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PROGRAMA DE FORTALECIMENTO DA EPIDEMIOLOGIA NOS SERVIÇOS DE SAÚDEPROFEPI EPIDEMIOLOGIA DESCRITIVA APLICADA À VIGILÂNCIA EM SAÚDE FICHA TÉCNICA EQUIPE DO PROGRAMA DE FORTALECIMENTO DA EPIDEMIOLOGIA NOS SERVIÇOS DE SAÚDE – PROFEPI SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE/MINISTÉRIO DA SAÚDE/ BRASIL Coordenação Geral Arnaldo Correia de Medeiros –Secretário de Vigilância em Saúde/SVS/MS Breno Leite Soares – Diretor do Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde/Daevs/SVS/MS Fátima Sonally Sousa Gondim – Coordenadora Geral da Coordenação Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia nos Serviços/CGDEP/Daevs/SVS/MS Equipe Técnica Maryane Oliveira Campos – Coordenação Executiva e revisora técnica – CGDEP/Daevs/SVS/MS Lúcia Rolim Santana de Freitas – Colaboradora e revisora técnica – CGDEP/Daevs/SVS/MS Sarah Yasmin Lucena Gomes – Colaboradora e revisora técnica – CGDEP/Daevs/SVS/MS Sheyla Maria Araújo Leite –Colaboradora – CGDEP/Daevs/SVS/MS Carla Tatiana Miyuki Igarashi – Colaboradora – CGDEP/Daevs/SVS/MS Equipe Pedagógica Sandhi Maria Barreto – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Luana Giatti Gonçalves – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Lidyane do Valle Camelo – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Carolina Gomes Coelho – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Tatiane Leite e Amanda Quadros – Coordenação Pedagógica – CGDEP/Daevs/SVS/MS Equipe Criação Digital Raones Ramos da Silva – Designer Gráfico/Web – CGDEP/Daevs/SVS/MS Otávio Francisco Batista Martins – Motion Designer – CGDEP/Daevs/SVS/MS ORGANIZAÇÃO PAN- AMERICANA DE SAÚDE/ ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OPAS/OMS) Coordenação Geral Socorro Gross – Representante da OPAS/OMS no Brasil Sebastian Garcia Saiso – Diretor do Departamento de Evidência e Inteligência para Ação em Saúde (EIH) da OPAS/OMS, com sede em Washington D.C. Equipe Técnica Juan Cortez-Escalante – Coordenação executiva e revisor técnico – Consultor Nacional da UnidadeTécnica de Vigilância, preparação e resposta à emergências e desastres/OPAS/OMS Equipe Pedagógica Mônica Diniz Durães – Colaboradora – Consultora Nacional de Capacidades Humanas para a Saúde/OPAS/OMS SU M ÁR IO INTRODUÇÃO .................................................................................................................................04 O CURSO .............................................................................................................................................06 CAPÍTULO 1: IMPORTÂNCIA DA EPIDEMIOLOGIA PARA OS SERVIÇOS DE SAÚDE ....................................................................................11 1.1. Usos e aplicações da epidemiologia .................................................................................. 12 1.2. Saúde pública baseada em evidências ............................................................................. 25 1.3. Princípios éticos na pesquisa e prática epidemiológicas nos serviços de saúde ....................................................................................40 CAPÍTULO 2: CARACTERÍSTICAS DO DADO EPIDEMIOLÓGICO E MEDIDAS DE OCORRÊNCIA .........................................63 2.1. O dado epidemiológico: estrutura fontes, propriedade e instrumentos ..........64 2.2. Qualidade dos instrumentos epidemiológicos ............................................................. 89 2.3. Medidas de ocorrência de doenças e agravos ............................................................110 CAPÍTULO 3: CONSTRUÇÃO, UTILIZAÇÃO E ANÁLISE DE INDICADORES DE SAÚDE .........................................................129 3.1. Indicadores de Saúde Parte 1 .............................................................................................130 3.2. Indicadores de Saúde Parte 2 .............................................................................................148 3.3. Epidemiologia descritiva: dimensões pessoa, tempo e lugar ..............................175 CAPÍTULO 4 : EPIDEMIOLOGIA E VIGILÂNCIA EM SAÚDE: CONCEITOS, IMPORTÂNCIA E APLICAÇÕES................................................224 4.1. Conceito e importância da vigilância em saúde ........................................................225 4.2. Aplicações da epidemiologia na vigilância das doenças transmissíveis ........236 4.3. Aplicações da epidemiologia na vigilância das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) ............................................................................................................267 4.4 Aplicações da Epidemiologia na vigilância dos acidentes e violências ...........292 profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 4 INTRODUÇÃO A epidemiologia estuda a dinâmica da saúde em populações, dispondo de um arsenal conceitu- al e técnico amplo e essencial para o exercício qualificado de avaliação em saúde, e para o pla- nejamento e direcionamento de ações de pre- venção e controle de doenças e agravos nos três níveis federados. O persente curso dedica-se à epidemiologia des- critiva, que fornece as bases teóricas e práticas da produção de informação e análises de situa- ção de saúde. O curso “Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde” foi construído na modali- dade de ensino à distancia para garantir amplo acesso e benefício a todos os profissionais de saúde do Sistema Único de Saúde, em qualquer nível de atuação: municipal, estadual e federal. O curso foi concebido com o objetivo de dissemi- nar e promover o uso de conceitos e ferramen- tas epidemiológicas básicas para a realização de análises críticas da situação de saúde a partir de bases de dados secundárias disponíveis no DATASUS. Os conceitos e ferramentas apresen- tados também são fundamentais para o exercí- cio continuado e proativo da vigilância epide- miológica de doenças e agravos transmissíveis e não transmissíveis. Por isto, utiliza exemplos, situações e perguntas epidemiológicas de inte- resse dos serviços de saúde na atualidade. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 5 O curso é estruturado em quatro capítulos, organizado da seguinte forma: Capítulo 1: Importância da epidemiologia para os serviços de saúde; Capítulo 2: Características do dado epidemiológico e medidas de ocorrência; Capítulo 3: Construção, utilização e análise de indicadores de saúde; Capítulo 4: Epidemiologia e Vigilância em Saúde: conceitos, importância e aplicações. Assim, o conteúdo é introduzido gradualmente. Ao final de cada capítulo haverá uma breve avaliação com a finalidade de verificar a apreensão do conteúdo dado e reforçar os itens essenciais do aprendizado. Cada capítulo apresenta um conjunto de informações, conceitos e ferramentas que são im- portantes para organizar e orientar a busca de conhecimento sobre a saúde de populações a partir de três dimensões: pessoa, tempo e lugar. Ou seja, discorre sobre como qualificar e quantificar um agravo ou fenômeno de saúde e conhecer sua distribuição em um município, estado ou no país a partir da resposta a três perguntas: a) a agravo em estudo afeta igualmente os subgrupos populacionais definidos por gênero, idade, escolaridade, raça ou cor da pele, por exemplo? b) a ocorrência desse agravo é constante ou indica variações ao longo do tempo? e c) o agravo é distribuído desigualmente nas diferentes regiões ou localidades estudadas? Estas perguntas orientam toda e qualquer análise de um problema de saúde, seja ele novo ou antigo. A ocorrência de agravos emergentes em saúde, como a covid-19, é um exemplo atual da importância destas três perguntas para realizar o diagnóstico de um problema, bem como para direcionar políticas públicas de prevenção e controle do mesmo, e avaliar seus impactos. O curso demonstra como a coleta de informações em saúdee a sua organização em bases de dados abrangentes, diversificadas e confiáveis são fundamentais para realizar o diagnóstico e monitoramento da saúde das populações, permitindo a combinação de informações que se complementam. Ao mesmo tempo, introduz conceitos epidemiológicos importantes para uma interpretação cautelosa e crítica dos resultados obtidos a partir da análise das bases de dados disponíveis no DATASUS. A saúde das populações é um fenômeno complexo e multideterminado. Por se tratar de um curso introdutório de epidemiologia voltado para os serviços de saúde, ele será focado em três grandes áreas da epidemiologia e da vigilância em saúde: doenças infecciosas, doenças crônicas não transmissíveis e acidentes e violências. Estas três áreas respondem pelas maio- res cargas de morbidade, mortalidade e custo assistencial, social e familiar em saúde no país. Além disso, requerem estratégias de coleta e análise de dados diferenciadas para melhor compreensão e monitoramento das mesmas. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 6 O CURSO profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 7 CAPÍTULO 1 Importância da epidemiologia para os serviços de saúde Este capítulo tem por objetivo demonstrar como e por que a epidemiologia se tornou essencial para compreender a dinâmica da ocorrência de doenças e agravos em populações, em especial para gerar evidências qualificadas e subsidiar a tomada de decisão e a avaliação da saúde em diferentes níveis. Apresenta também os aspectos éticos que regem a aquisição, manejo e divul- gação de informações em saúde. 1.1. Usos e aplicações da epidemiologia Objetivos de aprendizagem: compreender a origem e a importância histórica da epidemiologia e conhecer a abrangência de sua utilização nos serviços de saúde. 