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1 PROGRAMA NACIONAL DE TRIAGEM NEONATAL AMPLIADA: O que o gestor público deveria saber EXPANDED NATIONAL NEONATAL SCREENING PROGRAM: What the public manager should know Stephany Ribeiro Rodrigues1 Orientadora: Profª. Denise Gomes de Moura2 RESUMO RODRIGUES, Stephany Ribeiro. Programa Nacional de Triagem Neonatal Ampliada: O que o gestor público deveria saber. 2021. Artigo (Gestão Pública) – Tecnólogo, Brasília, janeiro de 2022 A Lei n° 14.154/2021 aprovou o aumento do rol de doenças triadas pelo Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) e institui a obrigatoriedade da implementação de projetos-piloto de ampliação da triagem biológica por todo o país. O presente artigo destaca, de forma estruturada, a atuação do PNTN e a relevância da triagem neonatal ampliada, sistematizando informações sobre os aspectos conceituais e teóricos do tema, através da apresentação do exemplo da política já adotada na capital federal e as práticas e recomendações da literatura acadêmica para a elaboração dos projetos-piloto. No intuito de subsidiar a tomada de decisão de gestores públicos para a ampliação e o aperfeiçoamento do PNTN. A pesquisa usou abordagem qualitativa, e foi elaborada segundo a metodologia de Revisão de Escopo. Este método pôde mapear os principais conceitos, identificar as lacunas e servir de ferramenta analítica para o planejamento de políticas públicas. Foram coletados artigos publicados dentre os anos de 2001 a 2021, indexados em quatro bases de dados: Lilacs, Scielo, a Biblioteca Virtual em Saúde e o Portal de Periódicos da Capes. Os quais resultaram, após a análise de elegibilidade, o total de 12 artigos de âmbito nacional e internacional. Os critérios de inclusão de doenças, as avaliações econômicas-financeiras de tecnologias em saúde, os aspectos técnicos e éticos da testagem do material biológico e a importância das ações educativas dos programas neonatais foram os principais achados desta pesquisa. Destaca-se também a baixa ocorrência de estudos desta temática associados ao contexto da gestão pública na produção acadêmica nacional. Palavras-chave: Triagem Neonatal Ampliada; Projetos-piloto; Sistema Único de Saúde; Gestor Público. 1 Graduanda no Curso Superior Tecnologia em Gestão Pública do Instituto Federal de Brasília (IFB). Endereço eletrônico: stephany2802@hotmail.com 2 Orientadora: Mestra e Professora no Eixo de Gestão e Negócios do IFB, Campus Brasília. Endereço eletrônico: denise.moura@ifb.edu.br 2 ABSTRACT Law n°. 14.154/2021 approved the increase in the list of diseases screened by the National Neonatal Screening Program (PNTN) and establishes the mandatory implementation of pilot projects to expand biological screening throughout the country. This article highlights, in a structured way, the performance of the PNTN and the relevance of expanded neonatal screening, systematizing information on the conceptual and theoretical aspects of the theme, through the presentation of the example of the policy already adopted in the federal capital and the practices and recommendations of the academic literature for the elaboration of pilot projects. To support the decision-making of public managers for the expansion and improvement of the PNTN. The research used a qualitative approach and was elaborated according to the Scope Review methodology. This method was able to map the main concepts, identify the gaps and serve as an analytical tool for public policy planning. Articles published between 2001 and 2021 were collected, indexed in four databases: Lilacs, Scielo, the Virtual Health Library and the Capes Journal Portal. After the eligibility review, the total of 12 articles of national and international scope resulted. The inclusion criteria of diseases, the economic and financial evaluations of health technologies, the technical and ethical aspects of the testing of biological material and the importance of educational actions of neonatal programs were the main findings of this research. It is also noteworthy the low occurrence of studies of this theme associated with the context of public management in national academic production. Keywords: Expanded Neonatal Screening; Pilot projects; Brazilian Public Health System; Public Manager. Data de Aprovação: 28/01/2022 3 1 INTRODUÇÃO O direito e a garantia à saúde, foram oficializados pela Constituição Federal de 1988, que devido ao seu texto ideário, estabeleceu um marco; tanto no processo de redemocratização do Brasil quanto na instituição de Direitos e Garantias fundamentais para a nação. Cumprindo os anseios da população, a Carta Magna vinculou, em seu sexto artigo, para toda e qualquer pessoa, os seus direitos fundamentais a sua inerente condição de cidadania. É neste contexto, que a saúde é reconhecida oficialmente como direito social destinado para todos e como dever do Estado, garantida mediante a materialização de políticas públicas voltadas tanto para à redução do risco de doenças quanto aos seus possíveis agravos. Tais ações seriam promovidas através de serviços para a promoção, proteção e recuperação. Este rol de intervenções constituíram o objeto de atuação de um sistema único de saúde (BRASIL, 1988). É desta definição que nasce o Sistema Único de Saúde brasileiro, intitulado SUS, que conforme estabelece a Constituição (BRASIL, 1988), age de forma regionalizada e hierarquizada fornecendo atendimento integral, e tendo como diretriz principal, a priorização das atividades preventivas de saúde tanto coletiva quanto individual. E com primazia no desenvolvimento de políticas públicas e fornecimento de serviços de saúde destinados a criança e ao adolescente (BRASIL, 2018). É deste direcionamento normativo que são desenvolvidos diversos programas e medidas preventivas no campo da saúde infantil, dentre eles, um dos maiores exemplos de atuação do Estado, é o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). Criado em 2001 pelo Ministério da Saúde, cuja principal matriz de atuação se baseia na realização de testes biológicos em recém-nascidos de todo o país (BRASIL, 2001). Segundo descreve o seu Manual Técnico de Triagem Neonatal: A triagem neonatal a partir da matriz biológica, “teste do pezinho”, é um conjunto de ações preventivas, responsável por identificar precocemente indivíduos com doenças metabólicas, genéticas, enzimáticas e endocrinológicas, para que estes possam ser tratados em tempo oportuno, evitando as sequelas e até mesmo a morte. (BRASIL, 2016, p. 11) Atualmente, a triagem biológica realizada pelo SUS tem um baixo grau de rastreamento de doenças para este tipo de exame. O “teste do pezinho” aplicado nos primeiros dias de vida de milhões de recém-nascidos pelo SUS é capaz de detectar apenas seis doenças (BRASIL, 2016). Atrasado em relação ao modelo utilizado nos Estados Unidos e em diversos países europeus, que já utilizam uma modalidade ampliada deste mesmo exame, que é capaz de diagnosticar até 53 doenças, inclusive algumas doenças genéticas raras. (SOUSA et al., 2021) Segundo dados do Instituto Vidas Raras3, ONG fundada em 2001 e especializada em doenças raras no Brasil, estima-se que em todos os anos nasçam ao menos 10 mil brasileiros com doenças metabólicas não detectadas pelo teste do pezinho vigente. Esta lacuna na detecção precoce é responsável pelo diagnóstico tardio de diversas doenças graves, cuja demora no rastreio ocasiona casos de quadros clínicos graves e até mesmo permanentes, com sequelas físicas, motoras e intelectuais (WEISMILLER, 2017). O acompanhamento destes casos, demanda da rede pública de saúde a disponibilização de tratamentos e insumos altamente especializados, e mais onerosos aos cofres públicos. É o caso de bebês identificados com galactosemia, por exemplo (JUNIOR et al., 2011).3 Revista Vidas Raras – Pezinho do Futuro. Disponível em < http://vidasraras.org.br/sitewp/revista-vidas-raras- edicao-17-julho-dezembro-2018/ > Acesso em: 12 de nov. 2021 4 Devido a este cenário, o Governo Federal sancionou neste ano (2021), após intensa pressão popular, a Lei n° 14.154/2021, que aprovou a ampliação do exame fornecido pelo SUS. Entretanto, conforme o texto sancionado, o exame será ampliado de forma escalonada e entrará em vigor somente em 2022. Dentro deste período está prevista a realização de projetos-pilotos de implementação por todo o país. No entanto, no que tange a capital da federação, o Programa de Triagem Neonatal é referência para todo o País. Sendo o único exemplo nacional, com cobertura total dos recém- nascidos, a ter acesso ao teste ampliado (BRASIL, 2021). No Distrito Federal a triagem ampliada já é realizada desde 2008, instituída pela Lei Distrital n° 4190/2008, e com o seu rol doenças triadas aumentado para mais de 50 enfermidades, pela Lei Distrital n° 6.895/2021. Em razão deste cenário, nota-se que há uma necessidade no campo acadêmico de desenvolvimento de estudos acerca das possíveis políticas públicas no campo da saúde, que auxiliem na implementação de técnicas, critérios e instrumentos para o desenvolvimento dos projetos-pilotos. Desta forma, questiona-se: Quais são os principais aspectos teóricos e práticos que gestores públicos precisam entender a respeito da triagem neonatal ampliada para que possam desenvolver seus projetos pilotos? Partindo deste questionamento fica estruturado como objetivo geral desta pesquisa apresentar de forma estruturada os principais aspectos teóricos e práticos que devem nortear a implementação de um projeto piloto de triagem neonatal ampliada na saúde pública brasileira. Com foco nas etapas e nos critérios de implementação de um programa de triagem neonatal, que são adotados e recomendados tanto por gestores públicos quanto por acadêmicos da área. Já os objetivos específicos visaram apresentar aspectos gerais do exame de testagem biológica e a sua importância como medida de saúde preventiva, tanto em sua modalidade padrão quanto na sua versão ampliada. Além de estruturar um breve histórico acerca do Programa Nacional de Triagem Neonatal e apresentar o exemplo da triagem ampliada já adotada no Distrito Federal. Este artigo está estruturado em cinco seções, além desta introdução. A segunda seção materializa o alicerce teórico que delimita os aspectos envolvidos nesta temática, por meio de um panorama que contextualiza as medidas de atuação de políticas públicas na prevenção baseada na testagem neonatal e as novas tecnologias passiveis de adoção pelo SUS. Na terceira seção foi descrita a metodologia aplicada nesta pesquisa no qual foram descritos os métodos utilizados, abordando uma visão geral acerca dos procedimentos e dos instrumentos de coleta de dados e sua respectiva forma de análise. A penúltima seção mostra o processo de pesquisa e análise das informações coletadas. E por último, a quinta seção se debruça na apresentação das considerações dos resultados observados no trabalho. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Política Pública Política pública pode ser conceituada como uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público (COELHO; SECCHI; PIRES, 2020). Souza (2006) define políticas públicas como a soma de todos os conjuntos de ações as quais o governo decide atuar para que resultem efeitos específicos, que se desdobram em planos, programas, projetos, bases de dados ou sistema de informação e pesquisas. Neste sentido, Secchi, Coelho e Pires (2020) elucidam que as políticas públicas se concretizam em ações por intermédio de programas (conteúdo tático-gerencial). Deste modo, para que haja o enfrentamento de um problema tido como público é necessário que o Estado - 5 em posse de suas particularidades no processo de elaboração de políticas públicas governamentais – implemente programas efetivos em suas finalidades. Segundo a literatura, existem três atores principais envolvidos nos processos de elaboração de políticas públicas, são eles: os gestores públicos, as comunidades epistêmicas4 e a comunidade de especialistas (DOWBOR; CARLOS; ALBUQUERQUE, 2018). É notória a identificação do gestor público como ator fixo e indissociável de toda política pública, visto que, este representante da burocracia5 influencia todas as fases do ciclo6 de uma política pública, especialmente a sua implementação. Ciente deste fato, o Governo Federal divulga materiais analíticos voltados para gestores e técnicos, aprovados previamente pelo Comitê Interministerial de Governança (CIG), que apresenta recomendações para a formulação, expansão e aperfeiçoamento de políticas públicas no contexto brasileiro. Ao tratar do aperfeiçoamento de programas em vigor, o normativo instrui a atuação do gestor em alguns passos iniciais, como: a comparação internacional de indicadores, para a devida análise e priorização do problema identificado; a busca por políticas públicas similares em execução ou descontinuadas, seja no Brasil ou no exterior; o desenvolvimento de pesquisas para fundamentação teórica da problemática; e para a execução, é recomendado a elaboração prévia de projetos-piloto (BRASIL, 2018b). De modo geral, projetos-pilotos são ferramentas que visam solucionar alguma problemática cuja resolução não possui respostas estruturadas pelos serviços públicos disponibilizados pelo Estado, seu cerne de ação se volta a definição de experiências concretas de atuação. A execução destes projetos se localiza na vertente de análise de políticas públicas, tendo em vista, que os mesmos, visam apresentar uma perspectiva real do momento específico da materialização ou da concretização de uma política pública, mesmo que em escala reduzida. De tal modo, que o gestor público possa estudar as práticas mais eficientes e sustentáveis para auxiliar tanto na tomada de decisão quanto na execução de programas nacionais. A justificativa para o uso desta ferramenta se pauta pela necessidade de se superar as vicissitudes do processo de implementação de um programa, tendo em vista que esta é a causa central para o insucesso de uma política pública. Segundo Silva e Melo (2000), as vicissitudes decorrem de problemas não previstos ou identificados no processo de formulação e que podem representar obstáculos no processo de execução de uma política ou programa. No caso dos Programas Nacionais de Triagem Neonatal, o entendimento dos aspectos clínicos, das definições e dos critérios de adoção e execução de triagens neonatais se fazem imprescindíveis para o sucesso da proposta de saúde preventiva. 2.2 Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) Nos anos seguintes à promulgação da Constituição Federal, o Brasil tornou-se signatário de diversos documentos, tratados e convenções internacionais relacionados ao desenvolvimento dos direitos humanos da criança. Dentre eles, o de maior destaque é o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado pela Lei n° 8.069/1990. 4 Comunidade epistêmica é definida por Peter Haas (1992) como uma rede de profissionais com expertise reconhecida, especializada em uma área particular do conhecimento, com capacidade de exercer autoridade em determinadas políticas que dizem respeito ao seu domínio. 5 A burocracia pode ser compreendida como o corpo de funcionários públicos (burocratas) da administração pública (COELHO; SECCHI; PIRES, 2020). 6 Trata-se de um esquema de visualização e interpretação que organiza a vida de uma política pública em fases sequenciais e interdependentes (COELHO; SECCHI; PIRES, 2020). 6 Um dos principais pilares de atuação governamental previstos neste estatuto se baseia na estruturação de políticas públicas e programas obrigatórios voltados para a saúde neonatal, com foco na prevenção de doenças,ressalta-se esse viés, no inciso III, do Art. 10 que dispõe: [...] Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a [...] proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais [...]. (BRASIL, 1990) Cabe ressaltar que esta faixa etária representa cerca de 60% a 70% da mortalidade infantil no país (BRASIL, 2018). Partindo deste dado, o Ministério da Saúde desenvolveu diversos programas de atuação hierarquizada e continuada para a redução dos índices de morbimortalidade nacionais, capazes de integrar diversas ações coordenadas para a prestação de assistência aos recém-nascidos. Dentre eles, a criação do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) pela portaria GM/MS n° 822, de 6 de junho de 2001, que se institui na esfera de atuação do Sistema Único de Saúde – SUS. Com intuito de não se designar somente ao simples exame de testagem, abrangendo ações adjacentes e outras iniciativas ministeriais. “Constitui-se em um compromisso transversal às políticas, aos programas (saúde da criança e de pessoas com deficiência) e às Redes de Atenção do Sistema Único de Saúde (SUS), como a Rede Cegonha e a Rede de Pessoas com Deficiência.” (CARVALHO et al., 2020, p. 02). A criação de um programa populacional de triagem neonatal já fazia parte das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), para os países em desenvolvimento, desde a década de 60. No Brasil as primeiras iniciativas de exames de triagens neonatais iniciaram-se em 1976, pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), em São Paulo (BRASIL, 2004). Na década seguinte existiram poucas iniciativas no que concerne o amparo legal e operacional para a implementação de uma política pública voltada para a triagem a nível nacional. Neste período o panorama de triagem do país era precário e caracterizado por sistemas particulares de testagem e, no que tange o âmbito da saúde pública, alguns poucos Estados criaram seus próprios projetos. Esta situação trouxe como consequência a falta de integração entre os diversos serviços, a ausência de rotinas uniformes estabelecidas, a diversidade de patologias triadas e a baixa cobertura populacional (assimétrica entre as diferentes regiões brasileiras) (BRASIL, 2004, p.11). Deste modo, foi através da criação do PNTN que foi definida uma abordagem de atuação mais ampla e integrada. Esta abordagem envolveu a segmentação da atuação do serviço de saúde em várias etapas como: a realização do exame laboratorial, a busca ativa dos casos suspeitos, a confirmação diagnóstica, o tratamento e o acompanhamento multidisciplinar especializado dos pacientes (BOTLER et al., 2010). Essas etapas se sustentam no programa através de uma tríade de ações integradas, que segundo o portal oficial do Ministério da Saúde (BRASIL, 2020a), são: • A atenção primária, que é responsável pela coleta e a triagem neonatal nos casos em que ela não é realizada no próprio local de nascimento. Esta fase também funciona como porta de entrada aos sistemas de serviços e de profissionais do SUS, para os casos identificados. 