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D IÁ LO G O S T R A N S D IS C IP L IN A R E S A B R A L IC 2 0 2 1 ORGANIZAÇÃO Adauto Locatelli Taufer Ana Cláudia Munari Domingos Wellington Furtado Ramos Ensino da literatura, poéticas e teorias volume 1 Ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LITERATURA COMPARADA Gestão 2020-2021 Presidente Gerson Roberto Neumann — UFRGS Vice-Presidente Andrei Cunha — UFRGS Primeira Secretária Cinara Ferreira — UFRGS Segundo Secretário Carlos Leonardo Bonturim Antunes — UFRGS Primeiro Tesoureiro Adauto Locatelli Taufer — UFRGS Segunda Tesoureira Rejane Pivetta — UFRGS Conselho Deliberativo Membros efetivos Betina Rodrigues da Cunha — UFU João Cezar de Castro Rocha — UERJ Maria Elizabeth Mello — UFF Maria de Fátima do Nascimento — UFPA Rachel Esteves de Lima — UFBA Regina Zilberman — UFRGS Rogério da Silva Lima — UnB Socorro Pacífico Barbosa — UFPB Membros suplentes Cassia Maria Bezerra do Nascimento — UFAM Helano Jader Ribeiro — UFPB ORGANIZAÇÃO Adauto Locatelli Taufer Ana Cláudia Munari Domingos Wellington Furtado Ramos DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARESABRALIC 2021 Ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 Todos os direitos desta edição reservados. Copyright © 2021 da organização: Adauto Locatelli Taufer, Ana Cláudia Munari Domingos e Wellington Furtado Ramos. Copyright © 2021 dos capítulos: suas autoras e autores. Coordenação editorial Roberto Schmitt-Prym Conselho editorial Betina Rodrigues da Cunha — UFU João Cezar de Castro Rocha — UERJ Maria Elizabeth Mello — UFF Maria de Fátima do Nascimento — UFPA Rachel Esteves de Lima — UFBA Regina Zilberman — UFRGS Rogério da Silva Lima — UnB Socorro Pacífico Barbosa — UFPB Cassia Maria B. do Nascimento — UFAM Helano Jader Ribeiro — UFPB Projeto gráfico & diagramação Mário Vinícius Capa Mário Vinícius Larissa Rezende (estagiária) Equipe de revisão Bruna Santiago dos Reis Douglas Rosa Erick Vinícius Mathias Leite Flávia Malaquias Como citar este livro (ABNT) TAUFER, Adauto Locatelli; DoMinGoS, Ana Cláudia Munari; RAMoS, Wellington Furtado (org.). Ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1. Porto Alegre: Bestiário / Class, 2021. O presente trabalho foi realizado com o apoio do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Coordenação de Aper- feiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Brasil (CAPES), do Centro de Estudos Eu- ropeus e Alemães (CDEA) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Gran- de do Sul (FAPERGS). Os organizadores deste volume não se responsabilizam pelo conteúdo dos artigos ou por suas consequências legais. Os tex- tos que compõem este volume são de res- ponsabilidade de seus autores e não refle- tem necessariamente a linha programática ou ideológica da Editora Bestiário ou da Associação Brasileira de Literatura Com- parada. A Associação e a Editora se abs- têm de responsabilidade civil ou penal em caso de plágio ou de violação de direitos intelectuais decorrentes dos textos publi- cados, recaindo sobre os autores que in- fringirem tais regras o dever de arcar com as sanções previstas em leis ou estatutos. Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 Índice para catálogo sistemático: 1. Literatura brasileira : Ensaio 869.94 2. Literatura brasileira : Ensaio 82-4(81) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (Cip) de acordo com isBd Ensino da literatura, poéticas e teorias, vol 1 [recurso eletrônico] / organizado por Adauto Locatelli Taufer, Ana Cláudia Munari Domingos, Wellington Furtado Ramos. - Porto Alegre : Class, 2021. 552 p. ; pdf ; 3,3 mb. Inclui bibliografia e índice ISbN: 978-65-88865-81-1 (Ebook) 1. Literatura brasileira. 2. Ensaio. I. Taufer, Adauto Locatelli. II. Domingos, Ana Cláu- dia Munari. III. Ramos, Wellington Furtado. Iv. Título. Cdd: 869.94 CdU: 82-4(81) e59 2021-3511 Rua Marquês do Pombal, 788/204 CEP 90540-000 Porto Alegre, RS, Brasil Fones: (51) 3779.5784 / 99491.3223 www.bestiario.com.br Sumário 7 Apresentação: Literatura para (re)existência Adauto Locatelli Taufer Ana Cláudia Munari Domingos Wellington Furtado Ramos 11 A literatura na escola: concepções e práticas Luzimar Silva de Lima 25 A subjetividade da leitura literária na formação do sujeito-leitor Valdivina Télia Rosa de Melian Andreia Nascimento Carmo 39 A voz e a vez do leitor no ensino-aprendizagem da leitura literária: multimodalidade e descentramento geográfico Lucília Souza Lima Teixeira 55 Literatura e formação de leitores: do texto literário ao livro didático Cleane da Silva de Lima 74 A formação do professor de literatura – um desafio (com todas as Letras) Chirley Domingues 90 A leitura ficcional literária: uma prática multidimensional/ interdisciplinar no letramento acadêmico da contemporaneidade Marilene Ferreira Cambeiro Aline Marques Julia Bastos Teresa Paladino 105 Literatura e ensino: a extensão universitária como contribuição à formação inicial docente Alcione Maria dos Santos 118 Literatura, uma questão de significados e sentidos Roberto Clemente dos Santos 131 O método recepcional como proposta de ferramenta para a prática docente no uso de textos de escritores africanos de Língua Portuguesa Caio César Tabajara Silva Santos 151 A articulação do professor na formação de leitores dentro e fora da educação básica Rosalina Albuquerque Henrique Fábio Matos Carneiro 162 Literatura brasileira e teoria pós-colonial: uma proposta de educação para as relações étnico-raciais Andreia Lívia de Jesus Leão 177 O diálogo possível: contribuições da filosofia enunciativo-discursiva para o ensino de literatura na perspectiva pedagógica histórico-crítica Sâmella Priscila Ferreira Almeida Maria Amélia Dalvi 192 Um experimento com Hamlet em uma escola pública de Santa Maria/RS João Pedro Wizniewsky Amaral 215 Configurações dos monstros na obra infantil de Madame Chrysanthème Alexandre de Castro Gomes 230 Contos de fadas feministas: uma análise das princesas Disney ao longo dos anos Bruna Vieira Dorneles 245 “Nossos lábios se encontraram”: o que as cenas de beijo revelam nas distopias juvenis Cássia Farias 265 O desenvolvimento feminino em contos de fadas com personagens transfigurados: animalização em “A Bela e A Fera” e “Pele de Asno” Karen Schuler 280 Não se assuste: um olhar para a experiência de leitura em um livro infantil de poesia e ilustrações Sabrine Amalia Antunes Schneider 291 Princesas feministas? Um estudo acerca do contrato comunicativo nos livros infantis e juvenis Raquel Monteiro de Rezende Janayna Rocha da Silva 306 Ricardo Azevedo no ensino médio da rede estadual de São Paulo Dayse Oliveira Barbosa 321 BNCC e leitura literária: poucas matrizes, muitas diretrizes Débora Ventura Klayn Nascimento 339 Considerações sobre transformações no ensino de literatura e currículo escolar Daniele Gualtieri Rodrigues 352 Ensino de literaturas e culturas africanas e afro-brasileira na educação básica e superior Agnaldo Rodrigues da Silva Sidnei Boz 368 Literatura e ensino: perspectivas dos documentos oficiais no ensino médio para a formação do leitor Danielle Ferreira de Souza 386 O teatro no contexto da BNCC e do DRC-MT: um olhar para as abordagens possíveis em sala de aula Sidnei Boz Agnaldo Rodrigues da Silva 401 A escrita poética no contexto acadêmico: processo de criação do livro Fabulário Ana Claudia Costa dos Santos 416 As narrativas implícitas e explícitas: uma análise comparativa das formas de produção literária Brunna Luiza Lima de Sousa 431 Personagens de Clarice Lispector – concepção e expressão Cátia Castilho Simon 452 Espécie de colaboração: orientar em Escrita Criativa Márcia Ivana de Lima e Silva 467 Uma história possível da Escrita Criativa no Rio Grande do Sul Diego Grando (PUCRS-PnPD/Capes) 485 9 meses: o retratoliterário da gravidez na adolescência Mariana Rissi Azevedo 499 Escrita Criativa: o que a escrita devolve à imagem Altair Teixeira Martins 516 Lúcido blackout: uma experiência psicoativa com a Escrita Criativa Fernanda Vivacqua Boarin 536 Práticas da Escrita Criativa: o que é ler como uma escritora, um escritor? Moema Vilela 551 Informações sobre a presença online da ABRALIC ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 7 Apresentação: Literatura para (re)existência Adauto Locatelli Taufer (UFRGS) Ana Cláudia Munari Domingos (UNISC) Wellington Furtado Ramos (UFMS) A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação do mundo, ela pode também em seu percurso, nos trans- formar a cada um de nós a partir de dentro. TzvETAn ToDoRov, 2009. Essa epígrafe de Todorov se converte numa espécie de prece para nós – leitores, pesquisadores e professores de Literatura – que sabemos o quanto a literatura pode. “A literatura pode muito”. Pelas veredas do dueto escrita-leitura nos salvamos diariamente. A literatura nos sal- va de angústias, de decepções, de dores, de males, de momentos de crise e de desespero; enfim, é por meio, também, da literatura que, muitas vezes, nos salvamos até de nós mesmos. A literatura nos salva tanto que, devido à paixão que por ela temos, a escolhemos como meio de viver e de sobreviver, pois o alimento que nos mantém vivos e a habitação que nos abriga são assegurados pelo trabalho que a literatura, cotidianamente, nos proporciona. Simbio- ticamente, por meio do dueto escrita-leitura, alimentamos o intelec- to para garantirmos que nossos corpos estejam sempre nutridos. De fato, como “a literatura pode muito”, ela nos salva! Utopicamente, desejamos