário Michaelis (2015, online): Compreende-se ciclo como uma sequência de ações constituinte de um processo que, partindo de um ponto de início, após evolução e transformação, apresentando diferença sensível, desembocam em um ponto final, que nada mais é que o retorno ao ponto inicial para consequente recomeço. A ideia de ciclo está presente em várias áreas do conhecimento, como na Administração e no Planejamento Estratégico. O ciclo PDCA, estruturado em Plan, Do, Check, Act ou Planejar, Executar, Verificar, Agir é um exemplo muito utilizado como ferramenta de gestão voltada à melhoria contínua em organizações públicas e privadas. No Brasil, por exemplo, é referenciado pelo IPEA (2018). Conforme apontam Caetano e Sampaio (2016, p. 129), o ciclo PDCA trata-se de uma técnica, que tem origem no Sistema Toyota de Produção, e que se destina à solução de problemas, “uma vez que organiza o órgão, fornecendo maior visibilidade (clareza)” na identificação, solução de um problema e melhoria contínua. Adicionalmente, o ciclo PDCA “oferece maior agilidade, mediante a formulação inicial de um planejamento (traçar metas e definir os meios), o qual, em seguida, é posto em prática (executar o que foi planejado e capacitar o pessoal)” (CAETANO; SAMPAIO, 2016, p. 127). De acordo com Maximiano (2018, p. 175), o Sistema Toyota de Produção, baseado no aprimoramento contínuo e na filosofia da “eliminação completa de todo e qualquer desperdício”, se alicerça nos seguintes fundamentos: 1. Jidoka: interromper o andamento das máquinas e das linhas de produção quando ocorre qualquer tipo de problema ou defeito. 2. Just-in-time (no tempo certo): fabricar apenas a quantidade necessária de produtos. 3. Kaizen: práticas de aprimoramento contínuo. (MAXIMIANO, 2018, p. 175) 39 Figura 6 – Ciclo PDCA Fonte: TCE (PARANÁ, 2021). Ciclo PDCA: O ciclo PDCA é um ciclo de desenvolvimento cujo foco é a melhoria contínua. Possui como princípios a clareza e agilidade nos processos envolvidos na execução da gestão, dividindo-a em quatro principais passos, apresentados a seguir: 1 - "P" - Plan (planejar): estabelecer uma meta ou identificar um problema (aquilo que impede o alcance dos resultados esperados, ou seja, o alcance da meta); analisar o fenômeno (analisar os dados relacionados ao problema); analisar o processo (descobrir as causas fundamentais dos problemas); e elaborar um plano de ação; 2 - "D" - Do (executar): realizar as atividades conforme o plano de ação; 3 - "C" - Check (verificar): monitorar e avaliar periodicamente os resultados, avaliar os processos e resultados, confrontando-os com o planejado por meio dos indicadores de resultado. Atualizar ou implantar a gestão à vista pretendida; 4 - "A" - Act (agir): atuar de acordo com os resultados das avaliações e dos relatórios, eventualmente determinar e confeccionar novos planos de ação, para melhorar a qualidade, eficiência e eficácia, aprimorando a execução e corrigindo eventuais falhas. Procura-se atingir dois tipos de metas em qualquer organização: melhorar resultados e manter resultados. Para os dois casos, é possível aplicar esse método. 40 Saiba mais sobre o ciclo PDCA e outras ferramentas de gestão e planejamento no Curso Planejamento Estratégico e Gestão em Segurança Pública ofertado pela SEGEN. Também envolvendo a ideia de ciclo, no Policiamento Orientado para o Problema (POP), utilizamos o método IARA (no inglês, SARA), que consiste nas seguintes fases: Figura 7 – Método IARA Fonte: SCD/EaD/Segen. Na perspectiva de Herman Goldstein (2003), o Policiamento Orientado para o Problema (POP) – utilizando o método IARA – busca o controle do crime mediante a realização de diagnósticos locais que orientam a atuação da polícia na direção de comportamentos criminosos que tenham maior tendência à repetição. Saiba mais sobre o POP no Curso Policiamento Orientado para Resolução de Problemas ofertado pela SEGEN. Essa ideia de ciclo, como uma sequência de ações com um ponto de partida, evolução e transformação, chegando a um ponto final que nada mais é do que o recomeço, também se aplica à política pública. http://portal.ead.senasp.gov.br/academico/editoria-a/planejamento-estrategico-e-gestao-em-seguranca-publica http://portal.ead.senasp.gov.br/academico/copy_of_editoria-a/policiamento-orientado-para-resolucao-de-problemas http://portal.ead.senasp.gov.br/academico/copy_of_editoria-a/policiamento-orientado-para-resolucao-de-problemas 41 A política pública geralmente começa com a discussão do problema – e sua entrada na agenda dos governos – e termina com a avaliação