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Cristologia Professora Dra. Raquel C. Cabral Reitor Prof. Ms. Gilmar de Oliveira Diretor de Ensino Prof. Ms. Daniel de Lima Diretor Financeiro Prof. Eduardo Luiz Campano Santini Diretor Administrativo Prof. Ms. Renato Valença Correia Secretário Acadêmico Tiago Pereira da Silva Coord. de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONPEX Prof. Dr. Hudson Sérgio de Souza Coordenação Adjunta de Ensino Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araújo Coordenação Adjunta de Pesquisa Prof. Dr. Flávio Ricardo Guilherme Coordenação Adjunta de Extensão Prof. Esp. Heider Jeferson Gonçalves Coordenador NEAD - Núcleo de Educação à Distância Prof. Me. Jorge Luiz Garcia Van Dal Web Designer Thiago Azenha Revisão Textual Beatriz Longen Rohling Caroline da Silva Marques Carolayne Beatriz da Silva Cavalcante Geovane Vinícius da Broi Maciel Jéssica Eugênio Azevedo Kauê Berto Projeto Gráfico, Design e Diagramação André Dudatt Carlos Firmino de Oliveira 2022 by Editora Edufatecie Copyright do Texto C 2022 Os autores Copyright C Edição 2022 Editora Edufatecie O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correçao e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Editora Edufatecie. Per- mitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP C117c Cabral, Raquel c. Cristologia / Raquel C. Cabral. Paranavaí: EduFatecie, 2022. 97 p. : il. Color. 1. Jesus Cristo – História das doutrinas. 2. Teologia. I. Centro Universitário UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância. III. Título. CDD : 23 ed. 232.954 Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577 UNIFATECIE Unidade 1 Rua Getúlio Vargas, 333 Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 UNIFATECIE Unidade 2 Rua Cândido Bertier Fortes, 2178, Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 UNIFATECIE Unidade 3 Rodovia BR - 376, KM 102, nº 1000 - Chácara Jaraguá , Paranavaí, PR (44) 3045-9898 www.unifatecie.edu.br/site As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site Shutterstock. AUTOR Prof.ª Drª. Raquel C. Cabral ● Doutora em Teologia pela PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) em Curitiba - PR. ● Mestra em Teologia Sistemática Pela FAJE (Faculdade Jesuíta) de Belo Horizonte – MG. ● Bacharel em Teologia pela Pontifícia Universitá Urbaniana de Roma. ● Professora da área de Teologia Sistemática da PUCPR desde 2012 (Teologia Fundamental, Cristologia, Trindade, Mariologia e Escatologia). ● Professora de Cristologia e Trindade do curso de Teologia em EAD da Uningá - Maringá - PR. ● Pesquisadora com foco temático em Reino de Deus, Dom Helder Câmara e Concílio Vaticano II. Experiência em coordenação de cursos de Teologia para Leigos, pregação de retiros espirituais cristãos e práticas meditativas e de relaxamento. CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/9662020930739112 http://lattes.cnpq.br/9662020930739112 APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Prezado (a) aluno (a), Seja bem-vindo (a) ao caminho que iremos percorrer juntos graças ao seu interesse por esta disciplina do curso de teologia. Nela, você conhecerá os conceitos fundamentais da teologia cristã a respeito de Jesus Cristo, sua construção histórica e o conjunto de crenças que compõem a fé cristã. Nós estaremos juntos nessa jornada por meio das vídeo aulas e do apoio da presente apostila preparada especialmente para você. Nela você encontrará outras indicações que poderão lhe conduzir a um maior aprofundamento dos temas estudados. Na primeira unidade, estudaremos o conceito de cristologia, as características fundamentais para que a cristologia seja reconhecida como teológica e as diferentes metodologias de estudo. Para exemplificar a importância de uma metodologia adequada no estudo da cristologia, estudaremos um acontecimento significativo que ficou conhecido como “antiga questão do Jesus histórico”. Na segunda unidade do curso de cristologia, cujo tema é Jesus, o Messias prometi- do, procuraremos entender e conhecer às expectativas messiânicas de Israel. Estudaremos também as origens da noção de reinado de Deus e como se pensava este modelo no antigo testamento. Na sequência, refletiremos um pouco mais a respeito do título que Jesus deu a si mesmo, a saber, Filho do Homem, e procuraremos identificar os motivos pelos quais Jesus adotou esta figura apocalíptica. Na terceira unidade do nosso curso iremos visitar os evangelhos observando Jesus de Nazaré e nos perguntando se de fato é ele o Messias. Estudaremos as relações que ele estabeleceu com a lei com o templo com Deus e com as pessoas, de modo a nos aproximarmos dos valores por ele vividos e ensinados. Sendo o Reino de Deus, a temática catalisadora do seu projeto salvífico, estudaremos que sentido teve pra Jesus falar em Reino de Deus. Por fim, faremos juntos uma leitura teológica da morte e da ressurreição de Jesus. Finalmente na quarta unidade faremos uma investigação tipicamente dogmática para conhecer as cláusulas vinculantes da fé cristã a respeito de Jesus Cristo. Por esta razão, de modo sintético, estudaremos as principais decisões conciliares. Agora você tem em mãos o percurso a ser feito. Que a sua trajetória de conhecimentos teológicos na área da cristologia acrescente ao seu horizonte de vida elementos que venham lhe tornar uma pessoa melhor para si e para o mundo. Muito obrigada e bom estudo! SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 4 A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã UNIDADE II ................................................................................................... 31 O Messias Prometido e Esperado UNIDADE III .................................................................................................. 54 Jesus de Nazaré: Vida e missão UNIDADE IV .................................................................................................. 75 Verdadeiramente Homem e Verdadeiramente Deus 4 Plano de Estudo: ● A Cristologia e as cristologias; ● Métodos, fontes e notas identitárias da cristologia; ● A antiga questão do Jesus histórico; ● A nova questão do Jesus histórico. Objetivos da Aprendizagem: ● Conceituar a cristologia e contextualizar a abordagem cristã entre outras abordagens e perspectivas; ● Compreender os traços distintivos e identitários da criptologia; ● Estabelecer a importância da historicidade da pessoa de Jesus Cristo e nela a revelação do Filho de Deus. UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã Professora Doutora Raquel C. Cabral 5UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã INTRODUÇÃO Muito se diz e se escreve a respeito da pessoa de Jesus de Nazaré, a quem chamamos Cristo. O material produzido a respeito da sua pessoa é tão amplo e diversificado em quantidade quanto em perspectivas e pontos de vista. Estamos nos referindo a reflexões e estudos que envolvem dois séculos de história contados a partir de sua vinda ao mundo e mais dois séculos anteriores a ele, importantes para a cristologia. Tudo isso permeado por variados moldes e movimentos culturais, implicando evoluções no conceito de Deus, de ser humano e de mundo. Em poucas palavras, estamos entrando em um campo que implica diversas cosmovisões. E fazemos estas considerações para que se solidifique em nós a consciência de que não se pode pretender a hegemonia do conhecimento quando o objeto de estudo e de pesquisa é comum a métodos olhares e perspectivas diferentes. Isso é suficiente para nos convencermos de queé necessário delimitar e esclarecer de que ponto de vista estamos falando quando o assunto é Jesus Cristo. No nosso caso queremos conhecer a pessoa de Jesus Cristo no quanto ele é importante para a fé cristã vista a partir da visão, da história e dos princípios cristãos. Portanto, além de perguntarmos quem é Jesus de Nazaré a quem chamamos Cristo, nesta unidade procuraremos nos ocupar em responder quem é Jesus Cristo para os cristãos e para a fé que eles professam. 6UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 1. A CRISTOLOGIA E AS CRISTOLOGIAS 1.1 Inesgotável Mistério em pessoa Habitualmente, o uso da palavra mistério está relacionado a contextos e acontecimentos que fogem ao alcance do conhecimento, da compreensão e de uma explicação esclarecedora. Para o uso popular, o que determina a condição mistérica daquilo de que se está falando é o desconhecimento e não a real impossibilidade de obter informações a respeito. Basta, por exemplo, que algo tenha aparecido quebrado e não se saiba quem o quebrou e a palavra mistério caberá bem para falar sobre esse desconhecimento. O termo é muito caro aos ambientes e contextos religiosos para indicar o desconhecimento a respeito do sagrado e suas repercussões na vida e no destino do ser humano e do mundo. Por exemplo: como será a vida depois da morte, porque os bons sofrem, por que o ser humano busca a dimensão religiosa, etc. Teologicamente falando, o termo mistério tem um significado específico e ampliado em relação ao uso popular que acabamos de falar. Em especial quando o termo mistério está referido a Deus ele quer indicar infinitude. Note que infinitude é diferente de incompreensibilidade. Certamente você deve ter estudado no curso de introdução à teologia ou de teologia da revelação que todo o conteúdo da teologia cristã vem da automanifestação de Deus ao ser humano e que a isso chamamos Revelação. Deus desejou tornar-se conhecido e, embora sendo de natureza infinita e ilimitada, Ele deu-nos possibilidade de conhecê-lo até onde temos condições de alcançá-lo, considerando as diferenças entre a natureza divina e a natureza humana. 7UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã Assim fica mais fácil entender que Deus é Mistério (com letra maiúscula!) que quis se tornar acessível através da sua automanifestação ao longo da história. Complementando a nossa compreensão a respeito da aplicação do termo Mistério para Deus falta-nos lembrar que, por mais que consigamos avançar em pesquisas teológicas e na experiência espiritual, jamais esgotaremos o nosso conhecimento a respeito de Deus. Logo, é lícito afirmar que Deus é Mistério inesgotável, auto manifesto, aberto ao infinito e somente alcançado plenamente por Ele mesmo. Jesus Cristo foi a manifestação mais eloquente de Deus sobre si mesmo à humanidade e à história. Devido à sua natureza plenamente humana e plenamente divina é lícito afirmar que ele é o inesgotável Mistério em pessoa. 1.2 Inesgotável complexidade na simplicidade de uma pessoa No tópico anterior, você entendeu em que sentido afirmamos que Jesus é o inesgotável Mistério em pessoa. Agora, ampliando um pouco mais a nossa reflexão, é lícito e devemos considerar que Jesus Cristo também é inesgotável complexidade na simplicidade de uma pessoa. Vamos procurar citar algumas razões que justificam afirmar sua complexidade e ao mesmo tempo sua simplicidade. A complexidade da pessoa de Jesus reside no fato de ele ser o cumprimento das promessas feitas por Deus a humanidade por meio de gerações seguidas de líderes carismáticos, como registradas na Sagrada Escritura: patriarcas, juízes carismáticos e profetas. Porém, como estudaremos mais à frente, ele veio de um modo surpreendente e difícil de ser reconhecido de imediato. O caráter complexo que envolve a sua pessoa aparece no modo como ele se apresenta. Ele dava pistas sobre a sua pessoa por meio de ações e de palavras explícitas e implícitas. A complexidade aparece quando, por exemplo, ele chama a Deus de pai com intimidade jamais imaginada. Chamando-o Pai, Jesus estava afirmando ser filho do Eterno, Insondável, Perfeitíssimo, Altíssimo, Onipotente... Implicava dar por pressuposto que ele tinha a mesma natureza de Deus. Isso era muito impactante no seio de uma cultura mergulhada no judaísmo que não ousava nem mesmo pronunciar o nome de Deus (SCHNEIDER, 2002). Outros exemplos disso são todas as vezes em que Jesus se apresenta com autoridade que somente Deus a tem (A BÍBLIA, 1985): ordenando aos ventos e ao mar que se calem (Mc 4, 35-41; Lc 8, 22-25), perdoando pecados (Mt 18, 21-22), curando pessoas (Mc 2, 1-12) e libertando-as do mal (Lc 11, 15-26). O conteúdo dos seus ensinamentos e a mensagem comunicada por meio de suas ações era o Reino de Deus. 8UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã Na verdade, o povo esperava a chegada de um tempo em que o reinado de Deus prevalecesse, estabelecendo a justiça e a ordem sociopolítica no país, por uma intervenção divina. Jesus anuncia a chegada do Reino de Deus, afirma que o Reino de Deus já está entre eles e aponta para sinais que surpreendiam o povo, como teremos oportunidade de estudar mais detalhadamente sobre este assunto. Três dias depois de sua morte apareceu vivo, com o havia prometido, à algumas pessoas isoladamente e também ao grupo dos doze que o seguiam mais de perto. E os seus anunciavam que ele estava vivo e que ressuscitara de entre os mortos causando galhofas e indignação. Esses e outros elementos justificam dizer que Jesus é a inesgotável complexidade na simplicidade de uma pessoa (DUPUIS, 2007, p. 11). A simplicidade de Jesus também foi algo notável e você haverá de convir que era paradoxal: um ser humano aparentemente igual a todos os outros, portador das mesmas necessidades e limites dos seus contemporâneos que dizia que Deus era seu Pai. Por exemplo: sentia cansaço, sede e fome, comovia-se diante do sofrimento alheio, diante da perda de um amigo sentiu o coração apertar e chorou. Nasceu na condição indigente igual a todo recém-nascido, precisando ser alimentado por sua mãe, ser cuidado e protegido. Aprendeu a andar, a falar e a se comportar na família e na sociedade conforme os costumes e regras sociais e sociopolíticas. Foi iniciado na lei judaica como todos os adolescentes seus contemporâneos, quando iniciou a vida pública e saiu de sua pequena cidade em direção à capital do país, Jerusalém, provocou espanto e admiração pelo fato de demonstrar tanta sabedoria embora sendo de origens tão simples. Sua proposta de vida não tinha nada que exigisse alto nível intelectual para que fosse acolhida, seus preferidos eram os da periferia da existência, aqueles que sobravam das camadas seletas da sociedade. Jesus causou muito incômodo às classes dominantes de sua época, no campo civil e também da religião, por isso foi perseguido condenado à morte de cruz e executado como um malfeitor que deveria ser eliminado para o bem de todos, historicamente, um falido. Poderíamos continuar citando quase que ao infinito as razões paradoxais da extrema simplicidade unida à uma complexidade incomparável na pessoa de Jesus. 1.3 Falamos de uma Cristologia ou de várias cristologias? Com sua encarnação, testemunho de vida, ensinamentos e obras, Jesus inaugurou uma novidade cujo grupo primitivo recebeu a responsabilidade, ou melhor, a missão de comunicar a todos aquilo que ouviu e vivenciou naquela comunidade primitiva formada pelos doze apóstolos, o Mestre e tantos seguidores. 9UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã Cada apóstolo e cada discípulo estabeleceu um tipo de relação com o Mestre de acordo com a sua caminhada de seguimento e adesão à Boa Nova que Jesus estava trazendo. Jesus enviou a todos a pregar ao mundo que eles aprenderam de maneira que cada apóstolo gerou o seu discipulado. O perfil desses grupos assistidos pelos apóstolos era bastante variado. A pregaçãodos apóstolos transmitindo a Boa Nova de Jesus adaptava se a realidade de cada grupo principalmente a proveniência de suas crenças. Anunciar Jesus a um pagão requeria uma estratégia diferenciada do anúncio feito há um judeu convertido, para citar um exemplo. Esta é uma das razões pelas quais cada um dos evangelistas construiu uma narrativa especifica a respeito de Jesus, embora Marcos Mateus e Lucas se aproximem mais entre si por terem usado fontes comuns, enquanto João tenho estilo todo próprio. Ora, se isso acontece entre os evangelistas imaginemos que ao longo de dois mil anos de evangelização são muitas as interpretações existentes a respeito do evento Jesus Cristo e do seu significado. Isso indica que o modo como cada um comunicou a experiência e aprendizagem feita no discipulado de Jesus teve um enfoque particular. É bom lembrar que estamos diante de um objeto de estudo sobre o qual tudo o que foi absorvido, escrito e interpretado a respeito parece INADEQUADO ou INSUFICIENTE. Esta inadequação de que estamos falando não é apenas uma sensação. É uma realidade inerente à cristologia devido a seguinte razão: Os registros do Novo Testamento foram feitos conforme uma seleção do que se pretendia narrar a respeito de Jesus Cristo. O Evangelista Lucas inicia o seu evangelho explicando que tudo o que conhecera a respeito de Jesus Cristo ele pretende anunciar. E explica que está enviando um escrito previamente organizado o que significa certa seleção de material. Vale a pena conferir na sua bíblia (A BÍBLIA, 1985): Lc 1,3: “... escrito ordenado...”. No capítulo 21 do seu evangelho, o Evangelista João explica que aqueles relatos não corresponder a tudo o que Jesus fez e disse. João declara que tal pretensão seria impossível. Confira Jo 21, 15: “Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas uma por uma...” Ainda como exemplo, observe o que o próprio Jesus explica sobre a totalidade das coisas que ele gostaria de dizer e ensinar. Porém, ele prefere delegar ao paráclito que conduza os seus a verdade plena. Caso Jesus mesmo resolvesse dizer tudo os seus não suportariam. Isso está em Jo 16, 12-13: “tenho ainda muito a vos dizer que não podeis agora suportar... o Paráclito vos conduzirá à verdade plena...”. 10UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã Não obstante tudo isso, Jesus ordena que o seu evangelho, a sua Boa Nova, seja anunciada. Esta palavra de ordem é levada a sério pelas comunidades cristãs primitivas: Mc 16, 1s: “ide pregai o evangelho...” e até os nossos dias. Haja vista, a título de exemplificação, algumas das abordagens recentes reproduzidas pelo olhar mais amplo de uma teologia pluralista que considera os contextos específicos da cristologia. Apresentaremos algumas delas, baseando-se em Dupuis (DUPUIS, 2007): ● Abordagem histórico crítica: esta abordagem atende ao método histórico crítico de estudo dos evangelhos. Esse jeito de fazer cristologia tem o propósito de demonstrar que o fundamento da cristologia presente no anúncio da igreja primitiva está na pessoa concreta do Jesus histórico. Esforça-se para extrair dos evangelhos tudo aquilo que é possível afirmar a respeito da experiência terrena de Jesus de um modo crítico e comparativo entre o Jesus concreto da história e a tradição de fé dos discípulos desde os da primeira geração. ● Abordagem existencial: esta abordagem baseia-se em uma forma de fazer teologia que busca colher o significado do aspecto cristológico estudado, considerando a resposta e adesão de fé existencialmente válida que a mensagem de Jesus suscita. A abordagem existencial considera que os registros sobre a experiência cristã lógica que se encontram nos evangelhos foram formulados a partir de uma linguagem típica do tempo utilizando-se dos símbolos e representa ações de uma experiência de fé resultante do sentido existencial daquele contexto. ● Abordagem Cristológica pelos títulos: entre as tantas formas de se fazer cristologia está abordagem através dos títulos atribuídos a Jesus Cristo que se encontram ao longo dos evangelhos. Analisando a origem e a razão pela qual esses títulos são atribuídos a Jesus Cristo nos evangelhos constrói-se uma cristologia. Cada título relaciona se a dimensões diferentes da vida e do ser