que todos alimentem seus espíritos da mesma maneira que nós, os amantes da leitura e da escrita, faze- mos há séculos. E se nossa utopia se cumprisse, possivelmente, vi- veríamos em uma sociedade menos contaminada pelo nefasto vírus ideológico que, de todas as formas possíveis, tenta se alojar sobre o conhecimento, desacreditando-o e, ilusoriamente, destruindo- -o. Ilusoriamente porque todos os amantes da literatura lutam con- tra esse mal com o melhor antídoto que possuem: escrita e leitura, DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 8 LITERATURA! Lutamos e resistimos com as melhores armas que te- mos: pensamentos, palavras, texto, livros impressos ou digitais. Para- fraseando Paulo Freire, principalmente nos últimos anos, num país como o Brasil, manter a esperança viva por meio da literatura é, sim, um ato revolucionário! Nossa revolução, hoje, se insurge contra quem promove metaforicamente a “queima” de livros e do conhecimento, contra quem despreza, desprestigia e boicota a educação. A queima que defendemos é a da inquietude e a da inconformi- dade cuja chama nunca se apaga diante do fogo amainado. A lenha que abastece nosso fogo de chão é o questionamento, a contestação, a luta incessante por uma sociedade menos desigual, mais diversa, mais plural. A chama que internamente nos queima, nos move e nos inquieta é alegórica porque fomos, analogamente, tocados pela mes- ma compaixão de Prometeu, quando esse titã da mitologia grega fur- tou do Olimpo o fogo sagrado dos deuses e o deu de presente à hu- manidade, conferindo a ela o poder do conhecimento. Nossa deusa grega é a Literatura, e o dom que ela nos concedeu foi o amor inces- sante pela leitura e pela escrita. Afinal, lemos os escritos de outrem e, também, escrevemos para nós mesmos e para os outros porque, como um verdadeiro ato de fé, cremos na propagação do conheci- mento e, também, no diálogo construtivo e respeitoso que as nar- rativas e a poesia são capazes de edificar. E assim estamos em per- manente construção do nosso ato de ler, uma vez que “a história da leitura é a história de cada um dos leitores” (MANGUEL, 1997, p. 36). 1 A Literatura (Prometeu) nos transformou e continua nos transfor- mando, pois, para nós, ela “corresponde a uma necessidade univer- sal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, por- que pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade”. (CANDIDO, 1995, p. 256). 2 Esse pequeno preâmbulo, além de simbolizar nosso respeito e nosso amor pela literatura, igualmente justifica a organização deste e-book do XVII Congresso Internacional da Associação Brasileira de 1. MAnGUEL, A. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 2. CAnDiDo, A. O direito à literatura. In: CAnDiDo, A. Vários escritos. 3. ed. São Paulo: Duas cidades, 1995, p. 235-263. ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 9 Literatura Comparada 2020 3, promovido pela Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC), sediado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Porto Alegre (RS). Se nos armamos de livros para lutar, apresentamos, aqui, este e-book, uma importante arma construída a muitas mãos, mas com o mesmo pro- pósito: a reiteração da importância, da função e do lugar dos estu- dos literários dentro e fora da Universidade. Neste eixo intitulado Ensino da Literatura, Poéticas e Teorias (Volu- me 1), estão reunidos textos resultantes de discussões oriundas do evento. As contribuições registradas a seguir abarcam diferentes te- orias e metodologias relacionadas: (a) ao ensino de literatura, tanto em dimensões práticas quanto teóricas da formação docente; (b) aos desafios de realizar pesquisas voltadas ao ensino de literatura nos en- sinos básico e superior; (c) às políticas de ensino de literatura com vistas à educação literária; (d) aos aspectos teóricos e práticos da li- teratura infantil e juvenil; e (e) à escrita criativa também como uma alternativa ao ensino de literatura, entre outras reflexões e contribui- ções. São textos escritos por colegas que, como nós, acreditam nesse poder da palavra literária e na sua força de, transformando as pesso- as, tornar nosso mundo melhor para todos. Em tempos de tanta obscuridade e de tanto ataque direto à Ciên- cia e à Educação, a organização desse congresso e a materialização de parte dos profícuos diálogos aqui reunidos são uma importante resposta que podemos dar a quem desvaloriza e nega o conhecimen- to produzido em muitas Universidades e em muitas instituições da Educação Básica. Reunir os textos e publicá-los neste e-book é lançar um pouco de luz sobre o árduo trabalho realizado pela comunidade docente brasileira. Valorizar o conhecimento, a escrita, a leitura, a literatura, é o nosso mais potente antídoto para tentar desinfectar a ignorância e a nuvem negacionista que paira sobre quem produz co- nhecimento neste país. Por fim, o amor e o respeito devotados à literatura nos movem à leitura de tudo e à leitura sempre atenta e crítica dos mais diversos contextos em que estamos inseridos, porque “Literatura é remédio e é resistência. Remédio claro, pois tenta nos restituir a saúde da refle- xão e nos tirar da melancolia da irrelevância, da banalidade do ser, 3. Realizado totalmente em modalidade online tendo em vista a Pandemia da CoviD-19. DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 10 da falta de sentido e de pensamento que se tornaram gêmeos xifópa- gos do cotidiano líquido contemporâneo”. 4 A “literatura pode muito” porque somos nós, escritores, leitores, professores, que abraçamos e compartilhamos seu poder; porque ela “confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas”. 5 Junho/2021 4. KARnAL, L. Apresentação – livros vitais e a vida dos livros. In.: GALLiAn, D. A literatura como remédio: os clássicos e a saúde daalma. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2017, p. 7-11. 5. CAnDiDo, A. op. cit., p. 243. ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 11 A literatura na escola: concepções e práticas Luzimar Silva de Lima (UFPI) 1 Introdução O ensino de literatura na escola suscita uma série de questões, den- tre as quais, as relacionadas à formação do leitor literário têm ga- nhado visibilidade. Nesse contexto, as ações metodológicas do pro- fessor desempenham papel fundamental para despertar no aluno o gosto pela leitura. É importante percebermos o que alguns aportes teóricos acerca da literatura na escola orientam. Isso é importante porque nos per- mite compreender como a arte literária apresenta-se na escola e que práticas têm se mantido frequentes nesse contexto a fim de apontar caminhos para uma condução significativa do texto literário em am- biente escolar. Observa-se, pois, que o ensino de literatura na escola insere-se num terreno de relações estreitas e pouco pacíficas. Parece manter- -se na escola apenas por força de normatizações como tradições e exigências curriculares. Além disso, a função educativa que essa li- teratura exerce na escola limita-se ao ato de ler para a formação cul- tural do leitor. A partir disso, ressaltamos a escola como espaço de construção de conhecimento e, nesse sentido, destaca-se a literatura como elemen- to favorecedor desses conhecimentos, pois não se relaciona apenas ao prazer, mas, também, ao conhecer. A escola precisa percebê-la dessa forma, abraçar as leituras que se constituem em outros espa- ços, e que chegam a ela a partir do repertório dos alunos, advindas de escolhas espontâneas, livres de imposições ou obrigações escolares. Portanto, com todas essas considerações pretendemos mostrar as formas de manifestação da literatura na escola, de modo a favorecer uma reflexão acerca das questões pontuadas, estabelecer as possíveis causas pelas quais o ensino de literatura tem perdido espaço no re- pertório de leituras do aluno, bem como dar visibilidade às leituras que os alunos já fazem a fim de ampliá-las. 1. Doutoranda em Literatura pela Universidade Federal do Piauí-UFPi. DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 12 A literatura na escola: concepções e práticas É importante percebermos o que alguns aportes teóricos acerca da literatura na escola orientam. Isso é importante porque nos permi- te compreender como a arte literária apresenta-se na escola e que práticas têm se mantido frequentes nesse contexto a fim de apontar caminhos para uma condução significativa do texto literário no am- biente escolar. Discutir esse tópico é contar, necessariamente, com as considera- ções de Todorov (2009) e suas contribuições acerca do ensino da lite- ratura na escola e a condução que tem tomado nesse espaço. Segun- do o autor, o perigo não está na escassez de poetas contumazes ou ficcionistas, no fim da produção ou da criação poética, mas na forma como a literatura tem sido oferecida aos jovens desde a escola primá- ria até a faculdade, a escolarização da literatura parece ser o grande perigo de sua inexistência. O perigo diz respeito ao fato de que o es- tudante não entra em contato com a literatura por meio dos textos li- terários, mas com alguma espécie de crítica, de teoria ou de história literária, isso revela muito mais uma matéria do que a viabilização de conhecimento do mundo, do próprio ser humano e suas paixões. O estudo da literatura no Brasil data do século XIX, abordado ini- cialmente, na perspectiva da crítica e da história literárias. A prima- zia do cânone predominava como essência de ensino. Segundo Fa- ria (2009, p. 3), durante a década de 1970: Na tradição da história da literatura, que se iniciava então, ocorria aqui o mesmo que na Europa: a abordagem da literatura, ajustada ao ideal de objetividade histórica, descreve o passado restringin- do-se ao cânone das obras e autores consagrados pela tradição, excluindo textos divergentes de um determinado modelo de litera- tura. Tais considerações fazem-nos pensar sobre a constituição do cânone escolar e a razão porque algumas obras ficam fora da lista de obras tradicionalmente apresentadas no panorama histórico. Observa-se, pois, que o ensino de literatura na escola insere-se num terreno de relações estreitas e pouco pacíficas. Parece manter- -se na escola apenas por força de normatizações como tradições e exigências curriculares. Além disso, a função educativa que essa li- teratura exerce na escola limita-se ao ato de ler para a formação cul- tural do leitor. ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 13 Reafirmamos, novamente, a escola como espaço de aprendiza- gem, e como tal, reiteramos o tratamento dado ao ensino de litera- tura na escola. Comecemos essa análise a partir do ensino da língua materna e as orientações que o professor, como mediador, recebe para conduzir esse trabalho. Sabemos que o ensino deve privilegiar o texto como unidade primeira, já que, nesse processo, o mais impor- tante é o desenvolvimento da competência linguística. Assim, a sele- ção de textos para o ensino de língua no ensino fundamental, deve contemplar os gêneros que sejam incentivadores da reflexão crítica. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) orientam que os tex- tos selecionados devem ser aqueles que, por suas características, fa- voreçam a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaborado e crítico, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada. (BRASIL, 1998). Sobre esse último aspecto, a reali- dade que tem se apresentado nas salas de aula implica metodologias que tratam o texto literário de maneira superficial, e com espaço de análise limitado dada a preferência no ensino de língua aos conteú- dos gramaticais, inclusive, se fizermos ainda uma verificação aten- ta do livro didático e as atividades que o constituem, quando da aná- lise do texto literário, perceberemos a veracidade dessa afirmação. Na seleção de textos, a postura do professor deve ser o de desper- tar o gosto pela leitura, e esse gosto, no processo de ensino na esco- la, só poderá existir, segundo Averbuck (1984) se o ato de ler for ao encontro das verdadeiras motivações dos leitores, nesse sentido, a ausência de motivação para a leitura alegada pelos professores está, verdadeiramente, ligada ao reconhecimento, pelos leitores, de que os textos que lhes são impostos não lhes dizem respeito, portanto não lhes trará benefícios, gratificações ou recompensas. É necessário re- pensar o ensino de literatura na escola. Conforme os PCN, no nível fundamental, o ensino de literatu- ra precisa considerar o tratamento do texto literário oral ou escrito, bem como o envolvimento do exercício de reconhecimento de sin- gularidades e propriedades que matizam um tipo particular de uso da linguagem. Assim, é possível afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes na escola em relação aos textos literários, ou seja, tomá-los como pretexto para o tratamento de questões ou- tras (valores morais, tópicos gramaticais) que não aquelas que contri- buem para a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 14 as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias. (BRASIL, 1998) A progressão do ensino não é muito diferente no Ensino Médio, apesar de orientações, como as dos PCN, já que a abordagem da Lín- gua Portuguesa parece preconizada nesse mesmo viés, quando mui- tos professores priorizam a análise gramatical desvinculada do ver- dadeiro objetivo do estudo do texto literário. Os PCN para o Ensino Médio também ressaltam o ensino da língua a partir do texto, toman- do como essencial desse processo: A unidade básica da linguagem verbal é o texto, compreendido como a fala e o discurso que produz e que o constituem como ser humano. [...] O processo de ensino/aprendizagem de Língua Por- tuguesa devebasear-se em propostas interativas língua/lingua- gem, consideradas em um processo discursivo de construção do pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno em particular e da sociedade em geral. (BRASiL, 2000, p. 18) A partir disso, ressaltamos a escola como espaço de construção de conhecimento e, nesse sentido, destaca-se a literatura como ele- mento favorecedor desses conhecimentos, pois não se relaciona apenas ao prazer, mas, também, ao conhecer. A escola precisa percebê-la dessa forma, abraçar as leituras que se constituem em outros espaços, e que chegam a ela a partir do repertório dos alunos, advindas de escolhas espontâneas, livres de imposições ou obriga- ções escolares. Assim, a literatura também será objeto de conhecimento, e com as novas configurações sociais, é o espaço da sala de aula indispen- sável para conhecimentos vários que se configuram como elemen- tos constituintes do repertório de informações da sociedade, tendo em vista as representações sociais de que se reverte. Dessa forma, essas mudanças também trazem novas configurações na forma de ver e ensinar literatura. Para Cosson (2015), é fundamental que se coloque como centro das práticas literárias na escola a leitura efetiva dos textos, e não informações das disciplinas que ajudem a constituir essas leituras tais como a crítica, a teoria ou a história literária. Para além do pra- zer da leitura, é fundamental que seja organizada segundo os objeti- vos da formação do aluno, compreendendo que a literatura tem um papel a cumprir no âmbito escolar. Ele ainda cita, nesse processo, o ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 15 letramento literário como uma prática social e, como tal, responsa- bilidade da escola. Por fim, devemos compreender que o letramento literário é uma prática social e, como tal, responsabilidade da escola. A questão a ser enfrentada não é se a escola deve ou não escolarizar a lite- ratura, como bem nos alerta Magda Soares, mas sim como fazer essa escolarização sem descaracterizá-la, sem transformá-la em simulacro de si mesma que mais nega do que confirma seu poder de humanização. (CoSSon, 2015, p. 23) O autor propõe pôr em discussão a questão de como escolarizar a literatura sem roubar-lhe sua essência maior, a de fruição do tex- to. O que se questiona são as formas de escolarização da arte literá- ria e suas configurações nos espaços escolares. Esse processo deve ocorrer sim, mas sem reduzi-la em si mesma, dessa forma nega seu poder de humanização, de agir sobre aquilo que lemos, refletir, tirar conclusões, compartilhar e nos tornarmos seres humanos melho- res. Isso quer dizer que não se deve passar por cima da sua essência maior, que é provocar a interação da obra com o leitor de maneira prazerosa, tão pouco que se esgote nisso, a literatura permite expe- riências diversas. Cosson (2015) ainda questiona: De que forma os textos literários se fazem presentes no espaço da sala de aula? Qual o papel do edu- cador frente a essa responsabilidade? Segundo ele, a realidade con- figura significações que impõem os gostos e preferências individu- ais do educador ao repertório literário do aluno. Nesse sentido, Cosson (2015) acrescenta que as escolhas tenden- ciosas referem-se a praticamente todo o processo de leitura na es- cola. As visitas às bibliotecas, por exemplo, não deixam de limitar aquilo que se chamam escolhas, pois o aluno só pode escolher o que está ali. Sobre isso, pertinentes são as questões lançadas por Soares (2011, p. 7): “[...] quem indica ou orienta a escolha do livro a ler – a professora? a bibliotecária? Que critérios definem a orientação sele- tiva de leitura para uma série ou outra, para meninos ou para meni- nas? A orientação seletiva de tipos e gêneros de leitura, de autores?” A abordagem engessada promove, por muitas vezes, a desconstru- ção da beleza literária e do ganho que a literatura poderá trazer para a vida do aluno, seja escolar ou social. O próprio livro didático e a seleção de textos que dispõe também é uma forma de não escolha. DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 16 Não se propõe aqui uma liberdade desmedida, mas a possibilidade de partir daquilo que os alunos conhecem para fomentar a amplia- ção de repertórios já apresentados por eles, “fisgando-os” pelo que já sabe e que é de seus gostos. Quem sabe não temos de nos ocupar de uma sociologia da literatu- ra que, segundo Tadié (1992), não se preocupa apenas com o autor e com a obra, mas, especialmente com o leitor – o que mais tarde cha- mou-se de estética da recepção. Assim, é necessário pensar no pú- blico que constitui a escola para pensar também nas leituras que de- vem fazer parte do cotidiano dele. Ainda resta um questionamento um tanto intrigante: no ensino fundamental o aluno tem consciência de que lê literatura? A esse respeito, precisamos considerar o letramento literário e, principal- mente, as práticas sociais de leitura que se fazem nos mais variados espaços e segmentos sociais, dessa forma, a análise de muitos crí- ticos acerca das leituras realizadas fora da escola, ou seja, aquelas não escolarizadas são desconsideradas, e consequentemente, leitu- ras que os alunos trazem consigo são pensadas, assim como a críti- ca, como não literárias. Nesse sentido, sobre o letramento literário e a presença de outras leituras na escola, Zappone (2007) sugere que alguns usos sociais po- deriam ser assinalados, entre outros fatores, por: 1) adaptações de textos literários para a televisão, teatro, cinema, 2) por leituras não canônicas, ou seja, leituras não necessariamente veículos apenas da história de leitura de textos produzida por críticos ou pela academia, 3) pela leitura de textos não canônicos sobre as quais pouco se sabe ainda hoje e poucos estudos têm sido desenvolvidos (a exemplo, lei- tura de best-sellers e outros textos ficcionais que estão à margem do letramento literário escolar etc). Portanto, com todas essas considerações pretendemos mostrar as formas de manifestação da literatura na escola, de modo a favorecer uma reflexão acerca dos questionamentos pontuados, estabelecer as possíveis causas pelas quais o ensino de literatura tem perdido espa- ço no repertório de leituras do aluno. Nesse item se descreveram as práticas literárias no contexto es- colar e a forma como a literatura é conduzida no tocante aos textos privilegiados para o ensino. O próximo item trata, especificamente, sobre o ensino de literatura e as metodologias selecionadas para sua abordagem na escola. ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 17 Literatura e ensino: implicações metodológicas O ensino de literatura tem trazido para o contexto da escola muitas discussões, especialmente, no que se refere ao seu tratamento meto- dológico. A forma como foi conduzido o processo de abordagem da Literatura repercutiu muitos trabalhos que com o intento de refletir sobre a condução dos estudos literários, como também abrir espaço para a construção de novas propostas de ensino, têm sido desenvol- vidos com a finalidade de compreender e refletir sobre a forma como se tem ensinado literatura nas escolas. Sobre isso, refletiremos acer- ca de alguns pressupostos teóricos que se preocuparam em estabele- cer conhecimentos e direcionamentos ao ensino de Literatura como disciplina ou do próprio texto nos trabalhos do cotidiano escolar. O texto é sem dúvidas o centro de ensino da Língua Portuguesa na escola, mais especificamente do ensino de Literatura nesse mesmo espaço. Destacamos primeiramente, as considerações de Filipouski e Marchi (2009) quando afirmam que o texto, especialmente o de li- teratura, é objeto de estudo da língua portuguesa, por isso é interes- sante percebê-la em sua totalidade, sem que seja reduzida a uma dis- ciplina isolada. A centralidade das aulas deve ser o texto e as práticas de leitura e de produção que ele demanda. As tarefas de ler e escrever são atividades dialógicas. Esse mesmo texto tem de se apresentar com fruição,pois se assim não for, incorremos na frustração de leitores. Barthes (1987) toma o texto como resultado da escrita de um se- nhor que escreve e tem de dar prova de que esse texto existe e dese- ja um leitor. Essa prova existe é ela a própria escrita. Esta por sua vez é a ciência das fruições da linguagem, é um kama-sutra - desta ciên- cia. Pelas palavras do estudioso, o texto tem que despertar prazer no leitor, daí então, a responsabilidade do professor em fazer com que na escola este prazer ou fruição existam. Cereja (2005, p. 11) esclarece que “embora circule nas aulas de literatura um discurso sobre o literário, quase sempre nelas o texto literário propriamente dito é pouco trabalhado e vivenciado pelos alunos”. O predomínio de leituras fragmentadas é parte constitutiva do ensino, a integralidade dos textos não é percebida, salvo ativi- dades que requerem leituras de livros com o objetivo de preenchi- mento de fichas de leitura que pouco contribuem para a compreen- são e apropriação do texto lido. A leitura literária deve ser prática visível em sala de aula. DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 18 A leitura da literatura proporciona, na sala de aula, um amplo espaço para discussões por conta da natureza reflexiva e temática que favorece, porque também representa a cultura e as subjetivida- des do homem, percebendo a sua representação como ser de cul- tura refletida nas obras literárias lidas. A esse respeito, Filipouski e Marchi (2009, p. 09) esclarecem que: A partir da leitura literária, é possível desafiar os alunos para produzirem discussões que ampliem o conhecimento do mundo, explorar questões relacionadas ao país e seus habitantes, em sua diversidade, oferecendo-lhes condições de adquirir novos saberes e também de aprender com os sentidos produzidos pela tradição. Esta relação se estabelece por meio dos usos que produtor e leitor da literatura fazem da língua, contribuindo para a compreensão de que ela é representativa da cultura. Nesse sentido, é importante as práticas pedagógicas buscarem ações articuladas e planejamento que correspondam aos objetivos pretendidos pelas práticas leitoras literárias, fazendo com que a lei- tura se torne uma prática que faça sentido. Deve haver nas tarefas escolares – quanto ao ensino de literatura – finalidade no que ensina, e mais ainda, o aluno precisa assim compreender o processo de ensino-aprendizagem dos textos literários, bem como uma corres- pondência das atividades que se pede sobre os gêneros estudados. No campo do ensino, não se pode limitar as experiências dos alunos, tampouco limitar suas escolhas. É necessário que a escola apresente um repertório variado de obras para que a escolha torne-se de fato escolha. No entanto, isso pode tornar-se um problema, já que somos sabedores de que nem todas as escolas possuem biblioteca devidamente amparada por uma variedade considerável de livros. Ações públicas governamentais devem ser articuladas para que isso torne-se uma realidade. O educador, então desempenhará um importante papel, pois caberá a ele selecionar os textos que os alu- nos lerão 2. Essa oferta implica apresentar aos alunos o contato com variados gêneros, contemplando diversos autores. Segundo Silva (2009, p. 169-167): 2. Quando falamos nessa escolha, nos referimos às leituras de obras “paradidáticas”. ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 19 Outro tipo de ruptura de limites concerne à relação dos livros e autores a serem lidos. Um bom acervo de literatura – e isso diz respeito tanto a um acervo pessoal quanto a um institucional, no caso a biblioteca escolar – deve incluir, além dos autores brasilei- ros consagrados, escritores regionais e alguns de projeção recen- te no panorama nacional, assim como os chamados clássicos da literatura universal. Rocco (1992) traça algumas considerações sobre o ensino de lite- ratura e complementa o que estamos discutindo, tece informações sobre a seleção e as escolhas, ressaltando que deve partir-se do co- nhecido para o desconhecido, com textos de linguagem mais acessí- vel, considerando que o adolescente dispõe de um universo de leitu- ra mais restrito. De modo que nos textos apresentados sejam capazes de conhecer/ reconhecer as experiências estéticas e o campo estilís- tico a a fim de traçarem comparações e perceberem a essência das obras canônicas na pluralidade da linguagem. No contexto do ensino, o educador precisa reduzir a distância que há entre o seu discurso e a experiência literária do aluno, é preciso superá-la. A etapa de planejamento também é ressaltada pela auto- ra, segundo ela ninguém deve ir cegamente dar uma aula de literatu- ra sem planejar, sem se preocupar com as etapas, motivações, modo de avaliação, entre outros processos. Ensino implica processo, e pro- cesso implica etapas. As ações da prática cotidiana do professor são importantes porque, no papel de mediador, deve desenvolver ações que favoreçam a aprendizagem do texto literário e que eles, os alu- nos, se sintam atraídos por essa leitura. Segundo Rezende (2013) na vida social cotidiana quando lemos, a leitura da obra literária sugere um movimento de identificação que esclarece as motivações que nos levam a lê-la, lemos o gostamos, seja porque é nosso gênero favorito, seja por indicação de alguém, seja pelo sucesso da obra. A literatura não pede uma leitura obri- gatória, mas que fazemos por vontade própria e por isso é vivida subjetivamente pelos leitores. Segundo ela, esse gosto deve ser des- pertado no Ensino Fundamental, o Ensino Médio deve favorecer um aprendizado sobre a execução das obras. Dalvi (2013) propõe um percurso a ser trilhado no ensino de lite- ratura, desde a etapa inicial de escolarização até o ensino médio. Se- gundo ela, é imprescindível o trabalho com a oralidade na educação infantil, a partir das práticas efetivas de aproximação do literário, as DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 20 crianças percebem a sonoridade nas quadrinhas, nas cantigas, nos poemas infantis e nas trovas, a linguagem de construção, a estrutu- ra básica da narrativa, a identificação de informações de relevância e irrelevância no contexto da obra. Ainda para Dalvi (2013) no ensino fundamental, a criança pas- sa apresentar outras formas e suportes da literatura, a ter certa au- tonomia sobre aquilo que lê, pois não depende da leitura do outro e torna-se um leitor independente. Os estudantes dos anos finais de- veriam iniciar a inserção nas altas literaturas, com leituras de lin- guagem mais apurada. No ensino médio, o adolescente deve ser in- centivado a ter contato com os clássicos sejam nacionais ou não, no entanto esse processo precisa compreender a leitura do texto literá- rio como algo prazeroso, significativo, reflexivo e