1.2. Saúde pública baseada em evidências Objetivos de aprendizagem: entender as diferenças entre a saúde como fenômeno individual e a saúde como fenômeno coletivo, histórico e socialmente determinado; reconhecer o papel das evidências científicas para orientar ações em saúde coletiva; apresentar e compreender como a história natural das doenças e se articula com os níveis de prevenção em saúde. 1.3. Princípios éticos na pesquisa e prática epidemiológicas nos serviços de saúde Objetivos de aprendizagem: conhecer e compreender os princípios éticos e marcos regulatórios que orientam a pesquisa e a coleta, manipulação e divulgação das informações em saúde. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 8 CAPÍTULO 2 Características do dado epidemiológico e medidas de ocorrência Este capítulo tem por objetivo caracterizar o dado epidemiológico, as fontes e instrumentos de obtenção da informação, indicadores de validade e confiabilidade da informação. Apresenta, diferencia e compara as medidas de ocorrência de doenças e agravos em saúde, tanto absolutas como relativas, demonstrando suas inter-relações e vantagens. 2.1. O dado epidemiológico: estrutura, fontes, propriedade e instrumentos Objetivos de aprendizagem: conhecer o conceito de variável e os tipos de variáveis existentes e a estruturação de base de dados em saúde. Entender e caracterizar as diferentes fontes e instrumento de coleta de dados. 2.2. Qualidade dos instrumentos epidemiológicos Objetivos de aprendizagem: compreender as propriedades de testes e medidas de saúde e entender como a escolha de um teste ou medida influencia a interpretação de resultados de análises descritivas em saúde. 2.3. Medidas de ocorrência de doenças e agravos Objetivos de aprendizagem: conhecer e compreender os conceitos, diferenças e vantagens das medidas absolutas e relativas de incidência e prevalência; diferenciar razão e taxa; e entender como as medidas de incidência e prevalência se relacionam no tempo. CAPÍTULO 3 Construção, utilização e análise de indicadores de saúde Este capítulo demonstra como são construídas e para que servem as medidas de mortalidade e morbidade. Discute a importância da padronização por idade e sexo para a comparação de taxas de mortalidade entre diferentes populações ou ao longo do tempo. Finalmente, introduz os passos que devem orientar uma analise epidemiológica descritiva da ocorrência de um agravo ou situação de saúde. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 9 3.1. Indicadores de Saúde Parte 1 Objetivos de aprendizagem: saber como construir e interpretar indicadores de mortalidade proporcional e taxas de mortalidade geral e específicas. Entender a importância e saber re- alizar a comparação de taxas utilizando o método de padronização direta por idade e sexo. 3.2. Indicadores de Saúde Parte 2 Objetivos de aprendizagem: conhecer, produzir e interpretar os indicadores de mortalidade infantil e a razão de mortalidade materna. Compreender o indicador anos potenciais de vida perdidos, anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, e a esperança de vida ao nascer. 3.3. Epidemiologia descritiva: dimensões pessoa, tempo e lugar Objetivos de aprendizagem: entender a importância das dimensões pessoa, tempo e lugar para descrever um fenômeno de saúde em populações humanas, e saber construir e utilizar indica- dores de mortalidade e morbidade para avaliar a situação de saúde de uma localidade. CAPÍTULO 4 Epidemiologia e Vigilância em Saúde: conceitos, importância e aplicações Este capítulo apresenta o conceito e os objetivos e discorre sobre a importância da vigilância em saúde, e como a mesma é organizada no país. Apresenta ainda a diversidade e as especificidades das estratégias e instrumentos utilizados para realizar a vigilância das doenças transmissíveis, das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e dos acidentes e violência. 4.1 Conceito e importância da vigilância em saúde Objetivos de aprendizagem: compreender a origem, importancia e conceito de vigilancia em saú- de; saber como é estruturado e as propriedades que regem um bom sistema de vigilancia. 4.2. Importância da epidemiologia na vigilância das doenças transmissíveis Objetivos de aprendizagem: conceituar e conhecer como se distribuem e os modos de transmissão das doenças transmissíveis. Diferenciar endemia, surto, epidemia e pandemia. Compreender o que é imunidade de rebanho, período de incubação e diagrama de controle. Saber o papel da notificação de casos e sua importância para prevenção e controle das doenças transmissíveis. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 10 4.3. Importância da epidemiologia na vigilância das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) Objetivos de aprendizagem: conhecer as principais DCNT, os aspectos comuns da história natural destas doenças e como a mesma se articula com os diferentes níveis de prevenção em saúde (primordial, primária, secundária, terciária e quaternária). Reconhecer os principais fatores de risco modificáveis comuns para estas doenças, bem como suas principais fontes de informação e limitações. 4.4. Importância da epidemiologia na vigilância de acidentes e violências Objetivos de aprendizagem: saber diferenciar acidentes e violência, e os tipos de violência mais comuns. Entender como se distribuem no país e os principais fatores de risco modificáveis. Compreender as diferenças e a importância do VIVA Inquérito e da Vigilância de Violência Inter- pessoal e Autoprovocada (VIVA/Sinan). Reconhecer a importância das ações Inter setoriais para a prevenção de acidentes e violência. 10 profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 11 CAPÍTULO 1 Importância da Epidemiologia para os serviços de saúde profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 12 IMPORTÂNCIA DA EPIDEMIOLOGIA PARA OS SERVIÇOS DE SAÚDE 1.1 - Usos e Aplicações da Epidemiologia Neste capítulo, estudaremos o conceito e objetivos da epidemiologia, suas aplicaçõesna pesqui- sa e nos serviços de saúde e sua origem histórica. Pretendemos que ao final deste capítulo você seja capaz de compreender o papel do arsenal metodológico da epidemiologia para identificar e solucionar os problemas de saúde das populações. 1.1.1 O que é Epidemiologia? A epidemiologia pode ser definida como o estudo da distribuição de eventos relacionados a saúde em populações incluindo o estudo dos determinantes que influenciam esses processos e a aplicação desse conhecimento para controlar problemas de saúde (Porta, 2014). Essa definição reflete a origem grega da palavra epidemiologia: epi “sobre”, demos “população” e logos “estudo”, ou seja, “estudo sobre a população”. Entende-se por estudo as diferentes formas de investigação no campo da epidemiologia que emprega de forma sólida o método científico com o intuito de produzir informações e conheci- mento para apoiar a tomada de decisão em saúde. Inclui estudos de vigilância em saúde, estu- dos descritivos, estudos analíticos observacionais e experimentais, entre outros. Nos estudos epidemiológicos são utilizados um arsenal de abordagens que são baseadas em conhecimentos tanto de probabilidade e estatística como de outros campos científicos, como a medicina, ciên- cias biológicas, sociais, econômicas, entre outras. Devido a essas características, a epidemiolo- gia consiste em um importante pilar, não apenas da saúde coletiva, mas também das demais formações profissionais em saúde. MÉTODO CIENTÍFICO O método científico consiste em princípios gerais utilizados em todos os campos científicos para a geração de conhecimento válido e verdadeiro. Envolve várias etapas que iniciam com a observação e pesquisa detalhada sobre o fenômeno em questão. Essas etapas fornecem elementos que possibili- tam a criação de hipóteses explicativas que serão testadas por meio de um estudo/experimento. Em seguida os dados serão analisados e ao final o pesquisador terá informações que permitirá aceitar ou não a hipótese elaborada. Por fim, esses resultados deverão ser divulgados (Figura 1). profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 13 Figura 1 – Etapas do Método Científico Observação Teste com experimento Analisar datas Hipotese Teste com experimento Conclusões do relatório Método Científico - - - Fonte: Adaptado de Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/metodo_cientifico. Os eventos relacionados à saúde consistem em qualquer característica que afeta a saúde e o bem estar das populações. O uso dessa terminologia surge devido a ampliação do escopo da epidemiologia, inicialmente focada no estudo das doenças transmissíveis, mas que posterior- mente incluiu também as investigações de uma ampla gama de outros eventos como doenças crônicas, incapacidades, acidentes, violências, exposições ambientais, ocupacionais, comporta- mentais, uso de serviços de saúde, cobertura vacinal entre outros. A distribuição refere-se à caracterização de eventos relacionados à saúde a partir de sua fre- quência e de seus padrões de ocorrência na população. Por exemplo, o Brasil detectou uma incidência de 72,8 casos de sífilis adquirida por 100.000 habitantes em 2019. Mas será que essa incidência variou entre as regiões do país? Será que essa incidência está aumentando, diminuin- do ou se mantendo constante no Brasil? Existe alguma faixa etária em que esses casos foram mais frequentes? Para respondermos essas perguntas precisamos de conhecer a distribuição da sífilis adquirida no Brasil e a análise das informações contidas nas Figuras 2 e 3 podem nos au- xiliar. Podemos observar ao analisar a Figura 2 que há uma grande desigualdade na incidência de sífilis adquirida entre as