de Jesus Cristo. Existem os títulos messiânicos como por exemplo: o Cristo ou o servo de Javé ou ainda o Filho do Homem. Outros títulos são mais funcionais. Eles indicam a missão salvífica de Jesus em relação à humanidade e ao cosmo. Por exemplo: profeta, salvador e Senhor. Podemos citar ainda uma terceira categoria de títulos cristológicos que se encontram nos evangelhos. São os chamados títulos ontológicos por indicarem o perfil pessoal de Jesus Cristo. Por exemplo: palavra de Deus filho de Deus caminho verdade e vida. ● Abordagem crítico dogmática: estuda se Jesus Cristo a partir da formulação de fé construída principalmente nos primeiros séculos com validada pelos concílios ecumênicos antigos. Os dogmas cristológicos estão diretamente relacionados a contextos específicos de debates a respeito da pessoa de Jesus, porém, foram assumidos pela fé da igreja e continuam válidos até os nossos dias. 11UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã Estudar a pessoa e o significado de Jesus Cristo apenas sob o olhar dogmático pode-se incorrer no risco de deixar muito fechada a leitura a respeito de Jesus Cristo. Embora não sendo do agrado do magistério Oficial da Igreja Católica Apostólica Romana oficial (maior representante do cristianismo no mundo), a abordagem crítico dogmática estuda a fé professada pelos cristãos através dos dogmas por eles assumidos, a partir de uma postura criticamente respeitosa ou respeitosamente crítica. ● Abordagem histórico salvífica: esse modo de fazer cristologia destaca se por considerar primordial o evento Jesus Cristo. Abordagem parte da encarnação do filho de Deus considera toda a sua experiência de vida como evento salvífico e vai até a ressurreição. A cristologia construída a partir da perspectiva histórico salvífica está centrada no significado teológico do evento Jesus Cristo que veio para a salvação do gênero humano e de toda a criação restabelecendo a comunhão com Deus. ● Abordagem da cristologia da libertação: nesta abordagem importa colher da experiência de encarnação do filho de Deus na história em seus comportamentos e práticas a chave para uma interpretação prática de todas as realidades atuais necessitadas de libertação. Ela baseia-se na teologia da libertação que se levantou a partir do Concílio Vaticano II. A teologia da libertação ganhou muita expressão na América Latina devido a ser um continente que concentra muitas injustiças sociais resultando no desrespeito à dignidade da pessoa humana e à vida no universo. Esta produção cristológica pergunta-se sobre o sentido prático da fé cristã, ou seja: o que muda na justiça social de um país ou continente em que a sociedade é constituída por uma maioria de cristãos? Que respostas podemos encontrar nos ensinamentos e na praxe de Jesus para o escândalo da miséria e da fome? ● Abordagem Inter-religiosa: é uma das abordagens mais novas da cristologia. Ela se insere na dinâmica do diálogo micro e macro ecumênicos. A cristologia do diálogo está sempre relacionada a algum tema específico da cristologia. Um bom exemplo de uma cristologia inter-religiosa é aquela que foi envolvida entre teólogos judeus e cristãos nos anos 1980, procurando resgatar a profunda inserção de Jesus na cultura e na prática religiosa do seu povo reconstruindo as evidências de que Jesus foi um autêntico judeu. Poderíamos continuar citando diferentes modelos de cristologia alargando o leque temporal para algumas abordagens mais antigas, já em desuso. Neste momento da nossa reflexão, gostaríamos de deixar clara a importância de uma abordagem integral da cristologia simplesmente definida pela buscade entender como é que os cristãos dão razão à sua própria fé do ponto de vista histórico, bíblico e dogmático. 12UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 2. MÉTODOS, FONTES E NOTAS IDENTITÁRIAS DA CRISTOLOGIA Os bons resultados de qualquer empreendimento dependem em grande parte de um bom planejamento que preveja desde o ponto de partida aos detalhes da execução. O êxito dos resultados depende ainda das estratégias e dos meios escolhidos para se alcançar um determinado fim. Os instrumentos ou materiais utilizados também precisam estar alinhados e adequados ao tipo de empreendimento falando mais especificamente do planejamento é imprescindível determinar o ponto de onde se quer partir, ou seja, o início da ação empreendedora. É importante também incluir no planejamento um ponto de onde partir, os direcionamentos a serem tomados durante o processo e os procedimentos em vista da sua conclusão. Você deve estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com o nosso curso de cristologia. Dizíamos na introdução ao módulo que faríamos uma construção de conhecimentos juntos e de fato é o que estamos realizando. Cabe-nos agora conversar um pouco sobre os métodos da cristologia. 2.1 Os métodos descendente e ascendente da cristologia Antes de explicarmos cada uma desses métodos é importante entender que o que aqui se chama de método diz respeito à determinação do ponto de partida da construção cristológica. As duas visões qual respondem a 2 perguntas: na elaboração da cristologia devemos proceder a partir de Deus ou a partir do homem? Deve-se fazer a cristologia apoiar-se sobre um dogma de fé ou deve-se construi-la sobre a base da história? É o que você irá entender agora. 13UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 2.1.1 O método descendente da cristologia A cristologia segundo o método descendente implica partir de pressupostos a respeito da natureza divina de Jesus Cristo, seus atributos de semelhança a Deus como ponto de partida. O estudo inicia tendo já em mãos os resultados das grandes discussões a respeito da identidade de Jesus, desde os seus contemporâneos até os primeiros conselhos ecumênicos da história da igreja. O método descendente da cristologia é também chamado cristologia de cima (LOEWE, 2000). A razão disso é que a cristologia descendente ou de cima parte das realidades pré-existentes do filho de Deus, por exemplo, inicia pelo estudo da sua condição eterna pré-existente de ser filho de Deus, em seguida, estuda a sua ressurreição e por último a sua experiência terrena, ou seja, a realidade da sua encarnação. A desvantagem do método descendente de fazer cristologia está Inter como pressupostos cláusulas quem incluem a profissão de fé cristã. Este, a priori, dificulta a aprendizagem e a compreensão de pessoas que não professam a fé cristã. Um outro motivo pelo qual este método caiu de uso, é por divergir do modo como Deus revelou a si mesmo na história. Você entenderá melhor esta avaliação depois que apresentarmos os dois métodos, dando-lhe condições de uma comparação avaliativa. 2.1.2 O método ascendente da cristologia Ao contrário do método descendente da cristologia, o método ascendente da cristologia parte da perspectiva histórica de Jesus, como pressupostos apenas dos registros do antigo testamento que por sua vez também são estudados conforme a progressividade da Revelação. A cristologia ascendente é também chamada cristologia de baixo (LOEWE, 2000) porque parte das realidades histórico existenciais vividas por Jesus Cristo, o Verbo de Deus encarnado e segue a sequência dos próprios acontecimentos registrados na sagrada escritura a saber a ressurreição, a experiência da igreja primitiva, as controvérsias e discussões a respeito da identidade de Jesus Cristo, até estudar por último a formulação do dogma cristológico a partir do estudo dos concílios ecumênicos antigos. O consenso entre teólogos contemporâneos aponta para o método ascendente de fazer cristologia como o mais adequado há uma teologia lúcida e coerente com o processo da revelação. Quando Deus quis dizer disse ele adotou a progressividade da história sem nenhum pressuposto a não ser ele mesmo sinalizando o seu ser e a sua presença no mundo. Fez isso na história de Israel desde o antigo testamento até o cume da revelação com a vinda de Jesus. Estão representados: 14UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã FIGURA 1 - MÉTODO ASCENDENTE E DESCENDENTE DA CRISTOLOGIA Fonte: A autora (2021). 15UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 3. A ANTIGA QUESTÃO DO JESUS HISTÓRICO Entre os elementos que compõem a fé e o anúncio cristãos o que mais causa dificuldades, desde o primeiro século, é a dupla natureza de Jesus Cristo, humana e divina ao mesmo tempo. Para a cultura e a concepção religiosa judaica era impossível inadmissível pensar que Deus pudesse assumir a imperfeição de um corpo visível e tudo o mais que compõem a natureza humana: a corporeidade, a historicidade, a temporalidade e assim por diante. Deus estaria contradizendo a sua própria natureza, negando-a. A dupla pertença de Jesus natureza humana e divina foi causa de muitos debates teológicos durante a formulação e a sistematização do dogma cristológico. A grande maioria das heresias que surgiram durante os seis ou sete primeiros séculos do cristianismo discutiam este assunto e apresentavam formulações ou respostas teológicas julgadas incorretas no corpo das verdades sobre a pessoa e o significado de Jesus Cristo. Embora desde o primeiro Concílio Ecumênico da história da igreja (Concílio de Niceia – 325 d.C.) afirme-se que Jesus, o Filho de Deus, possuía a mesma natureza divina que o Pai, até hoje muitos não creem que verdadeiramente Jesus Cristo é o Filho de Deus e que tem a mesma natureza divina que o Pai. Neste momento do nosso curso de cristologia, queremos voltar a nossa atenção para o debate que surgiu no auge da época moderna e ficou conhecido como a questão do Jesus histórico. O movimento intelectual moderno atravessou os séculos XVIII, XIX e XX e encontra-se ativa até os nossos dias. 16UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã Embora tenha causado muitos desconfortos aos cristãos foi importante