todos os sentidos que a literatura é capaz de propiciar ao leitor. Compreendemos que inserir o leitor no mundo do literário é res- peitar um processo de partes bem concretas que se firmam por prá- ticas dirigidas, e que contemplem a literatura não como obrigação. Mas um processo que se constitui desde as primeiras fases da crian- ça até o Ensino Médio. O percurso assinalado pela autora deixa cla- ro o tratamento metodológico para com os textos, isso implica res- ponsabilidade por parte do educador. No contexto escolar, essa relação do leitor com a literatura impli- ca levar em conta diferentes fatores, perceber diferentes realidades. Se o objetivo é a formação do leitor crítico, temos que pensar direta- mente na experiência do sujeito leitor. Sobre isso, Pfeiffer (1998, p. 87) ressalta que: Pensar sobre o sujeito leitor implica, necessariamente, refletir sobre as condições de produção desta (s) posição(ões) na qual o aluno, assim como todo e qualquer indivíduo, tem que se inserir. É constitutivo destas condições o modo de produção – e seu pro- cesso- de um certo perfil de leitor-escolar, em que funcionam as representações imaginárias que os alunos e professores fazem do “bom leitor”. Cabe ressaltar então, a responsabilidadeda escola e do próprio professor em pensar no leitor que queremos, mas também, reconhe- cer o leitor que já temos. Ao mesmo tempo pensar que a formação do leitor crítico é um processo de formação mesmo, o que implica parte de uma etapa de amadurecimento, pois nenhum leitor nasce crítico, ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 21 mas torna-se crítico. Por isso, como Pfeiffer (1998) ressalta, são im- portantes as ações desenvolvidas no contexto da escola. Para Faleiros (2013) o ensino de literatura pressupõe uma visão dos leitores que se pretende formar, ou seja, as formas como se dis- corre a propósito do ensino de literatura, dos leitores e da leitura para discutir como essas figurações apontam para os impasses colo- cados nessa área. Tem que se pensar na metodologia do ensino. Te- mos que formar leitores de literatura apaixonados pelo que leem, que a divulguem sem medo. A literatura e a própria leitura são antes de tudo, um fascínio que implica uma relação de prazer, no caso das leituras que fazemos sem sermos guiados como cegos sem rumo. A escola desempenha im- portante papel na formação de leitores, mas a concepção da leitura como ato de prazer parece não ser importante para muitos. O aluno ler porque tem que ler, é uma obrigação, só mais uma tarefa escolar. Essa condução tem demonstrado o fracasso da escola quanto a esse assunto. Toda leitura deve ter um saldo, e positivo, é claro. Aguiar (2013) esclarece que, quando a leitura ficcional atende ao gosto do leitor, ela desencadeia um processo de identificação do su- jeito leitor com os elementos da realidade representada gerando pra- zer. O prazer da leitura gera a apropriação de um novo mundo. Sobre o texto como uma leitura prazerosa, Barthes (1987, p. 19) revela que: Se aceito julgar um texto segundo o prazer, não posso ser levado a dizer: este é bom, aquele é mau. Não há quadro de honra, não há crítica, pois esta implica sempre um objetivo tático, um uso social e muitas vezes uma cobertura imaginária. Não posso dosar, imaginar que o texto seja perfectível, que está pronto a entrar num jogo de predicados normativos: é demasiado isto, não é bastante aquilo; o texto (o mesmo sucede com a voz que canta) só pode me arrancar este juízo, de modo algum adjetivo: é isso! E mais ainda: é isso para mim! Este “para mim” não é nem subjetivo, nem existencial, mas nietzschiano (“no fundo, é sempre a mesma questão: O que é que é para mim?...”). O brio do texto (sem o qual, em suma, não há texto) seria a sua vontade de fruição: lá onde precisamente ele excede a procura, ultrapassa a tagarelice e através do qual tenta transbordar, forçar o embargo dos adjetivos – que são essas portas da linguagem por onde o ideológico e o imaginário penetram em grandes ondas. A fruição do texto é descrita pelo autor como resultado de uma força arrebatadora que seduz o leitor para outras leituras, que vê o DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 22 texto como algo que pertence ao desejo e vontade de apropriação, que se faz presente não pela força da imposição, mas pelo desejo de ser lido porque é bom e carrega consigo o prazer da leitura, convida- tiva e impulsionadora de vontades que arraigam a essência daquele que lê em buscar mais. A fruição da obra de arte percebida pelo leitor, especialmente a li- teratura, também foi discutida por Eco (1991) segundo ele a obra pos- sui uma abertura, esta é a condição de toda fruição estética, e toda forma fruitiva dotada de valor estético é “aberta” porque pressupõe leitor, interpretação e interação, mesmo quando o artista visa a uma comunicação única e não ambígua, essa abertura, por seu lado, é ga- rantia de um tipo de fruição particularmente rica e surpreendente, que as civilizações procuram alcançar como valor dos mais precio- sos, pois todos os dados de nossa cultura nos induzem a conceber, sentir, e portanto ver o mundo segundo a categoria da possibilidade de horizontes diversos. Com esse item, concluímos a etapa de abordagem literária no que se refere a condução do texto literário na escola, a seleção dos textos privilegiados para leitura e as metodologias de abordagem. Percebemos a real essência do texto literário que é se fazer sentir pelo leitor na interação e construção de significados de maneira a sentir-se conquistado. Considerações finais Observamos aspectos que descreveram as práticas literárias no con- texto escolar e a forma como a literatura é conduzida no tocante aos textos privilegiados para o ensino. Também discutimos questões que tratam, especificamente, sobre o ensino de literatura e as metodolo- gias selecionadas para sua abordagem na escola. A abordagem literária no que se refere a condução do texto lite- rário na escola, precisa levar em consideração a seleção dos textos privilegiados para leitura e as metodologias de abordagem. Assim, percebemos a real essência do texto literário que é se fazer sentir pelo leitor na interação e construção de significados de maneira a sentir-se conquistado. Ensinar literatura na escola suscita estas questões, visto que em contexto escolar o processo de mediação torna-se um dos grandes ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 23 responsáveis pelo despertar do gosto pela leitura. Por essa razão pen- sar ações metodológicas que valorizem os leitores também é uma ação válida, uma vez que muitos alunos já chegam à escola com suas preferências de leituras, as quais nem sempre serão obras clássicas. Dessa forma, percebe-se a necessidade de uma abertura com relação a centralidade do cânone. A forma como ele é apresentado ao alu- no, é mais visto como obrigatoriedade do que como leitura de frui- ção ou prazer. Portanto, com todas essas considerações pretendemos mostrar as formas de manifestação da literatura na escola, de modo a favore- cer uma reflexão acerca das questões pontuadas, estabelecer as pos- síveis causas pelas quais o ensino de literatura tem perdido espaço no repertório de leituras do aluno, bem como dar visibilidade às lei- turas que os alunos já fazem a fim de ampliá-las. Referências AGUIAR, V. T. de. O saldo da leitura. In: DALVI, M. A.; REZENDE, N. L. DE; JOVER-FALEIROS, R. (orgs.). Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013. p. 153-162. AVERBUCK, L. M. A questão da leitura ou a crise da escola. In: YUNES, E. A leitura e a formação do leitor: questões culturais e pedagógicas. Rio de janeiro: Edições Antares, 1984. p. 19-24. BARTHES, R. O prazer do texto. Tradução de Guinsburg. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais Língua Portuguesa. Brasília, 1998. BRASIL. Ministério da Educação. 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Para tanto, filiamo-nos aos pressupostos teóricos de estudos literá- rios em diálogo com a Análise do Discurso (AD) francesa de orienta- ção pecheuxtiana. Nessa esteira, buscamos refletir algumas noções, as quais consideramos fundamentais para o desenvolvimento dessa discussão, tais como: a noção de leitura, ensino de literatura, letra- mento social e letramento literário. Em nossa concepção, a leitura é parte constitutiva do sujeito, pois ela é um ato político, como afirmou Freire (2006). Desse modo, com- preendemos que é impossível fazer uma leitura separada da ideolo- gia, pois o leitor, concebido como um sujeito pensante, é constituído pelas suas formações ideológicas. Portanto, ele é capaz de questio- nar o lido para além do exercício de obtenção de informações ou para uma análise de leitura- interpretação de texto já realizado por outro leitor, pois, a leitura literária pressupõe diálogo e reflexão. Importa destacar que o texto literário não possui uma “leitura fe- chada”, enclausurada numa visão unilateral, posto que o texto é sem- pre constitutivo de outro texto. A leitura e, de modo especial a leitura literária, torna o sujeito-leitor apto para transitar nos espaços sociais e políticos de modo crítico. Isto é, a leitura literária abre vias para a formação de um sujeito-leitor crítico, aquele que reflete sobre o que lê e sobre as suas práticas sociais. 1. Graduada em Letras (UnoPAR). Mestra em Letras – Ensino de Língua e de Literatura (PPGL/UFT). Doutoranda em Letras (PPGL/UFT), Bolsista CAPES – Código de Financiamento 001. 