7 • A atenção especializada7 que abarca os serviços de maior complexidade, sua necessidade é identificada pelo resultado do exame de diagnóstico. • Os laboratórios especializados que são incumbidos de distribuir o cartão de coleta, de analisar as amostras e de liberar os resultados para as famílias. Insta salientar que, o programa tem como objetivo principal proporcionar o atendimento adequado aos pacientes detectados por meio de exames laboratoriais realizados durante o período assintomático de bebês em todo país. E com celeridade, de modo que, permita a devida intervenção clínica em tempo oportuno, reduzindo possíveis sequelas/óbitos, envolvendo a tríade de ações integradas, caso necessário (BRASIL, 2016). Diante do exposto, para que o programa consolide esta atuação é necessário que suas articulações envolvam o Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde dos Estados, os Municípios, o Distrito Federal e os Distrito Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) (BRASIL, 2016). Essa articulação entre as organizações de saúde de diferentes entes da federação tem a finalidade de subsidiar e de integrar as ações dos programas locais de triagem neonatal ao plano nacional. Os DSEI´s, por exemplo, se enquadram como unidades gestoras descentralizadas do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), tendo 34 postos distribuídos em todo o território nacional. Que constam em sua estrutura de atendimento: unidades básicas de saúde indígena, polos bases e as Casas de Apoio a Saúde Indígena (CASAI) (BRASIL, [s.d.]). E cabe a esta estrutura – conforme as diretrizes nacionais -, alertar e orientar as gestantes indígenas e seus familiares sobre a necessidade da realização do teste de triagem neonatal no ponto de coleta da Atenção Básica adstrito à sua residência, além de fornecer a segmentação do acompanhamento do bebê triado (BRASIL, 2016). A estrutura central de todas as atividades regionais - tanto do sistema tradicional quanto do indígena -, se baseia no credenciamento dos Serviços de Referência em Triagem Neonatal (SRTN). Que são unidades obrigatórias em todos os estados brasileiros, responsáveis por interligar a rede de Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde aos laboratórios especializados, e que vinculam as suas atividades a uma rede de assistência hospitalar complementar. Ressalta- se, ademais, a obrigatoriedade de implementar um serviço ambulatorial hospitalar multidisciplinar para o devido atendimento e prosseguimento dos pacientes triados (BRASIL, 2004). Em virtude dos fatos mencionados, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde existem 29 SRTN e 24.177 pontos de coleta espalhados por todo o território nacional. Todo este aparato permitiu que o programa, somente no ano de 2019, fosse responsável pela triagem de 2,2 milhões de recém-nascidos. E deste total, foram diagnosticados cerca de 3,2 mil bebês com alguma das doenças definidas pelo atual rol de doenças triadas pelo programa (BRASIL, 2020). Para a existência de tal cenário, a testagem neonatal escolhida para encabeçar a medicina preventiva brasileira, foi o da triagem neonatal biológica. Conhecido popularmente pelo nome do seu exame, o “teste do pezinho”. 2.3 Triagem Neonatal Biológica - “Teste do Pezinho” O “Teste do Pezinho” é uma técnica de testagem desenvolvida em 1963 nos Estados Unidos, pelo médico microbiologista Robert Guthrie, com o intuito de realizar rastreamentos 7 Segundo Paim (2009), são atendimentos que visam atender aos problemas de saúde cuja atenção demande a disponibilidade de profissionais especializados e o uso de recursos tecnológicos de suporte. 8 metabólicos de fenilcetonúria. Tal ação era realizada a partir da análise de amostras de sangue colhidas do calcanhar de recém-nascidos, que foram depositadas diretamente sob papel filtro (LEÃO; AGUIAR, 2008). Foi uma metodologia amplamente adotada por sistemas de triagem neonatal em todo o mundo, e com o passar dos anos sua tecnologia foi sendo aprimorada, evoluindo de um teste metabólico único para um exame mais complexo e abrangente. Logo, esta testagem se tornou capaz de identificar precocemente doenças metabólicas, genéticas, enzimáticas e endocrinológicas (CARVALHO et al., 2020), ampliando o quantitativo de doenças passiveis de rastreio. Atualmente o programa de triagem neonatal brasileiro inclui em seu rol de triagem biológica, o total de seis patologias. São elas: a Fenilcetonúria, o Hipotireoidismo Congênito, a Doença Falciforme e outras hemoglobinopatias, a Fibrose Cística, a Hiperplasia Adrenal Congênita e a Deficiência de Biotinidase (BRASIL, 2016). Ressalta-se que triagem neonatal não se limitaà única ação de testagem em massa de diversas doenças. Botler et al. ( 2010 apud WALD, 2001) define que para os sistemas de saúde públicos, triar significa rastrear, em uma população assintomática, sujeitos com potencial de desenvolver determinada doença e que se beneficiariam de investigação adicional, ação preventiva ou terapêutica imediata. Para tal cenário, é de suma importância compreender que as atividades direcionadas apenas ao objeto de intervenção não são suficientes para a aquisição dos resultados almejados. É necessário então, que as instituições e os gestores envolvidos nas diferentes fases da triagem desenvolvam ações adjacentes que complementem a estruturação do programa. No que tange a organização da gama de atuação do SUS, em relação ao “Teste do Pezinho8”, pautando-se por recomendações internacionais9, o Ministério da Saúde definiu algumas etapas para operacionalizar as principais ações que envolvem este sistema. Conforme é apresentado no Quadro 1: Quadro 1 – Etapas do Programa Nacional de Triagem Neonatal Sistema de Triagem Neonatal ETAPA AÇÕES/RECOMENDAÇÕES Teste de Triagem • Coleta do material biológico seja realizada, entre 3° e o 5° dia de vida do bebê, com o intuito de garantir as especificações técnicas para a análise de determinadas doenças; • Documentação da realização da coleta; • Orientação e treinamento da equipe de coleta; • Planejamento e gerenciamento dos recursos materiais necessários para a coleta; • Gerenciamento do envio das amostras coletadas ao Laboratório de Triagem Neonatal; • Orientação dos pais sobre o procedimento a ser realizado, a sua finalidade e a importância da retirada do resultado; • Verificação pós-coleta para análise dos critérios de qualidade. 8 Insta salientar que no Brasil o Programa Nacional de Triagem Neonatal é popularmente nomeado como “Teste do pezinho”, deste modo, para que haja o devido entendimento das políticas adotadas em contexto nacional recomenda-se o entendimento da nomenclatura supracitada como termo que nomeia todo o sistema de triagem em si, não somente o nome do teste. 9 Segundo o Ministério da Saúde, além dos aspectos metodológicos o Programa Nacional de Triagem Neonatal brasileiro segue os critérios formais estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para este tipo de política pública (BRASIL, 2021c). 9 • Entrega dos resultados Busca Ativa • Reconvocação dos casos positivos; • Responsabilidade dos pontos de coleta de origem da amostra; • Organização e manejo dos dados dos cartões de coleta; • Utilização de meios de comunicação para o devido contato com os pais ou responsáveis (telefone/celular/e-mail); Testes Diagnósticos • Exames de confirmação para os resultados alterados; • Encaminhamento para a consulta especializada dos casos identificados; • Documentação do vínculo do Laboratório Especializado com as unidades de coleta, estabelecendo as responsabilidades legais; • Inserção dos dados cadastrais de cada amostra no sistema informatizado de cada unidade federativa; • Uso de técnicas difundidas por recomendações cientificas internacionais; Tratamento • O diagnóstico presuntivo introduz o paciente a uma rede de atenção especial, que pode acompanhá-lo por toda a vida; • A família da criança diagnosticada deve ter orientações básicas da equipe multidisciplinar no ponto de Atenção Especializado, para o início do tratamento específico; • Atendimento individualizado adaptado as particularidades de cada patologia; • Tratamento medicamentoso; Avaliação das etapas e do sistema • Extração de Indicadores de Gerência pelo responsável técnico do ponto de coleta; • Parâmetros de avaliação: número mínimo de postos de coleta por município, número mínimo de SRTN’s; • Parâmetros de necessidade de triagem; • Parâmetros técnicos: com prazos para coleta e envio do material; • Os gestores devem monitorar o desempenho do programa em seu território e os seus resultados, com base nos indicadores definidos pelo Ministério da Saúde; • Encaminhamento de laudos dos exames, que são analisados e se aprovados, recebem aval por meio de documento de autorização para procedimentos de Alta Complexidade/Custo (APAC). • Diagnóstico Situacional do programa; Fonte: Elaborada pela autora com dados extraídos de BRASIL.Ministério da Saúde (2021, p. 11) (2016, p. 13- 67); Conselho Nacional de Secretários de Saúde – CONASS ( 2007, p. 182); LEÃO; AGUIAR (2008, p. 81-82) Ainda neste contexto, Leão e Aguiar (2008) relatam que a American College of Medical Genetics (ACMG)10 ainda recomenda uma sexta etapa, relacionada a educação dos profissionais e da população. No cenário brasileiro, a finalidade desta etapa está dissolvida em ações pontuais e secundárias nas fases anteriores. As práticas gerais citadas, ambientam tanto os gestores públicos quanto a sociedade em geral a respeito da complexidade da implementação de uma política pública de saúde preventiva desta dimensão. O entendimento das etapas, das ações e das especificações técnicas que envolvem este tipo programa - por parte das instituições e dos servidores envolvidos - é de suma importância para a sua efetividade. De acordo com Botler et al. (2010, p. 506), “Sem uma 10 Organização de Associação Profissional Interdisciplinar reconhecida internacionalmente no campo da triagem neonatal, desenvolve estudos na área e estabelecem padrões de atendimento e política laboral. 10 articulação adequada com as demais etapas, os programas se tornam ineficazes em sua proposta de tratamento precoce e prevenção de sequelas para o desenvolvimento infantil.”. 