porque mobilizou aprofundamentos teológicos sobre a natureza de Jesus, melhorou o modo como estudar a sagrada escritura e enriqueceu a Cristologia enquanto tal. O debate ficou muito conhecido devido a densidade das argumentações entre os participantes e o quanto confrontavam a fé cristã e negavam o seu núcleo: a extraordinariedade da divindade de Jesus. A Questão do Jesus histórico nasceu do processo que se desencadeou no encontro entre autocompreensão da fé cristã e a cultura moderna no final do século XVIII. Uma espécie de confronto entre a fé e a razão. A nossa razão possui uma lógica conceitual e é segundo ela que acontece o contato com todas as realidades que o ser humano conhece. Quando algo desconhecido nos é apresentado, naturalmente a nossa razão busca nos arquivos já existentes um grupo ao qual esta nova realidade desconhecida poderia se enquadrar. Vamos procurar entender melhor a partir do seguinte exemplo: imaginemos que seja apresentado um limão há uma pessoa que não o conhece. Em frações de segundo, a mente começa a buscar nos seus arquivos grupos aos quais aquela novidade poderia se encaixar. Quanto à forma definirá que é algo redondo em base a outros objetos redondos já conhecidos. Quanto à espécie associará ao grupo frutas. E agora, para definir de que fruta se trata, a mente inteligente recorrerá ao que mais lhe aproxima, talvez a uma laranja. Imaginemos agora que a razão seja colocada diante de um ser que se afirme pertencente a duas naturezas ao mesmo tempo. Na mais absurda das hipóteses imagine um ser com aparência de um papagaio afirmando ser ao mesmo tempo cobra. A tendência natural é de descrença. Simplesmente a razão não consegueenquadrar essa novidade em nenhuma das categorias que ela possui. Simplesmente acontece a negação da razão sobre a existência deste elemento não alcançável pela razão. Por este motivo, percebe-se a limitação da habilidade racional e à necessidade que ela tem de outras faculdades do ser humano. Antes de avançarmos na nossa reflexão, é interessante considerar que a razão não é a única forma com que o ser humano entra em contato com as realidades que ele conhece. Nos últimos vinte anos, muitas pesquisas têm sido feitas a respeito de outras formas com que o ser humano pode conhecer e interagir com o meio em que vive. Estudos sobre a mente humana constatam que ela emite e capta sinais ao seu redor auxiliando o ser humano na percepção e no conhecimento das realidades existentes. É próprio da antropologia teológica estudar o ser humano a partir da visão da teologia, segundo a qual ele é imagem e semelhança de Deus, dotado de um corpo material e de uma alma espiritual capaz de se comunicar com seres também espirituais, como é Deus. 17UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã O âmbito da espiritualidade também tem se desenvolvido muito reconhecendo a natural sensibilidade que o ser humano possui para captar e interagir com as realidades transcendentes, capaz, portanto, de professar a fé. A pesquisa do Jesus histórico teve cunho histórico crítico. Foi construída por pensadores racionalistas, iluministas e empiristas. Ela ia contra todo tipo de concepção transcendente, especialmente a fé de que Jesus era mais que um homem comum. A crítica recaiu especialmente sobre a fé cristã por causa da grande influência do cristianismo sobre a sociedade. É bom que você perceba que não se tratou de um trabalho com o objetivo de análises teológicas pois tratou-se de um evento eminentemente científico e cultural. Tudo começou entre 1774 e 1778 com a publicação de fragmentos da gigantesca obra de Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) por um discípulo seu chamado Lessing (LOEWE, 2000, p. 24). A obra enciclopédica tinha cerca de quatro mil páginas e era intitulada Fragmentos de um anônimo de Wolfenbüttel. Era uma narrativa crítica da vida de Jesus Cristo construída a partir de uma leitura dos evangelhos de cunho histórico crítico. Ele fez questão de considerar apenas os dados históricos, cortando tudo o que está relacionado ao perfil divino extraordinário de Jesus que suscitava a fé dos discípulos: a concepção graciosa, as curas, os milagres, o perdão dos pecados, as profecias e a ressurreição (LOEWE, 2000, p. 25). Segundo a análise Reimarus, existe uma clara distinção entre a doutrina de Jesus e a doutrina dos apóstolos. Segundo ele, aquele Jesus que existiu realmente em Nazaré não é o mesmo daquele que os apóstolos anunciavam. Logo, para conhecer a Jesus é preciso distinguir metodologicamente a apresentação dos apóstolos daquilo que realmente foi a vida e os ensinamentos de Jesus. Para ele, Jesus não teria ensinado mistérios nem nada que fosse significativo para sustentar uma fé religiosa. O Reino de Deus ensinado por Jesus era diferente da concepção judaica. O que aparece nas palavras e gestos de Jesus é um modelo sociopolítico tão desafiador para as classes dominantes da época que resultaram na decisão de eliminá-lo. E Jesus foi crucificado e morto violentamente (LOEWE, 2000). Loewe (2000) segue explicando que para Reimarus o Reino de Deus anunciado por Jesus não era deste mundo e que a sua morte não foi um fracasso porque na verdade Jesus morreu para salvar a humanidade dos seus pecados e, portanto, ele não estava morto ressuscitou e eles o viram vivo. A ressurreição foi um modo dos discípulos não se envolverem com o fracasso do mestre. Para defenderem-se das consequências de um falimento público, os discípulos teriam roubado o cadáver de Jesus e anunciado que ele ressuscitou. 18UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã Assim, a partir da morte de Jesus abre-se um novo cenário de pregação que já não é correspondente aos ensinamentos de Jesus e sim a pregação dos apóstolos. Para ele, as histórias da ressurreição são tão contraditórias que nos permitiram acordar deste torpor. Em conclusão dos seus estudos, Jesus teria sido um histórico, revolucionário, religioso e nacionalista, um grande mestre ético. E o cristianismo não foi resultado das intenções dele, mas uma fraude da parte dos discípulos que mergulhou gerações inteiras no engano (LOEWE, 2000). Como você há de convir, essa publicação causou muitas inquietações, especialmente para os cristãos. Os escritos de Reimarus foram suprimidos por causa do extremismo de suas posições e pelas reações que causou. O debate sobre a questão do Jesus histórico dividia-se entre duas posições. De uma parte, os racionalistas defendiam Reimarus. De outra parte, os sobrenaturalistas o combatiam defendendo a doutrina segundo a qual a bíblia vale em cada uma das suas palavras literais (LOEWE, 2000, p. 25). Houve muitas publicações de ambas as concepções. Não teríamos espaço suficiente neste curso para estudá-las. Alguns autores tentavam reconciliar a posição sobrenaturalista com a racionalista. Procuravam encontrar algo esclarecedor e convincente entre a visão da modernidade sobre o cristianismo e a vertente tradicional de uma leitura literal das sagradas escrituras sobre Jesus. Porém, não se chegou a resultados apaziguadores. Para você conhecer um pouco mais apresentaremos uma das posições mais polêmicas (LOEWE, 2000). Adolf von Harnack (1851 - 1930) considerado o mais notável teólogo protestante e historiador da Igreja do fim do século XIX e do início do século XX, é exemplo dessas tentativas, embora tenha também desmerecido a narrativa cristã. Segundo Harnak, era necessário romper com o dogmatismo teológico e, através de uma análise do cristianismo primitivo e da história da doutrina cristã. Somente assim se poderia chegar ao evangelho do próprio Jesus e à essência do cristianismo. Ele proferiu muitas conferências sobre ao assunto. Em 1901, foi publicada a obra A Essência do Cristianismo. É uma síntese das dezesseis conferências proferidas por ele a seiscentos estudantes na Universidade de Berlim entre os anos 1899 e 1900. Vamos conhecer a posição dele de forma sintética: ● A essência do cristianismo é Jesus e sua mensagem extraída dos evangelhos mediante uma análise histórica, especialmente de Marcos, o mais próximo dos fatos; ● Jesus desviou a atenção de si em sua pregação, apontando para alguns temas bem específicos colocando-se como modelo desse conteúdo: Deus como Pai, a filiação divina e o amor universal que é eternizante. ● Os ditos de Jesus sobre a vinda do Reino têm dupla vertente: um reino além desta vida e também relacionado a uma realidade presente na história. 19UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã ● A Igreja exige a profissão de fé em coisas tão complexas e está deixando de lado a vida simples e a mensagem concreta de Jesus. ● Discutir se Ele é o Filho de Deus, de igual natureza, verdadeiramente homem e Deus... não seria a casca do cristianismo? ● Jesus pertence à essência do cristianismo não porque era filho de Deus, mas porque “era a realização pessoal e a força de sua mensagem, e ainda é visto assim”, pelo poder de sua personalidade. Como você já deve ter notado, o teólogo joga o cristianismo contra o Jesus histórico, sua experiência de vida e seus ensinamentos. Resulta para Harnak que, eliminando dos evangelhos o que ele chama de “a casca do cristianismo”, o sobrenatural, obtém-se uma narrativa confiável sobre Jesus Cristo e os seus ensinamentos. Harnak foi contestado e também apoiado de modo a não chegar a uma solução para o problema em aberto. Afinal, há ou não diferenças entre a experiência de Jesus na história e o que os apóstolos e discípulos anunciaram a seu respeito? Se existem diferenças, até que ponto ela torna inválida a fé da Igreja? (LOEWE, 2000). Fazendoum balanço desta primeira fase da pesquisa do Jesus histórico ficou claro que o programa faliu pelo preconceito dogmático que visava substituir a imagem ortodoxa do Cristo pela de um Jesus conforme aos pressupostos históricos, cientificistas e até mesmo nacionalistas da teologia liberal alemã. Restou o incômodo para os cristãos de não encontrar resposta satisfatória em nenhuma das tentativas de conciliação. Em 1906 entram no cenário três personagens que dão início a reavaliações sobre o percurso feito nos debates sobre a questão do Jesus Histórico iniciada no final do século XVIII. Os teólogos Albert Schweitzer (1875 - 1965), Rudolf Karl Bultmann (1884 - 1976) e Karl Barth (1886 - 1968) reavaliam os resultados obtidos na primeira fase das buscas, retomam a discussão e abrem um período considerado o tempo intermediário entre a antiga e a nova questão do Jesus Histórico, como veremos no próximo tópico. 20UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 4. A NOVA QUESTÃO DO JESUS HISTÓRICO 4.1 Introdução Os resultados da antiga questão do Jesus Histórico, considerando as várias posições dos pensadores que se pronunciaram, deixou no ar uma tremenda insatisfação. Tudo começou com a pergunta sobre possível diferença entre a pessoa e a pregação de Jesus em si e o que os apóstolos e discípulos anunciaram a seu respeito. Certamente existiram diferenças, como é comum em todas as narrativas a respeito de fatos históricos e dos seus significados. Quando alguém ou um grupo conta uma vivência acentua os traços da experiência feita pela própria pessoa ou por aquele grupo específico. E se cada pessoa envolvida no acontecimento for ouvida em suas narrativas, os enfoques serão específicos e diferenciados. Porém, há de se manter o teor regente do acontecimento, a sua veracidade. 4.2 A fase intermediária dos debates Para Albert Schweitzer a pesquisa antiga fracassou por não ter conseguido trazer o Jesus da história à tona sem destruir o mestre de salvação, não atendeu à exigência de sentido. Para ele, o que pode ajudar e é importante para o nosso tempo não é a busca por Jesus conforme historicamente conhecido, mas Jesus espiritualmente ressuscitado dentro dos homens (LOEWE, 2000). Rudolf Karl Bultmann e Karl Barth falam a partir do movimento teológico “Teologia da Palavra” segundo o qual o texto da Bíblia desapareceu na poeira do tempo, mas torna-se palavra salvífica de Deus, pelo poder do Espírito Santo, quando é proclamada no púlpito, porque põe os ouvintes em crise frente a sua condição de vida atual e seu destino eterno (LOEWE, 2000). A Palavra proclamada exige uma resposta imediata do ouvinte em crise. 21UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã Sem tempo nem interesse por uma análise histórica, ele dá uma resposta de adesão na fé. Barth afirma que o que há de mais precioso na Palavra escapa à crítica histórica, por isso ela é irrelevante. E Para Bultmann (LOEWE, 2000) a busca do Jesus histórico é, de fato, impossível e, em princípio ilegítima, por dois motivos. Primeiro porque, segundo ele, os textos estão de tal modo impregnados pela fé da Igreja primitiva que é impossível retroceder por eles até o Jesus histórico. Para ele, não se deve nem tentar buscá-lo. Como bom luterano que era, ele cita Lutero: “os seres humanos são justificados pela graça de Deus recebida na fé e não pelos seus próprios esforços...” Nestes termos, Schweitzer, Barth e Bultmann defendem a fé cristã contra os resultados da pesquisa crítica histórica de até 1953 (LOEWE, 2000). A autoconcepção da fé entrou em crise no encontro com a consciência científica empírica e histórica da modernidade. É inegável! Porém, será que para um estudo dos evangelhos e do evento cristão o método utilizado pela ciência empírica e histórica da modernidade foi adequado? É a questão impulsionadora da segunda fase da pesquisa do Jesus histórico que ficou conhecida como a nova fase ou simplesmente a nova pesquisa do Jesus histórico (LOEWE, 2000). 4.3 A nova questão do Jesus histórico Em 1953, Ernest Kasemann, ex-aluno de Bultmann, apresentou um trabalho “a questão do Jesus histórico” em um círculo de estudos em Marburg. Kasemann defende que há continuidade entre o que se pode saber a cerca de Jesus, pelo método de estudo crítico histórico e a figura de Jesus como Cristo, apresentado pelo Novo Testamento e pela tradição cristã. Ele afirma que esta pesquisa era legítima, necessária e possível e deve continuar. Assim explica Kasemann (KONINGS, 1997): ● Legítima: a pesquisa que foi considerada falida, a do Jesus histórico é legítima porque os evangelistas escrevem falando sobre Jesus, portanto não é tentativa de salvação por obra humana, é legítimo do ponto da fé cristã, buscar acesso a Jesus como podemos hoje; ● Necessária: a dicotomia entre o Jesus histórico e o Cristo bíblico, mito e história, gera uma posição insustentável nos cristãos com relação aos evangelhos. O impasse sem respostas justifica retomar a questão do Jesus histórico; ● Possível: para Kasemann, o problema da impossibilidade e do falimento foi devido ao emprego de método adequados ao estudo na sagrada escritura. Portanto, se for adotada uma metodologia que atenda às exigências do estilo de literatura bíblica, a pesquisa é possível e deve ser retomada. 22UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã Kasemann estava fazendo alusão ao método histórico crítico de leitura da Bíblia desenvolvido por August Ludwig Schlözer à época do Iluminismo tardio. Ele foi reelaborado por muitos biblistas, inclusive com a colaboração de Bultmann, de onde surgiu o método de estudo bíblico denominado “crítica das fontes”. Esta percepção foi de suma importância para que houvesse um significativo eu vou avanço na cristologia a partir do estudo das Fontes bíblicas (KONINGS, 1997). O método nasceu da consideração do material primário do qual cada evangelho é construído. A partir da diferença das Fontes, foi possível perceber a semelhanças que fazem com que os evangelhos de Mateus Marcos e Lucas sejam semelhantes entre si e diferentes do evangelho segundo João (FABRIS, 1988). A leitura crítico histórica da vida de Jesus a partir da narrativa dos evangelhos, além de considerar as fontes, considera também os contextos redacionais, as questões linguísticas e tantos outros detalhes que ajudam a compreender melhor os registros do Novo Testamento a respeito da vida de Jesus. O método da crítica das fontes, inclui a crítica das formas e também a crítica redacional. Com este trio metodológico, pode-se considerar a tradição oral que está atrás de cada um dos escritos, a pré-história de cada um dos documentos situados entre a morte de Jesus e as primeiras redações dos evangelhos. Assim é possível identificar o gênero literário e distinguir o material da fonte dos materiais aportados pelo autor para dar liga ao texto. A partir da crítica redacional são estudados e levados em consideração os contextos, ou seja, o ambiente vital de onde surgiu o texto. São muitos e diversos entre si os contextos culturais envolvidos e eles são importantes para que se possa colher os padrões redacionais adotados pelos evangelhos e as opções de disposição dos redatores distintamente. A nova pesquisa do Jesus histórico abriu horizontes para um conhecimento muito mais amplo e profundo a respeito da experiência terrena de Jesus resolvendo muitas das questões a presentadas na antiga pesquisa do Jesus histórico, de modo particular as suspeitas quanto ao caráter divino de Jesus e à fé desenvolvida desde a primeira comunidade cristã (FABRIS, 1988). O objetivo do registro escrito da vida e dos ensinamentos de Jesus não é simplesmente um diário de ações útil para a formulação de uma biografia, como pensada pela ciência moderna da história. Os evangelhos foram escritos para narrar a experiência feita pela comunidade que recebeu a figura histórica e teológica de Jesus. O legado dos evangelhosconsiste no sentido conferido pela comunidade primitiva ao evento Jesus Cristo, desde o seu nascimento até o complexo contexto da sua morte e ressurreição. 23UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã Por este motivo, qualquer pesquisa feita a partir dos escritos dos evangelhos que tenha o objetivo de compilar uma biografia construída por uma sequência lógica de fatos existenciais sobre Jesus, é fadada a falir. O motivo pelo qual cada registro foi feito, não é oferecer aos leitores uma lógica cronológica dos fatos. Cada evangelho possui um perfil delimitado pelos mais diversos fatores e, por isso, ora omite informações que atenderiam à nossa curiosidade histórica, ora desce a mínimos detalhes de uma determinada cena. O importante é que consiga transmitir a experiência de fé feita pelos apóstolos e discípulos de Jesus. 24UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã SAIBA MAIS Você já deve ter observado como é imensa a quantidade de artigos e livros publicados a respeito de Jesus Cristo. Deve também ter notado que o material produzido diverge um do outro quanto as suas opiniões e pontos de vista a respeito de quem tenha sido Jesus Cristo e o significado da sua existência na história. Então, eu quero fazer uma pergunta provocante: é lícito falar sobre Jesus a partir dos contextos de quem o estuda? Pode- se fazer uma leitura cristológica de cunho cultural atualizado nas diversas culturas?!!! Sim, é possível! Mais ainda: há que se considerar as novas cristologias de ontem e de hoje, como o faz o teólogo jesuíta, Manuel Hurtato, em um artigo muito interessante, NOVAS CRISTOLOGIAS: ONTEM E HOJE ALGUMAS TAREFAS DA CRISTOLOGIA CONTEMPORÂNEA, publicado na revista Perspectiva Teológica, disponível online. Fonte: HURTATO, M. Novas cristologias: ontem e hoje algumas tarefas da cristologia contemporânea. Revista Perspectiva Teológica, ano XL, número 112, set/dez. 2008. DOI: https://doi. org/10.20911/21768757v40n112p315/2008 https://doi.org/10.20911/21768757v40n112p315/2008 https://doi.org/10.20911/21768757v40n112p315/2008 25UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã REFLITA Você já parou para pensar como o mundo seria diferente se o os cristãos vivessem radicalmente a sua fé? Será que o número de cristãos no Brasil é insuficiente para combater os sinais de injustiça social e a má divisão dos bens da natureza? O que será que está faltando? Leia e compare essas duas matérias: 1- “O Anuário Pontifício 2017 e o Anuarium Statisticum Ecclesiae 2015, do Departamento Central de Estatística da Igreja do Vaticano, indica que o Brasil ocupa o primeiro lugar no conjunto de dez países do mundo com maior consistência de católicos batizados, com 172,2 milhões de católicos. Ficando à frente de países como o México, com 110,9 milhões, Filipinas com 83,6 milhões, Estados Unidos da América (72,3), entre outros. O número de católicos brasileiros representa 26,4% de católicos no continente americano. Na pesquisa do Instituto Pew Research Center, o Brasil figura na lista dos maiores países cristãos do planeta, com aproximadamente 175 milhões de seguidores de Jesus, atrás apenas dos Estados Unidos, 246 milhões, e à frente do México, terceiro colocado, com 107 milhões”. Fonte: CNBB- Igreja católica Apostólica Romana. Cristãos no mundo. Disponível em: https://www.cnbb. org.br/cristaos-no-mundo-7-bilhoes-de-pessoa-dizem-professar-a-fe-crista-segundo-instituto-de-pesqui- sa-pew-research/. Acesso em: 25 out. 2021. https://www.cnbb.org.br/cristaos-no-mundo-7-bilhoes-de-pessoa-dizem-professar-a-fe-crista-segundo-instituto-de-pesquisa-pew-research/ https://www.cnbb.org.br/cristaos-no-mundo-7-bilhoes-de-pessoa-dizem-professar-a-fe-crista-segundo-instituto-de-pesquisa-pew-research/ https://www.cnbb.org.br/cristaos-no-mundo-7-bilhoes-de-pessoa-dizem-professar-a-fe-crista-segundo-instituto-de-pesquisa-pew-research/ 26UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 2 - “Superando a atual taxa de mortalidade pela covid-19, cerca de 11 pessoas poderão morrer de fome por minuto no mundo até o final de 2021. A falta de alimentação mínima é agravada por cenários de conflitos armados, pelos efeitos da crise climática e pela própria pandemia. A conclusão é de relatório da ONG (organização não governamental) Oxfam divulgado nesta 6ª feira (9.jul.2021)” (11 pessoas podem morrer de fome por minuto no mundo até fim do ano, diz ONG. Fonte: RODRIGUES, F. Jornal digital O poder360. Disponível: https://www.poder360.com.br/internacional/ 11-pessoas-podem-morrer-de-fome-por-minuto-no-mundo-ate-fim-do-ano-diz-ong/. Acesso em: 25 out. 2021. https://www.poder360.com.br/internacional/11-pessoas-podem-morrer-de-fome-por-minuto-no-mundo-ate-fim-do-ano-diz-ong/ https://www.poder360.com.br/internacional/11-pessoas-podem-morrer-de-fome-por-minuto-no-mundo-ate-fim-do-ano-diz-ong/ 27UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegamos ao final da primeira unidade do curso de cristologia. Nela, você entendeu que o nosso curso está situado no âmbito do cristianismo a partir da própria visão cristã. Você pode perceber também a grande variedade de abordagens quando se trata de estudar a pessoa de Jesus Cristo. Durante o percurso, foi oportuno que você tivesse compreendido em que sentido a palavra mistério é atribuída a Deus e também a Jesus Cristo. Uma vez que você teve essa compreensão, tornou-se mais fácil acrescentar os dados da historicidade da pessoa de Jesus. Os evangelhos são uma fonte primária da cristologia, porém, para extrair dos evangelhos dados a respeito da pessoa de Jesus é necessário adotar uma metodologia específica a fim de não forçar o texto dos evangelhos a responderem aí tens que eles não possuem. Por esta razão, estudamos a metodologia descendente e ascendente da Cristologia, isso suscitou que também estudássemos a questão do Jesus histórico. O objetivo da sequência temática escolhida é de que você perceba que é impossível reconstruir a história de Jesus a partir de métodos da historiografia moderna. Fica esclarecido que a dimensão mistérica de Jesus Cristo faz dele um objeto de estudo que requer que se considere a intelecção como também a fé cristã. De outro modo, estaremos estudando o fenômeno histórico Jesus e não estaremos colhendo o seu significado teológico que é o que sustenta a Cristologia. Os resultados que se pretendem num curso de cristologia é colher a compreensão cristã a respeito da pessoa e do significado de Jesus Cristo e isso ultrapassa infinitamente uma mera construção biográfica. Na próxima unidade, estudaremos Jesus como o Messias prometido por Deus. 28UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã LEITURA COMPLEMENTAR O Dicionário Crítico de teologia dirigido Por Yves Lacoste, reúne os mais renomados teólogos do ocidente escrevendo sobre temas clássicos da teologia. Os verbetes são construídos em estilo abrangente, próprio para o aprofundamento de temas específicos. No verbete Mistério, você vai encontrar abordagem bíblica, litúrgico sacramental e o desenvolvimento do sentido do uso do termo na teologia do oriente e do ocidente. Fonte: ALETTI, J. Mistério. In: LACOSTE, J. Y. (Org.) Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1157 - 1161. O tema central deste artigo é o dilema que o método histórico-crítico de interpretação da Bíblia vive hoje, causado pelo amadurecimento dos princípios que adotou por ocasião de seu nascimento, há cerca de 250 anos, como filho legítimo do Iluminismo e do racionalismo. O artigo poderá enriquecer os seus conhecimentos por retomar aspectos do nascimento do método, sua contribuição e seus limites, de modo esclarecedor e crítico. Fonte: LOPES, A. N. O dilema do método histórico-crítico na interpretação bíblica. Revista Fides Reformata X, n. 1 (2005): 115-138. Disponível em: https://cpaj.mackenzie. br/wp-content/uploads/2018/11/6-O-dilema-do-m%C3%A9todo-hist%C3%B3rico- cr%C3%ADtico-na-interpreta%C3%A7%C3%A3o-b%C3%ADblica-Augustus-Nicodemus-Lopes.pdf. Acesso em: 21 out. 2021. 29UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO 1 Título: Introdução à Cristologia Autor: Jacques Depuis. Editora: Loyola. Sinopse: Esta obra procura aprofundar tanto o mistério da pessoa como o próprio sentido do acontecimento Jesus Cristo na história da humanidade e do mundo. Pretende assinalar uma volta à histó- ria humana de Jesus, muitas vezes esquecida pelo peso excessivo da especulação criptológica. LIVRO 2 Título: Jesus Cristo Libertador Autor: Leonardo Boff. Editora: Loyola. Sinopse: Este livro quer ser um ensaio cristológico pensado e escrito dentro do horizonte da experiência da fé como é encarada na América Latina. A figura do Cristo aqui apresentada nasceu de estudos acurados de exegese; história dos dogmas e de antropolo- gia. Especialmente a humanidade de Cristo é posta numa luz nova. Foi essa humanidade; e não apesar dela; que Deus se manifestou. Por isso Deus não pode ser encontrado fora do homem-Jesus. Nele Deus revelou a sua face humana; e o homem sua face divina. É em Jesus que descobrimos quem é Deus e quem é o homem. 30UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã FILME/VÍDEO Título: Jesus de Nazaré Ano: 1977. Sinopse: Aclamado por críticos e espectadores, Jesus de Nazaré continua sendo uma das melhores representações da história de Cristo. ... O comovente retrato da vida e a morte de Jesus de Nazaré, é aqui apresentado desde o seu nascimento, passando pelas suas peregrinações ainda enquanto criança e o seu batismo por João Batista. Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=I3Iz7eLq1Ws WEB 1- O documentário “Quem foi realmente Jesus” poderá contribuir com a evolução das suas reflexões a respeito dos seus conheci- mentos sobre Jesus Cristo. Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=MPkJyoT_F1Q 2- Vídeo: Jesus histórico. Site: Jesus histórico Neste vídeo você vai ouvir uma exposição ampla sobre a questão do Jesus histórico, que nós estudamos, produzida pela faculdade São Basílio Magno, FASBAM, proferida pelo filósofo e teólogo Rogério Miranda de Almeida. A abordagem é clara e rica em infor- mações multidisciplinares. 31 Plano de Estudo: ● As expectativas messiânicas de Israel; ● A tradição profética do Filho do homem; ● O Filho do homem segundo o Novo Testamento; ● O Reino de Deus anunciado por Jesus. Objetivos da Aprendizagem: ● Conceituar e contextualizar o messianismo de Jesus; ● Compreender os tipos de expectativas messiânicas de Israel; ● Estabelecer a importância da figura do Filho do Homem na tradição profética; ● Identificar os pontos de identificação e de ruptura entre o Reino que Jesus anunciou e as expectativas de reinado de Deus contemporâneas a Ele. UNIDADE II O Messias Prometido e Esperado Professora Doutora Raquel C. Cabral 32UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 32UNIDADE II O Messias Prometido e Esperado INTRODUÇÃO Prezados e prezadas estudantes do curso de cristologia, que bom que você concluiu a primeira unidade do nosso curso e agora está disposto a fazer a segunda. O objetivo dessa unidade do curso de cristologia é conhecer a forma toda própria como Jesus instaura o reinado de Deus no mundo. Para conhecermos melhor o reinado de Deus a partir de Jesus Cristo, nada melhor que darmos atenção ao que ele mesmo dizia a seu respeito, como se apresentava e que nomes dava a si. Agora você, vai perceber melhor que Jesus, como bom judeu, conservou um fio de continuidade com a tradição judaica e, ao mesmo tempo trouxe novidades. Na verdade, Jesus estabeleceu com o judaísmo uma relação de ruptura na continuidade. É aqui que se encontra o núcleo da fé cristã em Jesus Cristo, razão de ser da cristologia. Para observar melhor o que acabei de afirmar, é de suma importância visitarmos juntos alguns pontos específicos da tradição religiosa judaica, cujos registros encontram-se na primeira parte da Bíblia, no Antigo Testamento. De modo mais geral, nesta unidade nos ocuparemos em encontrar as razões pelas quais Jesus foi o Messias esperado e prometido. No primeiro tópico compreenderemos as esperanças messiânicas de Israel, veremos a variedade das problemáticas e das ânsias que determinavam, para cada grupo, o desejo de uma intervenção de Deus enviando alguém que respondesse as suas problemáticas específicas. No segundo tópico, muito relacionado ao primeiro, estudaremos no que consistia o reinado de Deus segundo a concepção judaica, principalmente a partir da monarquia como regime governamental de Israel. No terceiro tópico do nosso curso, aprenderemos o significado do termo tão caro a Jesus quando falava de si mesmo: Filho do Homem. Daremos um mergulho na tradição profética para conhecermos a figura apocalíptica na qual Jesus se inspirou para falar de si. E já no quarto tópico analisaremos o perfil de Jesus comparado a figura do filho do homem como aparece na tradição profética, ressaltando os traços identitário da pessoa de Jesus Cristo, enquanto filho de Deus encarnado na história. Desejo-lhe um aprendizado empolgante e rico em significados para a sua vida pessoal e sua atuação como teólogo ou teóloga. 33UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 33UNIDADE II O Messias Prometido e Esperado 1. AS EXPECTATIVAS MESSIÂNICAS DE ISRAEL Introdução O título desta unidade evoca uma realidade própria da pessoa de Jesus que tornou-se uma propriedade de domínio popular, dispensando necessidade de maiores esclarecimentos. O curso que você está fazendo proponho um salto de qualidade nos conhecimentos a respeito do significado da pessoa de Jesus Cristo para fé cristã. Como o domínio popular não é suficiente para descrever o perfil teológico de Jesus Cristo, procuraremos entender em que sentido Jesus foi o cumprimento da promessa da vinda de um Messias. A título de revisão, é importante recordarmos que estamos construindo uma cristologia que visa abordar integralmente as dimensões fazendo com que resulte em um estudo de fato teológico. Para tal, é necessário contemplar a dimensão teológica da cristologia (considerar que Jesus é o filho de Deus que se encarnou); soteriológica (ter presente que Jesus é o Salvador); pneumatológica (não perder de vista que Jesus é o portador por excelência do Espírito Santo de Deus) e, por último, a dimensão histórico-antropológica (o fato de que o filho de Deus, Jesus Cristo assumiu a realidade histórica é a natureza humana tal como ela é). Além dessas dimensões que compõem uma cristologia integral haveremos também de incluir alguns princípios. O primeiro deles é atenção dialética. Com essa palavra aparentemente difícil estamos nos referindo a dupla natureza de Jesus Cristo que gera uma certa atenção, ou seja, Jesus pertence ao mesmo tempo à natureza humana e à natureza divina. Segundo princípio é o de totalidade quer dizer, precisamos considerar tudo o que diz respeito a sua existência inclusive aos fatos que o precederam. 34UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 34UNIDADE II O Messias Prometido e Esperado Outro elemento importante é o da continuidade histórica. Jesus irrompe na história um tempo novo que só foi possível ser reconhecido retomando o contexto histórico ao qual ele deu continuidade. Os seus apóstolos e todas as gerações de discípulos precisaram fazer leituras retrospectivas da Sagrada Escritura e da história de Israel, de modo especial sobre o messianismo. Tendo em vista todas as considerações que fizemos até aqui, devemos nos pergun- tar: o que é mesmo Messias? Você já parou para pensar? De onde nasceu este termo? Se Jesus Messias fora prometido e esperado, quem o prometeu e o que estava no imaginário e no desejo dos que esperavam pela sua chegada? Eram várias as expectativas ou uma única? As respostas a esses questionamentos são fundamentais para o nosso “início” de conversa. É o que iremos construir juntos. 1.1 O Antigo Testamento como chave de compreensão de Jesus, o MessiasJesus de Nazaré era judeu. Ele cresceu e foi educado nas tradições do povo judeu e não pode ser entendido sem elas. O Antigo Testamento é um pano de fundo irrenunciável para se compreender a cristologia. De modo particular, o conhecimento das expectativas salvíficas de Israel, oferecem valiosas indicações para que entendamos a missão Dele. Jesus compartilhava a fé judaica no Deus Uno. Seus discípulos e os primeiros cristãos também eram judeus ou tinham muita aproximação às tradições e fé judaica. Eles interpretavam a história de Jesus conforme as escrituras, isto é, baseados na tradição da fé e dá Esperança de Israel. Mesmo que precisassem interpretá-la de maneira nova, a referência para a compreensão da missão e do ser de Jesus, O Mestre, era a Escritura. A profissão de fé e o anúncio de que Jesus seria o Cristo o Messias ou ungido, bem como tantas outras imagens e concepções fundamentais que eles utilizavam para compreender a figura e a história de Jesus, provém do Antigo Testamento. Seria errôneo e redutivo afirmar que o Antigo Testamento é a pré-história que preparou a vinda de Jesus. Porém, é inegável que o antigo testamento preparou a vinda de Jesus e tornou-se um pressuposto interno para a interpretação e o conhecimento da sua vida e da sua missão. Muito frequentemente encontram-se nos textos do Novo Testamento citações da antiga aliança, da experiência do povo de Deus registrada no Antigo Testamento, sinalizando a veracidade do que acabamos de afirmar. Essa dinâmica encontra-se também no modo como Jesus se faz reconhecer dentro da história e das expectativas libertadoras do seu povo a fim de que se sentissem contemplados na espera da promessa de um Messias. 35UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 35UNIDADE II O Messias Prometido e Esperado Através da leitura retrospectiva das promessas fundamentais e abrangentes do Antigo Testamento de que o próprio já vê viria até o seu povo, os autores do Novo Testamento perceberam que aquelas promessas da vinda de Deus como o Justo Juiz por graça e favor de Deus estavam sendo realizadas, estavam concretamente presentes em Jesus. 1.2 As esperanças de salvação do Antigo Testamento: expectativas messiânicas de Israel A pergunta que nos ocorre para entrar na dinâmica das expectativas messiânicas de Israel é a seguinte: se Israel espera a vinda de Deus em juízo e em graça salvadora, como é que o Novo Testamento pode dizer que a vinda de Jesus Cristo, tal como foi, seria o cumprimento dessa esperança? O povo tinha ânsia de salvação. Mas, o que será que o povo judeu entendia por salvação? Fazia parte da concepção comum do judaísmo a respeito de Redenção como um processo que se realiza no palco da história no meio da comunidade. A salvação ou redenção acontece no mundo visível e concreto. Este é o traço característico mais marcante e está à base de concepções específicas. De acordo com as variantes da compreensão de salvação, variam também a espera por alguém que a concretize. Em poucas palavras: as expectativas messiânicas estão intimamente relacionadas à concepção de redenção e suas nuances, como veremos a seguir (SCHNEIDER, 2002). 1.2.1 Redenção como vida abençoada Esta expectativa de Redenção como vida abençoada é muito comum à mentalidade de Israel que interpreta o êxito da criação como sinal de salvação. Do mesmo modo os sinais catastróficos da natureza, os eventos naturais de destruição, são interpretados como castigo de Deus ou retirada da sua benção. A salvação consiste na plenitude dos bens vitais terrenos, como se fosse o prêmio do bom êxito da criação. A abundância em todos os sentidos é recebida como dádiva salvífica de Deus: saúde, terra descendência, paz, liberdade, meios de subsistência, etc. Deus é experienciado como Deus vivo a fonte da vida (Sl 36, 10) e consequentemente, fonte da salvação. Ele concede a vida ao ser humano para que ele o siga e o testemunhe. Diante do caos histórico, da desordem sociopolítica e da privação dos bens resultante das injustiças, Israel espera que a intervenção de Deus aconteça por meio da renovação das bênçãos (Dt 30, 19s; Ez 18, 4-9) que devolveria para o povo a vida e os bens da criação em plenitude (A BÍBLIA, 1984). 36UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 36UNIDADE II O Messias Prometido e Esperado 1.2.2 Redenção como libertação histórica A Redenção, que é tão esperada, acontece na história concreta e é observada nos acontecimentos da vida. De acordo com esta compreensão, a Redenção corresponde a libertação verificável no aspecto corporal, social e econômico. Como você pode observar essa concepção de Redenção não considera a interioridade. Uma vez que a história é o palco da Redenção porque é nela que a libertação histórica se dá, está incluído nesta forma de compreensão a esperança de mediadores humanos como Moisés, Débora, Miriam (Jz 5, 2-31; 3, 9s; 4, 3-10; I Sm 11). A experiência da libertação da servidão do Egito, no século XIII a.C. é o exemplo emblemático da ação redentora de Javé na história e deixou marcas indeléveis na memória coletiva. A salvação, para quem trazia no coração esta experiência, era esperada como uma intervenção histórica da parte de Deus, com efeitos definitivos de libertação de todo o tipo de escravidão, particularmente sócio social política religiosa e econômica. O formato da ação de Deus, libertando o seu povo da escravidão do Egito, teve caráter normativo, ou seja, orientações bem precisas do agir. O decálogo em Ex 20,2 e Dt 5,6 instruiu a liberdade do povo na direção da escolha de uma vida em comum, com direitos e deveres iguais de pessoas libertas que realmente se tornaram livres. Por esta razão, qualquer forma de opressão torna-se abominável. “lembra-te que foste escravo no Egito e que já vê, teu Deus, que libertou de lá” (Dt 24, 17s; 15, 12-15). Para Israel, que foi escravo, estrangeiro, pobre e fraco no Egito, a opressão passa a ser sua maior incoerência e ingratidão para com Deus. Sendo assim, às condições históricas favoráveis a vida confortável são um sinal de livramento e salvação histórica também por serem acontecimentos da história real, palpáveis e materiais. Israel leva muito a sério a criação da terra Deus a criou e é nela que opera a salvação. 