2. Graduada em Letras (UFT). Mestra em Letras – Ensino de Língua e de Literatura (PPGL/UFT). Doutoranda em Letras (PPGL/UFT), é docente na SEDUC/To. DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 26 A formação do sujeito-leitor de literatura, por um lado, está ar- ticulada com o modo como a literatura é ensinada em sala de aula. Sabemos que não existem fórmulas para formar leitores, mas é con- senso entre os estudiosos de leitura e formação do leitor, que no âm- bito escolar, não se forma leitor literário por meio de um ensino ana- lítico, divorciado da interação social entre professor e aluno. Nesse sentido, não existem formas determinadas “verdadeiras” em rela- ção à eficácia total no tocante ao ensino de literatura, porém, exis- tem modos de ensinar literatura que contribuem para o melhor de- senvolvimento de práticas pedagógicas eficazes nesse processo de ensino e aprendizagem. Desse modo, destacamos a importância do papel do professor na produção/execução de atividades que direcionem os sujeitos-alunos a desenvolverem leituras que ultrapassem a noção de texto comple- to, fechado e a ideia de sentido uno, literal. Em nossa visão, enten- demos que é necessário a adoção de concepções teóricas de texto e leitura como algo que não se limita pela ilusão da completude da lin- guagem. Pela perspectiva discursiva, a língua é opaca. Isso implica dizer que os sentidos sempre podem ser outros. Assim, sustentamos a ideia de que a leitura praticada na escola deve ser realizada de ma- neira reflexiva. Por outro lado, a formação do sujeito-leitor de litera- tura está para além do ensino escolarizado, tendo em vista que o su- jeito chega à escola com sua leitura de mundo. Nessa esteira, o letramento social e o letramento literário são pró- prios para a construção do gosto de ler, dado que conduzem o sujei- to-leitor para a interatividade com seus interlocutores. De acordo com Moita Lopes (2002, p. 81), “a escola como um espaço de cons- trução de conhecimento e de significados” precisa buscar formas de trabalhar o ensino de modo que a interação social seja uma constan- te, como práticas de leituras dialogadas em rodas de leituras, conta- ção de histórias e não apenas como um dia “D” no qual “toda” a es- cola se mobiliza em um único momento. Desse modo, consideramos que a literatura, como produto so- cial, carece de ser lida de forma subjetiva em razão da autonomia do sujeito-leitor de literatura em relação ao texto, ainda que, pelo viés discursivo, o sujeito seja assujeitado à língua ideologicamente. Dito de outro modo, os gestos de leitura-interpretação dos sujeitos-leito- res são determinados pelas formações discursivas em que eles es- tão inseridos e relacionados com suas práticas sociais. Diante disso, ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 27 é indispensável que a leitura literária deixe de ser uma leitura ana- lítica e objetiva, apenas com fins de aprendizagem de gramática ou para o preenchimento de fichas de leitura. A leitura literária e o ensino de literatura As leituras literárias realizadas de modo interativo causam impacto na construção de sentidos, na construção da identidade social do sujeito-aluno e possibilitam o desenvolvimento pelo gosto da lei- tura, contribuindo para a formação do sujeito-leitor literário. De acordo com Wolfgang Iser (1996, p. 146), “o texto ficcional permite a seus leitores que transcendam a sua posição no mundo. O texto ficcional não é nenhum reflexo de uma realidade dada, mas sim seu complemento em um sentido específico”. Nesse sentido, uma leitura analítica e objetiva apenas para fins de aprendizagem de gramática ou resolução de exercícios com questões de cunho explícito, tira o poder de interação entre texto e sujeito-leitor, mutilando a oportu- nidade de formação do leitor de literatura. A leitura, sobretudo, a leitura literária, é uma forma de diálogo sem precedentes, tendo em vista que com ela conectamos passado e presente com projeção para o futuro, pois, a leitura literária é um meio de comunicação em mão dupla. Desse modo, entendemos que as leituras literárias, dentre as várias possibilidades que elas pro- porcionam, destacam-se pelo desenvolvimento da visão crítica, da alteridade e a compreensão de mundo nos/dos sujeitos-leitores. Conceber o texto literário como possibilidade para criar modos de pensar, implica em construir novos modos de ensinar literatura. Em outras palavras, para ensinar literatura de uma lógica outra, é neces- sária uma prática com letramento, sobretudo, o letramento literário. A literatura, configura-se propiciadora da identificação da subjetivi- dade, está presente na vida e, precisa ser também escolarizada, pos- to que é uma prática social. Segundo Aquino (2018, p. 46,) “pensar a literatura para um traba- lho em sala de aula é levar em consideração todas as possibilidades afetivas, políticas, sociais e históricas que ela permite compreender enquanto representatividade,enquanto verossimilhança”. Assim, a leitura literária representa um elo entre o sujeito-leitor e – nos mol- des da AD – suas condições de produção, interpelando o sujeito-leitor DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 28 empírico, conduzindo-o para um nível afetivo, crítico e ideológico em relação ao texto. A leitura literária nunca é inocente ou inofensiva, sempre produz uma reflexão, um estranhamento, uma revelação ou uma conformidade, tendo em vista que é linguagem, não existem palavras inocentes. O espaço social onde elas são produzidas é condição da instauração das relações simbólicas de poder. A dimensão política da sociedade é também jogo de signi- ficações. Isto supõe que a linguagem seja simultaneamente um suporte e um instrumento de relações moleculares de poder. Mas também um espaço de poder nela mesma. (WARAT, 1985, p. 100) A partir da compreensão de que a literatura é social, evidente- mente é impossível negar sua importância para a formação do sujei- to-leitor. São com as leituras literárias que professor e aluno fazem interações com as questões existencialistas tais como, temas con- flituosos: política, racismo, machismo, feminismo, dentre outros, que podem ser dialogados de modo científico, sem a agressividade das paixões pessoais. De acordo com Orlandi (1988, p. 35), “a leitu- ra é uma questão linguística, pedagógica e social ao mesmo tempo”. Nessa esteira, destacamos a linguagem e o sujeito como condições externas ao indivíduo. Assim sendo, os textos literários, dada a sua diversificação, são constitutivos da formação do sujeito-leitor, pois possibilitam o conhe- cimento de si e do outro. Nesse sentido, “a literatura, pela liberdade que a funda, exprime conteúdos diversos, essenciais, e secundários, evidentes e problemáticos, coerentes e contraditórios, que frequen- temente antecipam os conhecimentos vindouros” (JOUVE, 2012, p. 165). Importa dizer que a literatura não é um fim em si mesmo. Ela é um meio para alcançar um fim, o qual pode ser tanto a formação do sujeito-leitor de literatura como a formação crítica do sujeito en- quanto cidadão no mundo. Para refletir sobre o ensino de literatura consideramos impor- tante pensar a noção de letramento literário e letramento social. O letramento é, segundo Soares (2014, p. 47), “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práti- cas sociais que usam a escrita”, ou seja, é o envolvimento das habi- lidades de ler e escrever envolvidas nas práticas sociais. Para Street (2014) letramento social é o uso da leitura e da escrita no contexto ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 29 real, envolvido nas práticas sociais de modo ideológico para além das habilidades de codificar e decodificar a leitura e a escrita. Enquanto o letramento literário, de acordo com Cosson (2014, p. 23), “é uma prática social e, como tal, responsabilidade da escola”. Nesse sentido, considerando a leitura como prática social à frente da prática individual e solitária, na escola a literatura precisa ser ensi- nada para além da fruição e do modo interacional. As leituras indi- viduais e solitárias são práticas extraclasse, mas que repercutem no interior da escola durante as aulas de literatura em diálogo constan- te com os textos escolarizados por meio da prática com letramentos. Paulino (1999, p. 16) salienta que o letramento literário “como ou- tros tipos de letramento, continua sendo uma apropriação pessoal de práticas de leitura/escrita, que não se reduzem à escola, embora pas- sem por ela”. Assim sendo, mais do que interagir com o outro – su- jeitos e textos – a leitura de literatura na escola reclama vozes para a constituição dos sentidos. O letramento literário requer participação do aluno e do professor como também pode envolver toda a comu- nidade escolar. Quanto maior for esse durante o processo de leituras literárias, maiores serão as probabilidades de aprendizagem não só de literatura, como também dos demais componentes do currículo. As leituras literárias humanizam o leitor (CANDIDO, 2017), no sentido de fazer emergir nesse leitor, identificações já filiadas à um saber discursivo, instituído ideologicamente. Tal filiação o conduz para a vivência com alteridade. O poder reflexivo que a literatura tem, faz dela parte da vivência humana. A partir desse pensamento parece impossível transitar pelos espaços sem as leituras literárias. Sobre essa essencialidade da literatura, Candido (2017, p. 177) afir- ma que a literatura em sentido amplo presente na vida, como, por exemplo, na