2.3.1 Triagem Neonatal Ampliada A triagem neonatal nas últimas décadas apresentou uma transição no seu objeto principal de atuação. Tal mudança se deve em parte às mudanças socioeconômicas e das políticas de saúde básica ocorridas em escala global. Segundo Botler et.al (2010), após a superação de doenças imunopreveníveis por medidas preventivas simples de saúde pública, os sistemas de saúde passaram a concentrar seus esforços em doenças menos comuns e mais complexas, mas que possuem impactos e efeitos de longo prazo sobre o desenvolvimento infantil. Para Camelo (2017, p. 01), “[...] emerge o problema subjacente das doenças raras e, particularmente, dos erros inatos do metabolismo”. Assim sendo, a triagem neonatal ampliada foi criada e estruturada a partir de novas técnicas e modelos de triagem. Com a finalidade de aumentar o grau de rastreamento dos programas e diminuir o impacto das doenças mais graves e de maior complexidade para os sistemas públicos de saúde. No exterior, os Estados Unidos e diversos países europeus e asiáticos já implementaram medidas de ampliação dos seus sistemas, permitindo assim a detecção de mais de 53 patologias diferentes (WEISMILLER, 2017). Na maioria destes países a tecnologia optada para ampliar os diagnósticos foi a Espectrometria de Massas em Tandem (MS/MS), que permite a triagem de diversas desordens usando uma única amostra de sangue, sendo que todo o processo é capaz triar mais de 40 doenças metabólicas em cerca de dois minutos (LEÃO; AGUIAR, 2008; WEISMILLER, 2017) . Deste modo, apesar da triagem neonatal ser considerada a maior iniciativa de saúde pública do SUS - no âmbito da genética - no que concerne as medidas de pediatria preventiva (LEÃO; AGUIAR, 2008). Em comparação aos programas internacionais o sistema nacional em vigor se encontra defasado. Especialmente no que tange ao quantitativo de doenças triadas e as tecnologias de testagem atualmente adotadas. As instituições privadas de saúde do Brasil já disponibilizam o serviço de testagem ampliada. Todavia, o acesso exclusivo a um serviço de saúde apenas por vias particulares ocasiona dois problemas centrais para o sistema de triagem neonatal do país. O primeiro problema se respalda sobre a violaçãodos princípios constitucionais de equidade e universalidade que rege o SUS e a saúde nacional, pois a não disponibilização deste serviço limita o acesso de pessoas carentes a detecção de doenças raras e ao seu respectivo tratamento especializado (STOPA et al., 2017). E o segundo, diz respeito ao sistema de triagem em si, pois os laboratórios particulares se limitam ao simples teste diagnóstico, sem cumprir necessariamente a diretriz da segmentação de todas as etapas do atendimento a qual preconiza o PNTN (LEÃO; AGUIAR, 2008). E de modo geral, mesmo o diagnóstico tardio dessas doenças, para aqueles que não tiveram o acesso ao exame no período recomendado, se apresenta como uma atividade complexa; inclusive para as especialidades médicas neonatais, visto que, em alguns casos as doenças possuem sintomas genéricos e inespecíficos. Corroborando para que o diagnóstico oficial não seja definido em tempo hábil para evitar uma piora generalizada no quadro clínico ou a prevenção de sequelas intelectuais e motoras irreversíveis, mesmo antes do primeiro ano de vida da criança (CAMELO, 2017). Estudo realizado no Boston Children’s Hospital demonstra o impacto positivo do rastreio neonatal: somente 2% das doenças detectadas pela triagem expandida 11 apresentam desfechos graves, comparado com 42% das crianças diagnosticadas clinicamente. (CAMELO, 2017, p. 01) Esta prevenção de possíveis complicações e sequelas impacta não somente na qualidade de vida da criança e de seus familiares como também nos custos médicos dos serviços e dos profissionais aos quais ela poderia necessitar, reverberando em aspectos econômicos aos cofres públicos. Alguns estudos na área de avaliação econômico-financeira em saúde já exploram as vantagens econômicas a longo prazo da adoção da triagem neonatal na sua modalidade ampliada, caracterizando-a como uma política pública efetiva para ganhos em saúde e o bom uso dos recursos públicos (JUNIOR et al., 2011). No Brasil para a ampliação do rol de doenças do PNTN é necessária a análise clínica e financeira do Comitê Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), que já emitiu recomendações oficiais para ampliação de algumas doenças, como é o caso da taxoplasmose congênita (BRASIL, 2020). Este comitê foi institucionalizado no Brasil em 2011, pela Lei n° 12.401, sendo critério indispensável tanto para a incorporação de tecnologias em saúde no SUS, quanto para a fundamentação da tomada de decisão de formuladores de políticas públicas. Sua atuação é ampla e embasada em múltiplos contextos como: os aspectos clínicos, a avaliação econômica, a análise do paciente e o contexto organizacional da proposta avaliada (CONITEC, 2016). Com base nessas informações diversos atores políticos, sejam dos setores públicos, da comunidade médica ou das associações de pais, promoveram intensa articulação política para o aperfeiçoamento da política pública em questão, em todo o território nacional. Por conseguinte, em 26 de maio de 2021 foi sancionada no Brasil a Lei Federal n° 14.154 com efeito a partir de maio de 2022. Este normativo amplia o espectro de patologias triadas pelo PNTN, no qual o exame passará da detecção de seis doenças para 14 grupos de doenças, que podem englobar até cerca de 53 tipos de enfermidades diversas (BRASIL, 2021). A norma aprovada pelo Congresso Nacional altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), acrescentando quatro novos incisos ao seu décimo artigo. Cada um dispondo de aspectos gerais deste processo de ampliação, sendo os principais a respeito: do escalonamento em cinco fases dos grupos de doenças ampliadas; da obrigatoriedade de esclarecimentos à gestante e aos seus acompanhantes a respeito do exame aplicado, a sua relevância e o seu grau de triagem; e por fim, a necessidade de realização de estudos científicos para pautar o processo de implementação do projeto. A intenção do Ministério da Saúde é de que dentro do período de elaboração das portarias de regulamentação da triagem ampliada e a data em que irá entrar em vigor a lei, gestores públicos de todo o país e seus respectivos servidores da saúde desenvolvam projetos- piloto pelo Brasil para estudar as principais fases que envolvem a implementação, o monitoramento e a avaliação desta nova proposta (BRASIL, 2021). Nesta conjuntura, a análise de pesquisas acadêmicas e o estudo das fases de implementação de outros programas servem de ferramenta para o gestor no processo de elaboração de seus próprios projetos. Visto que, a avaliação de políticas públicas já estabelecidas permite que o gestor identifique boas práticas e visualize erros anteriores à tomada de decisão, com o intuito de detectar problemas mal formulados, objetivos mal traçados ou mesmo técnicas ineficazes (COELHO; SECCHI; PIRES, 2020). No que concerne a fundamentação teórica da implementação do programa- com base nas pesquisas acadêmicas -, a produção internacional fornece grande parte da base teórica. Já em relação aos exemplos práticos, no contexto nacional, somente o Distrito Federal se apresenta como alternativa para este tipo de análise, visto que esta é a única unidade da federação a oferecer um programa de triagem ampliado. 12 2.4 Triagem Neonatal Ampliada – Exemplo do Distrito Federal Apesar dos avanços na média de cobertura nacional do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), o acesso aos serviços e às tecnologias de aperfeiçoamento deste programa de saúde se apresentam distribuídos de forma categoricamente heterogênea. Registros do último diagnóstico situacional do programa11, realizado em 2012, evidenciou disparidades entre os resultados dos indicadores dos programas de triagens neonatais locais do país. (BRASIL, 2021c) Verifica-se a confluência de fatores para este cenário, o grau de envolvimento governamental e os índices de desenvolvimento econômico e de saúde, sendo os pontos mais determinantes para o grau de acesso da população e os índices de desempenho desta política pública (BOTLER et al., 2010). Destaca-se o caso da capital federal, que graças à lei distrital n° 4190/2008 assegura que todas os bebês nascidos nos hospitais e demais instituições de atenção à saúde de gestantes da rede pública do Distrito Federal tenham acesso a triagem neonatal ampliada ainda na alta hospitalar. Sendo a única unidade federativa que dispõe para toda a sua população de nascidos na rede pública, o teste na sua modalidade ampliada (DISTRITO FEDERAL, 2019, 2020a). Estima-se que desde a sua implementação até o ano de 2021, o Distrito Federal alcançou a marca de 500 mil recém-nascidos triados para mais de 50 patologias diferentes, através do uso da técnica de Espectrometria de Massa (AGÊNCIA BRASÍLIA, 2021). A média de quatro mil testes mensais é feita a partir da realização da coleta de material biológico de bebês nascidos em estabelecimentos de saúde públicos em toda a capital, que são posteriormente transportados refrigerados para o Centro de Referência de Doenças Raras, localizado no Hospital de Apoio de Brasília (HAB) (AGÊNCIA BRASÍLIA, 2019, 2021; DISTRITO FEDERAL, 2020b). O Distrito Federal tem dois dos 17 centros de referência em doenças raras do Brasil, credenciados pelo Ministério da Saúde: o Hospital Materno Infantil (HMIB) e o Hospital de Apoio de Brasília (HAB). Ambos estruturam os serviços e as equipes multidisciplinares que fazem o acompanhamento e o tratamento dos casos diagnosticados pela triagem neonatal (AGÊNCIA BRASÍLIA, 2021). Bem como, o Hospital da Criança, que não se enquadra diretamente no campo de doenças raras, mas realiza o acompanhamento de alguns casos triados. Para a intervenção apropriada dos casos qualificados como alterações genéticas graves e raras a Secretária de Saúde do Distrito Federal conta com recursos humanos altamente qualificados para estes tipos de especificidades,destoantes do cenário nacional do SUS, sendo a capital federal, a região com a maior concentração de geneticistas no serviço público do Brasil (DISTRITO FEDERAL, 2020c). Todo este aparato permite que o sistema de triagem neonatal do Distrito Federal seja capaz de identificar anualmente cerca de 100 recém-nascidos com doenças raras, cada qual convocado pela busca ativa, via chamada telefônica, e encaminhado para atendimento semanal com uma equipe especializada (AGÊNCIA BRASÍLIA, 2019, 2020). Além disso, foram talhadas medidas oficiais e recomendações claras em relação a orientação das gestantes e dos seus familiares, ainda no período do pré-natal (GDF, 2020). O exemplo da capital da federação, para fins de análise de políticas públicas, se mostra como modelo indispensável para gestores públicos, visto que, apresenta serviços de saúde 11 Trata-se de uma análise ampla e abrangente do PNTN em todos os estados brasileiros e Distrito Federal, por metodologia de pesquisa qualitativa em parceria com o NUPAD/UFMG. Disponível em: < https://antigo.saude.gov.br/acoes-e-programas/programa-nacional-da-triagem-neonatal/dados-sobre-o-programa- nacional-de-triagem-neonatal>. Acesso em 08 dez. 2021. 