regiões do país sendo que a maior incidência foi observada na região Sul e a menor na região Nordeste. Essa desigualdade parece ter aumentado entre 2010 e 2018, período no qual também verificamos um aumento expressivo na incidência de sífilis adquirida em todas as regiões do Brasil. Entre 2018 e 2019, essa tendência ascendente na incidência foi revertida em quase todas as regiões do país, exceto na região Norte. Observamos também que o incremento na incidência de sífilis adquirida foi observado em todas as faixas etárias, mas foi mais expressivo na faixa etária de 20 a 29 anos (Figura 3). profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 14 Ressalta-se que a análise da distribuição das doenças e agravos nas populações além de permi- tir caracterizar quem adoece, quando e onde esse adoecimento ocorre, cria importantes pistas para a identificação de determinantes centrais envolvidos no processo de adoecimento. O estudo da epidemiologia também perpassa necessariamente pela compreensão das doenças nas populações que podem ser definidas de acordo com características específicas, como loca- lidade de moradia ou tipo de ocupação, consistindo, portanto, em um conjunto de indivíduos que juntos foram uma categoria. Devido a essas especificidades, cada grupo populacional acaba sendo uma “entidade própria” que possui características particulares que não podem ser resu- midas a um simples agregado do pessoas. PARA REFLETIR Quais os fatores você acredita que poderiam explicar a distribuição de sífilis adquirida encontrada no Brasil? FIGURA 2 – Número de casos novos identificados de sífilis adquirida no Brasil por 100.000 habitantes, segun- do região de residência por ano de diagnóstico. Brasil, 2010 a 2019 0 20 40 60 80 100 120 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Ta xa d e de te cç ão x 1 00 .0 00 h ab ita nt es Ano do diagnós o Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Fonte: Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis 2020. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/ assuntos/media/pdf/2020/outubro/29/BoletimSfilis2020especial.pdf. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 15 FIGURA 3 – Número de casos novos identificados de sífilis adquirida no Brasil por 100.000 habitantes, segun- do faixa etária. Brasil, 2010 a 2019 0 20 40 60 80 100 120 140 160 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Ta xa d e de te cç ão x 1 00 .0 00 h ab ita nt es 13 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 anos ou mais Fonte: Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis 2020. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/ assuntos/media/pdf/2020/outubro/29/BoletimSfilis2020especial.pdf. A epidemiologia se organiza a partir da premissa fundamental de que as doenças não se distribuírem aleatoriamente nas populações e que cada indivíduo possui características que poderão aumentar ou diminuir a probabilidade de ocorrência de uma variedade de doenças. Essas características são o que denominamos de determinantes. Esses determinantes podem ser desde características individuais não modificáveis como herança genética, idade e sexo até os determinantes sociais que englobam as condições do ambiente em que o indivíduo nasce, cresce, vive, trabalha e envelhece. Conhecer esses determinantes consiste no principal “objeto de conhecimento” da epidemiologia como disciplina científica. Consequentemente, utilizando as ferramentas da epidemiologia podemos responder a questões como “por que uma doença se desenvolve em algumas populações e não em outras?”. O epidemiologista ao buscar compreender essas características populacionais se distingue mui- to das demais disciplinas da área da saúde. Por exemplo, enquanto os outros profissionais se concentram no estabelecimento de um tratamento, plano de cuidado e de reabilitação para os indivíduos, o epidemiologista visa identificar as causas da ocorrência do evento, os grupos po- pulacionais mais afetados, os grupos em maior risco, a magnitude do problema na comunidade e as possíveis intervenções para prevenir a ocorrência desses eventos ou a sua recorrência. profePI • curso: EpidemiologiaDescritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 16 1.1.2 Objetivos e Aplicações da Epidemiologia A EPIDEMIOLOGIA BUSCA FORNECER EVIDÊNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO DE INTERVENÇÕES VISANDO O CONTROLE DE PROBLEMAS DE SAÚDE. DESSA FORMA, A EPIDEMIOLOGIA TEM COMO PRINCIPAIS OBJETIVOS: 1. identificar as causas das doenças; 2. determinar a magnitude dos problemas de saúde que acometem as populações; 3. estudar a história natural das doenças; 4. avaliar medidas preventivas e terapêuticas; e 5. fornecer evidências para o desenvolvimento de políticas públicas. Esses objetivos serão descritos detalhadamente a seguir. 1.1.2.1 Identificar as causas das doenças O objetivo de muitos estudos epidemiológicos é identificar os fatores causais que influenciam o risco de adoecimento, já que a sua identificação permite a realização de intervenções com o objetivo de reduzir a frequência da exposição a esses fatores e, consequentemente, diminuir a ocorrência de adoecimento, mortes e incapacidades relacionadas. Um importante exemplo do uso da epidemiologia para compreensão da etiologia das doenças foi a descoberta do John Snow (1813-1858) acerca da forma de transmissão da cólera no século XIX em Londres. John Snow era um anestesiologista inglês, que ficou conhecido por ter anestesiado a rainha Vitória em um de seus partos. Além de seu pioneirismo no uso do clorofórmio e do éter, ele tinha um grande interesse pela epidemiologia da cólera. No século XIX o vibrião colérico, bactéria causadora da cólera, ainda não tinha sido identificado e acreditava-se que essa doença era causada por exposições aos miasmas, que consistiam em um conjunto de odores fétidos provenientes de matéria orgânica em putrefação. Entretanto, Snow via essa hipótese de forma muito cética, já que a cólera não atingia os pulmões dos enfermos e não era mais frequente em populações altamente expostas aos miasmas, como catadores de lixo (Morabia, 2004; Scliar et al., 2014). profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 17 Após a observação cuidadosa da ocorrência de casos de cólera em Londres ao longo da primeira metade do século XIX, Snow conseguiu reunir elementos que o fez chegar na hipótese de que a água poluída era um dos meios de transmissão da doença. Entretanto, sua hipótese ainda pre- cisava ser testada e demonstrada. Esse processo foi iniciado na epidemia de cólera que assolou Londres em 1854. Nesse período, Snow conduziu uma de suas investigações mais conhecidas com o intuito de elucidar a origem do grande surto de cólera na região de Londres chamada de Golden Square que matou cerca de 500 pessoas em apenas 10 dias (Cerda et al. 2007). Para investigar esse surto e buscar evidências a favor da hipótese de transmissão hídrica da cólera, Snow visitou as residências onde houveram óbitos por cólera para perguntar aos moradores sobre a procedência da água consumida e percebeu que a maioria consumia água retirada de uma bomba de água específica: a bomba de Broad Street. Isso ficou ainda mais evidente ao representar graficamente os óbitos em um mapa, o que evidenciou uma concentração desses óbitos nos arredores da bomba da Broad Street (Figura 4). Após apresentar esses achados para as autoridades locais, foi decidido desativar a bomba da Broad Street o que levou a uma redução na incidência e na mortalidade por cólera na região, o que corroborou a hipótese de transmissão hídrica da cólera (Cerda et al. 2007). Figura 4 – Mapa do surto de cólera na região de Gonden Square realizado com resultados das investigações de John Snow que evidencia a aglomeração de óbitos por cólera em torno da bomba de Broad Street (A) e detalhes da região (B) Fonte: Vinten-Johansen P et al. Cholera, Chloroform, and the Science of Medicine: A Life of John Snow. Oxford University Press, 2003. A segunda investigação de Snow foi um “experimento natural” viabilizado devido a transferência do local de captação da água de uma das companhias fornecedoras de água para a população londrina: a Lambeth Company. Por razões técnicas, essa companhia precisou começar a captar água em uma região do Rio Tâmisa mais afastada de Londres que era muito menos poluída do que o local de captação anterior. Por outro lado, as outras companhias, Southwark and Vauxhall Company, continuaram a captar água de regiões fortemente contaminadas por esgoto. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 18 Dessa forma, Snow deduziu que se a sua hipótese de transmissão hídrica da cólera estivesse correta, seria esperado uma menor a taxa de mortalidade por cólera entre indivíduos que recebiam água da Lambeth Company em comparação àqueles que obtinham água de outras companhias (Morabia, 2004). Nessa época, Willian Farr, que era Superintendente do Registro Geral de Londres, havia criado um sistema único e inovador de procedimentos padronizados para a coleta, classificação, análise e no- tificação das causas das mortes, que foi muito importante para viabilizar a investigação de Snow. Farr também forneceu os endereços de todos os casos de cólera, o que permitiu Snow ir de casa em casa para coletar informações sobre a companhia fornecedora de água. Os principais achados de Snow podem ser vistos na Tabela 1. Enquanto nas casas abastecidas pela Southwark e Vauxhall Company foi observado uma taxa de mortalidade de 315 por 10.000 casas, nas casas abastecidas pelas Lambeth Company essa taxa foi de apenas 38 mortes por 10.000 casas (Morabia, 2004; Gordis 2017). Apesar dos resultados dessa investigação não ter provado que a cólera era transmitida por água contaminada, as evidências fornecidas foram suficientes para que fossem feitas proposição de melhorias no suprimento de água, tendo um grande impacto no controle da cólera em Londres. Tabela 1 – Morte por cólera por 10.000 casas, segundo companhia abastecimento de água em Londres 1854 Abastecimento de água Número de casas Mortes por cólera Mortes por 10.000 casas Companhia Southwark e Vauxhall 40.046 1.263 315 Companhia Lambeth 26.107 98 38 Outros distritos em Londres 256.423 1.422 56 FONTE: Dados adaptados de SNOW J. On the mode of communication of cholera, 1936 apud Gordis L. Epidemiologia, 5ª Ed. – Rio de Janeiro – RJ: Thieme Revinter Publicações, 2017[7]. 