música, nas narrativas romanescas, nas anedotas, nas histórias em quadrinhos, dentre outras atividades, torna-se um di- reito. Nesse sentido, ter acesso e interagir com a literatura é um ga- nho, uma necessidade do ser humano para continuar sua busca pelo conhecimento de si e do outro, para continuar acalentando o desejo de resposta para sua incompletude subjetiva. De acordo com Moita Lopes (2002, p. 80) “os participantes em sala de aula estão (re)construindo suas identidades sociais nas histórias que leem, escrevem, contam e ouvem nesse contexto”. Assim sendo, o letramento literário é relevante tanto para desenvolver no educan- do o gosto pelas leituras literárias como também o conhecimento DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 30 sobre a literatura, tão importante para compreensão dos demais tex- tos escolarizados ou não escolarizados. Desse modo, o letramento li- terário proporciona uma nova visão sobre o saber literário e sua im- portância para a vida. De acordo com Rouxel (2012, p. 281) “é pelo vínculo estabelecido entre o universo da obra e o universo do leitor que o ato de ler ganha sentido e se inscreve na vida do sujeito”. Para a autora, uma alter- nativa muito importante para o ensino de literatura é praticar a lei- tura cursiva. Leitura cursiva, de acordo com Rouxel (2012) é a leitura pessoal, autônoma e livre de coerções. Relacionamos essa visão da autora, ao ensino com letramento social. Entendemos que uma prá- tica pedagógica baseada no letramento social tem o mesmo sentido da prática com leitura cursiva, uma vez que o letramento social pri- vilegia os conhecimentos de mundo e as práticas sociais dos alunos. Ainda segundo Roxel (2012, p. 276), “a leitura cursiva introduz, na leitura escolar, um espaço de liberdade para o sujeito leitor”. Essa liberdade concedida ao sujeito-leitor é importante para a for- mação do leitor literário, pois acolhe as leituras extracurriculares também como capital cultural, propiciando assim, um diálogo entre os textos canônicos e não-canônicos, valorizando o conhecimento do sujeito-leitor. Nesse sentido, ensinar literatura pressupõe mais do que uma leitura engessada em modelos cristalizados, pressupõe interação, relacionamento e muitas leituras literárias escolarizadas ou extraclasses. Uma alternativa para se ensinar literatura são as práticas de leitu- ras por meio de rodas de leituras; por meio da interpretação da lei- tura de forma teatral, com dança; por meio de oficinas de leituras com varal de poemas, ou com literatura de cordel; por meio da con- tação de histórias envolvendo a comunidade escolar com a presença de algum membro familiar dos educandos ou mesmo por outra pes- soa. A contação de histórias, por exemplo, independe da idade dos educandos, pois as relações sociais são mediadas por essa prática so- cial desde os primórdios da humanidade, conforme demonstram as artes rupestres. Durante a Idade Média, muitos ensinamentos eram passados apenas de forma oral a cada geração. As pessoas contavam histórias para educar, divertir e se informar. Nos dias atuais, as pessoas contam histórias por meio do Market- ing para vender produtos; contam histórias para entreter por meios como televisão ou cinema; contam histórias por meio de celulares ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 31 com uso de aplicativos como WhatsApp ; contam histórias por meio do rádio, dos e-mails. O ser humano desenvolve suavia mediante a contação de histórias. Desse modo, a pós-modernidade ainda man- tém a contação de histórias como meio para comunicar e resolver conflitos internos. Nesse sentido, o ensino de literatura por meio de alternativas simples influencia a formação do leitor literário, uma vez que o edu- cando aprende a ler de modo que a fruição seja possível. Pela fruição ocorre o desenvolvimento do gosto, do prazer pela leitura literária. O ensino de literatura se esbarra também, dentre outros agravan- tes como falta de livros, ou engessamento do currículo e, a questão do tempo de aula. Segundo Rezende (2013, p. 111), “talvez um dos maiores problemas da leitura literária na escola [...], não se encon- tre na resistência dos alunos à leitura, mas na falta de espaço-tempo na escola para esse conteúdo que insere fruição, reflexão e elabo- ração”. Todavia, mesmo tendo em vista o curto tempo de duração da aula, este não pode ser visto como impedimento para o ensino do texto literário de forma que haja fruição nas leituras. O modo de ensinar literatura nesse pequeno espaço de tempo determinará o sucesso ou fracasso no ensino- aprendizagem. Em relação ao ensino e a aprendizagem de literatura a BNCC aponta que: para que a função utilitária da literatura – e da arte em geral – possa dar lugar à sua dimensão humanizadora, transformadora e mobilizadora, é preciso supor – e, portanto, garantir a formação de – um leitor-fruidor, ou seja, de um sujeito que seja capaz de se implicar na leitura dos textos, de “desvendar” suas múltiplas camadas de sentido, de responder às suas demandas e de firmar pactos de leitura. (BRASiL, 2018, p. 138) Desse modo, entendemos que o ensino de literatura é funda- mental para o desenvolvimento cognitivo do educando, como tam- bém para sua formação como sujeito crítico. A literatura pode ser também utilitária, mas esse não é seu fim. A literatura pode ajudar quem dela faz uso, a pensar o mundo, a fazer reflexões de forma crítica. Concebemos a formação do sujeito-leitor literário uma base para a construção do saber de forma integral. Para Lois (2010, p. 35) “dar utilidade para o texto literário, antes de permitir o encontro do estudante com a arte, é sabotar o leitor e DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 32 desconsiderar o papel humanizador que a escola precisa ter”. Des- sa forma, é relevante analisar a importância do modo de ensinar a literatura. O texto literário não deve ser apenas instrumento de en- sino para outros componentes de aprendizagem. É importante que ele seja ensinado como instrumento para fruição da leitura e consti- tuição do sujeito. Entendemos que a fruição da leitura se torna pos- sível a partir do seu aprendizado. Fruição é mais do que decodifica- ção, é compreensão, interpretação, enfim, ela é para o usufruto da literatura. De acordo com Lois (2010, p. 45), “o sujeito é cercado pela palavra para fazer existir cada sensação”, assim, a leitura interpela o sujeito em leitor. Formação do sujeito-leitor As práticas com o letramento literário expandem para o sujeito-lei- tor, outros modos de ler. Segundo Jouver-Faleiros (2013, p. 129) é pre- ciso despertar no leitor compulsório, que lê porque deve, o leitor lú- dico, que lê porque quer”. O ato de ler por vontade própria é o ápice da formação do leitor literário. Desse modo, a leitura torna-se produ- tiva à medida em que o leitor alcança os níveis da compreensão tan- to da mensagem escrita como no ato de autocompreender-se e, com- preender a realidade a partir da leitura – reflexão – realizada. Assim, a leitura do texto literário pode aflorar não apenas o lado ético do leitor, como também pode desabrochar nele outras possibilidades e modos de existir, dependendo da forma como ele coloca em prá- tica essa leitura ou mesmo se a coloca. A literatura tem o poder de penetrar na mente, nas emoções, e a partir daí, construir diferentes realidades para aquele que lê. (MELo; CARMo; MELiAn, 2017, p. 95) Desse modo, concebemos a literatura como constitutiva de iden- tidades individuais que também são coletivas. De acordo com Gou- lart (2007, p. 64), “a literatura pode se constituir como fonte para a formação de leitores críticos: vivendo o desafio de interpretar vazios, ambiguidades, novas relações, novos modos de viver, conhecer, fa- zer e falar”. Essa capacidade de interação entre o leitor e o mundo que o cerca, é uma propriedade da literatura que a torna imprescin- dível para o desenvolvimento crítico. Segundo Machado (2016, p. 71), “o prazer de ler não significa apenas achar a história divertida [...]”. ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 33 A autora pontua que a literatura nos ajuda a pensar, a refletir de for- ma crítica. Recorremos mais uma vez à Machado para continuarmos a pen- sar a literatura como meio para “construção” da subjetividade. Se- gundo a autora (2011, p. 36), “para sustentar o espírito, crescer inte- lectualmente e se fortificar mentalmente, precisa incorporar arte e cultura. E isso pressupõe o contato com a literatura, arte da palavra”. Dessa forma, para reflexionar sobre a formação do sujeito-leitor é relevante reiterar que compreendemos o letramento literário como a base para a proposição de um ensino a partir de práticas interati- vas, que desenvolvam nos sujeitos-alunos o gosto pela leitura. Além disso, é importante considerar que na constituição do sujeito-leitor, mais que ampliar o prazer da leitura, agrega-se à escola a constitui- ção do leitor crítico. Desse modo, pensar a leitura literária como fator potencializador da formação de identidade se impõe compreender que, “o leitor não estabelece diálogo com palavras simplesmente, com materialidades prontas e acabadas dadas a ele enquanto sujeito também pronto e acabado, mas dialoga com sujeitos na e pela linguagem, em seus di- ferentes âmbitos” (SILVA; COSTA, 2012, p. 32). É na linguagem e por meio da linguagem que o indivíduo se torna sujeito. Isto é, pela pers- pectiva discursiva, o indivíduo torna-se sujeito pelo seu assujeitamen- to à língua, por