13 incorporados com base nos alicerces e na realidade de atuação do SUS. Portanto, enquanto ainda não foram definidas as diretrizes normativas que irão estruturar a ampliação do PNTN, é válida a associação paralela e concomitante do alicerce teórico - apresentado nesta pesquisa - ao caso do Distrito Federal. 3 METODOLOGIA O corrente trabalho é caracterizado como uma pesquisa de natureza básica e de caráter exploratório, visto que, este estudo busca gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência, envolvendo verdades universais, mas que ainda precisam de maior delineamento e investigação em sua temática (PRODANOV, CLEBER CRISTIANO FREITAS, 2013). No que tange a tipologia dos procedimentos de coleta de dados, a pesquisa elaborada será bibliográfica, de acordo com Gil (2008) este tipo de análise é elaborada a partir de material já desenvolvido, constituído principalmente de livros e artigos científicos. O autor ainda enfatiza que a principal vantagem desta análise reside na possibilidade de aumentar a cobertura da gama de fenômenos estudados; ressalta-se ainda a importância da utilização de procedimentos de revisão sistematizados, capazes de fundamentar e replicar o processo de coleta de dados. Neste caso, foi adotada uma revisão sistematizada da literatura, baseada no tipo Revisão de Escopo, que permite identificar a natureza, a extensão da evidência científica e os conceitos- chave sobre um determinado assunto e que, devido a isso, serve de mecanismo analítico para o planejamento de políticas e intervenções (GRANT; BOOTH, 2009). A revisão foi conduzida em cinco passos: 1) a identificação da questão de pesquisa; 2) a identificação de estudos relevantes; 3) a seleção de estudos; 4) a extração de dados; 5) a sumarização dos resultados (ARKSEY; O’MALLEY, 2005) Com base nestas definições foi estabelecida a seguinte pergunta norteadora: “Quais são os critérios técnicos que envolvem a ampliação de doenças em programas públicos de triagem neonatal?”. As buscas foram realizadas durante o período de novembro e dezembro de 2021, e incluíram os seguintes portais e bibliotecas virtuais: Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilac), Scientific Electronic Library Online (Scielo) e o Portal de Periódicos da Capes. Para adequação das devidas terminologias de busca voltadas para o campo da saúde foram utilizados Descritores em Ciência da Saúde (DeCs), a fim de garantir a recuperação da literatura nas bases de dados indexadas nas plataformas consultadas. Foram usados os seguintes termos e suas associações em português: Expanded Newborn Screening; Health Policy, Planning or Management; National Health Programs; Public Health Services; e Newborn Screening. Deste modo, foram usados os termos convencionados internacionalmente para esta temática, sendo importante salientar que além dos termos médicos, os descritores também possuem áreas específicas que se relacionam a este objeto de estudo, como a área da saúde pública. No que diz respeito aos critérios de elegibilidade foram incluídos nesta revisão de escopo: a) Estudos que envolveram os critérios de implementação de programas de triagem neonatal na modalidade ampliada; b) Trabalhos com detalhamento das estratégias educativas e operacionais da proposta de estudo e de suas etapas; c) Trabalhos que fazem alusão direta ou estejam inseridos no contexto da saúde pública; e d) Trabalhos publicados nos idiomas inglês, português e espanhol durante o período de 2001 até 2021. Já os critérios de exclusão foram: estudos voltados exclusivamente para área e a temática médica, como os estudos de diagnósticos e de prognóstico de doenças; e os estudos que não fazem alusão direta ou indireta aos critérios ou as etapas de programas de triagem neonatal 14 ampliada ou menção do papel do serviço público para esta política. Além disso, os estudos com viés ou delineamento incompatível com os objetivos e a avaliação previamente definidos também foram retirados desta revisão. Foram triados os estudos que respondessem aos requisitos supracitados, e destes foram selecionadas as produções a partir da devida leitura dos seus respectivos títulos e resumos; e sua elegibilidade definida pela leitura do texto dos artigos na integra. Por conseguinte, para a etapa de extração dos dados foi utilizado uma planilha estruturada no Microsoft Excel, que concatenou as informações dos trabalhos (autor, ano de publicação, título do artigo, nome do veículo de publicação e o seu objeto de estudo). Por fim, a análise do conteúdo buscou correlacionar e sumarizar os resultados à política pública proposta e o papel do gestor público no contexto de saúde pública nacional. Para tal cenário, os registros obtidos foram agrupados por convergência de seu relato e descritos de forma qualitativa, segundo a sua questão de revisão. A visualização do processo de busca e seleção dos estudos desta revisão está apresentado no fluxograma (Quadro 2) abaixo: Quadro 2: Fluxograma da seleção de artigos. Fonte: Elaborado pela autora. 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES Os artigos resultantes desta busca foram analisados conforme as recomendações consagradas pela literatura para este tipo de política pública, isto é, os eixos temáticos elencados para discussão foram estruturados segundo a perspectiva de estudo dos autores e a sua correlação com a pergunta de pesquisa. Os artigos foram apresentados da seguinte forma: Identificação dos artigos, a apresentação dos objetos de estudo e a discussão com base nas recomendações propostas para o tema. Deste modo, foram selecionados 12 estudos, publicados no período de 2001 a 2021, conforme se observa no Quadro 3. 15 Quadro 3 – Identificação dos artigos revisados N° Autor(es) Título do Artigo Periódico Ano Objeto de Estudo 1 Baggio et al. Produção de conhecimento sobre as doenças rastreadas pela triagem neonatal no Brasil de 2008 a 2018 Revista Eletrônica Acervo Saúde 2020 Avaliação da produção de conhecimento acerca da prevalência das doenças triadas pela triagem neonatal do Brasil, entre 2008 e 2018. 2 Leão, Leticia Lima; Aguiar, Marcos José Burle de Triagem neonatal: o que os pediatras deveriam saber Jornal de Pediatria 2008 Revisão de Literatura que busca avaliar a situação da triagem neonatal no mundo e no Brasil. Além de definir o papel do pediatra nos programas de triagem neonatal. 3 Antequera et al. Importância de uma proposta para a implementação de um programa de triagem neonatal ampliado na Colômbia 12Revista Med 2019 Estudo conciso e detalhado de uma proposta de ampliação da triagem neonatal para a saúde pública colombiana. 4 Junior et al. Avaliação econômica em saúde: triagem neonatal da galactosemia Cadernos de Saúde Pública 2011 Estudo analítico de uma modelagem econômica para a operacionalização da inclusão de uma doença metabólica no PNTN. Avalia a relação custo-benefício da proposta. 5 Botler et al. Triagem neonatal - o desafio de uma cobertura universal e efetiva Ciência e Saúde Coletiva 2010 Revisão sobre os aspectos que envolvem a eficiência da cobertura da triagem e do momento da coleta do material biológico de diversos países. 6 Mendes et al. Conhecimento de pais quanto a triagem neonatal, contribuição do website Portal dos Bebês - Teste do pezinho Revista CEFAC 2017 Verificação do conhecimento de mães atendidas pelo SUS sobre a testagem, e desenvolvimento de recomendações e de conteúdo digital informativo e educativo sobre a triagem neonatal. 12 “Importancia de una propuesta para la implementación de un programa de tamizaje neonatal expandido en Colombia” (VALERA et al., 2019, tradução nossa). 16 7 Wieser, Bernhard Accountability pública da Triagem Neonatal: Conhecimento e decisão coletiva13 Social Science and Medicine 2010 Estudo comparativo de dois países europeus focado no processo de tomada de decisão e accountability por trás de programas nacionais de expansão da triagem neonatal. 8 Hubbard, Heddy Bishop Questões de política pública relacionadas a triagem neonatal ampliada: Uma revisão de três doenças genéticas/metabólicas14 Policy, Politics and Nursing Practice 2007 Estudo que visa examinar as principais questões que envolvem a política pública de expansão da triagem de três distúrbios diferentes, e que foram recomendados por comitês internacionais. 