1.1.2.2 Determinar a magnitude dos problemas de saúde da população: análise da situação de saúde O arsenal metodológico da epidemiologia possibilita a realização da análise da situação de saúde das populações que é necessária para caracterizar, medir e explicar o perfil epidemiológico das coletivida- des. As informações obtidas nesse processo são fundamentais por permitir diagnosticar e determinar a magnitude dos problemas de saúde e identificar prioridades em saúde. Além disso, subsidia o planeja- mento dos serviços de saúde, as intervenções em saúde e a avaliação do impacto dessas intervenções. Por meio da análise da situação de saúde conseguimos, por exemplo, identificar que houve no Brasil uma queda acentuada da mortalidade por doenças transmissíveis no último século em decorrência do controle de doenças como cólera, doença de Chagas e várias doenças imunopreveníveis. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 19 Observamos também uma queda na morbimortalidade materno-infantil e mortalidade por causas evitáveis. Essas modificações levaram um aumento da expectativa de vida da população, o que favo- receu o crescimento da carga das Doenças Crônicas Não Transmissíveis, como as doenças cardiovas- culares e diabetes, que lideram como principal causa de morte. Nesse mesmo período, observamos houve um forte crescimento da carga das causas externas ao mesmo tempo que ainda temos uma agenda não concluída de doenças infecciosas como dengue e, mais recentemente, a covid-19. PARA REFLETIR Você saberia traçar as principais características do perfil de saúde do seu município? 1.1.2.3 Estudar a história natural das doenças Estudar ahistória natural de uma doença consiste em reunir informações que irão permitir co- nhecer mudanças ou marcadores que precedem e acompanham a evolução das doenças nas populações. Esse conhecimento é fundamental para estabelecer o controle de doenças e realizar medidas preventivas. Por exemplo, hoje sabemos que a covid-19 é caracterizada pela presença de febre, tosse seca e fadiga e, em casos mais graves, dispneia. Sabemos também que muitas in- fecções, em particular em crianças e adultos jovens, são assintomáticas, enquanto os idosos e/ou pessoas com comorbidades correm maior risco de doença grave, insuficiência respiratória e morte. O tempo decorrido entre a exposição ao vírus e a manifestação dos primeiros sintomas (período de incubação) é de aproximadamente cinco dias. A doença grave geralmente se desenvolve oito dias após o início dos sintomas e o estágio crítico da doença que está fortemente relacionado ao óbito ocorrem em média após 16 dias (Figura 4) (Hu et al., 2021). Percebam que para conhecer todas essas informações precisamos observar o curso da doença em grupos populacionais, já que as observações a nível individual não conseguem responder essas perguntas. Figura 5 – História natural da covid-19 >68 anos>60 anos<50 anos<10 anos Início da doença Casos de COVID-19: percentual de todos os casos Idade como principal fator de risco ~5 dias (1–14) ~8 dias (7–14) ~16 dias (12–20) Provável Provável Provável Severa (14%)Assintomático Assintomáticos e forma leve da doença (81%) Estado crítico e falecimento(5%) • Febre Fadiga e tosse seca – opacidades em vidro fosco Pneumonia • • Período de incubação • Dispneia Doença coexistente Necessidade de UTI • • • • • Sídrome de dificuldade respiratória aguda (SDRA) insuficiência cardíaca aguda Falência múltipla de órgãos Fonte: Hu B, Guo H, Zhou P, Shi ZL. Characteristics of SARS-CoV-2 and covid-19. Nat Rev Microbiol. 2021 Mar;19(3):141-154. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 20 1.1.2.4 Avaliar medidas preventivas e terapêuticas O método epidemiológico também permite avaliar medidas preventivas e terapêuticas. Por exemplo, o desenvolvimento de estudos epidemiológicos nos permitiu saber hoje que a re- dução do risco de infecção pelo SARS-Cov-2 relacionada a vacinação varia de 67% até 95% dependendo da vacina utilizada (Olliaro et al. 2021). Assim, com o arsenal metodológico da epidemiologia podemos responder a perguntas como: qual o melhor tratamento para diabetes? A investigação de óbitos de mulher em idade fértil melhorou a qualidade da informação sobre os óbitos maternos? O aumento de números de consulta de pré-natal diminui a probabilidade de desfechos maternos-infantis adversos? A adesão a grupos operativos aumenta a probabilidade de sucesso nas tentativas de cessar o tabagismo? Qual o custo do tratamento da hipertensão? Podemos avaliar inclusive o efeito de políticas públicas na saúde das populações. Por exemplo, será que o aumento da cobertura da estratégia de saúde da família observado no país foi associa- do a diminuição da mortalidade por doença cardiovascular? A resposta para essa pergunta é SIM! Hoje sabemos que a municípios com cobertura consolidada da Estratégia de Saúde da Família (≥ 70% da população) conseguiram reduzir a mortalidade por doenças cardiovasculares em 18% e as doenças cerebrovasculares em 21%. Além disso cobertura a Estratégia de Saúde da Família também foi associada menores taxas de hospitalização por essas doenças (Rasella 2014). 1.1.2.5 Fornecer evidências para o desenvolvimento de políticas públicas Esse objetivo está estreitamente relacionado aos descritos anteriormente, pois evidências para o de- senvolvimento de políticas públicas são produzidas justamente por meio dos estudos epidemiológicos que investigam as causas e história natural das doenças, que permitem a identificação dos principais problemas de saúde da população e que avaliam as mais diversas medidas preventivas e terapêuticas. O potente papel dos estudos epidemiológicos para fornecer evidências para o desenvolvimento de políticas públicas pode ser ilustrado a partir dos achados de um médico e um estatístico inglês - Richard Doll e Austin Bradford Hill - com relação a associação entre o tabagismo e o câncer de pulmão. No início do século XX o câncer de pulmão, que era uma doença rara, começou a aumentar notavelmente tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos. Várias foram as possíveis hipóteses que poderiam explicar esse aumento como o aumento do número de automóveis, estradas e fábricas. Entretanto, a partir da década de 1950 os primeiros estudos epidemiológicos conduzidos pelos epidemiologistas britânicos Richard Doll e Bradford Hill, incluindo um estudo que acompanhou cerca de 40 mil médicos britânicos, começaram a de- mostrar uma forte associação entre o tabagismo e câncer de pulmão (Figura 5). Posteriormente, essa relação acabou sendo comprovada por diversos outros estudos. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 21 Os resultados das pesquisas conduzidas por Richard Doll e Austin Bradford Hill subsidiaram a publicação do relatório “Tabagismo e Saúde” (“Smoking and Health”) pelo Royal College of Physicians of London em 1962 em que foram apresentados evidências epidemiológicas con- tundentes para os danos causados pelo fumo com objetivo de orientar os médicos e uma série de recomendações de medidas de saúde pública para prevenir tanto a iniciação do tabagismo, quanto promover sua cessação entre aqueles que fumavam. As estratégias populacionais de prevenção do tabagismo aprimoraram com o tempo, incluindo restrição de publicidade; maior tributação; restrições à venda para crianças e ao fumo em locais públicos; informações sobre o teor de alcatrão e nicotina entre outras (Figura 6). Figura 6 – Taxa de mortalidade por câncer de pulmão (por mil) de acordo com o número médio de cigarros fumados por dia entre médicos britânicos, 1951-1961 T ax ax 1 .0 00 n as ci do s v iv os Fonte: Bonita R, et al. Epidemiologia básica . 2.ed. São Paulo, Santos. 2010. Figura 7 – Relatório elaborado pelo Royal College of Physicians of London com base nos resultados dos estudos conduzidos por Richard Doll e Austin Bradford Hill profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 22 O Brasil começou a implementar políticas como as sugeridas por esse relatório partir de 1989 e desde então vem conduzindo importantes políticas públicas com o objetivo de aumentar os impostos sobre os cigarros, exigir advertências nas embalagens de cigarros, proibição de propagandas de cigarro e proibição do tabagismo em locais de uso coletivo. Como fruto dessas políticas, a frequência de tabagismo da população brasileira caiu drasticamente (Figura 7), o que tornou o Brasil uma referência mundial no combate ao tabagismo. Figura 8 – Prevalência de tabagismo para indivíduos com 18 anos ou mais e as ações de controle do tabaco no Brasil, 1989–2010 Prevalência masculina: Projeções do simsmoke Prevalência feminina: Projeções do simsmoke Prevalência masculina: Pesquisa nacional de saúde e nutrição, 1989 – Pesquisa mundial de saúde, 2003 – Pesquisa mundial sobre tabagismo em adulto, 2008. Prevalência feminina: Pesquisa nacional de saúde e nutrição, 1989 – Pesquisa mundial de saúde, 2003 – Pesquisa mundial sobre tabagismo em adulto, 2008. Advertências Sanitárias Mais Fortes, Restrições de Publicidade e Suporte Para Tratamento de Cessação – 2000-2001 Lei de Acesso dos Jovens – 1998 Aumento de Impostos Sobre Cigarros – 2013 Leis Antifumo Nas Cidades – 2007-2009 Aumento de Impostos Sobre Cigarros – 2006 Ano P r e v a l ê n c i a d e T a b a g i s m o Primeiro Imposto Específico Sobre Cigarros – 1990 Advertências Sanitárias, Restrições de Publicidade, Leis Antifumo e Aumentos de Preço – 1996 Fonte. Levy D, Almeida LM,Szklo A. The Brazil SimSmoke policy simulation model: the effect of strong tobacco control policies on smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income nation. PLoS Med. 2012;9(11):e1001336. 