1.2.3 Salvação relacionada ao templo e à dinastia de Davi Agora vamos conhecer um pouco mais a respeito da expectativa salvífica que se criou em torno do templo de Sião e da casa real davídica. A origem histórica da esperança messiânica em Israel é política e se encontra na instituição e posterior decadência da monarquia hierárquica em Israel que você poderá identificar na linha do tempo da história de Israel: 37UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 37UNIDADE II O Messias Prometido e Esperado FIGURA 1 – LINHA DO TEMPO DA HISTÓRIA ANTIGA DE ISRAEL Fonte: A autora (2021). Depois que Israel conquistou A Terra Prometida, foi organizada em 12 tribos conduzidas por profetas carismáticos e organizada por juízes instituídos. O país vivia em sistema de teocracia direta, ou seja, o próprio Deus era o rei e a arca da aliança era o seu trono. Aconteceu que o povo desejou ter a mesma organização das nações vizinhas e ser governado por um líder político, um rei que não fosse o próprio Deus. Então, na assembleia de Ramá, o povo pediu ao profeta Samuel, último dos juízes que constitui se sobre ele um rei que exercesse à justiça e o direito, que o representasse politicamente como as outras nas ações (I Sm 8,5s). Deus ouviu o pedido do povo, saiu do reinado e constituiu um rei temporal conforme o desejo do seu povo. Saul foi o primeiro rei. Ele foi rejeitado por ter desobedecido a Deus, ter oferecido sacrifício a deusas fenícias e ter recorrido a feiticeiras. (I Sm 13, 12-13; I Sm 28, 18; I Cr 10,13). Davi foi o segundo rei. Ele marcou muito a história de Israel. Ficou reconhecido como o ungido de Israel. Embora tendo cometido pecadosmuito graves, Davi realizou alguns prodígios administrativos como por exemplo: abriu rota de comércio nas fronteiras, constituiu um exército formal em defesa do país, construiu sua casa ou seu palácio no alto do monte Sião e levou para lá a arca que continha as tábuas da aliança. Intensificou-se a consciência de que o rei que governa Israel a partir de Sião, o faz por incumbência de Deus a quem ele representa: “senta-te ao lado meu” (Sl 110, 1). Coube a Davi anunciar a construção do templo em Sião em função de um futuro messiânico da estirpe de Davi abre aspas farei permanecer a tua linhagem depois de ti” (IISm 2, 12-14). 38UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 38UNIDADE II O Messias Prometido e Esperado O reinado de Davi adquiriu traços messiânicos pelos seus feitos em favor do povo, tornando credível a unção de Deus sobre ele. O arquétipo ou referência dos juízes e reis terrenos é o próprio Deus. Reinar em Seu nome significa promover a defesa e o direito dos pobres, a comiseração dos sem vida, o fortalecimento dos fracos e a libertação dos oprimidos. Esta figura contrasta com a tirania e a exploração dos pequenos por parte de reis terrenos que Samuel expõem para advertir ao povo (I Sm 8). O terceiro rei, Salomão, deixou o país em crise depois dos 40 anos do seu reinado. Entregou se a idolatria se envolveu com idolatria, prestou culto às deusas fenícias da agricultura e da fertilidade, casou-se com uma filha pagã do Faraó, gastou muito com mulheres e deixou o tesouro público com sérios problemas. A crise levou ao cisma hebraico, que dividiu o reino em Reino do norte (Israel) cuja capital era Samaria e Reino do sul (Judá) cuja capital era Jerusalém. As relações entre os dois reinos não foram tranquilas até que Israel foi invadida, ficou cativa da Assíria de 722 a 586... sua independência e seus reis faliram! Esta situação fazia o povo reforçar a figura de Davi como referência. A Esperança pela ordem pública, pelo perdão dos pecados e pela intervenção de Deus fazia com que se imaginasse a Redenção como o reinado de Deus por meio de alguém parecido com Davi. Os profetas começam a anunciar um novo começo que Deus quer fazer por intermédio não mais de um rei, mas de um Messias: Emanuel, um rei Salvador, que julga os pobres com justiça e age em nome de Deus, fiel à unção. De fato, as profecias apontam para esta figura salvadora que virá. Porém, a encarnação do Filho Deus do modo como se deu, jamais foi imaginada ou predita com clareza. 39UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 39UNIDADE II O Messias Prometido e Esperado 2. A TRADIÇÃO PROFÉTICA DO FILHO DO HOMEM 2.1 Introdução A expressão “filho do homem” está presente em alguns escritos do Antigo Testamento e também do Novo Testamento. A expressão é utilizada no antigo testamento para referir-se a uma figura messiânica, presente na tradição profética, cuja presença simbólica tem um significado muito importante para se compreender a pessoa e a missão de Jesus Cristo. Afinal de contas quando Jesus se apresenta, muitas vezes, utiliza esta expressão como título que define a si mesmo. Neste tópico do nosso curso de cristologia iremos estudar a origem da figura do filho do homem nos livros dos profetas Ezequiel e Daniel. É importante que você tenha sua bíblia em mãos e faça a leitura atenta dos textos em questão. O objetivo deste conhecimento é chegarmos a responder, no tópico seguinte, à pergunta: que tipo de Messias foi Jesus? Ele atendeu às expectativas messiânicas do seu tempo? Por que Jesus Cristo se referiu a si mesmo como filho do homem? Em que sentido ele se definia assim? Buscaremos as origens da expressão no Antigo Testamento que se encontram nos livros dos profetas Ezequiel e Daniel. 2.2 O filho do homem em Daniel e Ezequiel Logo no início do livro do profeta Daniel encontra-se a narração de uma visão que ele teve, envolvendo elementos do cosmo, com uma mensagem a respeito de Deus e da história. Na teologia bíblica este tipo de visão se chama teofânica. 40UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 40UNIDADE II O Messias Prometido e Esperado O autor do livro conta que ficou encantado com o céu aberto e com quatro seres celestiais (Ez 1, 4-5) que carregavam algo muito precioso (Ez 1, 26). Ezequiel entende que aquele objeto estava representando a glória de Deus que não abandona o seu povo e está disposto a estar com ele e o salvar. Deus fala com o profeta chamando-o de “filho de Adão” ou “filho do homem”, demonstrando que há diferenças entre Ele e o ser humano, apesar de tanta proximidade. A expressão dá força à autoridade amorosa e salvadora de Deus sobre a criação. Por isso Ele ordena, indica, conduz e confere a Ezequiel uma missão, visto que o profeta é um descendente de Adão. Por isto, o profeta se sente obrigado a ir à “Casa Rebelde” ou “Casa de Israel” com a finalidade de anunciar a salvação. Ezequiel revê a esperança messiânica popular de cunho pagão e anuncia o verdadeiro conteúdo da Aliança e imagem do Messias. Ele não é um simples homem/guerreiro, ele é o príncipe da paz, o pastor sereno, cuja missão lhe foi dada por Yahweh (Ez 34, 23s). Ezequiel testemunha Deus, anuncia que a Aliança com deus requer renovação interior, culto de adoração e o faz como enviado, como filho do homem; No capítulo sétimo do livro do profeta Daniel, também se encontra uma visão bem significativa sobre o final do domínio dos reinos terrestres. A narrativa simbólica é aterradora, antes de ser decifrada. Mas tudo ganha sentido ao final. Antes de irmos ao texto é importante que você saiba que essa literatura tem características que a definem como apocalíptica. Este tipo de escrito era muito usado em tempos de perseguições quando não se podia dizer abertamente o que se pensava ou tecer críticas a respeito das forças dominantes. Por isso, a utilização de símbolos substituía nomes de opressores, pessoas ou instituições a quem se queria denunciar no anonimato, evitando perseguição e morte. A visão de Daniel acontece em três etapas ou três visões em uma só, confira (A BÍBLIA, 1984): 1) Dn 7, 1-8- a visão dos quatro animais Daniel vê quatro animais surgindo do mar, na concepção vigente o mar era o lugar do desconhecido, monstros potentes por superarem o domínio que o ser humano poderia ter sobre a realidade indomável. Acreditava-se que os demônios viviam no mar, o que indicava que a origem do mal era desconhecida em sua origem. O número quatro no texto tem diversos significados que lembram tudo o que é potente no universo, por exemplo, quatro são as forças cósmicas: o ar, o fogo, a água e a terra. Quatro são as potências mundiais que dominaram Israel. 41UNIDADE I A Fé Cristã a Partir da Visão Cristã 41UNIDADE II O Messias Prometido e Esperado Sendo assim, o número quatro também colabora na composição da mensagem simbólica que o texto quer comunicar. Também a aparência dos animais tem algo a dizer a animais que aparentam ser outros, em geral eles possuem força arrebatadora, membros, dentes ou chifres anormais, tudo usado para destruição. O conjunto dos animais está falando de uma totalidade potente e, ao que parece, insuperável. Eles representam os quatro impérios que dominaram o mundo até então: o babilônico, a meda, o persa e o macedônico. Os animais, ou potências mundiais, lutam pelo poder Império e pelo domínio do mundo que está em um verdadeiro caos. O cenário se dá em um terrível alvoroço caótico exatamente o oposto harmonia da criação. A triste realidade denunciada nesta primeira parte da visão é que essas potências mundiais receberam poder e tem espaço e autoridade na história. 2) Dn 7, 9-14 – o juízo mundial de Deus em contraposição às potências mundiais Daniel continua narrando a sua visão. Ele assiste ao movimento de preparação para um possível julgamento. Ao centro tem um juiz, um idoso conversas brancas cuja brancura esplendorosa enche o espaço de glória.
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