da política, voltada à análise de impacto e aprendizagem dos gestores. Em alguns casos, autores como Leonardo Secchi (2014) também tratam da extinção da política. Em nosso curso, optamos por apresentar o ciclo de políticas públicas na perspectiva do Guia de Políticas Públicas: gerenciando processos, de Wu et al. (2014), em sua tradução editada pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Utilizamos também como referencial teórico deste curso as obras de Howlett, Ramesh e Perl (2020), Leonardo Secchi (2019; 2014), Celina Souza (2018), Ana Claudia Capella (2018), além de vários estudos do IPEA e de outros think tanks. Neste Módulo 2, indicamos a estruturação do ciclo da ENAP (WU et al., 2014) conforme descrito abaixo: ● Definição de agenda ● Formulação de políticas públicas ● Tomada de decisão ● Implementação de políticas públicas ● Avaliação de políticas públicas Ao aprofundar seus estudos, você provavelmente encontrará na doutrina várias terminologias para as partes que compõem esse ciclo. Não há uma denominação melhor do que outra. Elas são escolhas de pesquisadores e estudiosos do campo. Assim, em nosso curso, abordaremos algumas das terminologias mais utilizadas, para que o profissional, ao se deparar no futuro com qualquer texto do assunto, compreenda que todas essas denominações falam do ciclo da política pública. Sobre as partes que integram esse ciclo, a literatura apresenta algumas distinções terminológicas, como estágios (HOWLETT; RAMESH;PERL, 2020), fases (SECCHI, 2019; SOUZA, 2018; CAPELLA, 2018; WU et al., 2014) ou, como também passaremos a tratar, momentos da política pública. Baptista e Rezende (2015) e Sampaio (2018) denominam de “momentos” as partes que integram o ciclo da política pública. 42 Segundo Baptista e Rezende (2015, p. 228) “por mais que haja um cuidado do analista em não isolar uma fase e seus efeitos, há sempre o risco de tratá-la de forma estanque.” Por tal razão, essa terminologia é adotada diante da “inevitável fragmentação que a ideia de fases provoca em qualquer análise a ser empreendida” (BAPTISTA; REZENDE, 2015, p. 228). Perceba que a separação da política pública em estágios, fases ou momentos – que se mostram sequenciais e interdependentes – facilita seu estudo e o acompanhamento de sua evolução. É importante esclarecer, entretanto, que o processo de construção de uma política é dinâmico, e geralmente as fases podem se apresentar alternadas ou misturadas, sem fronteiras nítidas (SECCHI, 2014). Essa visão de Leonardo Secchi é reforçada por estudo do IPEA (2018), no sentido de que dificilmente as políticas públicas se comportam, na prática do dia a dia, de forma linear, como fases sucessivas e encadeadas. Segundo o IPEA (2018, p. 96) “essas fases, ao contrário, existem na forma de circuitos paralelos, intercorrentes, ou seja, em atividade simultânea, mas nem sempre coincidente.” Desse modo, perceba que a abordagem sequencial tem suas limitações. Não é raro, por exemplo, que se tenha que estudar um processo de tomada de decisão antes da identificação do problema (IPEA, 2018). “Ou seja, constantemente, há reformulação da agenda previamente formulada, decisões que aprofundam ou revogam decisões anteriores e avaliações antecipadas que interferem na implementação, de forma positiva ou negativa” (IPEA, 2018, p. 96). Entretanto, para fins didáticos, a apresentação concatenada ajuda a organizar as ideias, auxiliando políticos, gestores e, fundamentalmente, profissionais de segurança pública a criar um referencial de análise (SECCHI, 2014). Portanto, além do referencial teórico-científico, o ciclo garante ao gestor um mapa mental, uma direção, um rumo a tomar. 43 Segundo o filósofo Sêneca (4-65 a.c.): “Não existem ventos favoráveis para barcos sem rumo.” Além disso, compreender a existência dessas atividades inter-relacionadas facilita o envolvimento dos gestores públicos para alcançar os objetivos das políticas almejadas pela sociedade em consonância com as propostas formuladas pelos governos. Em relação aos modelos de ciclo de política pública, lembre-se de que existem vários esquemas representativos e que seu conhecimento quanto a tal variedade pode auxiliar o gestor na sua atuação prática. Por esse motivo, o treinamento adequado viabiliza a resolução de problemas públicos. Com esses conhecimentos, os profissionais que vivenciam essas etapas sobrepostas e os problemas que se interligam têm melhores condições para compreender seu papel em todas as arenas da política pública. Esse desdobramento das políticas públicas em etapas fundamentais foi exposto pioneiramente na obra de David Easton (1968). Os inputs (entradas) do processo político refletiam o ambiente e as demandas sociais e, após o processamento pelo sistema político (governo) – em um ciclo de diferentes fases –, culminavam nos outputs (saídas), que se materializavam em políticas públicas e seus resultados. Figura 8 – Inputs e outputs Fonte: SCD/EaD/Segen. A lógica input-output e a concepção das fases de Easton (1968) ganharam força no âmbito acadêmico, passando a ser amplamente reproduzidas. 