1.1.3 Origem histórica da Epidemiologia Alguns autores indicam que a Epidemiologia nasceu com Hipócrates na Grécia antiga há mais de 2500 anos, pois ele foi pioneiro em relacionar o contexto (social, de moradia, de trabalho, etc) com o adoecimento, antecipando de certa forma o raciocínio epidemiológico. Porém, a epide- miologia apenas surge como disciplina científica no final do século XVII, quando começaram a ser coletados, analisados e interpretados dados populacionais sobre as causas de morte. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 23 Um marco importante para a epidemiologia foi a publicação do livro de John Graunt “The na- ture and political observations made upon de bills of mortality” (“A natureza e as observações políticas feitas nas contas de mortalidade”) em 1662 em Londres. O conteúdo desse livro de- monstrou de forma inédita a existência de padrões, regularidade e previsibilidade no número de nascimentos, óbitos totais e segundo grupos de causas ao longo dos anos. Tais observações eram inéditas na época já que a nível individual o nascimento e a morte consistem em eventos completamente imprevisíveis. Foi a partir da análise desses padrões que se percebeu que o conhecimento produzido pela observação dos fenômenos de saúde em populações ia muito além daquele derivado do exame a nível individual. Por exemplo, a previsibilidade do número de óbitos e suas causas ao longo do tempo permitia a identificação da ocorrência de surtos de doenças fatais, ou seja, a identificação de mortes que ocorriam além do esperado para aquela causa naquele local e período. Dessa forma, pela primeira vez percebeu-se que as populações são muito mais do que agregados de indivíduos e cada grupo populacional acaba sendo uma “entidade própria” (Morabia 2004; Morabia 2013). Assim surge o pensamento populacional que é a base da epidemiologia moderna. Os estudos comparativos populacionais começaram a ser realizados no século XVIII, sen- do as descobertas de John Snow em 1854, que descrevemos anteriormente, outro marco importante para a epidemiologia. Snow foi pioneiro em utilizar todas as etapas do método científico utilizando a comparação entre grupos para testar sua hipótese de transmissão hí- drica da cólera, o que permitiu compreender a etiologia de uma doença. Desde a então, o arsenal metodológico da epidemiologia tem sido desenvolvido, refinado e teorizado e cada vez mais se tornado um pilar das demais formações profissionais em saúde. 1.1.4 Conclusão A epidemiologia é uma ferramenta essencial para fornecer evidências para prevenir e controlar problemas de saúde, pois reúne uma base metodológica robusta para a realização de investi- gações que permitem identificar, entre outras coisas, causas e história natural das doenças, os problemas de saúde mais frequentes na população e eficácia de medidas preventivas e terapêu- ticas. Dessa forma, a epidemiologia tem valor inestimável para a produção de evidências cienti- ficas que podem guiar a proposição de políticas públicas, o cuidado em saúde e o planejamento e avaliação do desempenho dos serviços de saúde. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 24 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bonita R, et al. Epidemiologia básica. 2.ed. São Paulo, Santos. 2010. Cerda L, Jaime, & Valdivia C, Gonzalo. (2007). John Snow, la epidemia de cólera y el nacimiento de la epidemiología moderna. Revista chilena de infectologia. 2007; 24(4), 331-334. Gordis L. Epidemiologia, 5ª Ed. – Rio de Janeiro – RJ: Thieme Revinter Publicações, 2017. Hu B, Guo H, Zhou P, Shi ZL. Characteristics of SARS-CoV-2 and covid-19. Nat Rev Microbiol. 2021 Mar;19(3):141-154. Levy D, Almeida LM, Szklo A. The Brazil SimSmoke policy simulation model: the effect of strong tobacco control policies on smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income nation. PLoS Med. 2012;9(11):e1001336 Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis 2020. Brasília, 2020. Disponível em: https:// www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/media/pdf/2020/outubro/29/BoletimSfilis2020especial.pdf Morabia A. Epidemiology: An epistemological perspective. In: Morabia A(ed.)A History of Epidemiologic Methods and Concepts. A History of Epidemiologic Methods and Concepts. Birkhauser Verlag, 2004. Morabia A. Epidemiology’s 350th Anniversary: 1662-2012. Epidemiology. 2013 Mar;24(2):179-83. Olliaro P, Els Torreele E, Vaillant M. Covid-19 vaccine efficacy and effectiveness-the elephant (not) in the room. Lancet Microbe. 2021 Jul;2(7):e279-e280 Porta M. Dictionary of epidemiology. 6°ed. New York: Oxford University Press; 2014. p. 95. Rasella D, Harhay MO, Pamponet ML, Aquino R, Barreto ML. Impact of primary health care on mortality from heart and cerebrovascular diseases in Brazil: a nationwide analysis of longitudinal data. BMJ. 2014 Jul 3;349:g4014. Royal College of Physicians. Smoking and Health: a report by the tobacco advisory group of the Royal College of Physicians on smoking in realtion to cancer of the lung and other diseases. London, RCP. 1962. Disponivel em: file:///C:/Users/Samsung/Downloads/smoking-and-health-1962_1%20 (1).pdf Scliar M, Almeida-Filho N, Medronho R. Raízes Históricas da Epidemiologia. In: Almeida-Filho N, Barreto ML. Epidemiologia e Saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. p.3-4. Vinten-Johansen P et al. Cholera, Chloroform, and the Science of Medicine: A Life of John Snow. Oxford University Press, 2003. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 25 IMPORTÂNCIA DA EPIDEMIOLOGIA PARA OS SERVIÇOS DE SAÚDE Aula 1.2 - Saúde pública baseada em evidências Nesta aula, vamos estudar as diferenças entre a saúde como fenômeno individual e a saúde como fenômeno coletivo, histórico e socialmente determinado. Vamos discutir também o papel das evidências científicas para orientar ações em saúde coletiva e a articulação entre história natural das doenças e os níveis de prevenção em saúde. 1.2.1 Introdução Discutimos na aula anterior que um dos principais objetivos da epidemiologia é fornecer evi- dências para prevenir e controlar problemas de saúde das populações. Consequentemente, os conhecimentos obtidos a partir de investigações epidemiológicos conseguem atingir seu valor integral apenas quando são traduzidos em políticas públicas comprometidas com a promoção, prevenção ou recuperação da saúde das populações. A política pública pode ser entendida como uma resposta do Estado diante de um problema vi- vido ou manifestado pela sociedade e sabemos que o sucesso dessa resposta está diretamente relacionado à compreensão das causas do problema a ser objeto de ação política. A implemen- tação de uma política pública também precisa considerar o efeito esperado dessa política para responder tal problema (Marques, 2013). Consequentemente, a epidemiologia e a política pública possuem duas importantes inter-relações: 1) ambas precisam utilizar a abordagem populacional para a compreensão de um problema, já que o conhecimento a nível individual é insuficiente para se conhecer as causas dos problemas enfren- tados pela sociedade e não permite estimar os efeitos esperados de uma intervenção política; e 2) ambas precisam considerar que um problema tem múltiplos determinantes que devem ser focos de intervenção para alcançar a redução ou controle desse problema nas populações. No caso de uma política pública na área da saúde esse problema será sempre um problema de saúde pública que precisará ser respondido para garantir a melhoria da saúde e das condições de vida da população. Mas qual deve ser o foco dessa política de saúde? Onde exatamente o Estado precisa atuar para se obter maioresganhos em saúde da população? Esta aula foi planejada justamente para discutirmos as possíveis respostas para essas questões. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 26 1.2.2 História Natural da Doença Conhecer a historia natural de uma doença é fundamental para a definição de políticas e ações de preven- ção, pois melhorar as condições de saúde de uma população implica necessariamente em influenciar a historia natural da doença prevenindo a sua ocorrência ou atrasando ao máximo seu inicio e diminuindo o potencial de gerar incapacidades e/ou óbito. A história natural da doença refere-se a progressão da doença em um indivíduo desde o mo- mento em que é iniciada a exposição aos agentes causais até a recuperação ou a morte (Bhopal, 2016), conforme ilustrado pela Figura 1. Para uma doença infecciosa, a exposição pode ser uma bactéria ou um vírus, e para uma doença crônica, como o diabetes, a exposição pode ser a obesidade. Geralmente, é necessário a exposição a mais de um fator provocar alterações em saúde que levarão a ocorrência de uma doença. Além disso, uma mesma exposição pode ter diferentes repercussões entre os indivíduos. Por exemplo, é possível que nenhum efeito seja observado no indivíduo após a exposição a um vírus, seja porque a dose da exposição foi muito baixa, seja pelo fato do receptor não ser suscetível (por exemplo, ser vacinado) ou ainda porque a exposição requer a presença de algum outro fator para trazer algum malefício a saúde (por exemplo na presença de doença crônica o vírus da covid-19 é mais letal). Muitas vezes as repercussões negativas de uma exposição no organismo podem ser reparadas antes que a doença ocorra. Um exemplo disso é o colesterol elevado que é um importante fator de risco para doença arterial coronariana, mas que seus níveis podem ser controlados antes de chegar a causar a doença. Adicionalmente, é possível também que o efeito da exposição seja rapidamente contido pelos mecanismos de defesa do organismo levando ao não desenvolvi- mento da doença ou gerando uma doença com manifestação clínica leve. Sabemos que pessoas bem nutridas tem maior capacidade de defesa mediante a exposição a um agravo. Por fim, a exposição pode levar ao desenvolvimento da doença que poderá progredir até resultar em cura, incapacidade e, eventualmente, ao óbito (Figura 1). Figura 1 – História Natural das Doenças 26 Início da exposição e fatores de risco Fase subclínica da doença Fase clínica da doença Fase em que pode haver recuperação, incapacidade ou morte Início biológico da doença Mudanças patológicas Início dos sintomas Período em que normalmente ocorre o diagnóstico Fonte: elaborado pela autora. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 27 Mas por que uma mesma exposição pode causar desfechos tão diferentes entre os indivíduos? Porque o efeito da exposição depende da interação entre características individuais (imunidade, predisposição genética), da exposição (ex.: dose e tempo de exposição) e do ambiente em que o indivíduo está inserido (ex: contexto social, econômico, cultural, político). Por exemplo, a hanseníase é uma doença infecciosa cujo agente etiológico (Mycobacterium leprae) é capaz de infectar um grande número de indivíduos (alta infectividade), entretanto poucos adoecem (bai- xa patogenicidade). Essas propriedades não ocorrem apenas devido a características intrínsecas do agente etiológico, mas dependem especialmente de características do hospedeiro (sabe-se por exemplo que suscetibilidade ao bacilo tem influência genética) e está fortemente associada a condições econômicas, sociais e ambientais desfavoráveis (Brasil, 2019). Uma vez que o início biológico da doença surge em consequência da exposição, começam a surgir mudanças patológicas no organismo sem que o indivíduo perceba, já que nesse momento a doença ainda está assintomática (Figura 1). Esse estágio é denominado de fase subclínica ou fase pré-clínica da doença e se estende desde o início biológico da doença até o início dos pri- meiros sintomas. Esse período também é conhecido como período de incubação para doenças infecciosas e período de latência para doenças crônicas. A duração desse período pode variar consideravelmente. Por exemplo, enquanto o período de incubação de uma gastroenterite viral pode ser de horas, o período de latência para o diabetes pode levar vários anos. Mesmo entre indivíduos com a mesma doença esse período pode variar. Por exemplo, o tempo de incubação do sarampo varia de 7 a 21 dias e da covid-19 varia de 1 a 14 dias (Brasil, 2019). Na fase subclínica da doença ocorrem mudanças patológicas no organismo que geralmente podem ser detectadas por meio de exames laboratoriais, de imagem e ou outros procedimentos diagnósticos. Essa detecção precoce é exatamente o objetivo de programas de rastreamento, já que para algumas doenças o diagnóstico precoce está relacionado a um melhor prognóstico devido ao estabelecimento do tratamento no estágio inicial da doença. A fase clínica da doença inicia quando aparecem os primeiros sintomas, período no qual a maior parte dos diagnósticos ocorrem (Figura 1). Ressalta-se que uma mesma doença possui diversos sinais, sintomas e gravidade. Essa variação é denominada de espectro da doença. Dessa forma, é possível que alguns indivíduos se mantenham assintomáticos, outros apresentem sintomas leves, enquanto alguns indivíduos tem manifestações graves com grande risco de óbito. A covid-19 é um exemplo de doença que possui um amplo espectro de apresentação, desde casos assin- tomáticos até casos graves e fatais. Por fim, a história natural da doença termina com a cura, a invalidez ou morte (Figura 1). profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 28 O conceito da história natural da doença passa pela ideia de que os indivíduos nascem saudáveis, mas à medida que eles vão envelhecendo passam a acumular diferentes exposições que progres- sivamente irão aumentar a suscetibilidade desses à ocorrência de doenças que, eventualmente, podem levar ao óbito. A Figura 2 ilustra esse processo ao demostrar esquematicamente a história natural da doença coronariana em um indivíduo. Podemos verificar que as exposições começam a aparecer ainda na infância (ex. privação socioeconômica, dieta não saudável, sedentarismo) e nesse início o efeito dessas exposições não leva a um aumento importante da suscetibilidade do indivíduo. Entretanto, à medida que o tempo passa o acúmulo das exposições aumenta a suscetibilidade individual a ponto de desencadear o estágio subclínico da doença. Com o avançar da idade, a suscetibilidade aumenta ainda mais desencadeando um evento clínico pela primeira vez: um infarto agudo do miocárdio. Em seguida, o indivíduo se recupera desse evento, mas sua suscetibilidade fica ainda mais reduzida devido ao evento. Como as exposições continuam se acumulando, há uma recorrência do infarto que leva o indivíduo ao óbito. Figura 2 – História Natural da doença coronariana Morte TempoSaúde plena As causas começam a exercer sua influência aqui A doença e a primeira manifestação podem ser diagnosticadas aqui, exemplo im (infarto do miocádio) Recorrência e morte AdolescênciaFase fetal 1ª infância/ 2ª e 3ª infância Idade adulta/ Velhice Fonte: Bhopal RS. Concepts of Epidemiology: Integrating the ideas, theories, principles, and methods of epidemiology. 3th edition. Oxford University Press, 2016 Ressalta-se história natural da doença não deve ser considerado como sinônimo de história biológica da doença, pois sabemos que o curso de uma doença não é determinado apenas por fenômenos biológicos, mas depende em grande medida do contexto socioambiental, cultural e político. Por exemplo, viver em um país com um sistema de saúde universal como o SUS aumenta a probabilidade de busca por serviços de saúde, o que pode levar ao diagnóstico pre- coce da doença resultandoem melhor curso da doença nessa população. Por isto, conhecer a história natural de uma doença é fundamental para a definição de políticas e ações de pre- venção, pois melhorar as condições de saúde de uma população implica necessariamente em influenciar a história natural da doença prevenindo a sua ocorrência ou atrasando ao máximo profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 29 seu início e diminuindo o potencial de gerar incapacidades e/ou óbito. A Figura 3 ilustra esse processo ao demostrar a história natural da doença sem medidas preventivas (passado), com a implementação de medidas preventivas que temos conhecimento atualmente (presente) e com a instauração de novas medidas preventivas ainda não disponíveis (futuro). Como pode ser visto, a incorporação de novas medidas preventivas tende a retardar o adoecimento e, consequentemente o óbito, prolongando o tempo de vida com saúde. Figura 3 – História natural da doença em diferentes cenários de medidas preventivas implementadas. Criança Óbito Ações de Prevenção Saudável Adolescente Adulto Idoso Muito idoso Fonte: Figura adaptada de Bhopal RS. Concepts of Epidemiology: Integrating the ideas, theories, principles, and methods of epidemio- logy. 3th edition. Oxford University Press, 2016. 1.2.3 Níveis de Prevenção A história natural das doenças nos indica a existência de diferentes períodos no curso da doença em que é possível agir por meio de medidas preventivas para reduzir a ocorrência da doença ou minimizar o impacto da doença retardando seu progresso. Tal análise permite distinguir quatro diferentes níveis de prevenção denominados de prevenção primária, secundária, terciária e quaternária. Vamos discutir detalhadamente cada um desses níveis a seguir. 1.2.3.1 Prevenção primária O objetivo da prevenção primária é evitar a ocorrência das doenças e envolve ações destina- das a remover causas e fatores de risco dessa doença antes do seu desenvolvimento (Figura 4). Essas iniciativas evolvem tanto ações que previnem a iniciação de uma exposição, quanto profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 30 estímulos para cessação dessa exposição ou estratégias que neutralizam o efeito da exposição (ex. imunização de doenças). A prevenção primária envolve estratégias a nível individual e populacional. Por exemplo, quando a equipe multiprofissional de saúde orienta seu paciente a parar de fumar, iniciar a prática de atividade física ou reduzir seu peso corporal ela está fazendo ações de prevenção primária a nível individual. Já as políticas públicas de taxação do cigarro, fluoretação da água de abastecimento público ou imunização de toda a população são medidas de prevenção primária a nível populacional. Figura 4 – História Natural da doença e níveis de prevenção Fonte: Szklo M. História natural das doenças e níveis de aplicação de medidas preventivas. Rio de Janeiro, 2004. Apresentação em Power Point apud Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; organização Mario Jorge Sobreira da Silva. – 4. ed. rev. atual. – Rio de Janeiro: Inca, 2018. 