meio da interpelação ideológica. Pelo viés da análise de discurso, o sujeito-leitor é, ao mesmo tem- po, livre para determinar sentidos, como também é um sujeito sub- metido às regras das instituições sociais (ORLANDI, 1988). Isso im- plica dizer que ainda que o sujeito-leitor possa desenvolver suas habilidades de leitura de forma autônoma, as formas históricas cris- talizadas de ensino e aprendizagem de leitura literária constituem os modos de ler desses sujeitos-leitores. Assim, reiteramos a importân- cia do ensino escolar e, sobretudo, o papel do professor nesse pro- cesso que compõe a educação formativa dos sujeitos – leitores-cida- dãos no mundo. De acordo com Moita Lopes (2002, p. 32), “o que somos, nossas identidades sociais, portanto, são construídas por meio de nossas práticas discursivas com o outro”. Nesse sentido, o contato com o ou- tro na ficção potencializa a interação com o outro nas práticas sociais cotidianas, desconstruindo visões reducionistas que são calcadas no pensamento binário de certo e errado, de verdadeiro e falso, de bom DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 34 e mau. A leitura literária suscita uma visão ampla sobre um mesmo tema, possibilitando vários modos de ver e analisar uma questão. Segundo Cosson (2014, p. 17), “a experiência literária não só nos permite saber da vida por meio da experiência do outro, como tam- bém vivenciar essa experiência”. Recordamos aqui, o “papel” das personagens leitoras dos textos literários como “mediadoras” entre o sujeito empírico e os textos. Para Melo (2015, p. 166), a experiência do leitor fictício com o texto literário incide nos modos de ler e nas relações do leitor (empírico) com textos, “inclusive os textos futu- ros”. Ainda de acordo com Melo, a literatura mimetiza o ato de ler (ou mesmo a repulsa por esse ato), constituindo e formando seus leitores a partir da experiência de suas personagens-leitoras. Essas experiências são compostas por preferênciasliterárias, por articulações de leitura, por cons- tituição de sentidos e por todos os desdobramentos que tais ações promovem. (MELo, 2015, p. 164) Nesse sentido, entendemos que a literatura, como produto social e texto inacabado, contribui para a formação da identidade e da subje- tividade de quem dela faz uso. Para Melo, Carmo, Melian (2017, p. 96), na fronteira “entre real e ficcional, o leitor negocia suas identidades (como leitor e como indivíduo), vivenciando outros modos de vida”. Não estamos afirmando que se pode construir uma identidade para os sujeitos a partir da leitura de um texto, especificamente. Sa- lientamos que os gestos de interpretação dos sujeitos já estão filia- dos aos discursos que esses sujeitos se inserem. O que propomos, de acordo com Orlandi (1998) é que há uma intervenção na relação do sujeito com a interpretação. O que ocorre são processos de identifi- cação. Apropriando-nos das palavras da autora, “identidade não se ensina, mas podem-se trabalhar os processos de identificação. Po- de-se alargar a capacidade de interpretação do sujeito. Mas se esta- rá sempre ideologicamente determinado” (ORLANDI, 1998, p. 20). Acenando na mesma direção, para Santos (2013, p. 167), “as iden- tidades culturais não são rígidas nem, muito menos, imutáveis. São resultados sempre transitórios e fugazes de processos de identifica- ção. [...]. Identidades são, pois, identificação em curso”. A constru- ção da identidade é um processo em curso permanente. Como dissemos, a literatura aflora a humanidade do leitor. Não o torna “bonzinho”, mas desponta identificações, um confronto ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 35 consigo mesmo e com o outro. Assim, ao passar pelas leituras, o su- jeito-leitor literário deixa de ser acrítico e apolítico. Ele passa a re- fletir sobre os textos lidos. A reflexão é muito mais do que uma com- preensão. É entender que a língua não é transparente. Desse modo, torna-se necessário tomar posição perante o texto. Isto é, torna-se necessário interpretá-lo. De acordo com Indursky, para que esse exercício funcione, entretanto, é necessário mobi- lizar textos que se prestem a diferentes posicionamentos. Vale di- zer: textos que defendem pontos de vista em detrimento de outros possíveis. Assim, estará sendo produzida uma prática de leitura reflexiva que inscreva o sujeito como sujeito-leitor. (inDURSKY, 2010, p. 19) Desse modo, compreendemos o sujeito-leitor crítico como aquele considerado, no campo literário, como um leitor ideal, competente. Em outras palavras, o leitor que estabelece a construção de senti- dos para os textos lidos e para as suas relações sociais. Pelo viés da AD, o sujeito-leitor é concebido como o sujeito que produz sentidos para os textos, tomando posição. Dito de outro modo, o sujeito-leitor assume determinada concepção ao que diz respeito ao texto e, con- sequentemente, ao que se refere às suas práticas de interação social, em detrimento de outras concepções também possíveis. A interpretação não é o transferível. Assim, o professor pode tra- balhar a leitura e a interpretação, promovendo espaços de discussão em que um sujeito-aluno ouça o outro – sujeitos-alunos e professo- res – em suas relações com o texto e, assim, assuma uma posição- -sujeito, mesmo sabendo da existência da possibilidade de outros pontos de vista. Considerações finais Como vimos, a leitura literária para além do prazer, promove tam- bém o senso crítico. Ela viabiliza um espaço em que é possível a con- templação de se experienciar a vida do outro, isto é, ela proporciona o exercício da alteridade. A leitura literária e as artes de uma forma geral, proporcionam o contato com o outro, possibilitando a cons- trução do eu, que não seria possível de acontecer de forma ilhada e mecânica. A interação entre texto, sujeito-leitor e o outro, produz DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES 36 diálogo infinito, pois assim como o ser humano, o texto também está em permanente construção. Pelo viés discursivo, no processo de produção de leitura, além da discussão de questões de compreensão textual, é fundamental pôr o texto que está sendo lido em uma relação com outros textos, com outras leituras já realizadas pelo sujeito-leitor e por outros sujeitos- -leitores com diferentes pontos de vista. Isto é, a leitura como prá- tica reflexiva pressupõe uma leitura que alcance aquilo que é exte- rior ao texto e ao sujeito. Destacamos que a leitura literária é um processo constitutivo do sujeito-leitor e, consequentemente do ser humano. Desse modo, as leituras, sobretudo as leituras literárias, intercaladas às leituras de mundo, potencializam a construção de identidade e subjetividade do leitor. A formação da identidade é um processo em construção constante, portanto, está sempre inacabada. Nesse processo, desta- camos a relevância das personagens-leitoras, que por suas experiên- cias e modos de lidar com os textos literários, contagiam o leitor em- pírico, exercendo um poder sob os modos que esse leitor constitui de se apoderar da literatura. Assim sendo, consideramos que, con- sequentemente, esse “contágio” intervém na identificação da subje- tividade do leitor. Defendemos, neste estudo, a literatura como meio para constru- ção de identidade e de consciência crítica, durante a formação do su- jeito-leitor literário. Acreditamos na ressignificação da realidade por meio das leituras literárias de forma mediada pelo professor com os alunos, tendo como base um ensino sob a égide do letramento so- cial. O desenvolvimento do gosto pela leitura literária torna-se um desafio para a escola, pois que, à frente disso, o ensino de literatura dispõe-se à formação do sujeito-leitor crítico. O letramento literário, por sua vez, é um movimento entre livros, textos e sujeitos. Esse movimento literário pode ser realizado com a participação de pessoas da comunidade, que poderão ler ou con- tar histórias para os alunos. Esse envolvimento produzirá novas lei- turas, novos modos de conceber e compreender a literatura e sua importância para a vida, pois à medida que se forma leitor, forma-se também sujeitos e, sujeitos podem ressignificar a realidade. Dessa maneira, concebemos a formação do sujeito-leitor de lite- ratura por meio do letramento social e do letramento literário, como uma possiblidade que está articulada ao modo de ensinar a literatura ensino da literatura, poéticas e teorias: volume 1 37 e de constituir posições-sujeito que estabelecem uma relação de iden- tidade. Entendemos que a leitura literária é uma ação que não se se- para da realidade do sujeito-aluno. A leitura literária permite uma nova visão de mundo, pois é uma leitura polifônica e, nas muitas vo- zes o leitor dialoga consigo mesmo, compreende o outro, colocan- do-se no lugar desse outro. Por fim, a subjetividade do leitor é ins- tituída por fatores externos ao indivíduo, tais como os textos lidos. Referências AQUINO, L S. O ensino das literaturas africanas e afro-brasileira na matriz curricular do curso de Letras, Campus de Araguaína da UFT. In: RAMOS JUNIOR, D, V., MELO, M. A. (orgs). O ensino de literatura africana: textos, sujeitos e práticas. Palmas – TO: EDUFT, 2018. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. CANDIDO, A. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2017. COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014. FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se com- pletam. 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