44 Lasswell dividiu o ciclo em sete estágios: (1) informação; (2) promoção; (3) prescrição; (4) invocação; (5) aplicação; (6) término e (7) avaliação. Para Kingdon, a formulação de uma política pública inclui necessariamente: (1) o estabelecimento de uma agenda, (2) a especificação das alternativas a partir das quais as escolhas são feitas, (3) uma escolha final entre essas alternativas, por meio de votação ou decisão unilateral e (4) a implementação dessa decisão Celina Souza (2006), após apresentar e comparar diversas literaturas sobre policy cicle, compreende que o ciclo é constituído das seguintes fases: (1) definição da agenda, (2) identificação das alternativas, (3) avaliação das opções, (4) seleção das opções, (5) implementação e (6) avaliação. Leonardo Secchi (2014) define como fases do ciclo da política: (1) identificação do problema, (2) formação da agenda, (3) formulação das alternativas, (4) tomada de decisão, (5) implementação da política, (6) avaliação da política pública e (7) extinção da política pública. 45 Como já havíamos mencionado, não existe um modelo único e padronizado do ciclo de políticas públicas. A Figura 9 sistematiza o ciclo, com as abordagens política, técnica e organizacional, que exigem, respectivamente, perspicácia nas políticas, capacidade analítica e experiência gerencial. Figura 9 – Ciclo com as abordagens política, técnica e organizacional Fonte: SCD/EaD/Segen. A Figura 8, adaptada de Howlett, Ramesh e Perl (2020), demonstra, por meio da ideia de uma ampulheta, as fases do ciclo da política pública. Na parte superior da ampulheta, observamos os estágios iniciais da política, de definição da agenda e de formulação. Em seguida, passamos pelo “funil” da tomada de decisão para a implementação da política, que depois será avaliada. 46 Figura 10 – O ciclo da ampulheta Fonte: SCD/EaD/Segen. 47 Aula 2 – DEFINIÇÃO DE AGENDA Como determinados problemas ganham visibilidade e entram na pauta política diante do universo de questões prementes do cotidiano? Quando falamos de defesa social, violência e criminalidade, que questões se tornam mais relevantes e ocupam a atenção dos governos, das organizações que integram o Susp e da sociedade? A busca de respostas a tais indagações deve ser ponto de partida para todos os envolvidos na prestação de serviços públicos, especialmente para aqueles dedicados à segurança pública e defesa social. As possíveis respostas a essas perguntas podem auxiliar os atores a compreender a primeira fase do ciclo de políticas públicas: a definição de agenda (agenda-setting). A agenda “é uma lista de questões ou problemas aos quais agentes governamentais e outros membros na comunidade de política pública estão atentando em certo momento” (WU et al., 2014, p. 30). A agenda contempla discussões políticas entendidas como questões legítimas e que despertam a atenção do sistema político (CAPELLA, 2018). Wu et al. (2014) alertam que os problemas poderão variar conforme as circunstâncias econômicas, sociais, temporais e geográficas. Assim, ao falarmos de problemas no subsistema da segurança pública e defesa social, grandes centros urbanos poderão ter demandas que se distinguem das existentes em áreas rurais. Do mesmo modo, diferentes regiões do país podem ter realidades absolutamente distintas, exigindo do gestor público posturas diversificadas, dependendo de cada caso concreto. Por esse motivo, a definição de agenda reflete, por vezes, uma situação de conflitos de interesses, o que representa a fase mais crítica desse processo. Grupos antagônicos concorrem, buscando atenção dos governos, sendo que alguns interesses poderão ser atendidos e outros não (CAPELLA, 2018; WU et al., 2014). Kingdon (2014, p. 1) utiliza a frase “an idea whose time has come” (“uma ideia cujo tempo chegou”) que indica a existência de um momento incontrolável que desponta na política e na sociedade sobre determinado assunto, afastando tudo o que se encontra em seu caminho. 48 Para o autor,
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