1.2.3.2 Prevenção secundária A prevenção secundária tem por objetivo detectar precocemente a doença, antes do indivíduo apresentar sinais e sintomas, ou seja, na fase subclínica da doença (Figura 4). Pretende-se com isso, instaurar o tratamento mais rapidamente com o intuito de controlar a doença e minimizar a incapacidade relacionada. Os exames de rastreamento de doenças, como câncer de colo de útero e mama, consistem em bons exemplos de ações de prevenção secundária. O rastreamento pode ser realizado individualmente, de forma oportunística, quando o paciente procura os serviços de saúde por outros motivos. Pode também ser fruto de uma política pú- blica que vise rastrear toda uma população alvo para uma dada doença. Esse tipo de rastreio profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 31 normalmente é organizado por sistemas nacionais de saúde, como SUS, que irão fornecer, além do diagnóstico, todo o tratamento necessário, visto que não faz sentido diagnosticar precoce- mente uma doença se o indivíduo não terá acesso ao tratamento. Destaca-se que a finalidade de qualquer tipo de rastreamento é a redução da morbimortalidade pela doença. Logo, medidas de prevenção secundária pressupõe que o inicio precoce do tratamento é mais efetivo, ou seja, resulta em ganhos em sobrevida e qualidade de vida quando comparado ao tratamento iniciado na fase clínica da doença, ou seja, após o aparecimento de sinais e sintomas. 1.2.3.3 Prevenção terciária A prevenção terciária é caracterizada por ações a nível individual ou populacional que visam amenizar o impacto da doença ao longo prazo prevenindo complicações e sofrimento nos indiví- duos que já desenvolveram a doença em sua forma clínica (Figura 4). Dessa forma, visa diminuir os prejuízos funcionais consequentes de uma doença, incluindo ações com foco na reabilitação. Como exemplo de ação de prevenção terciária podemos citar a instauração oportuna do tratamento da diabetes com o intuito de prevenir a ocorrência e doenças cardiovasculares, doença renal crônica, amputações, etc. 1.2.3.4 Prevenção quaternária A prevenção quaternária tem por objetivo evitar danos associado às intervenções diag- nósticas e terapêuticas desnecessárias. Incluem também a identificação de indivíduos e grupos em risco de sobrediagnóstico ou medicação excessiva. Consequentemente, as ações de prevenção quaternária visam diminuir a probabilidade do tratamento médico ser uma fonte de doenças, efeitos adversos e complicações. Por exemplo, a indicação de medicamentos sem eficácia comprovada para uma doença é uma prática que deve ser combatida visando a prevenção quaternária, visto que além do medicamento não tratar a doença em questão, seu uso expõe os indivíduos ao risco de efeitos colaterais que podem ser graves. Outro exemplo de prevenção quaternária é a recomendação do Ministério da Saúde para não realizar rastreamento para câncer de próstata (Brasil, 2013), já que não há evidência de que esse rastreio reduza a morbimortalidade da doença e o seu tratamento tem grande potencial de trazer sequelas que reduzem muito a qualidade de vida, como incontinência urinária e impotência sexual (Silverstein et al, 2018). profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 32 1.2.5 Saúde e seus determinantes sociais A história natural das doenças também é fortemente influenciada pelo contexto social, cultural, político e histórico de cada indivíduo. Consequentemente, qualquer medida pre- ventiva que considere apenas as exposições individuais de forma descontextualizada tende a ser ineficaz. Hoje sabemos que os determinantes da saúde atuam em distintos níveis e variam desde características proximais e individuais como herança genética, idade e sexo até os determinantes sociais mais distais que englobam as condições do ambiente em que o indivíduo nasce, cresce, vive, trabalha e envelhece. (LEI 8.080/1.990) Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômi- cas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômicado País. Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. O Modelo dos Determinantes Sociais de Dahgren e Whitehead ilustra bem esses diferentes níveis de determinação ao caracterizar os determinantes sociais em camadas ao redor das características individuais não modificáveis como pode ser visualizado na Figura 4. Neste modelo, a camada mais externa diz respeito as condições socioeconômicas, culturais e am- bientais gerais e, dessa forma, são os determinantes de saúde mais distais aos indivíduos. Os determinantes dessa camada exercem uma enorme influência sobre as demais, já que eles profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 33 irão ditar as condições de vida e trabalho dos indivíduos, que consiste nos determinantes da camada seguinte, que por sua vez irão gerar diferenciais de exposições e vulnerabilidades a diversas doenças e agravos como ilustrado na Figura 4. A terceira camada consiste nas redes sociais comunitárias que expressam os tipos de vínculos entre os indivíduos do grupo social e que também influenciam o processo saúde-doença. Em seguida está a camada de estilo de vida dos indivíduos que expressam os comportamen- tos adotados por cada um de nós. Essa camada ao contrário do que pode parecer não consiste em escolhas individuais, já que os comportamentos se estabelecem como resultado de uma interação entre os determinantes sociais mais distais (camadas anteriores) e as características individuais. Por exemplo, todos sabemos hoje em dia que fazer atividade física faz bem para a saúde, entretanto nem todos nós temos condições de aderir a essa prática. Uma pessoa que trabalha 44 horas semanais e gasta 4 horas do seu dia no trajeto de ida e volta para o trabalho, que precisa cuidar da casa e família e, além disso, mora em uma vizinhança sem locais apropriados e seguros para fazer atividade física terá uma probabilidade de fazer ativi- dade física pequena, mesmo desejando se engajar neste hábito. Portanto, podemos dizer que todas as nossas “escolhas” são socialmente determinadas e, por isso, a camada do modelo de Dahgren e Whitehead de estilos de vida também faz parte dos determinantes sociais. Por fim no centro no modelo estão as características individuais que também exercem influ- ência sobre o risco de adoecer isoladamente e ao interagir com as demais camadas do modelo. Figura 5 – Modelo dos determinantes sociais de Dahgren e Whitehead Fonte: Adaptado de Dahlgren G, Whitehead M. Policies and Strategies to promote social equity in health. Stockholm: Institute for Future Studies; 1991. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 34 1.2.6 Medidas preventivas: abordagem individual versus abordagem populacional Considerando tudo que discutimos até aqui, agora seria bom voltarmos para uma pergunta que fizemos no início desta aula a respeito do planejamento e execução de políticas públicas de saúde que foi a seguinte: PARA REFLETIR Onde o Estado precisa atuar para obter maiores ganhos em saúde da população? Para responder essa pergunta, precisamos discutir dois tipos de enfoque possíveis para o estabeleci- mento de medidas preventivas: a estratégia individual de alto risco e a estratégia populacional. A estratégia individual enfatiza o estabelecimento de intervenções a nível individual para prevenir as causas e fatores de risco das doenças, sendo essas intervenções particularmente direcionadas aos indivíduos de alto risco. Por exemplo, com frequência na atenção primária rastreamos pessoas maiores de 18 anos para hipertensão arterial com intuito de identificar os indivíduos com pressão arterial elevada (sistólica ≥140 mmHg ou diastólica ≥90 mmHg), ou seja, os indivíduos de alto risco para ocorrência de várias doenças como doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. A identificação de pessoas de alto risco permite definir os indivíduos que serão alvo de intervenções preventivas (farmacológicas e comportamentais) com o intuito de reduzir seu risco e evitar a ocorrência de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. Essa abordagem consiste na estratégia tradicional de prevenção utilizada pelos profissionais de saúde e apesar de ser adequada para a prevenção a nível individual, ela é limitada já que o impacto para a saúde pública desse tipo de intervenção é pequeno. Por exemplo, os estudos epidemiológicos mostram que quanto maior a pressão arterial, maior o risco de doenças cere- brovasculares (Figura 5A). Ou seja, um individuo com pressão arterial igual a 135 x 85 mmHg tem mais risco de desenvolver doença cardiovascular do que um da mesma idade e sexo com pressão arterial igual a 130 x 80 mmHg. Mas, a abordagem individual baseia-se em um ponto de corte para definir o grupo de alto risco e, consequentemente, todos que não estiverem nesse grupo serão automaticamente classificados como “normais”. Entretanto, o risco entre esse grupo de “normais” (pressão sistólica <140 mmHg) não é nulo como pode ser visualizado no Figura 5A. Logo, várias pessoas vão desenvolver doenças cerebrovascular mesmo com níveis pressóricos considerados “normais”. Vale lembrar que a maior parcela da população possui níveis pressóricos “normais” (pressão sistólica <140 mmHg) como mostra a Figura 5B. Consequentemente, apesar dos hipertensos terem um risco mais elevado de doença cerebrovascular, eles são responsáveis profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 35 em conjunto por uma pequena porção do total de casos dessa doença, já que são minoria na po- pulação. Logo ao fazermos prevenção apenas nos indivíduos de alto risco, estaremos deixando de fora da intervenção a maior parte da