9 Janses et al. A formulação de políticas para a triagem neonatal precisa de uma abordagem estruturada e transparente15 Frontiers in public health 2017 Revisão que explora as questões pertinentes para a formulação de políticas de triagem neonatal através do viés do ciclo de políticas públicas. 10 Weismiller, David Glenn Triagem Neonatal Expandida: informações e recursos para o médico de família 16 American family physician 2017 Estudo que aborda os principais aspectos técnicos que envolvem a expansão da triagem neonatal, e os aspectos clínicos das doenças triadas. 11 Moyer et al. Expandindo a Triagem Neonatal: Processo, política e prioridades 17 Hasting Center Report 2008 Estudo que aborda os aspectos operacionais que formuladores de programas de expansão da triagem neonatal devem executar para a sua implementação efetiva. 12 Therrel, Bradford L. Dilemas da Política de Triagem Neonatal dos EUA para o século XXI18 Molecular Genetics and Metabolism 2001 Revisão que detalha os desafios e os critérios de elaboração de um programa público de triagem neonatal. Fonte: Dados da pesquisa 13 “Public accountability of newborn screening: Collective knowing and deciding” (WIESER, 2010, tradução nossa). 14 “Policy Issues Related to Expanded Newborn Screening: A Review of Three Genetic/Metabolic Disorders” (BISHOP HUBBARD, 2007, tradução nossa). 15 “Policy Issues Related to Expanded Newborn Screening: A Review of Three Genetic/Metabolic Disorders” (JANSEN et al., 2017, tradução nossa). 16 “Expanded Newborn Screening: Information and Resources for the Family Physician” (WEISMILLER, 2017, tradução nossa) 17 “Expanding Newborn Screening: Process, Policy, and Priorities” (MOYER et al., 2008, tradução nossa) 18 “U.S. Newborn Screening Policy Dilemmas for the Twenty-First Century” (THERRELL, 2001, tradução nossa) 17 Ao analisar as recomendações gerais indicadas para a construção de um programa ampliado, foi possível identificar algumas conformidades do atual sistema em operação com a estrutura e as etapas recomendadas pelos autores. Antequera et al. (2019) em sua proposta de ampliação da triagem neonatal na Colômbia, sintetiza as principais estruturas e requisitos para se estruturar o programa de rastreamento. Dentre elas algumas já fazem parte do atual sistema vigente no Brasil, como: a estruturação em etapas, a criação de laboratórios especializados e de centros de referência em triagem neonatal, e a avaliação por indicadores previamente definidos por normativos do Ministério da Saúde local, no caso brasileiro, definido pela Portaria n° 187/2019. Isto posto, parte-se do pressuposto que para o desenvolvimento dos projetos-piloto o gestor público poderá aproveitar parte do aparato governamental já existente e adaptá-lo a nova proposta. Por conseguinte, as próximas subseções apresentadas refletem a síntese das categorias tidas como inéditas para a triagem ampliada e que emergiram como mais relevantes para a adequação da formulação dos projetos-piloto. 4.1 Critérios da Triagem Neonatal No início dos programas de triagem neonatal os exames de testagem possuíam baixa amplitude diagnóstica de doenças. Todavia, nas duas últimas décadas, novas tecnologias em saúde trouxeram avanços significativos na área de rastreamento de patologias, atuando inclusive no campo da genética humana. No entanto, a crescente lacuna entre o que é passível de rastreio e os recursos e serviços públicos disponíveis emergiram questões sobre a definição de critérios de triagem, que fossem capazes de guiar a seleção de doenças e as etapas de um programa nacional. Diante deste cenário, Therrell (2001) apresenta em seu estudo as principais discussões e convenções que apresentam não somente o detalhamento dos procedimentos técnicos e protocolos de tratamento de doenças, como também as recomendações para a política de triagem. São analisados os três principais documentos de maior impacto e relevância para a triagem neonatal dos EUA, os quais serviriam de modelo para outros países e organizações políticas, inclusive a Organização Mundial da Saúde (OMS). Therrell (2001) enfatiza que os sistemas de triagem desenvolvidos sem o conhecimento ou a consideração destes critérios tendem a apresentar desperdícios de recursos públicos e estrutura médica, o que pode influenciar na descontinuação desta política pública. Dentre os normativos apresentados, o relatório elaborado por Wilson e Jugner é a fonte mais referenciada de critérios de triagem neonatal desta revisão. Este estudo teve como objetivo traçar os caminhos pelos quais os sistemas públicos de saúde devem seguir para garantir a sustentabilidade e a eficácia de programas nacionais de triagem neonatal. Botler et al (2010) e Leão e Aguiar (2008) sumarizam estes critérios em seus artigos, sendo eles: a doença triada deve ser considerada como um importante problema de saúde pública; deve existir tratamento disponível para os casos identificados; deve haver infraestrutura no sistema de saúde para a confirmação diagnóstica e tratamentos específicos; o teste deve ser aceitável pela população; deve haver um teste de triagem adequado e confiável; deve haver um protocolo de tratamento; deve haver um período, antes do início dos sintomas, em que a intervenção precoce melhore o quadro clínico; a busca de casos deve ser um processo continuo; e por fim, o programa deve ser custo-efetivo. Para a consecução de todas essas considerações é necessário que os programas nacionais se configurem de tal forma, que seja possível abarcar todas estas recomendações. Deste modo, Leão e Aguiar (2008) apontam que a triagem deve ser de responsabilidade pública e elaborada 18 a partir da hierarquização de estruturas de saúde entre os entes federativos, para garantir a universalidade e a continuidade das diferentes etapas que envolvem o sistema de triagem. O autor apresenta ainda o exemplo dos EUAque privatizou o sistema de triagem neonatal no país; o que ocasionou o desenvolvimento indireto de um sistema paralelo de triagem neonatal, não universal, determinado pelo conhecimento e pela capacidade financeira dos pais. Partindo deste cenário americano Jansen et al. (2017) elaborou uma revisão analítica dos principais pontos voltados a implementação e a formulação do programa em si, sob a ótica e narrativa da administração pública. Nele se destaca a importância da definição de critérios de avaliação do programa ainda na fase de elaboração da política; a criação de um comitê independente e multidisciplinar específico para a triagem atrelado ao Ministério da Saúde local; e as melhores abordagens de inclusão de doenças. 4.2 Inclusão de doenças De modo geral, as doenças elencadas para a ampliação da triagem neonatal apresentam incidências individuais baixas, todavia, conforme elucida Botler et al (2010) estes grupos de doenças se configuram como importantes problemas de saúde pública pelo seu potencial mórbido, incapacitante e responsável por sequelas de tal magnitude, que torna a sua severidade, relevância social e econômica indiscutíveis. Entretanto, Leão e Aguiar (2008) abordam uma interpretação complementar para o processo de inclusão de doenças, argumentando que a expansão do painel de doenças triadas não deve ser guiado somente pela disponibilidade tecnológica, é necessário então considerar as evidências cientificas plausíveis para esta incorporação. O Ministério da Saúde segue a segunda prerrogativa para estruturar os seus programas de saúde, tendo em vista que, apesar de existir uma pressão pública de interesses individuais para a inclusão do maior número de doenças possíveis, paradoxalmente os investimentos e a disponibilização de recursos públicos são limitados. Insta salientar que o programa de triagem neonatal não se limita a realização da testagem de doenças, logo a ampliação das doenças implica a existência de uma rede diagnóstica e assistencial e equipe multiprofissional de saúde extremamente especializada. Deste modo, é importante ressaltar o dever do gestor público na valorização da evidência cientifica para a elaboração de programas de saúde, ressalta-se ademais, que os registros resultantes de uma política pública bem fundamentada é fator essencial para a sua institucionalização no SUS. Segundo normativo da Secretária de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, recomendado por Botler et al (2010), um problema de saúde pública se expressa através de seus indicadores de morbidade, mortalidade, incapacidade e custos atribuídos. Deste modo, o reconhecimento desta função, decorre em última análise, da habilidade de informar de forma precisa, a cada etapa, a situação epidemiológica de cada doença, as tendências previstas, o impacto das ações propostas e a indicação de outras medidas secundárias que podem ser necessárias para a intervenção (BRASIL, 2009). Contudo, verificou-se por meio da busca sistemática da literatura, dos documentos e das fontes oficiais do Ministério da Saúde a baixa produção de dados científicos e epidemiológicos nacionais da maioria das doenças metabólicas a serem incorporadas ao programa nacional. Neste sentido, Baggio et al. (2020) relata em seu estudo, a dificuldade de compreensão do cenário das doenças triadas devido a inexistência de dados públicos oficiais do Ministério da Saúde sobre a frequência de todas as patologias na população. Jansen et al.(2017) em seu artigo acerca da análise dos programas nacionais, sob a ótica do ciclo de políticas públicas, menciona a importância da criação de um órgão independente responsável por subsidiar a seleção de doenças com base em estudos de evidências 19 aprofundadas, no qual seja realizada uma análise ampla da gama de condições relevantes para a inclusão de doenças. Cabe ressaltar, que no Brasil uma eventual adição ao rol de doenças triadas pelo PNTN passa pela aprovação e análise da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), que assessora o Ministério da Saúde com estudos epidemiológicos, avaliações econômicas, bem como a constituição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (BRASIL, 2016). No caso do gestor público que não conseguir encontrar fundamentação teórica oficial para a inclusão de doenças ao seu projeto-piloto, existe a possibilidade de solicitação de avaliação de tecnologias em saúde ao Conitec, que pode ser feita por qualquer instituição ou pessoa física. O contato com esta entidade pode auxiliar inclusive na análise de tratamentos medicamentosos a serem incluídos na Assistência Farmacêutica do SUS, fator primordial para a consecução da etapa de tratamento dos triados. 4.3 Tecnologias em Saúde – Tecnologia de Testagem No caso da ampliação da triagem neonatal, que pode abarcar o diagnóstico de mais de 50 patologias, reduzir os custos de testagem se apresenta como medida imprescindível para a viabilidade da incorporação da medida em escala nacional, especialmente no contexto de escassez de recursos do SUS. Existem algumas técnicas que permitem a triagem de múltiplas doenças, como o PCR em tempo real, a Eletroforese, os Ensaios Enzimáticos e a Espectrometria de Massas em Tandem (MS/MS) (WEISMILLER, 2017). Wieser (2010) elucida, em particular, a técnica de Espectrometria de Massas em Tandem (MS/MS), que é capaz de oferecer um amplo espectro simultâneo de possibilidades diagnósticas em uma única amostra coletada e com a inclusão de mais condições ao programa a um custo extra mínimo. Além de ser um teste com alta sensibilidade (teste sem ou com pouquíssimos falso- negativos) e razoável especificidade (capacidade de identificar aqueles que não têm a doença) (LEÃO; AGUIAR, 2008; MOYER et al, 2008). Em virtude destas características, esta técnica foi a mais recomendada para a ampliação dos programas de triagem neonatal por todos os artigos que compuseram esta revisão. Contudo, assim como a maioria das tecnologias adotadas em sistemas de saúde, o custo inicial desta técnica é alto devido a necessidade de aquisição do equipamento e do treinamento da equipe que vai manuseá-lo. Weismiller (2017) e Hubbard (2007) enfatizam que o sucesso desta técnica depende de profissionais capazes de preparar as amostras coletadas, operar o sistema e interpretar os dados, sendo a proficiência na última habilidade obrigatória. Antequera et al. (2019) em sua proposta de elaboração de um programa ampliado na Colômbia, propõe que cada maquinário seja operado por pelo menos três profissionais: um microbiologista, um assistente de laboratório e um coordenador formado na área de análise de material biológico. Além dos recursos humanos envolvidos na testagem, é importante ressaltar alguns fatores que podem influenciar na qualidade diagnóstica da técnica usada. Dentre eles, temos os fatores da coleta do material biológico, como: a recomendação da Academia Americana de Pediatria (AAP) que estimula a coleta ainda na alta hospitalar e os fatores que levam a existência de falsos-positivos, como a prematuridade e a suplementação dietética (BOTLER,2010; LEÃO; AGUIAR, 2008). Dados e discussões mais aprofundados a respeito da introdução dos exames por espectrometria de massas em tandem nos programas de triagem neonatal internacionais, inclusive com seus indicadores de cobertura, podem ser encontrados no site oficial da American College of Medical Genetics (ACMG). 20 4.4 Aceitação do público e Ações educativas A literatura sobre a implementação e o aperfeiçoamento de programas de triagem neonatal tendem a priorizar os critérios de inclusão de doenças e os estudos econômicos para a sua análise, no entanto, é válida a priorização do critério de aceitabilidade pública da política e o de desenvolvimento de ações educativas, como normas também preconizadaspara esta ação. Enaltecendo esses fatores, Wieser (2010) elucida que a formulação deste tipo de programa de saúde não é de exclusividade dos formuladores de políticas públicas, mas também depende do público em geral, que se localiza na extremidade receptora da ação proposta. Neste caso, os projetos que considerarem as recomendações oficiais do Conitec para a incorporação de tecnologias em saúde, garantem a salvaguarda de que a inclusão das doenças passou por alguma fase de participação popular. Pois todo processo de inclusão de tecnologias em saúde feito por esta comissão passa em algum momento por audiência pública, a fim de garantir os princípios descritos nas Leis 8.080/1990 e 8.142/1990, de participação da sociedade civil nas decisões do SUS. E desde 2015, o Conitec iniciou a produção de relatórios para a sociedade, que são documentos oficiais em versões resumidas dos relatórios técnicos desenvolvidos, e que são elaborados em linguagem simples e acessível para o entendimento popular da medida a ser adotada. O exemplo empregado por esta entidade serve de modelo para que os gestores públicos utilizem esta iniciativa para informar o público atendido em sua região a respeito dos programas locais de triagem neonatal. É o caso adotado no Reino Unido, que além de disponibilizar uma biblioteca pública com estudos de análise financeiras, de economia em saúde, de recomendações para gestores públicos e de guias para triagem neonatal; desenvolveu um site que fornece informações abrangentes relativas à triagem, incluindo folhetos e brochuras disponíveis para download (WIESER, 2010). Essa medida incentiva a participação popular, à medida que o sistema público de saúde reconhece e divulga suas responsabilidades perante a sociedade ciente de seus direitos e serviços. No cenário nacional, a adoção dessa medida atua em duas frentes: tanto na prestação de contas do serviço público quanto no esclarecimento de pais e responsáveis sobre o programa e as doenças triadas. Sendo a segunda medida considerada um fator obrigatório para sistemas baseados na realização compulsória de testagens biológicas. Segundo estudo realizado por Mendes et al. (2017) com mães atendidas por maternidades públicas de São Paulo, com o intuito de averiguar o grau de conhecimento das gestantes a respeito da triagem neonatal, identificou-se o desconhecimento generalizado das mães e dos familiares atendidos. Os resultados citados são ainda mais alarmantes quando se considera que o estado de São Paulo, segundo a pesquisa de Botler et al. (2010), possui um dos melhores indicadores nacionais para esta política pública quando em comparação com as outras unidades da federação. Este cenário acarretou a redação oficial do quarto inciso da lei de ampliação do PNTN, que prevê - ainda nos atendimentos de pré-natal e de puerpério imediato – a prestação de esclarecimentos por parte dos profissionais da saúde para as gestantes e os seus acompanhantes sobre a importância do exame de testagem e sobre as eventuais diferenças existentes entre a modalidade e o grau de rastreamento do serviço prestado. Esta decisão se justifica pela seguinte alegação de Mendes et al. (2017), “A desinformação dos pais pode influenciar negativamente na realização do teste, comprometendo o diagnóstico precoce, o início do tratamento e a sua continuidade”. 21 Para o devido esclarecimento dos responsáveis a respeito da triagem ampliada algumas recomendações especificas, identificadas por esta revisão, devem ser incluídas a esta etapa, sendo elas: • Aconselhamento Genético: com a inclusão de doenças genéticas ao espectro de doenças triadas, surge a necessidade de se incluir tanto na etapa de tratamento quanto no período pré-natal, o serviço de aconselhamento genético. No qual o médico responsável apontará o risco de recorrência da doença em outros filhos, a detecção de portadores na família e a possibilidade de diagnóstico pré-natal em gestações futuras (ANTEQUERA et al, 2019; LEÃO; AGUIAR, 2008; MOYER et al, 2008). • Termo de Consentimento: Com a possibilidade de testagem genética, alguns profissionais da saúde e formuladores de políticas públicas passaram a propor a introdução do termo de consentimento livre e esclarecido tanto para a fase da coleta do material quanto para a destinação das amostras coletadas (ANTEQUERA et al, 2019; LEÃO; AGUIAR, 2008; HUBBARD, 2007). Com a possibilidade de se extrair e testar o DNA coletado, é necessário que os pais tenham ciência da destinação do material colhido de seus filhos. Ainda não existe consenso, mas especialistas na área reconhecem os benefícios desta medida como instrumento para a educação dos pais e garantia dos preceitos éticos do programa (LEÃO; AGUIAR, 2008). • Riscos da Triagem: O esclarecimento dos pais deve incluir a apresentação dos possíveis riscos envolvidos na triagem, como: a possibilidade de se identificar falsos-positivos, a ansiedade causada aos genitores nos casos falso-positivos, a detecção de doenças para as quais o tratamento não é efetivo e a identificação de casos de falsa paternidade (LEÃO; AGUIAR, 2008). Estes fatores devem ser conhecidos por todos os indivíduos envolvidos na triagem. Deste modo, para que o projeto-piloto desenvolvido esteja de acordo com o normativo é necessário que os servidores envolvidos nas diversas fases da triagem neonatal, especialmente a etapa de testagem, passem por treinamento especial acerca das questões técnicas e teóricas que envolvem a triagem neonatal ampliada. A esta afirmativa se faz necessária a elaboração de um plano de informações que se enfoque nos diferentes níveis de atuação do programa nacional de triagem e seus respectivos atores, pois o amplo fluxo de trabalho requer que os profissionais, especialmente os da saúde, tenham as habilidades e os conhecimentos relevantes para o devido funcionamento do rastreamento (JANSEN et al., 2017). Respaldando esta alegação Weismiller (2017) menciona em seu artigo, que o corpo médico é o que mais necessita de treinamento e adequação ao sistema ampliado, especialmente no que diz respeito aos aspectos clínicos das doenças incluídas. Por isto, em seu artigo ele recomenda o uso dos estudos e dos recursos publicados pela American College of Medical Genetics and Genomics (ACMG) para orientar a atuação do corpo médico. Segundo o relato oficial da instituição, o material disponibilizado foi elaborado por especialistas para profissionais da saúde que buscam informações sobre as diversas condições genéticas triadas. Dada a raridade de algumas patologias os dados disponibilizados apresentam algoritmos das condições, da visão geral das etapas e da atuação médica para o acompanhamento dos pacientes rastreados. 