população, que também está submetida ao risco de adoecer e que irá gerar o maior percentual de casos da doença em questão. Figura 6 – Abordagem de alto risco ilustrada considerando a relação entre níveis de pressão arterial e risco para doença cerebrovascular (A) e distribuição dos níveis de pressão arterial na população (B) (A) 140 mmHg Pressão arterial sistólica Pressão arterial sistólica 140 mmHg (B) Fonte: elaborado pela autora. Mas que tipo de intervenção então seria necessária para prevenir a doença cerebrovascular em toda a população? A resposta a essa pergunta remete a estratégia populacional de prevenção proposta pelo epidemiologista inglês Geoffrey Rose (Rose, 1985). Segundo essa abordagem, se quisermos prevenir a ocorrência de doença cerebrovascular em toda a população precisaríamos realizar intervenções com o objetivo reduzir a pressão arterial de todos os indivíduos, inde- pendente de pertencer ou não ao grupo de alto risco. Ou seja, devemos intervir na população como um todo para mover para a esquerda toda a curva da distribuição da pressão arterial, diminuindo a média da pressão arterial do conjunto de indivíduos da população (Figura 6). Essa mudança beneficiaria toda a população e causaria também uma diminuição no número de indivíduos no grupo de alto risco (Figura 6). Para deslocar toda a curva de um fator de risco, como pressão arterial, para a esquerda é necessário estabelecer ações com o potencial de modificar características do contexto de vida (seja características sociais, econômicas, culturais, ambientais, etc.) que estão relacionadas ao aumento do risco de adoecer. São esses fatores contextuais que explicam porque algumas sociedades são mais saudáveis que as outras. Por exemplo, a redução da concentração de sódio em alimentos industrializados e no pão francês afeta toda a população e concorre para reduzir os níveis pressóricos no conjunto dos indivíduos. A estratégia populacional de prevenção visa também diminuir as desigualdades deoportunidades para aumentar as pos- profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 36 sibilidades de escolha saudáveis em toda a população. Esse tipo de intervenção é conhecida também como prevenção primordial. Figura 7 – Foco da abordagem populacional de prevenção 140 mmHg Pressão arterial sistólica Intervenção populacional Fonte: elaborado pela autora. Podemos ilustrar esse tipo de abordagem a partir do problema crescente na sociedade atual: a obesidade. A Figura 6 ilustra diferentes exemplos de intervenções que podem auxiliar na prevenção da obesidade na população a níveis mais distais, como a sociedade e a vizinhança, que são exemplos de ações da estratégia populacional até ações que utilizam a estratégia individual (proximal). Os exemplos de intervenções enumerados na Figura 6 mostram que a estratégia populacional de prevenção não pode ficar restrita ao setor saúde, já que para promover mudanças no contexto de vida e normas sociais são necessárias combinações de ações entre vários setores da sociedade. Por exemplo, para reduzir o desemprego, que leva a uma serie de repercussões negativas que podem elevar o risco de obesidade (ex. diminuição da renda e aumento do estresse), são necessárias mudanças na política econômica e na política de mercado de traba- lho. Para reduzir o preço de alimentos frescos seria necessário a redução de impostos, taxas ou ainda o estabelecimento de subsídios. As políticas de planejamento urbano poderiam au- mentar a disponibilidade de locais apropriados para realização de atividade física perto das residências das pessoas, criação de ciclovias etc. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 37 Figura 8 – Diferentes intervenções políticas com foco na redução da obesidade Sociedade Vizinhança Indivíduos Distal Proximal Reduzir o desemprego Acordos com a indústria para reduzir as gorduras/açúcar dos alimentos processados Política intersetorial para reduzir preços de alimentos in natura Aumentar a disponibilidade de alimentos saudáveis e locais apropriados para prática de atividade física perto da casa dos indivíduos Educação em saúde: promover alimentação saudável e atividade física Fonte: elaborado pela autora. Esse exemplo deixa claro que a estratégia populacional e a estratégia individual não são exclu- dentes, muito antes pelo contrário, precisam ser combinadas e estabelecidas de forma conjunta. 1.2.7 Saúde pública baseada em evidências Tudo que discutimos até aqui são conceitos relevantes para guiar ações de saúde pública com o intuito de melhorar a saúde e as condições de vida da população. A utilização do conheci- mento científico de forma explicita para orientar o processo de decisão em saúde pública vem crescendo, sendo denominado de saúde pública baseada em evidências. A racionalidade desse processo está baseada no pressuposto de que políticas formuladas com base em conhecimentos científicos serão mais eficazes e eficientes. Os estudos epidemiológicos e o trabalho da vigilância em saúde produzem evidências que permitem, além de caracterizar um problema de saúde pública, estabelecer as principais causas desse problema e estimar os impactos de uma possível intervenção. Dessa forma, essas evidências consistem em um importante elemento a ser considerado pelos tomadores de decisão na argumentação e debate, ajudando desde a priorização de ações, levantamento de pautas, definição de agendas, até na formu- lação e avaliação das políticas de saúde. Entretanto, cabe ressaltar que o processo de tradução das evidências científicas em intervenções de saúde pública não é um processo simples e rápido, pois mesmo a existência de evidências de qualidade que apontem a direção que uma intervenção deve seguir, não garante que essa medida preventiva seja implementada. Isso acontece porque a decisão final para a criação de uma política profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 38 preventiva será determinada, principalmente, por fatores econômicos e políticos, além de valo- res, prioridades da sociedade e interesses de diferentes atores sociais. Por exemplo, desde a década de 1960 já existia um grande volume de evidências científicas de- monstrando que o tabagismo consiste em uma das principais causas do câncer de pulmão e que este comportamento está fortemente associado ao aumento do risco de doenças cardiovasculares e outras várias doenças. Entretanto, somente a partir da década de 1990 que o Brasil começou a realizar de forma sistemática políticas públicas intersetoriais com foco na redução do tabagismo, como aumento da tributação dos produtos do tabaco, restrições de marketing, advertências de saúde nas embalagens, criação de ambientes livres do cigarro, entre outras medidas. O atraso entre a produção da evidência e a implementação de intervenções de saúde pública de redução do tabagismo foi fortemente influenciado pela indústria do tabaco, que conseguiu bloquear a implementação de medidas de controle do tabagismo por anos, devido a sua força econômica e política (o Brasil é o segundo maior produtor de produtos do tabaco do mundo). Apesar das dificuldades, o processo decisório baseado em evidências na saúde pública consiste em uma oportunidade de desenvolver medidas preventivas mais coerentes com realidade da população e com maior probabilidade de alcançar o resultado pretendido. Além disso, fortalece a confiança da população na ciência, o que é extremamente relevante nos tempos atuais. 1.2.8 Conclusão A história natural das doenças envolve múltiplos processos que sofrem forte influência do contexto onde cada população está inserida, demonstrando de forma inequívoca que a saúde não pode ser entendida de forma individual e que precisa ser compreendida como fenômeno coletivo, histórico e socialmente determinado. Essas características tornam a realização de políticas públicas de saúde uma tarefa complexa, já que precisa considerar um grande núme- ro de determinantes para compreender um mesmo problema de saúde pública. Os estudos epidemiológicos e o trabalho da vigilância em saúde facilitam esse processo ao produzirem evidências que auxiliam a tomada de decisão em saúde. profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bhopal RS. Concepts of Epidemiology: Integrating the ideas, theories, principles, and methods of epidemiology. 3th edition. Oxford University Press, 2016 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Rastre- amento / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – 1. ed., 1. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2013. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desenvolvi- mento da Epidemiologia em Serviços. Guia de Vigilância em Saúde: volume único. 3ª ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2019. 740 p Brownson CR, et al. Evidence-based public health. 2nd ed. Oxford University Press, New York, 2011. Dahlgren G, Whitehead M. Policies and Strategies to promote social equity in health. Stockholm: Institute for Future Studies; 1991. Hill AB. The environment and disease: Association or causation? Proc R Soc Med 58:295-300, 1965. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; organização Mario Jorge Sobreira da Silva. – 4. ed. rev. atual. – Rio de Janeiro: Inca, 2018. Marques EC. As políticas públicas na ciência política. In: E. Marques; Faria, C.A.P. (org.). A política pública como campo multidisciplinar. Rio de Janeiro-São Paulo: FIOCRUZ-UNESP, 2013, p. 23-46 Rose G. Sick individuals and sick populations. International Journal of Epidemiology 1985;14:32–38. Silverstein M, Simon MA, Siu AL, Tseng CW. Screening for Prostate Cancer: US Preventive
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