22 4.5 Avaliações Econômicas Segundo Souza, Schwartz e Giugliani (2002) a introdução de um programa de triagem deve ser baseada na evidência de que o programa é realmente efetivo, tanto no fator clínico quanto socioeconômico. A exemplo do sistema público de triagem do Reino Unido, que se articula de modo a garantir um alto nível de diagnóstico e tratamento de doenças, no qual a tomada de decisão de gestores públicos se respalda pelos critérios de Wilson e Jugner e em estudos sobre a relação custo-efetividade de cada uma das doenças (BOTLER et al., 2010). Antequera et al. (2019) estrutura em seu artigo uma proposta de expansão da triagem neonatal na Colômbia, e enaltece a formulação de estudos de avaliação econômico-financeira como etapa essencial para esta proposta. Na pesquisa ela aborda um estudo universitário que fez a análise de custo da triagem de cada uma das doenças passiveis de triagem pela técnica de Espectrometria de Massas, os resultados estimam a compensação do investimento da técnica em cerca de 4 anos. Esta temática, “avaliação econômica”, também foi pauta do trabalho de Junior et al. (2011)que analisou no contexto brasileiro a importância da realização de avaliações econômicas em saúde. Neste estudo o autor faz uma análise custo-benefício da inclusão de uma doença para o programa de triagem neonatal em vigor, além de elaborar uma modelagem para a operacionalização desta medida. A abordagem deste estudo se destaca pelo uso de uma metodologia capaz de contemplar todos os aspectos da eficiência alocativa de um programa. Pois considera diversos aspectos para avaliar a eficiência, como: o custo da triagem por teste; o custo do diagnóstico tardio e precoce; as taxas de juros; e os benefícios estimados do ganho de produtividade laboral de um indivíduo triado e sem sequelas, que poderá trabalhar normalmente. Esta pesquisa demonstrou a vantagem econômica em longo prazo na realização da triagem neonatal de apenas uma das doenças da triagem ampliada, para replicar esta análise em outras doenças o autor enfatiza a necessidade de se considerar o uso complementar de estudos de incidência das doenças na população e as taxas de juros vigente na economia. Complementando este pensamento, Hubbard (2007) menciona também a importância de que cada país realize seus próprios estudos acerca do percentual de incidência de doenças em sua população, para estimar os custos da testagem e dos exames diagnósticos, tal ação simboliza uma forma de prever uma estimativa de custos. Sendo necessário incluir nos relatórios financeiros também a estimativa do impacto dos falsos positivos na triagem. No que concerne a etapa de tratamento, Therrell (2001) ressalta que a expansão da triagem de doenças implica no aumento proporcional de serviços de tratamento, que incluem medicamentos profiláticos, cirurgias, dietas especiais e suplementos dietéticos. Pois apesar da triagem neonatal ser realizada logo após o nascimento, ela detecta condições que devem ser tratadas ao longo de todo uma vida. Em virtude deste cenário, o Congresso Nacional aprovou a Lei n° 13.930/2019 que garante a aplicação de no mínimo trinta por cento dos recursos do Programa de Fomento à Pesquisa em Saúde para o desenvolvimento de estudos destinados ao tratamento de doenças raras ou negligenciadas. No caso de pesquisas elaborados pelo próprio Ministério da Saúde, cabe salientar que as pesquisas citadas nesta seção podem ser utilizadas pelo gestor público como estudos anexados a solicitação de algum estudo econômico para a incorporação de tecnologias em saúde no SUS. 23 CONSIDERAÇÕES FINAIS A operacionalização do aperfeiçoamento do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) depende da intensa atuação dos gestores públicos de saúde atrelado a um aparato de estruturas governamentais e de evidências científicas, pois é dentro deste arranjo que o programa será absorvido, analisado e adaptado. De tal modo, que seja capaz de fornecer um serviço efetivo em seus objetivos, guiado pelo atendimento equânime e conformado com os princípios consagrados para esta política pública. Implementar a triagem ampliada, contudo, tem suas particularidades, que foram exploradas neste artigo, principalmente no que tange aos critérios de inclusão de doenças e a conformação da configuração estrutural do programa que dá suporte às estratégias para avaliação econômica, às definições do público-alvo e à adoção de tecnologias em saúde. Na contextualização desta pesquisa, estabeleceu-se como objetivo geral apresentar os principais aspectos teóricos e práticos, consagrados pelo meio acadêmico, a respeito da implementação da triagem ampliada. De modo que, esta revisão pudesse servir de ferramenta teórica para a elaboração de projetos-piloto para a saúde pública brasileira. Logrou-se esta meta, tendo em vista que foi abordado os principais aspectos que norteiam e caracterizam a formulação desta medida associando-os aos aspectos da saúde nacional. Durante a elaboração da pesquisa apresentaram-se algumas questões que podem ser interpretadas como possíveis limitações para a elaboração deste estudo, como a falta de registros e documentações oficiais acerca da estruturação do programa nacional e os indicadores de triagem nacionais e estaduais, além da dificuldade de comunicação com as unidades de triagem neonatal e os laboratórios que compõe o programa. Este estudo também identificou no campo nacional de estudos de políticas públicas de triagem neonatal, o baixo acúmulo de conhecimento acerca da estruturação do programa em si, em função – o que se presume a autora - da difusão ostensiva de estudos de caso e da ausência de pesquisas analíticas da referida política. A baixa ocorrência de produções acadêmicas sob o viés da administração pública ou da atuação da gestão pública na formulação deste tipo de política pública é outro fator que deve ser visto com apreensão. É aconselhado a criação de fóruns específicos para o debate acadêmico deste campo de estudo e o desenvolvimento concomitante de periódicos nacionais voltados para a análise de programas de saúde sob a ótica da gestão pública. Estudos voltados para a investigação da prevalência e a incidência de doenças na população brasileira ou do impacto orçamentário da triagem neonatal sob o sistema previdenciário, se apresentam como sugestões de futuras pesquisas. Em suma, os diversos requisitos que preconizam a formulação deste programa, lhe confere muita especificidade e dinamismo entre as diferentes estruturas de governo, contudo, se estruturados de forma adequada, se apresenta também como importante ferramenta de impacto social. Sua efetividade reflete em redução dos custos de tratamentos médicos por sistemas de saúde públicos, dos custos “não médicos”, que incluem os gastos familiares com os indivíduos acometidos com alguma patologia, e com impactos que reverberam na questão da perda de produtividade econômica e laboral que age de forma indireta e direta sobre os pacientes e/ou familiares. Por isso a lei sancionada representa uma grande iniciativa e conquista para a saúde brasileira. 24 REFERÊNCIAS ARKSEY, Hilary; O’MALLEY, Lisa. Scoping studies: Towards a methodological framework. International Journal of Social Research Methodology, v. 8, n. 1, p. 19–32, fev. 2003. AGÊNCIA BRASÍLIA. DF é referência no atendimento às doenças raras. Brasilia, 2021. Disponível em: <https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2021/03/20/df-e-referencia-no- atendimento-as-doencas-raras/>. Acesso em: 2 nov. 2021. AGÊNCIA BRASÍLIA. Hmib atendeu mais de 1,2 mil crianças com doenças raras. Brasília, 2020. Disponível em: <https://agenciabrasilia.df.gov.br/2020/11/11/hmib-atendeu- mais-de-12-mil-criancas-com-doencas-raras/>. Acesso em: 3 nov. 2021. AGÊNCIA BRASÍLIA. Teste do pezinho ampliado em mais de 500 mil recém-nascidos. Brasília, 2021. Disponível em: < https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2021/09/27/teste-do- pezinho-ampliado-para-meio-milhao-de-recem-nascidos/>. Acesso em: 2 nov. 2021. AGÊNCIA BRASÍLIA. Teste do pezinho é ampliado no Distrito Federal. Brasília, 2019. Disponível em: <https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2019/09/26/teste-do-pezinho-e- ampliado-no-distrito-federal/>. Acesso em: 3 nov. 2021. BOTLER, J. et al. Triagem neonatal - o desafio de uma cobertura universal e efetiva. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, n. 2, p. 493–508, 2010. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 2 out. 2021. BRASIL. Câmara dos Deputados. Sancionada lei que amplia o teste do pezinho no SUS. Brasília, 2021. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/765233-sancionada-lei- que-amplia-o-teste-do-pezinho-no-sus/>. Acesso em: 7 nov. 2021. BRASIL. Casa Civil da Presidência da República. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Avaliação
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